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2014-01-31

Poema para Iludir a Vida - Fernando Namora

Tudo na vida está em esquecer o dia que passa.
Não importa que hoje seja qualquer coisa triste,
um cedro, areias, raízes,
ou asa de anjo
caída num paul.
O navio que passou além da barra
já não lembra a barra.
Tu o olhas nas estranhas águas que ele há-de sulcar
e nas estranhas gentes que o esperam em estranhos portos.
Hoje corre-te um rio dos olhos
e dos olhos arrancas limos e morcegos.
Ah, mas a tua vitória está em saber que não é hoje o fim
e que há certezas, firmes e belas,
que nem os olhos vesgos
podem negar.
Hoje é o dia de amanhã.


in "Mar de Sargaços"

Fernando Namora (n. em Condeixa a 15 de Abril de 1919; m. em Lisboa a 31 Jan. 1989)

Ler do mesmo autor, neste blog:
Vem Cassilda, olhar a madrugada que rompe
Balada de Sempre
Intimidade
Poema Cansado de Certos Momentos
Poema da Utopia
Coisas, Pequenas Coisas
Noite

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2014-01-30

Prelúdio - Alda Lara

Pela estrada desce a noite…
Mãe-Negra, desce com ela...

Nem buganvílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guizos,
nas suas mãos apertadas.

Só duas lágrimas grossas,
em duas faces cansadas.

Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro...
Tem voz de noite, descendo,
de mansinho, pela estrada...

Que é feito desses meninos
que gostava de embalar?...
Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar?...
Quem ouve agora as histórias
que costumava contar?...

Mãe-Negra não sabe nada...
Mas ai de quem sabe tudo,
como eu sei tudo
Mãe-Negra!...

Os teus meninos cresceram,
e esqueceram as histórias
que costumavas contar...
Muitos partiram p'ra longe,
quem sabe se hão-de voltar!...

Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no regaço,
bem quieta bem calada.

É a tua a voz deste vento,
desta saudade descendo,
de mansinho pela estrada…


Lisboa, 1951 (Poemas, 1966)


Alda Ferreira Pires Barreto de Lara Albuquerque nasceu em Benguela, Angola, a 9 de Junho de 1930, e faleceu em Cambambe, Angola, a 30 de Janeiro de 1962.


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2014-01-29

A Um Corpo Perfeito - Gomes Leal



Nenhum corpo mais lácteo e sem defeito
Mais róseo, escultural e feminino,
Pode igualar-se ao seu, branco e divino
Imóvel, nú, sobre o comprido leito! -

Nada te iguala! O ferro do assassino
Podia, hoje, matá-la, que o meu peito
Seria o esquife embalsamado e fino
D'aquele corpo sem rival, perfeito.

Por isso é muito altiva e apetecida; -
E o gozo sensual de a ver vencida
Há-de ser forte, estranho e singular...

Como o das coisas dignas de castigo;
- Ou d'um amante sacerdote antigo,
Derrubando uma deusa d'um altar.


in 'Claridades do Sul'

António Gomes Leal (n. em Lisboa a 6 Jun 1848; m. 29 Jan 1921)

Ler do mesmo autor, neste blog:
O Amor do Vermelho (Nevrose de um Lord)
A Lady

Romantismo
Som e Cor
O Visionário ou Som e Cor III
Cantiga de Campo
À Janela do Ocidente

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Escuta - Pedro de Calasans

Se para amar-te for mister martírios,
Com que delírios saberei sofrer!
Se de altas glórias for mister a palma,
Talvez minha alma possa além colher.

Quebrar cadeias, conquistar um nome,
Que não consome o perpassar das eras;
Arcar com a fúria de iracundos nortes,
Sofrer mil mortes, sem morrer deveras;

Nas próprias carnes apertar cilícios,
Nos sacrifícios ter sereno o rosto;
Pisar descalço sobre espinhos duros,
Com pés seguros, com sinais de gosto;

Longe da pátria, no país mais feio,
De tédio em meio, para amar-te, irei
Viver embora sob a zona ardente,
E ali contente por te amar serei!...

E a ser amado, se é mister o incenso,
Que sobe denso dos salões aos tetos;
Serei altivo, mas não vou de rastos
Com lábios castos mendigar afetos!

E se me odeias, por não ir-me às salas
Dizer-te as falas de mendaz paixão,
E, aos olhos de outros, profanando extremos,
Dizer-te: amemos, e apertar-te a mão;

Me odeia, e muito, que eu não sou da farsa,
Que o mal disfarça, que desfruta e ri!
Me odeia, e sempre, que eu não desço ao nível
Do pó terrível, que se arrasta aí!

Dá-me o teu ódio, pois não quero — escuta —
Beber cicuta, procurando mel.
Dá-me o teu ódio, mas num grau subido,
Embora ungido de amargoso fel!

Dá-me o teu ódio por fatal sentença,
A indiferença me será pior.
Que um sentimento por mim sintas na alma,
Dá-me essa palma de um sofrer melhor!


Pedro Luziense de Bittencourt Calasans (Santa Luzia, Sergipe, 29 de janeiro de 1837 — Portugal, 24 de fevereiro de 1874)

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2014-01-28

Poema do Outono - José Carlos Brandão


O outono cai
numa folha
dourada.

(A cor do tempo
ou seu sonho
é o ouro.)

José Carlos Mendes Brandão nasceu em Dois Córregos, SP, em 28 de janeiro de 1947

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2014-01-27

Ilha dos Amores - Vasco da Gama Rodrigues

Lagoa das Sete Cidades, Açores

No vivo Mar Salgado concebida,
Entre remotas ondas balouçando,
E num manto de lendas rrepousando
Persiste oculta a Ilha Adormecida.

Ali onde sonhavam já perdida,
Ansioso de saudade alguém pairando,
Seu belo corpo inerte assinalando
O vê desnudo sem o Ar da Vida.

Sitiado pelo Reino do Ocidente,
- Lugar de Morte deste mundo certo -
Desfeito o Inferno irrompe o Oriente.

E neste espaço após o fim das dores
- Manhã nova doirando o Mar aberto
- Reluz sagrada a Ilha dos Amores.

(in «O Cristo das Nações», Sintra, 1995)


Vasco da Gama Rodrigues (nasceu em Paul do Mar, concelho da Calheta, Ilha da Madeira a 27 de Janeiro de 1909; m. em 3 de Maio de 1991).

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2014-01-26

Cantares dos Búzios - Afonso Lopes Vieira


Casa Portuguesa foto daqui

Nunca como em Veneza
Adoro a nossa pobreza
Portuguesa;
As nossas casas caiadas,
As nossas praias salgadas,
Os burricos berberes,
E na Batalha de pedras douradas
A saia pela cabeça das mulheres.

Ó Veneza oriental,
Marítimo tesouro
De púrpura, de mármores e de ouro:
- Em Portugal
Rico só é o céu que nos lá cobre.

Portugal teve o Mundo - e ficou pobre.


in Cem Poemas Portugueses sobre Portugal e o Mar, selecção, organização e introdução de José Fanha e José Jorge Letria, Terramar

Afonso Lopes Vieira (n. em Cortes (Leiria) a 26 de Janeiro de 1878 e faleceu em Lisboa a 25 de Janeiro de 1946).

Ler do mesmo autor, neste blog:
Linda Inês
Dança do Vento

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2014-01-24

Despojo - António Manuel Couto Viana


E, agora, o que faremos?
A quem legar o que resta
Do simulacro de festa
Que tivemos?

Quem aproveita os detritos
De uma alegria forçada?
Quem confunde aflitos gritos
Com imposta gargalhada?

Iremos por onde alguém
Descubra os nossos farrapos.
Vês flores no jardim de além?
- Vejo sapos.

António Manuel Couto Viana (n. Viana do Castelo, 24 de Janeiro de 1923 - m. Lisboa, 8 de Junho de 2010) .

Ler do mesmo autor, neste blog: No Bazar; 23; Estival;  Súplica a Eros; A Tartaruga

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2014-01-23

ode ao pecado original - Mel de Carvalho

se as leis não comportam o meu querer
e, à vista derribada de teus olhos, a preito e a preceito,
se incendeiam em mim, restolhos, papoilas e sargaços

se, faminta me faço e d'ébria sinopse me embriago
e desfaleço
em agonia maior,
se o dia passa e já se esvai,
se a noite cai e te não traz ao fascínio de meu colo,

se percorro caminhos controversos d'interditos traçados,
e sempre me detenho na forma imperfeita, incompleta,
do desenho de teus passos decalcados na areia,

se, o sangue que me circula em golfadas nas veias
contém do teu a matriz primeira e nos achámos cinjos, enlaços,
em pactos vampirinos de sal e luas cheias

se, em heresia me tomas, me suavizas o rosto,
me banhas a pele da boca em saliva quente
me sugas o pescoço, me dobras p'la cinta,
me chamas menina e me fazes princesa

então

que se esgotem mares, marinas e marés de leveduras e espuma
que se afundem dunas em milhafres de sapais

que se fundam infinitos luzeiros d'asteróides e sóis
que se apaguem da orla da praia archotes ou faróis

para que
meu barco perdido na bruma, sem norte,
ao negrume do tacto aporte na vereda do teu corpo

e que
a coberto da noite

se faça de nós, em acto consumado,
a liturgia satânica de original pecado.

MEL DE CARVALHO (Maria Amélia de Carvalho) nasceu em Lisboa, a 23 de janeiro de 1961

Poema extraído do blog da autora aqui

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O HIPOGRIFO - Severiano de Rezende

Resfolega o hipogrifo, indômito, batendo
no asfalto as patas de ouro; e os olhos de águia adusta,
sobre as nuvens e além dos sóis ovante erguendo,
já no azul a cabeça em fogo barafusta.

O éter transpõe, afIando as asas, belo e horrendo,
e haurindo a Vida e a Graça e a Idéia eterna e augusta,
ó como eu nesse arroubo insofrido compreendo
que ao estranho hipogrifo o gesto astral não custa.

No solo os áureos pés, no empíreo em glória a fronte,
terras, mares e céus, de horizonte a horizonte,
mede, calcando o pó, e os pátamos transcende.

Brotam fráguas de luz na poeira dos seus rastros
e nas landas glaciais e tristes, ermas de astros,
novas constelações o seu hálito acende.


José Severiano de Rezende nasceu em Mariana, Minas Gerais, a 23 de janeiro de 1871 e faleceu em Paris no dia 14 de novembro de 1931

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2014-01-22

Avesso - Alice Ruiz

Pode parecer promessa
mas eu sinto que você é a pessoa
mais parecida comigo
que eu conheço
só que do lado do avesso.

Pode ser que seja engano
bobagem ou ilusão
de ter você na minha
mas acho que com você eu me esqueço
e em seguida eu aconteço.

Por isso deixo aqui meu endereço
se você me procurar
eu apareço
se você me encontrar
te reconheço.


Alice Ruiz nasceu em Curitiba, capital do Paraná, a 22 de janeiro de 1946

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2014-01-21

ADEUS - Manuel Neto dos Santos

Quem fica sofre, bem sei.
Quem parte... quem saberá?
Por isso a ausência me dá
Vassalo, em lugar de Rei.

Quem fica sofre, que o diga
A ramagem do meu pranto
Que há muito o vento fustiga
E rendilha como o acanto

Quem fica sofre, que a sorte
É melhor para quem parte...
Como não hei-de chorar-te
Se partiste... e sou a Morte.


in Timbres Inéditos 1996-1998
Editora: Comunical - 1999

Manuel Neto dos Santos nasceu em Alcantarilha, Silves no dia 21 de Janeiro de 1959

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2014-01-20

Amor Algébrico - Euclides da Cunha

Acabo de estudar – da ciência fria e vã,
O gelo, o gelo atroz me gela ainda a mente,
Acabo de arrancar a fronte minha ardente
Das páginas cruéis de um livro de Bertrand.

Bem triste e bem cruel decerto foi o ente
Que este Saara atroz – sem aura, sem manhã,
A Álgebra criou – a mente, a alma mais sã
Nela vacila e cai, sem um sonho virente.

Acabo de estudar e pálido, cansado,
Dumas dez equações os véus hei arrancado,
Estou cheio de spleen, cheio de tédio e giz.

É tempo, é tempo pois de, trêmulo e amoroso,
Ir dela descansar no seio venturoso
E achar do seu olhar o luminoso X.

Euclides Rodrigues da Cunha (Cantagalo, 20 de janeiro de 1866 — Rio de Janeiro, 15 de agosto de 1909)

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2014-01-18

Doente - José Duro

Escrevo e choro; dói-me a alma; tenho febre
Não sei a quantos graus - calor insuportável;
- Moderno Lázaro – oh que vida miserável
Eu vivo aqui, doente e só, no meu casebre.

Agora compreendo a dor de não ter Lar
E a dor de viver só – desventura tamanha!
É ser mais triste do que os cardos da montanha,
As urzes do caminho e as noites sem luar...

Meus tempos de criança! e fui fadado assim!
A minha Mocidade é como que um deserto;
Não creio que haja alguém que possa amar-me, enfim
E Deus, se Deus existe, odeia-me decerto...

Confesso que estou pronto, e, se me vejo ao espelho,
Descerra-se-me a boca em risos de desdém...
Imagem do que fui, - eu nunca fui ninguém -,
E, ó má fatalidade, encontro-me hoje um velho.

Cavou-me a Dor na face as rugas do desgosto,
Meus olhos de chorar vão-se tornando cegos,
E quando os chamo, a ver aquilo que dá gosto,
Escondem-se na treva assim como os morcegos...

Dilui-se-me o pulmão e sai-me pela goela
À força de tossir bastante enrouquecida,
E se inda vivo assim é porque a minha vida,
Amarga como é, não posso dispor dela.

Porque a verdade é esta: a vida que se arrasta
Do Nada até à flor, do verme até à pedra,
É sempre a mesma vida incómoda, nefasta...
Que a Dor do Universo em toda a parte medra.

Assim, talvez um dia, eu, que prefiro a Lua
A tudo quanto é bom, a tudo quanto é são,
Me torne por destino em pedra duma rua,
Que a multidão acalque, a doida multidão.

Talvez eu venha a ser a flor dum cemitério;
A estrela do Azul, areia do Oceano;
A Vida não tem fim como o Destino humano,
E, se o Não-ser é tudo, o Nada é um mistério...

E eu que era, noutro tempo, enérgico, robusto,
Quando no meu jardim floriam as roseiras,
Padeço horrivelmente, já respiro a custo,
E a minha tosse lembra a reza das caveiras...

Quem sabe lá! talvez nas grutas do meu Ser
A Morte agora esteja abrindo algum jazigo...
E os vermes por desgraça escutem o que eu digo,
Vivendo dentro de mim sem eu os perceber.

Que negro mal o meu! estou cada vez mais rouco!
Fogem de mim com asco as virgens de olhar cálido...
E os velhos, quando passo, vendo-me tão pálido,
Comentam entre si: - coitado, está por pouco!...

Por isso tenho ódio a quem tiver saúde,
Por isso tenho raiva a quem viver ditoso,
E, odiando toda a gente, eu amo o tuberculoso.
E só estou contente ouvindo um alaúde.

Cada vez que me estudo encontro-me diferente,
Quando olham para mim é certo que estremeço;
E vai, pensando bem, sou, como toda a gente,
O contrário talvez daquilo que pareço...

Espírito irrequieto, fantasia ardente,
Adoro como Poë as doidas criações,
E se não bebo absinto é porque estou doente,
Que eu tenho como ele horror às multidões.

E amando doidamente as formas incompletas
Que às vezes não consigo, enfim, realizar,
Eu sinto-me banal ao pé dos mais poetas,
E, achando-me incapaz, deixo de trabalhar...

São filhos do meu tédio e duma dor qualquer
Meus sonhos de nevrose horrivelmente histéricos...
Como as larvas ruins dos corpos cadavéricos,
Ou como a aspiração de Charles Baudelaire.

Apraz-me o simbolismo ingénito das coisas...
E aos lábios da Mulher, a desfazer-se em beijos,
Prefiro os lábios maus das negregadas loisas,
Abrindo num ansiar de mórbidos desejos.

E é vão que medito e é em vão que sonho!
Meu coração morreu, minha alma é quase morta...
Já sinto emurchecer no crânio a flor do Sonho,
E oiço a Morte bater, sinistra, à minha porta...

Estou farto de sofrer, o sofrimento cansa,
E, por maior desgraça e por maior tormento,
Chego a julgar que tenho - estúpida lembrança -
Uma alma de poeta e um pouco de talento!

A doença que me mata é moral e física!
De que me serve a mim agora ter esperanças,
Se eu não posso beijar as tímidas crianças,
Porque ao meu lábio aflui o tóxico da tísica?

E morro assim tão novo! Ainda não há um mês,
Perguntei ao Doutor: - Então?...- Hei-de curá-lo...
Porém já não me importo, é bom morrer, deixá-lo!
Que morrer - é dormir... dormir... sonhar talvez...

Por isso irei sonhar debaixo dum cipreste
Alheio à sedução dos ideais perversos...
O poeta nunca morre embora seja agreste
A sua aspiração e tristes os seus versos!


Extraído de «Poemas Portugueses, Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, selecção, organização, introdução e notas de Jorge Reis Sá e Rui Lage. Prefácio de Vasco da Graça Moura. Porto Editora»

JOSÉ António DURO Jr. nasceu em Portalegre a 22 de Outubro de 1875 e morreu, tuberculoso, em Lisboa, a 18 de Janeiro de 1899

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2014-01-17

Súplica - Miguel Torga

Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.

Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.

Miguel Torga (Adolfo Correia da Rocha) (n. em São Martinho de Anta, Sabrosa, Trás-os-Montes, a 12 de Agosto de 1907 ; m. em Coimbra a 17 de Janeiro de 1995).


Ler do mesmo autor, neste blog:
Mãe
Preservação
Adeus
Depoimento
Poema Melancólico a Não Sei a Que Mulher
Encontro
Glória
Ficam as Sombras
Sei um ninho
Queixa

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2014-01-16

A Nau do Tempo - Ulisses Duarte

Esconjuro o feitiço do retorno
e sigo nos meus passos, os meus passos,
alheio aos gritos das marés.
Ainda, nos sinais de toda a praia,
um pedaço de luz que lá ficou
retido numa poça de silêncio...
As raivas apodrecem pelas sombras
e as palavras caem absurdas
nas barcas que perderam o futuro.
As rochas são fantasmas na penumbra
que a madrugada vem despir dos medos
a deixar-nos seguir mais adiante,
como se a «Nau-do-Tempo» lá ficasse
para podermos aumentar o Mundo!


Guilherme Ulisses Duarte nasceu em Matosinhos em 11 de março de 1923, tendo falecido em Lisboa em 16 de janeiro de 2008

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2014-01-14

Poema 53 de Na Via do Mestre - Casimiro de Brito

Saltei os cinquenta e acabo de entrar
Na via do mestre onde não há via nem
Glória para além do pé que pisa
As águas que passam. E vou com elas
Assim leve nos acasos desta viagem
Sem retorno. Abandonei entre as ervas
Os livros de ouro e as moedas
De prata — o palácio do ser enfim desviado
Das grandes estradas. O brilho das estrelas
Lembra-me que houve uma infância
Indecifrada. Tanto melhor. Saltei os anos —
Libertei-me da casca pouco a pouco
Acumulada. Que mais desejar? Praias
Desertas? Beber com a lua? Ouço a doce
Respiração amada; divido com ela
O belo capital que me resta: estas mãos
Vazias; velas de um corpo que desliza
Entre as folhas do outono caídas no chão.

Na Via do Mestre, 2000

Casimiro Cavaco Correia de Brito (nasceu em Loulé, Algarve, a 14 de Janeiro de 1938)

Ler neste blog, do mesmo autor:
Cuidado. O amor
Cidade Branca
Se



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2014-01-13

Este Perfume - Salvador Novo

Este perfume intenso de tua carne não é nada mais do que o mundo que deslocam e movem os globos azuis de teus olhos e a terra e os rios azuis das veias que aprisionam teus braços. Há todas as laranjas redondas em teu beijo de angústia sacrificado à beira de um horto em que a vida se suspendeu por todos os séculos da minha. Que distante era o ar infinito que encheu nossos peitos. Arranquei-te da terra pelas raízes ébrias de tuas mãos e bebi-te todo, oh fruto perfeito e delicioso! Já sempre quando o sol apalpe a minha carne sentirei o rude contacto da tua nascida na frescura de uma alva inesperada, nutrida na carícia de teus rios claros e puros como o teu abraço, volta doce no vento que nas tardes vem das montanhas para o teu hálito, madura no sol de teus dezoito anos, cálida para mim que a esperava.

Trad. de João Bento
in Rosa do Mundo, 2001 Poemas para o Futuro, Assírio & Alvim

Salvador Novo López (m. cidade de México, México 30 Jul 1904 – m. 13 Jan. 1974).

Ler do mesmo autor neste blog:
Amor
XIV

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2014-01-12

Ao que parece o FCP pretende protestar o jogo !

Pois... O Benfica venceu o FCP por 2-0 e termina a primeira volta do campeonato na liderança, com mais dois pontos do que o Sporting (empatou na véspera com o Estoril - e já lá vão três jogos consecutivos sem marcar golos) e três do que o Porto. Benfica que já levou cinco pontos de atraso...

Todavia, o FCP quer protestar o jogo! Em primeiro porque o Benfica jogou com onze «Eusébios»! Todos os jogadores do Benfica jogaram com o nome de Eusébio na camisola. Depois, porque argumentam que o árbitro Soares Dias devia ter marcado um penalty contra a sua própria equipa em vez do pontapé de canto que originou o segundo golo encarnado. É que o canto originou o segundo golo e não estaria garantido que o penalty fosse convertido! Na verdade, a equipa de arbitragem portuense (?) não quis ver Mangala a fazer de guarda-redes ao fazer grande defesa a remate de cabeça de Matic... e da jogada surgiu apenas pontapé de canto! O azar foi que Garay marcou de cabeça o segundo golo na sequência desse pontapé de canto!

Ao final da primeira parte Jackson falhou um golo que o meu sobrinho seria capaz de marcar (e que daria o empate) só que em lance em que o jogador portista estava em fora de jogo! Jackson que já escapara ao amarelo ao cortar uma jogada de contra-ataque (agora diz-se de transição rápida...) durante a primeira parte e que no início da segunda levou amarelo (escapando do vermelho) quando sem bola empurrou um jogador do Benfica junto à lateral perto do meio-campo.

Enfim a tendência foi para a «roubalheira» do costume só que desta vez as coisas não correram bem aos portistas. Não houve fora de jogo ao Porto (mas Jackson falhou o golho do empate)!. Depois não houve penalty a favor do Benfica ... mas houve golo do pontapé de canto! Grande azar para a equipa de arbitragem... e para o Porto...

Quando as coisas estavam resolvidas ... (74' e 2-0) Artur Soares Dias mostrou o segundo cartão amarelo por suposta simulação de penalty... a Danilo (noutra decisão muito discutível, apesar de não ter havido, neste caso, penalty).

Continua a crise nos árbitros portugueses...



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2014-01-11

Mutilações - José Mena Abrantes


a mão
o pé
um braço
o sorriso
a tua meninez
só não
te mutilaram
o espanto.

(in Meninos)

José Manuel Feio Mena Abrantes nasceu em Malanje, Angola, no dia 11 de Janeiro de 1945

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2014-01-10

Pastoral - António Sardinha

Foto: Patos daqui

Todos os dias quando morre o dia,
Pões-te a chamar os patos para os contar;
E os patos, conhecendo quem os cria,
Vêm para ti de longe a esvoaçar

e logo te acompanham. Que alegria
anima o teu rebanho singular!
Parece ser dum conto que eu ouvia,
-«Era uma vez...» - , à gente do meu lar.

«Filha de rei, com iras de criança,
guardando patos na ribeira mansa,
foi coisa de pasmar que nunca vi!»

Pois é a história da princesa loura
Que tu me fazes recordar, Senhora,
Assim com essa corte ao pé de ti!


António Maria de Sousa Sardinha (n. Monforte, 9 Set 1888; m. Elvas em 10 Jan 1925)

in A Circulatura do Quadrado: Alguns dos Mais Belos Sonetos de Poetas cuja Mátria é a Língua Portuguesa, Edição UNICEPE, 2004

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2014-01-09

O AUTÓGRAFO - João Cabral de Melo Neto

Calma ao copiar estes versos
antigos: a mão já não treme
nem se inquieta; não é mais a asa
no voo interrogante do poema.
A mão já não devora
tanto papel; nem se refreia
na letra miúda e desenhada
com que canalizar sua explosão.
O tempo do poema não há mais;
há seu espaço, esta pedra
indestrutível, imóvel, mesma:
e ao alcance da memória
até o desespero, o tédio.


Extraído de Poesia Brasileira do Século XX Dos Modernistas à Actualidade
selecção, introdução e notas de Jorge Henrique Bastos. Edições Antígona

João Cabral de Melo Neto (n. no Recife, a 9 Jan 1920, m. no Rio de Janeiro a 09 Out 1999).

Do mesmo autor:
Dificil Ser Funcionário
Paisagem pelo Telefone
Tecendo a Manhã
O Luto no Sertão
A Mulher e a Casa
Mulher Sentada
Num Monumento à Aspirina
A Educação pela Pedra

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Musical Suggestion of the Day: Joan Baez



Joan Chandos Báez (Staten Island, New York City, United States, 9 Jan. 1941)

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2014-01-08

Última carta - Políbio Alves

Estou tão alegre
que o sono me escapa
e me lacra
sobre o azul das paredes.
É o mesmo continente
sala e quarto, aquele azul
descascado pelo tempo.
Estou tão só e contente
que amanhã de manhã
vou abrir a janela,
me lançar
do décimo segundo andar
e decuplar
um soco no mundo.


in Passagem Branca

Políbio Alves dos Santos nasceu em 8 de janeiro de 1941, no bairro Cruz das Armas, periferia de João Pessoa, Paraíba

Do mesmo autor: Os objetos indomáveis

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2014-01-07

Assunção Esteves e Eusébio - que diferença de categoria !!!

Questionada pelos jornalistas Assunção Esteves, Presidente da Assembleia da República, declarou sobre a questão dos restos mortais de Eusébio deverem ser transladados para o Panteão Nacional o seguinte: "a questão do Panteão depende de uma decisão do parlamento, não depende de uma iniciativa da presidente nem do poder da presidente, depende do poder dos grupos parlamentares". Adiante: "é uma questão de capacidade e de iniciativa interna ao parlamento", lembrando que, normalmente, são os grupos parlamentares que apresentam uma proposta nesse sentido.

A presidente da Assembleia da República achou ainda muito relevante dizer que esta operação envolve "custos mesmo muito elevados, na ordem de centenas de milhares de euros", a suportar pelo orçamento do parlamento.

Percebeu-se a preocupação da Presidente da Assembleia da República ao fazer um "aumento brutal" no custo efetivo da operação. Erro negligente (ainda que grosseiro), desvio provocado pela falta de à vontade para falar sobre a questão, notória falta de diplomacia ou outros interesses clubistas bem mais altos se levantam?

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ARTE POÉTICA - António Barahona

Por cada verso feito quantas noites
desfeitas e mulheres transfiguradas,
madrugadas, cidades, auto-estradas,
montes de cartas, mortos e ausentes.

Por cada verso feito me despeço
deste mundo, em pedaços repartido,
pois só consigo reunir-me quando fundo
império de poema nunca escrito.


António Barahona da Fonseca nasceu em Lisboa a 7 de janeiro de 1939

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2014-01-06

Nada sou, nada posso, nada sigo - Fernando Pessoa

Nada sou, nada posso, nada sigo.
Trago, por ilusão, meu ser comigo.
Não compreendo compreender, nem sei
Se hei de ser, sendo nada, o que serei.

Fora disto, que é nada, sob o azul
Do lato céu um vento vão do sul
Acorda-me e estremece no verdor.
Ter razão, ter vitória, ter amor

Murcharam na haste morta da ilusão.
Sonhar é nada e não saber é vão.
Dorme na sombra, incerto coração.


6-1-1923

Extraído de Obra Essencial de Fernando Pessoa, POESIA DO EU, edição Richard Zenith, Assírio & Alvim

Fernando Pessoa

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2014-01-05

Obrigado Eusébio por tantos «poemas» que nos deste !!!

Havia nele a máxima tensão.
Como um clássico ordenava a própria força,
Sabia a contenção e era explosão,
Havia nele o touro e havia corça.

Não era só instinto era ciência,
Magia e teoria já só prática.
Havia nele a arte e a inteligência
Do puro jogo e sua matemática.

Buscava o golo mais que golo: só palavra.
Abstracção. Ponto no espaço. Teorema
Despido do supérfluo rematava
E então não era golo: era poema.


poema de Manuel Alegre sobre Eusébio

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Canção da Verdade Jovem - Vasko Popa

A verdade cantava no escuro
No cimo da tília sobre o coração

O sol há-de amadurecer dizia
No cimo da tília sobre o coração
Se os olhos o iluminarem

Troçamos da canção
Agarrámos prendemos a verdade
Cortámos-lhe a cabeça de baixo da tília

Os olhos estavam noutro sítio
Ocupados com outra obscuridade
E nada viram

Trad. Eugénio de Andrade

Vasko Popa (Serbian: Васко Попа) n. Grebenac, Voyvodina 29 June 1922 – m. 5 Jan. 1991)

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2014-01-03

Mas nem se sabe, amor - Vasco Graça Moura


uma corrente surda que nos lava
e leva de palavras uma tanta
respiração mordida se enobrece
(andamentos do tempo, lucidez)
mas por baixo dos lagos que reflexo
na cerrada retícula que somos
de vísceras opacas e dos centros
da dor e do prazer uma corrente

ontem, amor, em si se iluminaram
discretamente as pálpebras bebidas
se humedeceu assim o abandono
correndo o púbis enumero a cama
a cércea a relva as silvas tudo junto
ao meu desassossego e adejaram
cortinas nunca mais que espelho a viu
perdendo-a nos meus olhos, amor, ontem

dessas perguntas vário afago e vento
desvelada avidez e toque enxuto
tantas coisas, amor, unicidades
desejo do desejo as utopias
de miúdos vagares tão amiúde
do dia não direi; desperta a noite
assim em toda a vida irei mordendo
mas nem se sabe, amor, dessas perguntas

Vasco Graça Moura nasceu na Foz do Douro (Porto), a 3 de Janeiro de 1942.

Ler do mesmo autor, neste blog:
blues da morte de amor
do tempo que passa
o soneto encontrado na garrafa
Soneto do amor e da morte
Lamento por Diotima

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2014-01-02

Rifão Quotidiano - Mário-Henrique Leiria (na passagem dos 90 anos do seu nascimento)

Uma nêspera
estava na cama
deitada
muito calada
a ver
o que acontecia

chegou a Velha
e disse
olha uma nêspera
e zás comeu-a

é o que acontece
às nêsperas
que ficam deitadas
caladas
a esperar
o que acontece

Mário-Henrique Leiria (nasceu em Lisboa a 2 de Jan. 1923 - m. em Cascais, 9 Jan. 1980)

Ler do mesmo autor:
Origem dos sonhos esquecidos
Cegarrega para crianças

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Citação do dia - Daisaku Ikeda


O futuro começa neste instante!
Precisamos definir o que deve ser feito neste momento;
E como estabelecer uma firme base
No exato local em que estamos.
É importante vencer aqui e agora!!!

Daisaku Ikeda (池田 大作 ) nasceu em Tóquio, Japão, a 2 de Janeiro de 1928

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