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2014-12-31

2015 Happy New Year 2015

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2014-12-30

IF / SE - Rudyard Kipling

If you can keep your head when all about you
Are losing theirs and blaming it on you,
If you can trust yourself when all men doubt you,
But make allowance for their doubting too;
If you can wait and not be tired by waiting,
Or being lied about, don't deal in lies,
Or being hated, don't give way to hating,
And yet don't look too good, nor talk too wise:

If you can dream - and not make dreams your master,
If you can think - and not make thoughts your aim;
If you can meet with Triumph and Disaster
And treat those two impostors just the same;
If you can bear to hear the truth you've spoken
Twisted by knaves to make a trap for fools,
Or watch the things you gave your life to, broken,
And stoop and build 'em up with worn-out tools:

If you can make one heap of all your winnings
And risk it all on one turn of pitch-and-toss,
And lose, and start again at your beginnings
And never breath a word about your loss;
If you can force your heart and nerve and sinew
To serve your turn long after they are gone,
And so hold on when there is nothing in you
Except the Will which says to them: "Hold on!"

If you can talk with crowds and keep your virtue,
Or walk with kings - nor lose the common touch,
If neither foes nor loving friends can hurt you,
If all men count with you, but none too much;
If you can fill the unforgiving minute
With sixty seconds' worth of distance run,
Yours is the Earth and everything that's in it,
And - which is more - you'll be a Man, my son!


(em português) Se

Se podes conservar o teu bom senso e a calma
No mundo a delirar para quem o louco és tu...
Se podes crer em ti com toda a força de alma
Quando ninguém te crê...Se vais faminto e nu,

Trilhando sem revolta um rumo solitário...
Se à torva intolerância, à negra incompreensão,
Tu podes responder subindo o teu calvário
Com lágrimas de amor e bênçãos de perdão...

Se podes dizer bem de quem te calunia...
Se dás ternura em troca aos que te dão rancor
(Mas sem a afectação de um santo que oficia
Nem pretensões de sábio a dar lições de amor)...

Se podes esperar sem fatigar a esperança...
Sonhar, mas conservar-te acima do teu sonho...
Fazer do pensamento um arco de aliança,
Entre o clarão do inferno e a luz do céu risonho...

Se podes encarar com indiferença igual
O triunfo e a derrota, eternos impostores...
Se podes ver o bem oculto em todo o mal
E resignar sorrindo o amor dos teus amores...

Se podes resistir à raiva e à vergonha
De ver envenenar as frases que disseste
E que um velhaco emprega eivadas de peçonha
Com falsas intenções que tu jamais lhes deste...

Se podes ver por terra as obras que fizeste,
Vaiadas por malsins, desorientando o povo,
E sem dizeres palavra, e sem um termo agreste,
Voltares ao princípio a construir de novo...

Se puderes obrigar o coração e os músculos
A renovar um esforço há muito vacilante,
Quando no teu corpo, já afogado em crepúsculos,
Só exista a vontade a comandar avante...

Se vivendo entre o povo és virtuoso e nobre...
Se vivendo entre os reis, conservas a humildade...
Se inimigo ou amigo, o poderoso e o pobre
São iguais para ti à luz da eternidade...

Se quem conta contigo encontra mais que a conta...
Se podes empregar os sessenta segundos
Do minuto que passa em obra de tal monta
Que o minute se espraie em séculos fecundos...

Então, á ser sublime, o mundo inteiro é teu!
Já dominaste os reis, os tempos, os espaços!...
Mas, ainda para além, um novo sol rompeu,
Abrindo o infinito ao rumo dos teus passos.

Pairando numa esfera acima deste plano,
Sem receares jamais que os erros te retomem,
Quando já nada houver em ti que seja humano,
Alegra-te, meu filho, então serás um homem!...


(tradução de Féliz Bermudes)

Rudyard Kipling (b. in India 30 Dec 1865; d. 18 Jan 1936).

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2014-12-29

Pórtico - Rainer Maria Rilke


Quem quer que sejas: Quando a noite vem,
sai do teu quarto onde tudo conheces;
a tua casa é a última ante o longe:
Quem quer que sejas.
Com teus olhos, que, de cansados, mal
conseguem libertar-se do teu limiar gasto,
levantas devagar uma árvore negra
e põe-la ante o céu: esguia, só.
E fizeste o mundo. E ele é grande
e como palavra ainda a amadurar no silêncio.
E quando o teu querer abrange o seu sentido,
teus olhos o abandonam, ternamente...


in “Poemas - Elegias de Duíno - Sonetos a Orfeu”,
Prefácios, Selecção e Tradução de Paulo Quintela,
Edições Asa, 4ª. Edição, 2001

Reiner Maria Rilke (nasceu em Praga em 4 de dezembro de 1875; m. em Valmont, Suiça a 29 Dez. 1926)

Ler, neste blog, do mesmo autor:
Zum Einschlafen zu sagen / To Say Before Going to Sleep / Para dizer antes de dormir
Amo as Horas Sombrias do Meu Ser
O Poeta /The Poet;
O Mundo Estava no Rosto da Amada

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2014-12-28

Canção - Olavo Bilac

Dá-me pétalas de rosa
Dessa boca pequenina:
Vem com teu riso, formosa!
Vem com teu beijo, divina!

Transforma num paraíso
O inferno do meu desejo...
Formosa, vem com teu riso!
Divina, vem com teu beijo!

Oh! tu, que tornas radiosa
Minh’alma, que a dor domina,
Só com teu riso, formosa,
Só com teu beijo, divina!

Tenho frio, e não diviso
Luz na treva em que me vejo:
Dá-me o clarão do teu riso!
Dá-me o fogo do teu beijo!


Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (nasceu no Rio de Janeiro a 16 de dezembro de 1865 e morreu na mesma cidade a 28 de dezembro de 1918).

Neste blog pode encontrar do mesmo autor, mais os seguintes poemas:
XXXI - [Longe de ti, se escuto, porventura]
Delírio
Por estas noites frias e brumosas
Vita Nuova
Via Láctea
Nel Mezzo del Camin
Ao coração que sofre
Por tanto tempo
Um beijo
Como Quisesse Livre Ser

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2014-12-27

Não, eu não sou de ninguém contemporâneo - Ossip Mandelstam

Não, eu não sou de ninguém contemporâneo,
para uma honra tal não estou pronto.
É que nojo me provoca um tal homónimo,
dizer que não fui eu, foi o outro.

Duas sonolentas maçãs o século-rei ostenta
e magnífica boca de barro,
mas, moribundo, à mão enlanguescente
do filho a envelhecer se agarra.

A compasso do século ergui também as pálpebras
doentias – duas maçãs grandes.
Contavam-me histórias de humanos pleitos inflamados
os rios largos e retumbantes.

Há cem anos branquejava com suas travesseiras
uma cama leve e desdobrável,
e estirou-se estranho o corpo de barro, a primeira
embriaguez do século findava.

Bem no meio da marcha tão rangente do mundo,
como é levíssima esta cama!
E pois não podemos forjar um outro do fumo,
com este século convivamos.

Num quarto quente, ou numa caverna, nas tendas
morre o século – e por último
sobre hóstia córnea duas maçãs sonolentas
resplandecem num fogo de pluma.


Trad. Nuno Guerra e Filipe Guerra

Ossip Emilyevich Mandelstam (Varsóvia, 15 de Janeiro de 1891 — Vladivospov, URSS, 27 de Dezembro de 1938)

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2014-12-26

Para voltar - Alberto Pimenta

Para voltar
A ver-te
Um só instante,
A ti,
Que és mais bela que a lua,
Antes que a manhã recolha
As estrelas
Uma a uma
E as guarde
Do outro lado do céu,

Vou atravessar
O rio
Coberto de holofotes,
Que transformam o verde claro
Numa fosforescência
De água assustada.

Se não me matarem
Nem me apanharem vivo,
Mantém-te alerta
Mantém alerta
O desejo mais antigo
e o mais novo.

Vou passar
Do lado de fora
Da parede
Perfurada
Pelas balas:

Passa-me um lenço
De seda
Com o teu perfume.

Marca-o com o segredo
Dos teus lábios.


Alberto Pimenta (Porto, 26 de dezembro de 1937)

Ler do mesmo autor:
Perscrutação
elegia

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2014-12-25

Mãe - Hermes Fontes

Carnaval do Arlequim - Joan Miró
m. em Palma de Maiorca, a 25 Dez. de 1983; (n. em Barcelona, a 20 de Abril de 1893)

Para dizer quem foi a minha mãe, não acho
Uma palavra própria, um pensamento bom
Diógenes — busco-o em vão; falta-me a luz de um facho
— Se acho som, falta a luz; se acho luz, falta o som!

Teu nome — ó minha mãe — tem o sabor de um cacho
De uvas diáfanas, cor de ouro e pérola, com
Polpa de beijos de anjo... ouvi-lo é ouvir um sacho
Merencóreo, a rezar, no seu eterno tom. ..

Minha mãe! Minha mãe! Eu não fui qual devera.
Morreste e eu não bebi nos teus lábios de cera
A doçura que as mães, ainda mortas, contêm...

Ao pé de nossas mães — todos nós somos crentes...
Um filho que tem mãe — tem todos os parentes...
— E eu não tenho por mim, ó minha mãe, ninguém!


Nota biobibliográfica:
HERMES Floro Bartolomeu Martins de Araújo FONTES nasceu em Buquim (SE) a 28 de Agosto de 1888 e suicidou-se no Rio de Janeiro a 25 de Dezembro de 1930. De origem humilde, revelou desde menino tal inteligência que o governador do estado o levou para o Rio, onde se bacharelou em Direito em 1911, embora nunca tenha exercido a advocacia, dedicando-se antes a uma intensa actividade jornalística e política. Como poeta, entre parnasianismo e simbolismo, foi um autor ecléctico. A revolução de 1830 demitiu-o de todos os cargos. Sentindo-se perseguido politicamente, abandonado sentimentalmente (divorciara-se há pouco) e cada vez mais isolado pela surdez, desfechou um tiro no peito no dia de Natal.

(nota biobliográfica extraída de «A Circulatura do Quadrado - Alguns dos Mais Belos Sonetos de Poetas cuja Mátria É a Língua Portuguesa. Introdução, coordenação e notas de António Ruivo Mouzinho. Edições Unicepe - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, 2004».

Ler do mesmo autor:
Suave Amargor
Anoitecer na Praia
A Cigarra
Pouco acima Daquela Alvíssima Coluna
Jogos de Sombras;
Solenemente;
Diário de Um Sonho(IV)


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2014-12-24

FELIZ NATAL

A
todos
aqueles
que gostam
de dormir mas
que se levantam
sempre de bom humor.
Aos que se saúdam com um
beijo. Aos que trabalham muito
e se divertem mais ainda. Aos que
conduzem com pressa mas não buzinam
nos semáforos. Aos que chegam atrasados, mas
não inventam desculpas. Aos que apagam a televisão
para uma boa cavaqueira. Aos que são duplamente felizes,
fazendo só metade. Aos que se levantam cedo para ajudarem um
Amigo. Aos que vivem com o entusiasmo de uma criança e a sabedoria
de um adulto. Aos que vêem uma luz mesmo quando está tudo escuro.
Aos que não
esperam
pelo
Natal
para
serem
melhores
- Homens e Mulheres –
Um Abraço meu
e
FELIZ NATAL E EXCELENTE 2015

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2014-12-19

Há palavras que nos beijam - Alexandre O'Neill (na passagem do 90º aniversário do poeta)

...


Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.


Alexandre Manuel Vahía de Castro O'Neill (n. em Lisboa a 19 de dezembro de 1924; m. em 21 de agosto de 1986).

Ler do mesmo autor:
Nesta curva tão terna e lancinante;
O Beijo;
Um Adeus Português;
Gaivota;
Dai-nos, meu Deus, um pequeno absurdo quotidiano que seja;
Toma Lá Cinco;
Auto-Retrato.

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2014-12-17

Soneto [Sonhei-te tantos anos! Tantos anos!] - Gilka Machado

Sonhei-te tantos anos! Tantos anos!
Eras o meu ideal de amor e de arte,
buscava-te a toda hora e em toda parte
nessa ânsia inexplicável dos insanos.

Enfim, vencida pelos desenganos,
como quem nada espera que lhe farte
a alma faminta, exausta de sonhar-te,
abandonei-me do destino aos danos.

Surges-me agora, em meio da jornada
da Vida: vens do Inferno ou vens da Altura?
- Não sei: mas de ti fujo, apavorada!

E, em lágrimas, minha alma conjetura:
uma felicidade retardada
quase sempre se torna desventura.


in "Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou", J.G . de Araujo Jorge - 1a ed. 1963

Gilka da Costa de Mello Machado - Poeta brasileira nascida no Rio de Janeiro (RJ) no dia 12 de março de 1893, e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), a 17 de dezembro de 1980.

Ler ainda da mesma autoria, neste blog:
Saudade
Lembranças
Esboço
Símbolos

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2014-12-16

XXXI - [Longe de ti, se escuto, porventura] - Olavo Bilac

Longe de ti, se escuto, porventura,
Teu nome, que uma boca indiferente
Entre outros nomes de mulher murmura,
Sobe-me o pranto aos olhos, de repente...

Tal aquele, que, mísero, a tortura
Sofre de amargo exílio, e tristemente
A linguagem natal, maviosa e pura,
Ouve falada por estranha gente...

Porque teu nome é para mim o nome
De uma pátria distante e idolatrada,
Cuja saudade ardente me consome:

E ouvi-lo é ver a eterna primavera
E a eterna luz da terra abençoada,
Onde, entre flores, teu amor me espera.


Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (nasceu no Rio de Janeiro a 16 de dezembro de 1865 e morreu na mesma cidade a 28 de dezembro de 1918).

Neste blog pode encontrar do mesmo autor, mais os seguintes poemas:
Delírio
Por estas noites frias e brumosas
Vita Nuova
Por Estas Noites

Via Láctea
Nel Mezzo del Camin
Ao coração que sofre
Por tanto tempo
Um beijo
Como Quisesse Livre Ser

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2014-12-15

A Quinteira da Panasqueira - António Maria Eusébio

Mote
Fui apalpar as gamboas
Que a quinteira tem na quinta,
Já tem marmelos maduros,
O seu bastardo já pinta.

Glosa

Sou mestre na agricultura,
meu saber ninguém disputa,
gosto de apalpar a fruta
quando está quase madura…
Gosto do que tem doçura;
Quero e gosto das mais pessoas:
para apalpar coisas boas
da quinta da Panasqueira,
com licença da quinteira,
fui apalpar as gamboas.

Por toda a parte que andei
dei cambalhotas e saltos,
depois de apalpar pêlos altos
pelos baixos apalpei.
Por toda a parte encontrei
fruta branca e fruta tinta;
para que a dona não se sinta
nunca direi mal da boda,
apalpei a fruta toda
que a quinteira tem na quinta.

Neste tão lindo arvoredo
não há fruta como a sua,
foi criada em boa lua
para amadurecer mais cedo.
Menina, não tenha medo
que os seus frutos estão seguros,
ou sejam moles ou duros
todos a têm em estima,
na sua quinta de cima
já tem marmelos maduros.

Tem uma árvore escondida
Num regato ao pé dum poço,
que dá fruta sem caroço
chamada gostos da vida.
Dessa fruta pretendida
que a menina tem na quinta,
se acaso tem uva tinta
a menina dê-me um cacho,
que na sua quinta de baixo
o seu bastardo já pinta.


A resposta da quinteira

Mote

Fui apalpar os tomates
que tinha o meu hortelão,
mostrou-me o nabal que tinha,
meteu-me o nabo na mão.


Glosa

Sou mestra na agricultura,
tenho terra para cavar,
gosto sempre de apalpar
se a enxada é mole ou dura.
Ser amiga da verdura
não são nenhuns disparates;
enchi alguns açafates
de tomateiros de cama,
depois de apalpar a rama
fui apalpar os tomates.

As sementes tomateiras
nascem por dentro e por fora,
semeiam-se a toda a hora
dentro de fundas regueiras.
Tão brilhantes sementeiras
dão gosto e satisfação.
Dentro do meu regueirão
dão-me as ramas pelos joelhos;
que tomates tão vermelhos
que tinha o meu hortelão!

Só de vê-los e apalpá-los
faz andar a gente louca,
faz crescer água na boca
e a língua dar estalos.
Meu hortelão tem regalos,
tem hortaliça fresquinha;
no vale da carapinha
tem um tomateiro macho,
abriu-me a porta de baixo
mostrou-me o nabal que tinha.

Tinha grelos e nabiças,
tinha tomates graúdos,
tinha nabos ramalhudos
com as cabeças roliças.
Tão brilhantes hortaliças
meteram-me a tentação;
era franco o hortelão,
deu-me uma couve amarela
para me dar gosto à panela,
meteu-me o nabo na mão.

(Versos brejeiros e satíricos,
cantigas para guitarra).

in Antologia de Poesia Erótica e Satírica Portuguesa - Selecção, prefácio e notas de Natália Correia. Antígona. frenesi

António Maria Eusébio, o “Calafate” ou o “Cantador de Setúbal”, (Setúbal, 15 de dezembro de 1819 — Setúbal, 22 de novembro de 1911)

Ler ainda do mesmo autor: Nunca fui mal procedido

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2014-12-14

A UMA FONTE QUE SECOU - Teixeira de Pascoaes

Com teus brandos murmúrios embalaste
Os minutos dos meus primeiros dias.
E pelos teus gemidos os contaste;
Eu era então feliz e tu sofrias.
As minhas velhas árvores regaste,
O meu jardim ao sol reverdecias...
E quando as tuas lágrimas choraste,
Como a dor que hoje sofro, entenderias!
Mas, aí, tudo mudou! Seca estiagem
Bebeu, a arder em febre, as tuas águas;
Versos de água cantando a minha imagem.
Raios de sol que as fontes evaporam,
Levando para Deus as suas mágoas,
Secai também os olhos dos que choram!.


Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos, que usou o pseudónimo litrerátrio de Teixeira de Pascoaes, nasceu em 8 de novembro de 1877 (*) em Amarante; m. em 14 de dezembro de 1952.

(*) Conforme assento oficial de nascimento; de algumas fontes biográficas consta a data de 2 de novembro

Ler também do mesmo autor:
Canção da Névoa
V - Chegada de Marânus à Montanha (excerto)
Ao Crespúsculo
Esperança e Tristeza
Além de mim
O Poeta
A sombra do Tâmega;
Canção da Névoa
À Minha Musa
A Sombra da Vida (excerto)
Elegia do Amor;
Quem és tu? De onde vens?...

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2014-12-13

Ler as estrelas - Fernando Semana

Criança, olhava eu para as estrelas, certa vez,
fascinado, enquanto coisas longínquas e belas,
e disse-me, austera mas terna, a minha mãe:
Não apontes para o céu que te nascem cravos nas mãos.
Amén: nas minhas mãos nasceram cravos...
E assim fiquei analfabeto em estrelês.

Tantos anos volvidos, dou-me a olhar para as estrelas,
Ainda fascinado pelas coisas longínquas e belas,
Com redobrada curiosidade, a querer lê-las,
Mas não sei decifrar o que elas me dizem...

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DESAMORES - Reynaldo Jardim

Quero me despojar
de tudo o que não tenho.
Limpar meus horizontes
de artes e de engenho.
Quero me desfazer
de tudo o que não tive.
A certeza certeira
de quem viveu não vive.
Quero me entristecer
de alegria e calma.
Olhar no espelho e ver
a cara de minha alma.
E quero dessofrer
O que nunca sofri.
O gosto do prazer:
sumo de sapoti.

in Cantares Prazeres, 1986.

Reynaldo Jardim nasceu em 13 de dezembro de 1926 - morreu em Brasília, em 1 de fevereiro de 2011

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2014-12-12

Fantasia - Carla Patrícia Horn

Até
no sono
Eu te procuro
E no sonho
Mesmo no escuro
Eu vejo
Teus olhos
Brilharem,
Tuas mãos me
Acariciarem
E nossos corpos
Agitarem
A cama de mola
Da cabana
Na serra azul
De minha fantasia

Como eu
Te queria!

in Encontro de Dois Poetas

Carla Patrícia Horn nasceu em Estrela, Rio Grande do Sul, a 12 de dezembro de 1970

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2014-12-11

AS CLARAS IMAGENS - Manuel Gusmão

Supõe aquele homem sentado na redonda brancura
de um pátio em que o sol chove as paredes transparentes.
Ele olha a tremenda e maligna glória do dia: sim,
sou uma pedra de sob o sol, mas uma pedra cheia de noite.
Então, as máquinas de cena apagam toda a luz e acendem
uma imagem semovente e fixa do universo;

da noite do universo;

o homem, esse, é aqui um velho braço de mar; uma bicicleta
incompleta em que o vento inventa a música agreste
e frágil; um rádio antigo continuando a soar enquanto
vai caindo pelos degraus da última casa. Este homem
é um cão cego; uma repetição inútil; uma cadeira
baloiçando vazia ao pé de um candeeiro cuja luz decai.

A última irmã (na ordem da invenção)
trouxe uma cadeira para o pátio com a palmeira
inventada ao centro e pensa para ele:
Dizemos que as nuvens do outono se despedem
por música
da glória do oiro incendiado alto.
Vivemos tempos que não merecíamos. Há muito
que te pressentia assim: um homem afogado e
depositado na praia. Um homem a quem secaram
toda a música. Mas porquê tão cedo?
Porquê das claras imagens tão cedo te perdeste?
Respiras demasiado alto, oiço o teu esforço
e é contra esse som que te digo: Diz-me
o que queres. Se quiseres virei sentar-me
aqui mesmo, de frente para ti. Como agora.
Sim, fico,
ficarei à espera de te ver a entrar nela.
Estarei cá -
demasiado tarde mas um pouco antes -
virei a tempo de te ver entrar
na tua morte.
Guardarei em mim a tua figura vacilante firme
a desaparecer entrando nela.
Guardarei essas imagens e esquecê-las-ei tão fundo
quanto puder, até as ter no cinema do sangue, nas
mãos que te inventaram, até as ter em dedos.
E mais tarde voltarei então ao lugar da tua ausência
e sílaba por sílaba cantarei por ti
cantarei em direcção a ti
as claras imagens em que morrias.
E escreverei no piano
das águas
as provas de que viveste, de que estiveste vivo
um dia.

"Migrações do Fogo", 2004

 MANUEL GUSMÃO nasceu em Évora a 11 de dezembro de 1945

Ler do mesmo autor, no Nothingandall:
O rio divide-te
Já ali não estavas
A Terceira Mão
A Velocidade da Luz (excerto)

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2014-12-10

Do portão da casa - Lindolf Bell

Abri o portão
O coração rangeu.
Rangeu
dentro de mim
e eu sorri
como um lavrador sorri
com seu rosto de terra
e a boca rasgada de riso
diante da terra lavrada.

Abri o portão partido. Partiu-me
em dois horizontes.
Em dois gomos de um fruto fugaz.
Igual e desigual.

Abri o portão da minha casa.
E a ferrugem (ou seria orvalho?)
desatou o nó da palavra
pendurada por um fio
no fundo da garganta.

Abri o portão da casa de minha infância.
Mapa dobrado dentro de mim
desdobrado,
mapa mudo
onde afundei
em areia movediça
palavra por palavra.

Abri o portão da casa.
A boca do jardim, a travessia
do mundo.
O tempo fendeu
dentro e fora de onde vim
e espatifou as asas de papel
que vesti em mim.

Manchei roupa, amor e ávidos tatos
em polpa de fruto proibido.

Puiu-se a pele nova na vivência,
no corpo dividido.
Entre sonhos, frêmitos, tristuras
e o real vivido.

Pois ainda que sonhe o tempo todo
ter o tempo de encontrar a verdade
em minhas mãos,
nada sei de mim
além de fotografias estampadas no jornal.
E pouca coisa mais saberei
ainda que acredite o contrário a cada instante
e que meu campo de batalha comigo mesmo
dure a vida inteira deste sonho
como dura o sonho a vida inteira
e, muitas vezes, se projete
além do horizonte aberto
do portão,
pouco mais ou nada mais
saberei.

A caixa vazia
de um velho relógio colonial
desliza sobre as águas do rio Itajaí-Açu
entre a lua cheia partida
e a nuvem veloz.

E todas estas palavras
e outras tantas nem escritas nem ditas
(esfacelada luz de uma estrela sem face nem foice)
fazem parte da minha biografia transparente.
Nada menos
nada mais.


Lindolf Bell (n. em Timbó, Santa Catarina a 2 de novembro de 1938 - m. Blumenau, 10 de dezembro de 1998)

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2014-12-09

A Rosa - Um Suspiro - Almeida Garrett

Se esta flor tão bela e pura,
Que apenas uma hora dura,
Tem pintado no matiz
O que o seu perfume diz,
Por certo na linda cor
Mostra um suspiro d'amor:
Dos que eu chego a conhecer
É este o maior prazer.
E a rosa como um suspiro
Há-de ser; bem se discorre:
Tem na vida o mesmo giro,
É um gosto que nasce e - morre.


in Folhas Caídas, 1853

João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett (n. no Porto a 4 de Fev. 1799; m. em Lisboa 9 Dez. 1854)

Ler do mesmo autor:
Os Meus Desejos
Este Inferno de Amar
Rosa sem Espinhos
Seus Olhos
Destino
Não És Tu
Os Cinco Sentidos
Não Te Amo

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2014-12-08

Se tu viesses ver-me hoje à tardinha - Florbela Espanca

Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...

Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...

Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri

E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...


Florbela Espanca (n. Vila Viçosa, 8 dezembro 1894; m. Matosinhos em 8 de dezembro de 1930)

Ler neste blog da mesma autora:
O Nosso Livro
Horas Rubras
Tarde de Mais
Ser poeta é
À Morte
Amar!
Soror Saudade
Cantigas leva-as o vento



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2014-12-05

Liberdade - Carlos Marighella

Não ficarei tão só no campo da arte,
e, ânimo firme, sobranceiro e forte,
tudo farei por ti para exaltar-te,
serenamente, alheio à própria sorte.

Para que eu possa um dia contemplar-te
dominadora, em férvido transporte,
direi que és bela e pura em toda parte,
por maior risco em que essa audácia importe.

Queira-te eu tanto, e de tal modo em suma,
que não exista força humana alguma
que esta paixão embriagadora dome.

E que eu por ti, se torturado for,
possa feliz, indiferente à dor,
morrer sorrindo a murmurar teu nome.


Carlos Marighella (Salvador, 5 de dezembro de 1911 – São Paulo, 4 de
novembro de 1969)

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2014-12-04

Amo as horas sombrias do meu ser / Ich liebe meines Wesens Dunkelstunden - Rainer Maria Rilke

Amo as horas sombrias do meu ser
em que os meus sentidos se aprofundam;
nelas encontrei, como em velhas cartas,
o meu dia a dia já vivido,
ultrapassado e vasto como numa lenda.

Elas me ensinam que possuo espaço
p'ra uma intemporal Segunda vida.
E por vezes sou como a árvore
que, madura e rumorosa, sobre uma campa
cumpre o sonho que a criança de outrora
(abraçada por suas cálidas raízes)
perdeu em tristezas e canções.



Trad.: Ana Hatherly , in Rosa do Mundo, 2001 Poemas para o Futuro, Assírio & Alvim

Original

Ich liebe meines Wesens Dunkelstunden,
in welchen meine Sinne sich vertiefen;
in ihnen hab ich, wie in alten Briefen,
mein täglich Leben schon gelebt gefunden
und wie Legende weit und überwunden.

Aus ihnen kommt mir Wissen, daß ich Raum
zu einem zweiten zeitlos breiten Leben habe.
Und manchmal bin ich wie der Baum,
der, reif und rauschend, über einem Grabe
den Traum erfüllt, den der vergangne Knabe
(um den sich seine warmen Wurzeln drängen)
verlor in Traurigkeiten und Gesängen.<(p>

Rainer Maria Rilke, Die Gedichte


René Karl Wilhelm Johann Joseph Maria Rilke (b. Prague, Bohemia 4 Dec 1875; d. Switzerland 29 Dec 1926)

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2014-12-03

Era um pássaro alto como um mapa - Cruzeiro Seixas

Era um pássaro alto como um mapa
e que devorava o azul
como nós devoramos o nosso amor.

Era a sombra de uma mão sozinha
num espaço impossivelmente vasto
perdido na sua própria extensão.

Era a chegada de uma muito longa viagem
diante de uma porta de sal
dentro de um pequeno diamante.

Era um arranha-céus
regressado do fundo do mar.

Era um mar em forma de serpente
dentro da sombra de um lírio.

Era a areia e o vento
como escravos
atados por dentro ao azul do luar.


in "áfricas", 1950

Cruzeiro Seixas, de nome completo, Artur Manuel Rodrigues do Cruzeiro Seixas, nasceu na Amadora em 3 de dezembro de 1920

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2014-12-02

O BALOIÇO - Alfredo Guisado

Baloiço - imagem daqui

Na minha quinta, em pequeno,
Tive um inquieto baloiço
Que ainda o vejo sereno
E nele os meus gritos oiço.

Longas horas baloiçava
Meu frágil corpo menino.
E ora subia ou baixava
Num constante desatino.

Nesse baloiço, à distância,
Chama por mim minha infância
E eu chamo p'lo que passou.

E sem haver quem me oiça
O baloiço me baloiça
Entre o que fui e o que sou.


Alfredo Pedro de Meneses Guisado (nasceu a 30 de outubro de 1891 em Lisboa, onde faleceu a 2 de dezembro de 1975).

Ler do mesmo autor:
Apagou-se por fim o incerto lume
Recordar
Outrora
Um Poema de "Elogio da Desconhecida"
As Exéquias da Princesa II A Princesa a Seus Lábios Durante a Morte

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2014-12-01

Escrito de Memória - Pedro Tamen

Formado em direito e solidão,
às escuras te busco enquanto a chuva brilha.
É verdade que olhas, é verdade que dizes.
Que todos temos medo e água pura.

A que deuses te devo, se te devo,
que espanto é este, se há razão pra ele?
Como te busco, então, se estás aqui,
ou, se não estás, por te quero tida?
Quais olhos e qual noite?
Aquela
em que estiveste por me dizeres o nome.


Pedro Mário Alles Tamen (nasceu em 1 Dez. 1934 em Lisboa)

Ler do mesmo autor neste blog:
Regando Lentamente as Flores do Rio
Os Dias
Não sei, amor, se te consinto
O mar é longe mas nós somos o vento

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