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2011-01-31

Coisas, Pequenas Coisas - Fernando Namora

Fazer das coisas fracas um poema.

Uma árvore está quieta,
murcha, desprezada.
Mas se o poeta a levanta pelos cabelos
e lhe sopra os dedos,
ela volta a empertigar-se, renovada.
E tu, que não sabias o segredo,
perdes a vaidade.
Fora de ti há o mundo
e nele há tudo
que em ti não cabe.

Homem, até o barro tem poesia!
Olha as coisas com humildade.

(Mar de Sargaços 1939)

Extraído de Poemas Portugueses Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, Porto Editora

Fernando Namora (n. em Condeixa a 15 de Abril de 1919; m. em Lisboa a 31 Jan. 1989)

Ler do mesmo autor, neste blog: Intimidade

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BAKER ! - Luís de Montalvor

De qualquer ilha escondida
no quente mar colorista,
veio essa Baker trazida
pla mão da 5ª avenida:
o roteiro fantasista.

Essa negra Josefina
deixou Colombo vexado
ligando a terra-menina,
que é branca e Greco-latina,
ao continente sobrado...

Um demónio de negrura:
trópico aroma se exala...
Seu corpo a imagem e figura
de um brônzeo clima, em tontura,
cercando à noite a senzala!

O ritmo antigo é perdido,
outro mundo volverá.
Nesta Europa sem sentido
a Baker marca o ruído
e o mediano o Dekobrá!

Façam batuque, batuque!
plantem na Europa o Haiti.
- Caliça que a alma amachuque!
que caia o tecto de estuque
no Senhor de Valery!

Velha casa brazonada,
deu-lhe o vento de ruína.
A celta flôr desfolhada,
morreu de tédio, pisada
aos pés dessa Josefina!


in Poemas Portugueses Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, Porto Editora

LUÍS DE MONTALVOR era o pseudónimo literário de Luís Filipe de Saldanha da Gama da Silva Ramos, que nasceu em São Vicente de Cabo Verde a 31 de Janeiro de 1891 e pereceu afogado no rio Tejo, em Lisboa, juntamente com a família, num acidente automóvel aparentemente suicida, a 2 de Março de 1947.

Ler do mesmo autor, neste blog: Tarde; Infante - I

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2011-01-30

PRELÚDIO - Alda Lara

"Mãe Negra" - José Bernardo Salazar
Museu de Arte do Parlamento de São Paulo

Pela estrada desce a noite
Mãe-Negra, desce com ela…

Nem buganvílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guisos,
nas suas mãos apertadas.
Só duas lágrimas grossas,
em duas faces cansadas.

Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro…

Tem voz de noite, descendo,
de mansinho, pela estrada…

Que é feito desses meninos
que gostava de embalar?…

Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar?…
Quem ouve agora as histórias
que costumava contar?…

Mãe-Negra não sabe nada…

Mas ai de quem sabe tudo,
como eu sei tudo
Mãe-Negra!…

Os teus meninos cresceram,
e esqueceram as histórias
que costumavas contar…

Muitos partiram p’ra longe,
quem sabe se hão-de voltar!…
Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no regaço,
bem quieta bem calada.

É a tua a voz deste vento,
desta saudade descendo,
de mansinho pela estrada.


Alda Ferreira Pires Barreto de Lara Albuquerque, nasceu em Benguela, Angola, a 9 de Junho de 1930 e faleceu em Cambambe a 30 de Janeiro de 1962.

Ler da mesma autoria, neste blog: Regresso

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Lundu de Pai João (séc. XIX)

“Quando iô tava na minha tera
Iô chamava capitão
Chega na terra dim baranco
Iô me chama – Pai João

Quando iô tava na minha terá
Comia mia garinha,
Chega na terra dim baranco
Carne seca com farinha.

Quando iô tava na minha tera
Iô chamava generá,
Chega na terra dim baranco
Pega o cêto vai ganhá.

Dizaforo dim baranco
Nó si póri atura
Tá comendo, tá drumindo.
Manda nego trabaiá.

Baranco dize quando more
Jesucrisso que levou,
E o pretinho quando more
Foi cachaça que matou

(...)

Baranco dize – preto fruta,
Preto fruta co rezão;
Sinhô baranco também fruta
Quando panha casião.

Nosso preto fruta garinha
Fruta saco de fuijão;
Sinhô baranco quando fruta
Fruta prata e patacão.

Nosso preto quando fruta
Vai pará na coreção,
Sinhô baranco quando fruta
Logo sai sinhô barão.”

Extraído de APOSTILA DE HISTÓRIA DO BRASIL III, Prof. Marcos Alvito

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2011-01-29

A Um Corpo Perfeito - Gomes Leal



Nenhum corpo mais lácteo e sem defeito
Mais róseo, escultural e feminino,
Pode igualar-se ao seu, branco e divino
Imóvel, nú, sobre o comprido leito! -

Nada te iguala! O ferro do assassino
Podia, hoje, matá-la, que o meu peito
Seria o esquife embalsamado e fino
D'aquele corpo sem rival, perfeito.

Por isso é muito altiva e apetecida; -
E o gozo sensual de a ver vencida
Há-de ser forte, estranho e singular...

Como o das coisas dignas de castigo;
- Ou d'um amante sacerdote antigo,
Derrubando uma deusa d'um altar.


in 'Claridades do Sul'

António Gomes Leal (n. em Lisboa a 6 Jun 1848; m. 29 Jan 1921)

Ler do mesmo autor, neste blog:
O Amor do Vermelho (Nevrose de um Lord)
A Lady

Romantismo
Som e Cor
O Visionário ou Som e Cor III
Cantiga de Campo
À Janela do Ocidente

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2011-01-28

Taça com asas / Copa com alas - José Martí

Uma taça com asas: quem a viu
Antes de mim? Vi-a ontem. Subia
Com lenta majestade, como quem verte
Óleo sagrado: em suas doces bordas
Meus delicados lábios apertava:
Nem uma gota sequer, nem uma gota
Do bálsamo perdi que houve em teu beijo!

Tua cabeça de negra cabeleira
-Lembras-te? - com minha mão pedia,
Pra que de mim teus lábios generosos
Não se afastassem. - Serena como o beijo
Que a ti me transfundia era a suave
Atmosfera em redor: a vida inteira

Senti que a mim, abraçando-te, abraçava!
Perdi de vista o mundo, e seus ruídos,
Sua invejosa e bárbara batalha!
Uma taça subia pelo espaço
E eu, em braços não vistos reclinado,
Atrás dela, nas doces bordas preso:
Pelo espaço azul eu ascendia!

Oh amor, oh imenso, oh artista perfeito!:
Em roda ou em carril funde o ferreiro o ferro:
Uma flor ou mulher ou águia ou anjo
Em ouro ou prata o ourives cinzela:
Apenas tu, só tu, sabes o modo
De reduzir o Universo a um beijo!

Trad. José Bento
in Rosa do Mundo, 2001 Poemas para o Futuro, Porto Editora

Versão original

Una copa con alas: quién la ha visto
antes que yo? Yo ayer la vi. Subía
con lenta majestad, como quien vierte
óleo sagrado: y a sus bordes dulces
mis regalados labios apretaba:?
Ni una gota siquiera, ni una gota
del bálsamo perdí que hubo en tu beso!

Tu cabeza de negra cabellera
?Te acuerdas?? con mi mano requería,
porque de mí tus labios generosos
no se apartaran. ?Blanda como el beso
que a ti me transfundía, era la suave
atmósfera en redor: La vida entera
sentí que a mí abrazándote, abrazaba!
Perdí el mundo de vista, y sus ruidos
y su envidiosa y bárbara batalla!
Una copa en los aires ascendía
y yo, en brazos no vistos reclinado
tras ella, asido de sus dulces bordes:
Por el espacio azul me remontaba!

Oh amor, oh inmenso, oh acabado artista:
en rueda o riel funde el herrero el hierro:
una flor o mujer o águila o ángel
en oro o plata el joyador cincela:
Tú sólo, sólo tú, sabes el modo
de reducir el Universo a un beso!


José Julián Martí Pérez (Havana, 28 Jan 1853 – Dos Ríos, 19 May 1895)

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Amor e Razão - Filinto de Almeida

A Alberto Pereira Leite
Sempre a razão vencida foi de amor.
CAMÕES.

Por que me hei de importar? Se a Razão pede
Sacrifícios, com lágrimas os paga.
Se tenho no meu peito aberta chaga,
Ela nenhum alívio me concede.

"Pára, infeliz! Alguém teus passos mede...
Se em gozos a tua alma se embriaga,
Todos os teus sentidos prende e esmaga,
Que sentir e gozar o mundo impede!"

"Se tens um coração e nele oculta
Uma paixão qualquer, ou triste ou grata,
Fere-o, e no peito toda a dor sepulta."

Isto a Razão nos diz contra a Paixão.
Mas se esta nos dá vida, e aquela mata
Que vença o Amor, e esmague a Razão.


25 de dezembro de 1884.
(Lírica, 1887.)

Francisco Filinto de Almeida (n. no Porto em 4 Dez. 1857; m. no Rio de Janeiro, RJ, em 28 Jan. 1945).

Ler do mesmo autor: Funesta
Último Apelo

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On this day in History - Jan. 28

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2011-01-27

A VOZ DO TEMPO - Vasco da Gama Rodrigues

Num leito sensual de águas vivas
Um corpo virginal
vestido de azul sidério
Detem-se adormecido
Num poderoso manto de mistério!
Porém, leito e corpo
Arrancam às bocas lendas tenebrosas,
Suscitam rosários de presságios e medos!

As suas formas,
Que se espreguiçam voluptuosas
Entre lodos, areias e rochedos,
Num caos de estranho esquecimento,
E os caminhos,
Que o tempo tem ciosamente fechados,
Arrancam às bocas lendas tenebrosas,
Suscitam rosários de presságios e medos!

É ela uma formosa Princesa,
Entre laços de bruma, cativa,
Que esconde um tesoiro vasto e profundo,
Um vaso de néctar rutilante
Em lugar secreto e distante do Mundo!
Porém, seu corpo, leito e vaso ocultos
Arrancam ás bocas lendas tenebrosas,
Suscitam rosários de presságios e medos!


(in "Os Atlantes", Lisboa, 1961)

Vasco da Gama Rodrigues (nasceu em Paul do Mar, concelho da Calheta, Ilha da Madeira a 27 de Janeiro de 1909; m. em 3 de Maio de 1991).

Ler do mesmo autor, neste blog: Ilha dos Amores

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Estado de Sítio - Vera Sousa Silva

Que importância tem esta gente
que rouba, atraiçoa, mente
sem qualquer tipo de pudor?

Quanta fome aqui se passa
enquanto vive em estado de graça
o político sem valor?

Quantas mãos serão precisas
para que atitudes concisas
mudem o estado da nação?

Queremos fazer a mudança
criando rios de esperança...
Quantos braços se erguerão?


Vera Sousa Silva nasceu em Lisboa, a 27 de Janeiro de 1974.
Sítio da autora

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On this day in History - Jan. 27

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