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2017-02-26

INTERIOR - Fernando Echevarria


Os espelhos estudam pelo inverno
o brilho do seu timbre envelhecido.
Auscultam nimbos últimos. No intento
de sugerirem cantos, quando os vidros

ângulos abrem fundos ao silêncio
e o crescimento dum lugar antigo.
A luz, depois, recolhe-se ao momento
de estar ensimesmando os tempos idos.

Que, frágeis, fulgem, quase nem reflexos
de um mundo sonolento de vestígios.
Depois ainda, a superfície um vento

esculpe. Efígies e apagados signos
adormecem em paz. Enquanto o espelho
atento guarda a escuridão do sítio.

in Uso de Penumbra

Fernando Ferreira Echevarría, poeta português, nasceu em Cabezón de la Sal, Santander, Espanha, a 26 de fevereiro de 1929.

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2017-02-24

E POR VEZES - David Mourão-Ferreira (nascido há 90 anos)

Abraço imagem daqui

E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos.

Extraído de Rosa do Mundo, 2001 Poemas para o Futuro, Assírio & Alvim

David de Jesus Mourão-Ferreira (n. em Lisboa a 24 de fevereiro de 1927; m. Lisboa a 16 de junho de 1996)

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2017-02-23

Coroam-nos de rosas e de glórias - Fernanda Seno


Coroam-nos de rosas e de glórias.
As rosas cedo secam.
E as glórias
são todas transitórias como nós.
Os louros que colhemos pelos caminhos
e essas alegrias que há nos dias,
são por causa da luz misteriosa
que faz vibrar de canto a nossa voz.
As glórias e os louvores não são para nós.
Somos apenas frágeis emissários
da melodia esparsa no universo
que não cabe no mais excelso verso.
Somos só os lugares de acontecer.
De tentar exprimir o Amor total.
Somos sinos.
Reflexos de vitral.
Passam por nós os sons de sinfonias,
cantares de água ou de lumes crepitantes,
centelhas de poentes,
harmonias de ciareiras distantes.
Aves intemporais pelos espaços
bebendo a luz dos astros e a cor
queremos erguer as asas
e é de rastos, que tanta vez compomos o louvor.

É sempre aquém do Sonho a nossa voz.
Tudo o que é Belo, Alto e Transcendente
está para além de nós.
Somos o chão onde se pousam estrelas.
E o brilho não é nosso. O brilho é delas.
Somos o espelho a reflectir os céus,
mas por detrás do espelho é que está Deus.
As glórias e os louvores não são para nós,
mas para quem deu acordes de infinito
à nossa breve voz!

Fernanda Seno Cardeira Alves Valente( n. Canha, Montijo, 23 de fevereiro de 1942 — Lisboa, 19 de maio de 1996)

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2017-02-22

Pontos de Vista - Giuseppe Ghiaroni


Na minha infância, quando eu me excedia,
quando eu fazia alguma coisa errada,
se alguém ralhava, minha mãe dizia:
- Ele é criança, não entende nada!

Por dentro, eu ria satisfeito e mudo.
Eu era um homem, entendia tudo.

Hoje que escrevo histórias e poemas
e pareço ter tido algum estudo,
dizem quando me vêem com meus problemas:
- Ele é um homem, ele entende tudo!

Por dentro, alma confusa e atarantada,
eu sou uma criança, não entendo nada!

Giuseppe Artidoro Ghiaroni (Paraíba do Sul, Rio de Janeiro, Brasil, 22 de fevereiro de 1919 — Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil, 21 de fevereiro de 2008)

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2017-02-21

AMARGURA - Aureliano Lessa


Oh! não me pergunteis por que motivo
Pende-me a fronte ao peso da amargura,
Quando um suspiro trêmulo, aflitivo,
Sobre os meus lábios pálidos murmura.

Quando ao fundo do lago a pedra desce,
Globo de espuma à flor do lago estala:
Assim é o suspiro: ele aparece,
Porque no coração cai dor que o rala.

Do lago a face lisa espelha flores,
No fundo a vista não divisa o ceno:
Assim dentro do peito escondo as dores,
Mandando aos lábios um sorriso ameno.

Mas quando uma aflição acerba e crua
Mais que um rochedo o coração me oprime,
Quando nas chamas do sofrer estua
Como no incêndio o ressequido vime;

Não choro, não! - De angústias flagelado
Um queixume sequer eu não profiro;
Descai-me a fronte, penso no meti fado...
Oh! não me pergunteis por que suspiro!...

Aureliano José Lessa (nasceu em Diamantina, Minas Gerais em 1928 - faleceu em Serro, Minas Gerais, 21 de fevereiro de 1861)

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2017-02-20

A Concha - Vitorino Nemésio



A minha casa é concha. Como os bichos
Segreguei-a de mim com paciência:
Fechada de marés, a sonhos e a lixos,
O horto e os muros só areia e ausência.

Minha casa sou eu e os meus caprichos.
O orgulho carregado de inocência
Se às vezes dá uma varanda, vence-a
O sal que os santos esboroou nos nichos.

E telhados de vidro, e escadarias
Frágeis, cobertas de hera, oh bronze falso!
Lareira aberta pelo vento, as salas frias.

A minha casa... Mas é outra a história:
Sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço,
Sentado numa pedra de memória.

Vitorino Nemésio Mendes Pinheiro da Silva (n. na Praia da Vitória, Ilha Terceira, Açores a 19 de dezembro de 1901; m. em Lisboa a 20 de fevereiro de 1978)

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2017-02-19

Poema do Amor - António Gedeão (na passagem do 20º aniversário do desaparecimento do poeta)

JanelaImagem daqui

Este é o poema do amor.

Do amor tal qual se fala, do amor sem mestre.
Do amor.
Do amor.
Do amor.

Este é o poema do amor.

Do amor das fachadas dos prédios e dos recipientes do lixo.
Do amor das galinhas, dos gatos e dos cães, e de toda a espécie de bicho.
Do amor.
Do amor.
Do amor.

Este é o poema do amor.

Do amor das soleiras das portas
e das varandas que estão por cima dos números das portas,
com begónias e avencas plantadas em tachos e em terrinas.
Do amor das janelas sem cortinas
ou de cortinas sujas e tortas.

Este é o poema do amor.

Do amor das pedras brancas do passeio
com pedrinhas pretas a enfeitá-lo para os olhos se entreterem,
e as ervas teimosas a descerem de permeio
e os homens de cócoras a raparem-nas e elas por outro lado a crescerem.
Do amor das cadeiras cá fora em redor das mesas
com as chávenas de café em cima e o toldo de riscas encarnadas.
Do amor das lojas abertas, com muitos fregueses e freguesas
a entrarem e a saírem e as pessoas todas muito malcriadas.

Este é o poema do amor.

Do amor do sol e do luar,
do frio e do calor,
das árvores e do mar,
da brisa e da tormenta,
da chuva violenta,
da luz e da cor.
Do amor do ar que circula
e varre os caminhos
e faz remoinhos
e bate no rosto e fere e estimula.
Do amor de ser distraído e pisar as pessoas graves,
do amor sem amar nem lei nem compromisso,
do amor de olhar de lado como fazem as aves,
do amor de ir, e voltar, e tornar a ir, e ninguém ter nada com isso.
Do amor de tudo quanto é livre, de tudo quanto mexe e esbraceja,
que salta, que voa, que vibra e lateja.
Das fitas ao vento,
dos barcos pintados,
das frutas, dos cromos, das caixas de tinta, dos supermercados.

Este é o poema do amor.

O poema que o poeta propositadamente escreveu
só para falar de amor,
de amor,
de amor,
de amor,
para repetir muitas vezes amor,
amor,
amor,
amor.
Para que um dia,quando o Cérebro Electrónico
contar as palavras que o poeta escreveu,
tantos que,
tantos se,
tantos lhe,
tantos tu,
tantos ela,
tantos eu,
conclua que a palavra que o poeta mais vezes escreveu
foi amor,
amor,
amor.

Este é o poema do amor.

in Obra Completa de António Gedeão, Relógio D´Água Editores

António Gedeão (pseudónimo de Rómulo Vasco da Gama de Carvalho n. 24 de novembro de 1906; m. 19 de fevereiro de 1997)

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2017-02-18

A Sílaba - Lêdo Ivo

O mundo inteiro cabe numa sílaba
e nela me refugio
para esperar a aurora.

Aprendo que Isto é Aquilo.
Não preciso aprender mais nada.
Já sei o essencial.

A noite guardou as chuvas de verão
e agora amanhece.
O dia é um voo de pássaro.


Lêdo Ivo nasceu em Maceió (AL) a 18 de fevereiro de 1924 e faleceu em Sevilha, a 23 de dezembro de 2012.

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2017-02-17

Redenção - Múcio Leão


Quando eu morrer, a minha íntima essência
Não se há de desfazer, como um clarão:
Há de ficar - beleza, amor, consciência -
Resistindo à final dissolução.

Nessa alta e metafísica existência,
Hei de sentir, na eterna solidão,
Os milagres da vasta efervescência
De um cosmos novo em nova floração.

Sei que a minha alma há de ficar no espaço,
Nos encantos do amor em que vibrei,
Nos estos longos de um divino abraço,

Na glória enganadora a que aspirei,
Na amargura dos verãos que hoje faço,
Nos sonhos vãos em que me dispersei.

Múcio Carneiro Leão (Recife, 17 de fevereiro de 1898 — Rio de Janeiro, 12 de agosto de 1969)

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2017-02-16

DO BANHO - Adelmar Tavares


Manhã. Verão. Um sol rútilo, e quente.
Gritos das andorinhas no telhado.
Há no dia uma festa de noivado.
No ar, - um perfume que entontece a gente...

Do gabinete, no silêncio amado,
leio, e medito preguiçosamente.
Ouço cantar... És tu, meu lírio doente,
que vens do banho morno e perfumado.

Rumor de chita nova se quebrando...
Aromas de jasmins sobem revoltos,
enchendo a sala onde tu vais passando

e deixando uma música de avenas,
gorjeios claros de canários soltos,
frou-frou de cisnes sacudindo as pernas...

Adelmar Tavares da Silva Cavalcanti (n. Recife, Pernambuco, Brasil, 16 de fevereiro de 1888 — m. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil, 20 de junho de 1963)

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2017-02-15

PRECE - Helena Kolody



Concede-me, Senhor, a graça de ser boa,
De ser o coração singelo que perdoa,
A solícita mão que espalha, sem medidas,
Estrelas pela noite escura de outras vidas
E tira d’alma alheia o espinho que magoa.

(in Paisagem Interior, 1941)

Helena Kolody (Cruz Machado, Paraná, Brasil, 12 de outubro de 1912 — Curitiba, Paraná, 15 de fevereiro de 2004)

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2017-02-14

SONHO HUMILDE - Alceu Wamosi


Assim te quero amar; quero adorar-te assim,
sempre de joelhos, sempre, ó mármore sagrado;
e que teu corpo ideal não seja, para mim,
mais que um horto de sonho, ou que um jardim fechado.

Em todo amor defeso há um encanto sem fim,
que o faz extreme e leal, lúcido e iluminado:
A mulher que se adora é a Torre de Marfim,
mais alta do que o mal, para além do pecado.

O amor deve viver perpetuado no sonho!
Só desejar é bom: Possuir é renunciar
à ilusão, que nos torna o desejo risonho.

Ter só teu corpo é ter um tesouro maldito;
mas, possuir-te na alma e adorar-te no olhar,
é ter o céu inteiro, é ter todo o infinito!

Alceu de Freitas Wamosy naceu em Uruguaiana, Rio Grande do Sul (RS) a 14 de fevereiro de 1895 e faleceu em Livramento (RS) a 13 de setembro de 1923

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2017-02-13

A Vida - José Lino Grünewald


José Lino Grünewald (n. no Rio de Janeiro a 13 de fevereiro de. 1931; m. em 26 de julho de 2000)

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2017-02-10

A Fumaça - Bertold Brecht



A pequena casa entre árvores no lago.
Do telhado sobe fumaça
Sem ela
Quão tristes seriam
Casa, árvores e lago.

Trad. ???

Eugen Bertholt Friedrich Brecht (Augsburg, 10 de fevereiro de 1898 — Berlim Leste, 15 de agosto de 1956)

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Musical suggestion of the day and Happy Birthday - Vanessa da Mata




Vanessa Sigiane da Mata Ferreira (Alto Garças, Mato Grosso, Brasil, 10 de fevereiro de 1976)

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2017-02-09

O ESTRANHO - Max Martins

Não entenderás o meu dialeto
nem compreenderás os meus costumes.
Mas ouvirei sempre as tuas canções
e todas as noites procurarás meu corpo.
Terei as carícias dos teus seios brancos.
Iremos amiúde ver o mar.
Muito te beijarei
e não me amarás como estrangeiro.

Max da Rocha Martins (Belém, Pará, Brasil, 20 de junho de 1926 - 9 de fevereiro de 2009)

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2017-02-08

XXVIII [Dia de Chuva na Cidade] - José Gomes Ferreira

(No Rossio os ardinas vendem em Separatas da «Seara
Nova» duas canções de Graça; a «Mãe Pobre» com versos
de Carlos Oliveira e a «Jornada» com versos meus.)


Dia de chuva na cidade
triste como não haver liberdade.

Dia infeliz
com varões de água
a fecharem o mundo numa prisão.
E alguém a meu lado com voz múrmura que diz:
"está a cair pão."

Ah! que vontade de gritar àquela criança seminua
sem pão nem sol de roupa:
"Eh! pequena! Deita-te na rua
e abre a boca..."

(Dia em que urdo
este sonho absurdo.)

José Gomes Ferreira (n. Porto, 9 de junho de 1900; m. Lisboa, 8 de fevereiro de 1985)

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2017-02-07

Poema da Minha Esperança - Sebastião da Gama

Foto by: Everwatchingeye daqui

Que bom ter o relógio adiantado!...
A gente assim, por saber
que tem sempre tempo a mais,
não se rala nem se apressa.

O meu sorriso de troça,
Amigos!,
quando vejo o meu relógio
com três quartos de hora a mais!...

Tic-tac... Tic-tac...
(Lá pensa ele
que é já o fim dos meus dias.)

Tic-tac...
(Como eu rio, cá p'ra dentro,
de esta coisa divertida:
ele a julgar que é já o resto
e eu a saber que tenho sempre mais
três quartos de hora de vida.)

Sebastião Artur Cardoso da Gama (n. em Vila Nogueira de Azeitão, Setúbal, a 10 de abril de 1924; m. em Lisboa a 7 de fevereiro de 1952)

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2017-02-06

O Poeta em Lisboa - António José Forte

Quatro horas da tarde.
O poeta sai de casa com uma aranha nos cabelos.
Tem febre. Arde.
E a falta de cigarros faz-lhe os olhos mais belos.

Segue por esta, por aquela rua
sem pressa de chegar seja onde for.
Pára. Continua.
E olha a multidão, suavemente, com horror.

Entra no café.
Abre um livro fantástico, impossível.
Mas não lê.
Trabalha - numa música secreta, inaudível.

Pede um cigarro. Fuma.
Labaredas loucas saem-lhe da garganta.
Da bruma
espreita-o uma mulher nua, branca, branca.

Fuma mais. Outra vez.
E atira um braço decepado para a mesa.
Não pensa no fim do mês.
A noite é a sua única certeza.

Sai de novo para o mundo.
Fechada à chave a humanidade janta.
Livre, vagabundo
dói-lhe um sorriso nos lábios. Canta.

Sonâmbulo, magnífico
segue de esquina em esquina com um fantasma ao lado.
Um luar terrífico
vela o seu passo transtornado.

Seis da madrugada.
A luz do dia tenta apunhalá-lo de surpresa.
Defende-se à dentada
da vida proletária, aristocrática, burguesa.

Febre alta, violenta
e dois olhos terríveis, extraordinários, belos.
Fiel, atenta
a aranha leva-o para a cama arrastado pelos cabelos.

Uma Faca nos Dentes

António José Forte (Vila Franca de Xira, Póvoa de Santa Iria, 6 de fevereiro de 1931 – Lisboa, 15 de dezembro de 1988)

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2017-02-03

ENCONTRO - Fernando Guimarães


Ficava ali, por muito que se estranhe
a luminosidade em que se mostra
uma outra superfície, a que nos há-de
aproximar daquilo que contorna

este limite. Assim era o desígnio
que vinha de uma idade quase extrema
porque seria a vida nela um límpido
espaço que nos une sempre à mesma

vontade de cumprir o que no corpo
pudesse ser igual ao movimento
capaz de recordar o leve assomo

das mãos. E surpreendemos o que há muito
se conservava apenas no sereno
encontro de nós mesmo, que era tudo.

in Lições de Trevas

Fernando Guimarães nasceu no Porto a 3 de fevereiro de 1928

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2017-02-02

Paz - Tomaz Kim

Aqui foi a casa:
Alva a toalha e o pão,
O berço além.

Breve a canção:
Bater de asa
O sorriso de mãe.

Veloz a hora:
Agora,
Só o coaxar nocturno e certo
Das rãs,
Enche o campo deserto.

Flora e Fauna, 1958

Joaquim Fernandes Tomaz Monteiro-Grillo, que usou o pseudónimo literário de Tomaz Kim, nasceu a 2 de fevereiro de 1915, no Lobito, em Angola, tendo falecido a 24 de janeiro de 1967, em Lisboa.

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2017-02-01

Um Homem Tem Que Viver - Fernando Assis Pacheco

Um homem tem que viver.
E tu vê lá não te fiques
– um homem tem que viver
com um pé na Primavera.

Tem que viver
cheio de luz. Saber
um dia com uma saudade burra
dizer adeus a tudo isto.
Um homem (um barco) até ao fim da noite
cantará coisas, irá nadando
por dentro da sua alegria.

Cheio de luz – como um sol.
Beberá na boca da amada.
Fará um filho.
Versos.
Será assaltado pelo mundo.
Caminhará no meio dos desastres,
no meio dos mistérios e imprecisões.
Engolirá fogo.

Palavra, um homem tem que ser
prodigioso.
Porque é arriscado ser-se um homem.
É tão difícil, é
(com a precariedade de todos os nomes)
o começo apenas.

Fernando Santiago Mendes de Assis Pacheco (Coimbra, 1 de fevereiro de 1937 — Lisboa, 30 de novembro de 1995)

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