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2013-02-28

Soneto XX - Camillo de Jesus Lima

À memória de Laudionor Brasil

Nas horas de desânimo e desgosto,
Sinto essa mão macia, carinhosa,
Maternal, que me afoga as mãos e o rosto,
Perfumada de sândalo e de rosa.

Se me ponha a cismar, o sol já posto,
Exausto dessa via dolorosa,
À cabeça cansada dá-me encosto
E o suor me enxuga a doce mão piedosa.

Tanto falei das mãos nos meus poemas!
Agora, esta me vem mostrar estrelas,
- No manto azul do céu doiradas gemas, -

Num gesto de carinho e de piedade,
Pura entre as puras, bela entre as mais belas,
A MÃO NEVADA E FRIA DA SAUDADE...

Camillo de Jesus Lima (Caetité, Bahia, 8 de setembro de 1912 — Itapetinga, Bahia, 28 de fevereiro de 1975)

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2013-02-27

Poema para a Catarina - Ruy Belo

Hei-de levar-te filha a conhecer a neve
tu que sabes do sol e das marés
mas nunca repousaste os teus pequenos pés
na alvura que só longe e em ti houve

Tinha estado na morte e não pudera
aguentar tamanha solidão
mas depois tive a companhia do nevão
e tu hás-de vir filha com a primavera

E o deslumbrante resplendor da alegria
tua felicidade eterna à vida
já não permitirão tua partida
quando raiar fatal o novo dia

As barcas carregadas com as rosas
virão perto daquela pura voz
abandonada pelos meus longínquos avós
em lagoas profundas perigosas

Não me afecta o mínimo cuidado
sinto-me vertical sinto-me forte
embora leve em mim até à morte
a cabeça de um príncipe coitado

Naquelas madrugadas primitivas
eu segredava um secreto pranto
vizinho da alegria enquanto
pelos dois tu ias de mãos vivas

O costume da minha solidão
é ver pela janela as oliveiras
que de todas as árvores foram as primeiras
que tocaram meu jovem coração

Purificado pelo tempo estou
um tempo de feroz esquecimento
vem minha filha vem neste momento
em que eu liberto ao teu encontro vou

Recordo-me do teu cabelo de chuva
quando tu caminhavas ágil e ladina
pelos desfiladeiros da neblina
nessa distante região da uva

Minha paixão viril serena pelos ritos
deseja que na minha companhia
tu sejas imolada à alegria
na surda região alheia aos gritos

Não olhes o meu rosto devastado pela idade
a vida para mim é como se chovesse
mas se viesses seria como se me acontecesse
cantar contigo a perene mocidade

O tempo em que viesses sim seria
um tempo vertebrado um tempo inteiro
e não meras palavras arrancadas ao tinteiro
e alinhadas em fugaz caligrafia

Viesses tu que a tua vinda afastaria
todos os meus cuidados transeuntes
e para sempre alegre viveria
os meus dias infantes já distantes

A solução da solidão compartilhada
onde vejo o meu mais profundo mundo
seria a solução ampla e sem fundo
oposta sem resposta ao meu país do nada

Com a voracidade do olvido
seria só tu vires e lutares
e por mim de olhos enormes e crepusculares
serias ente querido recebido

Volta com os primeiros anjos de dezembro
num vasto laranjal eu quero amar-te
e então a tua vida há-de ser a minha arte
e o teu vulto a única coisa que relembro

O passado é mentira digo eu
sensível ao esplendor do meio-dia
e sob a árvore plena de alegria
o mínimo cuidado esmoreceu

Ao grande peso de tanto passado
com a insónia da dúvida na testa
basta a tua presença que protesta
e todo eu me sinto renovado


Madrid, 15/V/1977
 in Despeço-me da Terra da Alegria
 
Ruy de Moura Ribeiro Belo nasceu em São João da Ribeira, Rio Maior a 27 de Fevereiro de 1933 e faleceu em Queluz a 8 de Agosto de 1978.

Ler do mesmo autor:

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2013-02-26

Salmos do Prisioneiro II - Jaime de Magalhães Lima

II

Quando a saudade me repete as horas de infância e candidez, há longos anos já contadas e passadas, e sempre tão presentes, renovadas na obsessão de sonhos procurando um reino de pureza onde não chegue o desengano amargo deste mundo que nos perturba a fé e o pensamento, renascem aos meus olhos claramente quantas sombras então me protegiam, quantas árvores então foram afago do despertar das minhas ilusões e das alegrias em que me sorriam. Todas as vejo e todas me repetem a sua formosura e o seu encanto, tais quais nessa alvorada me encontraram, amando-as com um amor que só cresceu, intemerato, isento, incorruptível, sofrendo vária sorte sem mudança, a sorte mais contrária e a mais benigna. Em todos os meus passos me seguiu: foi amparo na dor e acompanhou-me no mais rude trabalho, e no repouso, e na alegria de descuidados dias de ventura.

Aquelas mesmas árvores que amei e o acaso funesto destruiu para consumarem um heróico holocausto de bondade, essas mesmas eu vejo na lembrança, serenas e viçosas como as vi quando o meu coração as descobriu.

Lá ao fundo da encosta, onde a floresta acaba e vem o prado, ainda vejo, do alto do casal que me agasalhava, toda a espessura do pinheiro manso, a marcar o extremo do valado, cerrada e firme, quási insensível ao vento tormentoso dos invernos, e tão estreitamente unida e igual que pareciam tomadas de amizade as hastes apertadas para viverem seu diferente viver em uma só vida, a cumprirem fielmente um juramento, para afrontarem juntas o rigor e para juntas se erguerem em exaltação - comunidade mística de afecto, religioso côro de louvor, a entoarem seus hinos recitados, em severa harmonia, por um só breviário.

E à tarde, quando o sol decaía e as formas se afundavam no crepúsculo, e de manhã, quando rompia a luz além dos montes e a custo ia acordando o salgueiral, a várzea e as amieiras, e ainda quando ela em nuvens se perdia e melancolicamente transformava em palidez e sombra o meio dia, sempre dos ramos do pinheiro vinha uma emanação doirada resplendente, como se o sol ali pousasse sempre, jámais o abandonasse à escuridão, e o defendesse, para que por sua vez a árvore nos desse, perpetuamente, aquela mesma luz que o sol lhe dava e nunca se apagava nos seus ramos.

A pobreza dos homens há muito arrancou já daquela terra, que esplendidamente engrandecia, o pinheiro rebusto a cuja sombra a minha mocidade, cativada de todo o seu podêr e magestade, muitas vezes pediu que lhe dissesse o segredo da sua aspiração e o mistério da sua formosura. Há muito é cinza e pó e ao pó volveu, sacrificado a chamas piedosas. Mas a perene claridade dos seus ramos que, constante, o doirava em doce esmalte, ou o sol brilhasse alto ou se ocultasse, esse sonhar do sol que ali pousava e nunca se extinguia, êsse não se apagou nem dissipou e êsse me prende ainda e me fascina. Vive nos céus onde as estrelas vivem; de lá nos ilumina e guia em nossa estrada; perpassa etéreo em toda a imensidade repetindo-me os salmos que eu ouvi aos ramos do pinheiro murmurando sua ardente oração à luz do sol.
 

Jaime de Magalhães Lima (Aveiro, Vera Cruz, 15 de outubro de 1859 — Aveiro, Eixo, 26 de fevereiro de 1936)

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2013-02-25

De Tarde - Cesário Verde

Naquele pic-nic de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o Sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão de ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!


José Joaquim Cesário Verde ( n. em Lisboa a 25 de Fev 1855; m. Lisboa, 19 Jul 1886).

Ler ainda do mesmo autor, neste blog:
O Sentimento Dum Ocidental - I Ave Marias -
Cristalizações
Eu e Ela
Noite Fechada
Cobertos de folhagem na verdura...
Arrojos
Lúbrica
CONTRARIEDADES
Nós III
Vaidosa

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2013-02-24

Qué pasa ó redor de min? - Rosalía de Castro

¿Qué pasa ó redor de min?
¿qué me pasa qu'eu non sei?
teño medo d'un-ha cousa
que vive e que non se vé.
Teño medo á desgracia traidora
que ven, e que nunca se sabe onde ven.

in Follas Novas

Rosalía de Castro (n. Santiago de Compostela a 24 Fev 1837; m. Padron, Coruña, 15 Jul 1885)
Ler da mesma autora:
Campanas de Bastabales
El Otoño de La Vida
Cuan tristes passam los dias
Dicen que no hablan las plantas
Sed de Amores Tenia
I do not know what I am eternally seeking

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2013-02-23

Ode to a Nightingale - John Keats

MY heart aches, and a drowsy numbness pains
My sense, as though of hemlock I had drunk,
Or emptied some dull opiate to the drains
One minute past, and Lethe-wards had sunk:
'Tis not through envy of thy happy lot,
But being too happy in thine happiness,
That thou, light-wingèd Dryad of the trees,
In some melodious plot
Of beechen green, and shadows numberless,
Singest of summer in full-throated ease.

O for a draught of vintage! that hath been
Cool'd a long age in the deep-delvèd earth,
Tasting of Flora and the country-green,
Dance, and Provençal song, and sunburnt mirth!
O for a beaker full of the warm South! 15
Full of the true, the blushful Hippocrene,
With beaded bubbles winking at the brim,
And purple-stainèd mouth;
That I might drink, and leave the world unseen,
And with thee fade away into the forest dim:

Fade far away, dissolve, and quite forget
What thou among the leaves hast never known,
The weariness, the fever, and the fret
Here, where men sit and hear each other groan;
Where palsy shakes a few, sad, last grey hairs,
Where youth grows pale, and spectre-thin, and dies;
Where but to think is to be full of sorrow
And leaden-eyed despairs;
Where beauty cannot keep her lustrous eyes,
Or new Love pine at them beyond to-morrow.

Away! away! for I will fly to thee,
Not charioted by Bacchus and his pards,
But on the viewless wings of Poesy,
Though the dull brain perplexes and retards:
Already with thee! tender is the night,
And haply the Queen-Moon is on her throne,
Cluster'd around by all her starry Fays
But here there is no light,
Save what from heaven is with the breezes blown
Through verdurous glooms and winding mossy ways.

I cannot see what flowers are at my feet,
Nor what soft incense hangs upon the boughs,
But, in embalmèd darkness, guess each sweet
Wherewith the seasonable month endows
The grass, the thicket, and the fruit-tree wild;
White hawthorn, and the pastoral eglantine;
Fast-fading violets cover'd up in leaves;
And mid-May's eldest child,
The coming musk-rose, full of dewy wine,
The murmurous haunt of flies on summer eves.

Darkling I listen; and, for many a time
I have been half in love with easeful Death,
Call'd him soft names in many a musèd rhyme,
To take into the air my quiet breath;
Now more than ever seems it rich to die,
To cease upon the midnight with no pain,
While thou art pouring forth thy soul abroad
In such an ecstasy!
Still wouldst thou sing, and I have ears in vain—
To thy high requiem become a sod.

Thou wast not born for death, immortal Bird!
No hungry generations tread thee down;
The voice I hear this passing night was heard
In ancient days by emperor and clown:
Perhaps the self-same song that found a path
Through the sad heart of Ruth, when, sick for home,
She stood in tears amid the alien corn;
The same that ofttimes hath
Charm'd magic casements, opening on the foam
Of perilous seas, in faery lands forlorn.

Forlorn! the very word is like a bell
To toll me back from thee to my sole self!
Adieu! the fancy cannot cheat so well
As she is famed to do, deceiving elf.
Adieu! adieu! thy plaintive anthem fades
Past the near meadows, over the still stream,
Up the hill-side; and now 'tis buried deep
In the next valley-glades:
Was it a vision, or a waking dream?
Fled is that music:—do I wake or sleep?

John Keats ( London 31 October 1795 – Tome, 23 February 1821)

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ODE A UM ROUXINOL - John Keats


I
Meu peito dói; um sono insano sobre mim
Pesa, como se eu me tivesse intoxicado
De ópio ou veneno que eu sorvesse até o fim,
Há um só minuto, e após no Letes me abismado:
Não é porque eu aspire ao dom de tua sorte,
É do excesso de ser que aspiro em tua paz –
Quando, Dríade leve-alada em meio à flora,
Do harmonioso recorte
Das verdes árvores e sombras estivais,
Lanças ao ar a tua dádiva sonora.

II
Ah! um gole de vinho refrescado longamente
Na solidão do solo muito além do chão,
Sabendo a flor, a seiva verde e a relva quente,
Dança e Provença e sol queimando na canção!
Ah! uma taça de luz do Sul, plena e solar,
Da fonte de Hipocrene enrubescida e pura,
Com bolhas de rubis à beira rebordada
Nos lábios a brilhar,
Para eu saciar a sede até chegar ao nada
E contigo fugir para a floresta escura.

III
Fugir e dissolver-me, enfim, para esquecer
O que das folhas não aprenderás jamais:
A febre, o desengano e a pena de viver
Aqui, onde os mortais lamentam os mortais;
Onde o tremor move os cabelos já sem cor
E o jovem pálido e espectral se vê finar,
Onde pensar é já uma antevisão sombria
Da olhipesada dor,
Onde o Belo não pode erguer a luz do olhar
E o Amor estremecer por ele mais que um dia.

IV
Adeus! Adeus! Eu sigo em breve a tua via,
Não em carro de Baco e guarda de leopardos,
Antes, nas asas invisíveis da Poesia,
Vencendo a hesitação da mente e os seus retardos;
Já estou contigo! suave é a noite linda,
Logo a Rainha-Lua sobe ao trono e luz
Com a legião de suas Fadas estelares,
Mas aqui não há luz,
Salvo a que o céu por entre as brisas brinda
Em meio à sombra verde e ao musgo dos lugares.

V
Não posso ver as flores a meus pés se abrindo,
Nem o suave olor que desce das ramagens,
Mas no escuro odoroso eu sinto defluindo
Cada aroma que incensa as árvores selvagens,
A impregnar a grama e o bosque verde-gaio,
O alvo espinheiro e a madressilva dos pastores,
Violetas a viver sua breve estação;
E a princesa de maio,
A rosa-almíscar orvalhada de licores
Ao múrmuro zumbir das moscas do verão.

VI
Às escuras escuto; em mais de um dia adverso
Me enamorei, de meio-amor, da Morte calma,
Pedi-lhe docemente em meditado verso
Que dissolvesse no ar meu corpo e minha alma.
Agora, mais que nunca, é válido morrer,
Cessar, à meia-noite, sem nenhum ruído,
Enquanto exalas pelo ar tua alma plena
No êxtase do ser!
Teu som, enfim, se apagaria em meu ouvido
Para o teu réquiem transmudado em relva amena.

VII
Tu não nasceste para a morte, ave imortal!
Não te pisaram pés de ávidas gerações;
A voz que ouço cantar neste momento é igual
À que outrora encantou príncipes e aldeões:
Talvez a mesma voz com que foi consolado
O coração de Rute, quando, em meio ao pranto,
Ela colhia em terra alheia o alheio trigo;
Quem sabe o mesmo canto
Que abriu janelas encantandas ao perigo
Dos mares maus, em longes solos, desolado.

VIII
Desolado! a palavra soa como um dobre,
Tangendo-me de ti de volta à solidão!
Adeus! A fantasia é véu que não encobre
Tanto como se diz, duende da ilusão.
Adeus! Adeus! Teu salmo agora tristemente
Vai-se perder no campo, e além, no rio silente,
Nas faldas da montanha, até ser sepultado
Sob o vale deserto:
Foi só uma visão ou um sonho acordado?
A música se foi – durmo ou estou desperto?

Tradução: Augusto de Campos
(Vialinguagem. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 142-149)






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2013-02-22

Passo a passo - Joaquim Pessoa


A par e passo, passo neste espaço
abrindo a largos golpes largos espaços
e passas, nos meus passos, passo a passo
repassas em abraços os meus braços.
A peso, peso os passos quando piso
os traços com que traço e já trespasso
o passeio nos lenços que desfaço
em lassos laços quando passas
como um punhal perdido em plena praça.

in O Pássaro no Espelho

Joaquim Maria Pessoa (Barreiro, 22 de fevereiro de 1948)
Quero-te para além das coisas justas
Bastava-nos amar. E não bastava...
Se ao menos soubesses tudo o que eu não disse
A Ausência VIII




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2013-02-21

Incompleta Plenitude - Fernando Semana

O silêncio, o vazio, a solidão:
Estados de plenitude da alma.
Não fora a falta do rumorejar do mar,
Este frio na palma da mão
E a inquietude da memória do teu olhar…

Fernando Semana

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Musical suggestion of the day - Nina Simone (on her 80th birthday)



Eunice Kathleen Waymon, best known by her stage name Nina Simone, b. 21 February 1933 Tryon, North Carolina, United States - d. 21 April 2003 Carry-le-Rouet, Bouches-du-Rhône, France)

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2013-02-20

Poema de Outra Viagem ao Porto - Vitorino Nemésio

Noite movida, meu corpo é uma hora antes
Caixa de sangue pronta a amplo socorro.
Eu vou como as manhãs e as sarjas aos doentes:
Sou eu mesmo que morro.
Falto como o menino à vida, escola de ermos.
Quem me dará meus anos, se os perdi?
Só Deus tem paz onde homens gume e fogo,
Do mais não resolvi.
Aqui lá de astro quem
Sobre as águas adusto,
Que nem vendo direi se cumpro ou rego flor?
Tu darás às palavras o que é delas
Como altura com vidros dá janelas
E amor é quando se tem.
Assim te reproduzes.
No redondo das rosas adianto
Como tempo é minha alma por jardim.
Agora não sei mais. Vou para o Porto
Timbre de honra é morar limpo no espanto.
Eu pessoalmente morto.


Vitorino Nemésio Mendes Pinheiro da Silva (n. Praia da Vitória, 19 de Dezembro de 1901 — m. Lisboa, 20 de Fevereiro de 1978)
Ler do mesmo autor:
Já um pouco de vento se demora
Outro Testamento
Semântica electrónica
Loa
Concha

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2013-02-19

Fala do homem nascido - António Gedeão


(Chega à boca da cena, e diz:)

Venho da terra assombrada,
do ventre de minha mãe;
não pretendo roubar nada
nem fazer mal a ninguém.

Só quero o que me é devido
por me trazerem aqui,
que eu nem sequer fui ouvido
no acto de que nasci.

Trago boca para comer
e olhos para desejar.
Com licença, quero passar,
tenho pressa de viver.
Com licença! Com licença!
Que a vida é água a correr.
Venho do fundo do tempo;
não tenho tempo a perder.

Minha barca aparelhada
solta o pano rumo ao norte;
meu desejo é passaporte
para a fronteira fechada.
Não há ventos que não prestem
nem marés que não convenham,
nem forças que me molestem,
correntes que me detenham.

Quero eu e a Natureza,
que a Natureza sou eu,
e as forças da Natureza
nunca ninguém as venceu.

Com licença! Com licença!
Que a barca se fez ao mar.
Não há poder que me vença.
Mesmo morto hei-de passar.
Com licença! Com licença!
Com rumo à estrela polar.

António Gedeão (pseudónimo de Rómulo Vasco da Gama de Carvalho, n. em Lisboa a 24 Nov 1906; m. 19 Fev 1997)

Ler do mesmo autor:
Impressão Digital
Poema do Amor
Poema das Coisas Belas
Poema das Coisas
Poema do Gato
A um ti que eu inventei
Tempo de Poesia
Tudo é foi
Lição sobre a água
Poema da auto-estrada
Rosa branca ao peito
Pedra filosofal
Lágrima de preta
Minha Aldeia

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2013-02-18

Queixa do editor de poesia - Lêdo Ivo


"Poesia não se vende,
Ninguém a entende!"
- suspira o editor.
Poesia! Poesia!
Ninguém te entende.
És como a morte e o amor.

Lêdo Ivo nasceu em Maceió (AL) a 18 de Fevereiro de 1924 e faleceu em Sevilha a 23 de dezembro de 2012.

Ler do mesmo autor, neste blog:
Soneto de Abril
O Alvo
Acontecimento do Soneto


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Diz-me se incomodo - Eeva Kilpi

Diz-me se incomodo,
disse ao entrar,
porque me vou imediatamente.

Não apenas incomodas,
respondi,
como pões de pés para o ar toda a minha existência.
Bem-vindo.


-Trad. de Amadeu Baptista

in Os dias do Amor, um poema para cadas dia do ano
Ministério dos Livros

Eeva Karin Kilpi (Eeva Karin Salo), 18 de fevereiro 1928, Hiitola, Finlândia

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2013-02-17

Viver como os pássaros - Múcio Leão

Não cuides desta vida, unicamente.

Que importa o que amanhã ireis vestir?

A vida é um bem apenas aparente
E o corpo humano um simples manto triste,
Que se desfaz em poeira lentamente...

in Tesouro recôndito, 1926

Múcio Carneiro Leão (Recife, 17 de fevereiro de 1898 — Rio de Janeiro, 12 de agosto de 1969)

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2013-02-16

AS ESTRELAS (Trovas) - Adelmar Tavares

No céu, - frente à sua casa,
primeira vez que a beijei,
brilhava, linda, uma estrela...
ninguém nos viu, bem o sei.

Mas não sei que disse a estrela,
que há, desde essa ocasião,
bem defronte à sua casa,
toda uma constelação...


Adelmar Tavares da Silva (Recife, 16 fevereiro 1888 - Rio de Janeiro, 20 junho 1963)

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2013-02-15

Tomar ou levar no cu: eis a questão e o caso das faturas (na hora ou no 5º dia?)

“Queria apenas avisar que, se por acaso, algum senhor da Autoridade Tributária e Aduaneira tentar «fiscalizar-me» à saída de uma loja, um café, um restaurante ou um bordel (quando forem legalizados) com o simpático objectivo de ver se eu pedi factura das despesas realizadas, lhe responderei que, com pena minha pela evidente má criação, terei de lhe pedir para ir tomar no cu, ou, em alternativa, que peça a minha detenção por desobediência”, escreve Francisco José Viegas no seu blog A origem das espécies dirigindo-se ao «Caro Paulo Núncio» ou seja ao atual Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

Admito que milhares de portugueses pensem semelhantemente mas só mesmo uma personalidade com responsabilidades culturais e políticas (a demisssão do cargo de Secretário de Estado da Cultura não implica o afastamento imediato delas enquanto figura pública) é que poderia escrever isso. Até porque admito eu grande parte dos portugueses (pelo menos, a norte) diria «vai levar...» em vez de «vai tomar»...

Quanto mais se sobe maior é a admissibilidade e tolerância para as asneiras que dizem e cometem... São os bancários... são os políticos... e ex-políticos...

Coitados dos governados... (e desempregados - já só faltam 70 mil para um milhão!) que, para além da sua situação real, têm de «tomar» com uma «élite» deste nível!

Já agora, se me acontecer a mim, eu exibirei a fatura mas se não a tiver direi para irem passear... e voltarem no prazo de cinco dias. Afinal, nos termos do artigo 36º nº. 1 alínea a) do Código do IVA « a fatura... deve ser emitida o mais tardar no 5º dia útil seguinte ao do momento em que o imposto é devido nos termos do artigo 7º.» Por isso...

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Transcrição de alguns comentários à exigência de faturas encontrados na net:

 Hoje um Banco cobrou-me uma comissão e respectivo IVA e não me passou factura. Disse que era debitado na conta. Será que posso ser preso ao sair do Banco? (anónimo)

OH PÁ...VAI DAR BANHO AO CÃO! ISTO É TUDO TRETA...QUE ME VENHAM PEDIR A FACTURA Á SAÍDA DA TASCA, DEPOIS DE TER BEBIDO TRÊS OU QUATRO COPOS...QUE EU VOU PAGAR A CORRER A CONTRA ORDENAÇÃO. TENHAM VERGONHA...E PRENDAM QUEM ROUBA OS CONTRIBUINTES. E QUE TODA GENTE SABE QUEM SÃO ELES. (Fididido)
Fui hoje a uma clínica dentária e não me passaram factura, passaram-me um recibo (anónimo).

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Infância - Helena Kolody

Aquelas tardes de Três Barras,
Plenas de sol e de cigarras!

Quando eu ficava horas perdidas
Olhando a faina das formigas
Que iam e vinham pelos carreiros,
No áspero tronco dos pessegueiros.

A chuva-de-ouro
Era um tesouro,
Quando floria.
De áureas abelhas
Toda zumbia.
Alfombra flava
O chão cobria...

O cão travesso, de nome eslavo,
Era um amigo, quase um escravo.

Merenda agreste:
Leite crioulo,
Pão feito em casa,
Com mel dourado,
Cheirando a favo.

Ao lusco-fusco, quanta alegria!
A meninada toda acorria
Para cantar, no imenso terreiro:
“Mais bom dia, Vossa Senhoria”...
“Bom barqueiro! Bom barqueiro...”
Soava a canção pelo povoado inteiro
E a própria lua cirandava e ria.

Se a tarde de domingo era tranquila,
Saía-se a flanar, em pleno sol,
No campo, recendente a camomila.
Alegria de correr até cair,
Rolar na relva como potro novo
E quase sufocar, de tanto rir!

No riacho claro, às segundas-feiras,
Batiam roupas as lavadeiras.
Também a gente lavava trapos
Nas pedras lisas, nas corredeiras;
Catava limo, topava sapos
(Ai, ai, que susto! Virgem Maria!)

Do tempo, só se sabia
Que no ano sempre existia
O bom tempo das laranjas
E o doce tempo dos figos...

Longínqua infância... Três Barras
Plena de sol e cigarras!

in A Sombra no Rio, 1951

Helena Kolody (n. Cruz Machado, Paraná, 12 de outubro de 1912 — Curitiba, Paraná, 15 de fevereiro de 2004)

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Quotation of the day / Citação do dia - Jeremy Bentham

"Não importa se os animais são incapazes ou não de pensar; não importa se eles podem ou não falar; o que importa é que são capazes de sofrer".

"It doesn't matter if they can reason; it doesn't matter if they can speak; what does matter is if they can suffer."

Jeremy Bentham (London, England 15 February 1748 - London, England, 6 June 1832)

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2013-02-14

Portugal (futebolístico) regressou aos mercados internacionais

Bayer 04 Leverkusen logoBenfica logoBayer 04


0-1


Benfica

Cardozo é grande goleador...


O Benfica acaba de vencer pela segunda vez (em vinte jogos disputados!) em terras alemãs. Depois do épico empate de 1994 a quatro golos frente a este Bayer Leverkusen que eliminou os alemães (após empate caseiro a um golo) e que os alemães por psicoterapia defensiva reecusam recordar, os encarnados de Lisboa (que desta vez jogaram de negro) mostraram que a cor deste Benfica é bem mais brilhante. O primeiro triunfo do Benfica na Alemanha também foi conseguido por Jesus: triunfo em Estugarda por 2-0.
Assim como os benfiquistam podiam ter aspirado a um triunfo por dois golos - Ola John em boa posição preferiu um chapéu que saiu de aba alta - os alemães tiveram algumas chances evidentes de golo, principalmente na segunda parte. No último dos três minutos de descontos Melgarejo assegurou o triunfo evitando que um chapéu sobre Artur tivesse terminado dentro da baliza.
Em clima frio e a neve a cair durante todo o encontro o Benfica começou bem o jogo, personalizado, a jogar no campo todo mas terminou a primeira parte já em postura defensiva após a lesão de André Gomes ter sido substituído pelo frio Enzo Perez.
Na segunda parte os alemães assumiram mais uma postura ofensiva e o Benfica jogou com o bloco mais baixo mas a criatividade dos jogadores da frente Gaitán mais os alas Ola John e Urreta (substituído, entretanto, por volta da uma hora de jogo por Salvio) dava esperanças para a marcação de um golo.

Os alemães estiveram perto de ganhar vantagem numa jogada de alguma confusão na área benfiquista mas foi o Benfica a marcar aos 61'. Um cruzamento atrasado da direita por André Almeida para a marca de penalty com Cardozo (que souplesse!) a sentar o defesa central com um toque e a desviar a bola do guarda-redes com outro! Em terras da senhora Merkl o Benfica demonstrava que (mesmo sem dinheiro) era digno de crédito...



Os alemães responderam em busca do empate e remataram muito (vinte e cinco remates em todo o jogo) mas apenas cinco dirigidos à baliza ou seja tantos os quantos a equipa poruguesa também granjeou fazer (em nbove tentativas). Em termos disciplinares foram três cartões para os alemães (um por protestos a Kiessling após marcação de um fora de jogo, aliás bem assinalado). Aliás, avance-se que a equipa de arbitragem espanhola esteve muito bem e não cedeu às pressões exercidas sobre Luisão (o tal grandalhão que durante a pré-época, em jogo particular, deu um encosto ao árbitro e pô-lo KO!).
Este resultado abre boas perspectivas para o apuramento mas não pode haver excessos de confiança porque esta equipa alemã pareceu bem melhor a jogar nas transições ofensivas do que em ataque planeado. Mas tendo ganho em Leverkusen (com cerca de cinco mil portugueses a manifestarem-se ruidosamente) ao Benfica basta empatar mesmo sofrendo golos, Por isso... 

Ficha do jogo:
UEFA Europa League Round of 32
14 February 2013, 19:00 CET (18:00 em Portugal)
Estádio BayArena em Leverkusen
Árbitro:  Antonio Mateu Lahoz (ESP)

Bayer 04: Leno, Hosogai (Boenisch 82'); Wollscheid, Schwabb, Hegeler;  Bender, Rolfes, Castro (Milik 70'), Schürrler (Sam 46'), Kiessling.

Benfica: Artur, André Almeida, Luisão, Garay e Melgarejo; Matic, André Gomes (Enzo Perez 42'), Ola John e Urreta (Salvio 57'), Gaitán, Cardozo (Lima 72') 

Golos: Cardozo 61' 0-1;
Disciplina: 45' Melgarejo vê o cartão amarelo por travar um contra-atque ainda na zona do meio-campo;
53' Cartão amarelo para Bender;
73' Cartão amarelo para Gaitán por agarrar com veemência um adversário;
76' Cartão amarelo para Kiessling por protestos;
81' Cartão amarelo para Milic.

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rosa para gertrude - Augusto de Campos


extraído daqui

Augusto Luís Browne de Campos (nasceu em São Paulo, 14 de fevereiro de 1931)

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2013-02-13

PAUSA - Antonia Pozzi

Parecia-me que este dia
sem ti
devia ser inquieto,
escuro. Em vez disso está repleto
de uma estranha doçura, que aumenta
com o passar das horas –
quase como a terra
após um aguaceiro,
que fica sozinha no silêncio a beber
a água caída
e pouco a pouco
nas veias mais profundas se sente
penetrada.

A alegria que ontem foi angústia,
tempestade –
regressa agora em rápidas
golfadas ao coração,
como um mar amansado:
à luz suave do sol reaparecido brilham,
inocentes dádivas,
as conchas que a onda
deixou sobre a praia.


Tradução de Inês Dias
in Morte de uma estação, Averno

Antonia Pozzi (Milan, 13 fevereiro 1912 – Milan, 3 dezembro 1938)

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2013-02-10

PROFISSÃO DE FÉ - Agostinho José Muniz


Capitólio longínquo, onde quer que demores
Um dia hei de alcançar-ter, do meu ideal ao fim...
Que não me falta a fé, nem me falece ardores,
Não me conduza, embora, em áureo bergantim.

Não por palmas, lauréis, púrpura, sólidos, sólios, flores,
Sagrações pessoais, ou pedestaes de marfim...
Mais a vida da Idéia – a Obra cheia de esplendores,
Tal qual mente a sonhei e a sinto dentro de mim

Hei-de vê-la surgir, alevantar-se e erecta,
Florescer, a dar frutos, influindo directa
Em mais altos ideaes da moça geração

Que não quero outra glória e nem sonho outro feito
E nem pode viver no estreito do meu peito
Mais elevado anseio, mais larga aspiração


Agostinho José Muniz nasceu em 10 de fevereiro de 1901, na cidade de Juazeiro-BA, faleceu em 10 de janeiro de 1960.

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Vigarice

Mais uma vez hoje PP começou com a atribuição do campeonato ao FCP. Ao mesmo tempo, que o CD da Federação preparou a absolvição do FCP no caso de utilização irregular de jogadores na Taça da Liga a nomeação de PP para o jogo da Madeira onze meses depois de ter dado título de campeão na época passada ao FCP, foi a encomenda perfeita.

Corrupção de primeiro nível! Ter o poder na arbitragem e ter o poder na Disciplina é o que interessa...

O resto são cantigas...

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2013-02-08

Oh pastor que choras - José Gomes Ferreira


Oh pastor que choras 

o teu rebanho onde está? 

Deita as mágoas fora, 

carneiros é o que mais há 


uns de finos modos 

outros vis por desprazer... 

Mas carneiros todos 

com carne de obedecer. 


Quem te pôs na orelha 

essas cerejas, pastor? 

São de cor vermelha, 

vai pintá-las de outra cor. 


Vai pintar os frutos, 

as amoras, os rosais... 

Vai pintar de luto, 

as papoilas dos trigais.

(Letra de José Gomes Ferreira/música e voz de Fausto Bordalo Dias)



Ler do mesmo poeta, neste blog

José Gomes Ferreira (n. no Porto a 9 Jun 1900, m. 8 Fev 1985)

Ler do mesmo autor:

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2013-02-07

Poesia Depois Da Chuva - Sebastião da Gama

Depois da chuva o Sol - a graça.
Oh! a terra molhada iluminada!
E os regos da água atravessando a praça
- Luz a fluir, num fluir imperceptível quase.

Canta, contente, um pássaro qualquer.
Logo a seguir, nos ramos nus, esvoaça.
O fundo é branco - cal fresquinha no casario da praça.

Guizos, rodas rodando, vozes claras no ar.

Tão alegre este Sol! Há Deus. (Tivera-O eu negado
antes do Sol, mas duvidava agora.)
Ó Tarde virgem, Senhora Aparecida! Ó Tarde igual
às montanhas do princípio!

E tu passaste, flor dos olhos pretos que admiro.
Grácil, tão grácil!... Pura imagem da Tarde...
Flor levada nas águas, mansamente...

(Fluía a luz, num fluir imperceptível quase...)


(Pelo Sonho é que Vamos, 1953)

in Poemas Portugueses Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI
Porto Editora

Sebastião Artur Cardoso da Gama (n. em Vila Nogueira de Azeitão, Setúbal, a 10 de Abril de 1924; m. em Lisboa a 7 de Fevereiro de 1952

Do mesmo autor:
Crepuscular
Nasci para ser ignorante
Pequeno Poema
O Sonho
Madrigal
Poema da Minha Esperança
Meu País Desgraçado
Largo do Espírito Santo, 2 - 2º
Anunciação

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Ao Pé do Túmulo - Auta de Souza

Eis o descanso eterno, o doce abrigo
Das almas tristes e despedaçadas;
Eis o repouso, enfim; e o sono amigo
Já vem cerrar-me as pálpebras cansadas.

Amarguras da terra! eu me desligo
Para sempre de vós... Almas amadas
Que soluças por mim, eu vos bendigo,
Ó almas de minh’alma abençoadas.

Quando eu d’aqui me for, anjos da guarda,
Quando vier a morte que não tarda
Roubar-me a vida para nunca mais...

Em pranto escrevam sobre a minha lousa:
"Longe da mágoa, enfim, no céu repousa
Quem sofreu muito e quem amou demais".



Auta de Souza (Macaíba, 12 de setembro de 1876 — Natal, 7 de fevereiro de 1901)

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2013-02-06

GUMES DE NÉVOA - José Craveirinha


Lágrimas?
Ou apenas dois intoleráveis
ardentes gumes de névoa
acutilando-me cara abaixo?


José João Craveirinha (Lourenço Marques, atual Maputo, 28 de Maio de 1922 — Maputo, 6 de Fevereiro de 2003)

Ler do mesmo autor neste blog:
Karingana ua Karingana
Um Homem Não Chora
Aforismo
Eu Quero Ser Tambor





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2013-02-05

A Mocidade - Simões Dias


Eu tinha um berço de rosas
Que minha mãe embalava;
Lembram-me ainda as cantigas
Que ao pé do berço cantava:

«Quem me ouvir assim cantando
Cuidará que estou alegre
Trago o coração mais negro,
Que a tinta com que se escreve.»

«Mas quem tem filhos pequenos
Por força lhe há de cantar
Quantas vezes as mães cantam
Com vontade de chorar!»

Ainda agora se escuto
Ás vezes esta cantiga,
Riem-se todos e eu choro
Não sei por que, doce amiga!

Lembram-me os dias felizes,
Os dias da mocidade,
As infantis inocências
Da minha primeira idade.

Lembra-me a face vermelha,
Que tinhas, quando me deste
Um dia de manhã cedo
Aquele beijo celeste!

Era o primeiro: coraste,
O beijo fez-te mais linda.
Depois fugiste. Recordas-te?
Eu lembro-me tanto ainda!

Da fita do teu pescoço
Pendia a cruzinha d'oiro;
Colete branco velava
Das pomas o alvo tesoiro.

Vê se te lembras: que tempos!
Nem tu sabes que saudades
Eu tenho, quando medito
Nessas primeiras idades.

Tu só me vales; se às vezes
Me vês triste e pensativo
Tu que me doiras os ferros,
Em que me vejo cativo!

Se te vejo, vejo a boca
Daquela que me beijava
Se cantas, ouço as cantigas
Que minha mãe me cantava.

Se me aconchegas ao seio
Os seios dela senti;
Se me levas à tua cama
Vejo o berço onde nasci.

Bendita sejas. No mundo
Vales-me tu na suadade
Tu só me tornas aos dias
Felizes da mocidade.

in O Mundo Interior, 2ª Edição melhorada, págs. 82 a 85
Coimbra. Imprensa da Universidade 1867

José Simões Dias (nasceu na Benfeita, Arganil, a 5 de Fevereiro de 1844 e morreu em Lisboa a 3 de Março de 1899).

Ler do mesmo autor neste blog:
Sol entre nuvens
O Teu Lenço

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2013-02-04

Não Te Amo - Almeida Garret


Não te amo, quero-te: o amar vem d'alma.
E eu n'alma - tenho a calma,
A calma - do jazigo.
Ai! não te amo, não.

Não te amo, quero-te: o amor é vida.
E a vida - nem sentida
A trago eu já comigo.
Ai! não te amo, não!

Ai! não te amo, não; e só te quero
De um querer bruto e fero
Que o sangue me devora,
Não chega ao coração.

Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela.
Quem ama a aziaga estrela
Que lhe luz na má hora
Da sua perdição?

E quero-te, e não te amo, que é forçado,
De mau feitiço azado
Este indigno furor.
Mas oh! não te amo, não.

E infame sou, porque te quero; e tanto
Que de mim tenho espanto,
De ti medo e terror...
Mas amar!... não te amo, não.
Extraído de Poemas Portugueses, Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, Porto Editora

João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett (n. no Porto a 4 de Fev. 1799; m. em Lisboa 9 Dez. 1854)

Ler do mesmo autor:
A Rosa - Um Suspiro
Os Meus Desejos
Seus Olhos
Este Inferno de Amar
Rosa sem Espinhos
Seus Olhos
Destino
Não És Tu

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2013-02-01

ESTELA E NIZE - Alvarenga Peixoto

Eu vi a linda Estela, e namorado
Fiz logo eterno voto de querê-la;
Mas vi depois a Nize, e é tão bela,
Que merece igualmente o meu cuidado.

A qual escolherei, se neste estado
Não posso distinguir Nize de Estela?
Se Nize vir aqui, morro por ela;
Se Estela agora vir, fico abrasado.

Mas, ah! que aquela me despreza amante,
Pois sabe que estou preso em outros braços,
E esta não me quer por inconstante.

Vem, Cupido, soltar-me destes laços,
Ou faz de dois semblantes um semblante,
Ou divide o meu peito em dois pedaços!


Inácio José de Alvarenga Peixoto (Rio de Janeiro, 1 de Fevereiro 1742/1744 — Ambaca, Angola, 27 de Agosto 1792 ou 1 de Janeiro 1793)

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