Quando, alta noite, o cérebro desfeito,
Vou procurar, na placidez do leito,
A paz reconfortante e nirvanada
Quasi sempre, Deus meu, em turva queixa
Minha cabeça freme, e não me deixa
Colher no sono a calma cobiçada.
Nela, revolvem-se, vagos, difusos,
Não sei que sons, absurdos, confusos,
Que me atordoam espantosamente
Que ruído é este que o meu ser escuta?
Talvez o eco da diurna luta,
Que me alucina e que me põe doente...
Fecho os olhos a ver se o sono chamo;
Fecho os olhos em vão, e em vão eu clamo
Nem sei por quem, em oração piedosa...
E cada vez eu julgo mais... suponho...
- Crise de nervos ou sombrio sonho,
Epilepsia eatranha e dolorosa...
Agora, que se tumultua e agita
Mais, a minha cabeça, pobrezita
- Que dia de agonia e desatinos!... -
Escuto entre o silêncio, escuro e vago
Deste meu quarto pobre, morto lago,
Que lá longe, lá fora, tangem sinos.
Minha pobre cabeça desvairada
Que dó tenho de ti, triste coitada,
Como latejas forte, febrilmente!
Ouves que tangem... queres protestar...
Não queres crer e tens de acreditar
- Que sinos tocam, ouço realmente...
Ao largo, muito ao largo... mas decerto
É de sinos. O ouvido apuro e esperto.
- Ora sinos, pois não, sinos agora...
Convencida e a sorrir diz-me a razão.
Mas, bem depressa, muda de opinião,
Pois tocam sinos pela noite fora.
Corro à janela, pálido de medo.
Abro a janela e embalde o espanto arredo.
Sem que eu precise donde e como se alam,
Sem que ouça os brônzeos tons batendo a rua,
No meu confuso ouvido continua
O som de longes torres que badalam.
Fecho as janelas, frígido de espanto.
Recolho à pressa e triste como o pranto,
Com a cabeça ardendo borbulhante.
Quero asfixiar a ideia que me cansa
No leito flácido em que se descansa;
- E os sinos viobram pela noite adiante...
E se dormir alcanço porventura,
Nem sempre, mesmo assim, a desventura
Dessa ideia, me deixa de agitar...
Toques de incêndio? Dobres a finados?
Rebates conclamando sublevados?
Não sei, não sei... -. e os sinos sem parar...
in Poemas de Paulino de Oliveira, Edições «Descobrimento» 1932
Francisco Paulino Gomes de Oliveira, nasceu em Setúbal a 22 de Junho de 1864, faleceu em 1914
Do mesmo autor:
Rastros
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