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2018-07-10

Minuete - Augusto Meyer



O minuete das flores vai começar.

Há uma rosa vermelha que balouça, balouça,
em reverência a um lírio.

Tocam os grilos escondidinhos para a quadrilha.

Há um crisântemo crespo muito orgulhoso,
e sua corola parece que gira.
Ele dança imóvel — consigo mesmo…

As folhas secas também valsam,
— realejo ao vento —
valsam remoinhos silenciosos,
— folhas ingênuas — baile de pobres…

Dançam as flores, dançam perfumes na minha alma.
0 minuete das mágoas vai começar.
Minha alma não dança com as outras almas:
— dança imóvel — consigo mesma…

Augusto Meyer (Porto Alegre, 24 de janeiro de 1902 — Rio de Janeiro, 10 de julho de 1970)

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2018-07-05

A Demora - Mia Couto

O amor nos condena:
demoras
mesmo quando chegas antes.
Porque não é no tempo que eu te espero.

Espero-te antes de haver vida
e és tu quem faz nascer os dias.

Quando chegas
já não sou senão saudade
e as flores
tombam-me dos braços
para dar cor ao chão em que te ergues.

Perdido o lugar
em que te aguardo,
só me resta água no lábio
para aplacar a tua sede.

Envelhecida a palavra,
tomo a lua por minha boca
e a noite, já sem voz
se vai despindo em ti.

O teu vestido tomba
e é uma nuvem.
O teu corpo se deita no meu,
um rio se vai aguando até ser mar.

in " idades cidades divindades"

António Emílio Leite Couto, que usa o pseudónimo literário de Mia Couto, nasceu na Beira, em Moçambique, em 5 de julho de 1955

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2018-07-04

No centenário do nascimento de Adolfo Casais Monteiro - PERMANÊNCIA


         Não peçam aos poetas um caminho. O poeta
         não sabe nada de geografia celestial.
         Anda aos encontrões da realidade
         sem acertar o tempo com o espaço.
         Os relógios e as fronteiras não tem
         tradução na sua língua. Falta-lhe
         o amor da convenção em que nas outras
         as palavras fingem de certezas.
         O poeta lê apenas os sinais
         da terra. Seus passos cobrem
         apenas distâncias de amor e
         de presença. Sabe
         apenas inúteis palavras de consolo
         e mágoa pelo inútil. Conhece
         apenas do tempo o já perdido; do amor
         a câmara escura sem revelações; do espaço
         o silêncio de um vôo pairando
         em toda a parte.
         Cego entre as veredas obscuras é ninguém e nada          sabe
         — morto redivivo.

         Tudo é simples para quem
         adia sempre o momento
         de olhar de frente a ameaça
         de quanto não tem resposta.
         Tudo é nada para quem
         descreu de si e do mundo
         e de olhos cegos vai dizendo:
         Não há o que não entendo.

Adolfo Casais Monteiro (nasceu no Porto a 4 de Julho de 1918 e faleceu em São Paulo a 23 de Julho de de 1972)

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