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2013-02-05

A Mocidade - Simões Dias


Eu tinha um berço de rosas
Que minha mãe embalava;
Lembram-me ainda as cantigas
Que ao pé do berço cantava:

«Quem me ouvir assim cantando
Cuidará que estou alegre
Trago o coração mais negro,
Que a tinta com que se escreve.»

«Mas quem tem filhos pequenos
Por força lhe há de cantar
Quantas vezes as mães cantam
Com vontade de chorar!»

Ainda agora se escuto
Ás vezes esta cantiga,
Riem-se todos e eu choro
Não sei por que, doce amiga!

Lembram-me os dias felizes,
Os dias da mocidade,
As infantis inocências
Da minha primeira idade.

Lembra-me a face vermelha,
Que tinhas, quando me deste
Um dia de manhã cedo
Aquele beijo celeste!

Era o primeiro: coraste,
O beijo fez-te mais linda.
Depois fugiste. Recordas-te?
Eu lembro-me tanto ainda!

Da fita do teu pescoço
Pendia a cruzinha d'oiro;
Colete branco velava
Das pomas o alvo tesoiro.

Vê se te lembras: que tempos!
Nem tu sabes que saudades
Eu tenho, quando medito
Nessas primeiras idades.

Tu só me vales; se às vezes
Me vês triste e pensativo
Tu que me doiras os ferros,
Em que me vejo cativo!

Se te vejo, vejo a boca
Daquela que me beijava
Se cantas, ouço as cantigas
Que minha mãe me cantava.

Se me aconchegas ao seio
Os seios dela senti;
Se me levas à tua cama
Vejo o berço onde nasci.

Bendita sejas. No mundo
Vales-me tu na suadade
Tu só me tornas aos dias
Felizes da mocidade.

in O Mundo Interior, 2ª Edição melhorada, págs. 82 a 85
Coimbra. Imprensa da Universidade 1867

José Simões Dias (nasceu na Benfeita, Arganil, a 5 de Fevereiro de 1844 e morreu em Lisboa a 3 de Março de 1899).

Ler do mesmo autor neste blog:
Sol entre nuvens
O Teu Lenço


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