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2018-03-28

A ROSA - Alexandre Herculano

Botão de Rosa imagem daqui

Pura em sua inocência,
Entre a sarça espinhosa,
Purpúrea esplende, inda botão intacto,
Na madrugada a rosa.

É da campina a virgem
A pudibunda flor;
Em seus eflúvios matutina brisa
Bebe o primeiro amor.

O sol inunda as veigas:
Calou-se o rouxinol;
E a flor, ébria de glória, à luz fervente,
Desabrochou-a o sol.

O sopro matutino
No seio seu pousara:
Prostituída à luz, fugiu-lhe a brisa,
Que a linda rosa amara.

Bela se ostenta um dia;
Saúdam-na as pastoras;
Dão-lhe mil beijos, gorgeando, as aves;
Voam do gozo as horas.

Lá vem chegando a noite,
E ela empalideceu:
Incessante prazer mirrou-lhe a seiva;
A rosa emmurcheceu.

Desce o tufão dos montes,
Os matos sacudindo;
Desfalecida a flor desprende as folhas,
Que o vento vai sumindo.

Onde estará a rosa,
Do prado a bela filha?
O tufão, que espalhou seus frágeis restos,
Passou: não deixou trilha.

Da sarça a flor virente
Nasceu, gozou, e é morta:
E a qual desses amantes de um momento
Seu fado escuro importa?

Nenhum, nenhum por ela
Gemeu saudoso à tarde;
Não há quem junte as derramadas folhas,
Quem amoroso as guarde.

Só da manhã o sopro,
Passando no outro dia,
Da rosa, que adorou, quando a inocência
Em seu botão sorria,

Junto do tronco humilde
O curso demorando,
Veio depositar perdão, saudade,
Queixoso sussurrando.

De quantas és a imagem,
Oh desgraçada flor!
Quantos perdões sobre um sepulcro abjecto
Tem murmurado o amor!


in Os dias do do Amor, um poema para cada dia do ano; recolha, selecção e organização de Inês Ramos, prefácio de Henrique Manuel Bento Fialho, Ministério dos Livros, 2009

Alexandre Herculano de Carvalho Araújo (nasceu em Lisboa, a 28 de março de 1810; m. em Vale de Lobos, próximo de Santarém a 13 de setembro de 1877).

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2018-03-26

Essa praia... esse mar... esse céu que me enleia... - Mário Cabral

Praia da Atalaia, Aracaju (imagem daqui)

Essa praia... esse mar... esse céu que me enleia...
Essas dunas, sonhando, à carícia da aragem...
Essas ondas, rolando em franjas pela areia
Essas nuvens, passando, em rebanho selvagem...

Em seu quimão de prata a lua é uma sereia
Que me traz, pelo azul, a mais linda mensagem
Uma vela perdida, alvacenta vagueia,
Como um lenço do adeus decorando a paisagem...

Coqueiros a acenar... Canções em murmúrio
A beleza da vida em tudo exuberando
Mo suave esplendor dessa noite de estio...

A dúvida, porém, de súbito me invade
E mudo triste, quedo, eu fico palpitando
Entre o ser e o não ser, entre o amor e a saudade.


(poema extraído daqui)

Mário Cabral nasceu em Aracaju, Sergipe, Brasil, em 26 de março de 1914 e faleceu em 2 de abril de 2009 em Salvador, Bahia, Brasil

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2018-03-22

DILEMA - Guimarães Passos



Se altivo - ouvirás contra ti mil rumores;
Humilde - qualquer um julgar-te-á seu vassalo;
Rico - servos terás como Sardanapalo;
Pobre - ai! de ti! ver-te-ás cercado de credores.

Se franco - eis a teu lado os vis caluniadores;
Ladino - ao teu encalço eis a lei, a cavalo;
Ama - serás tu só que sofrerás abalo;
Se amado - outro és e não terás amores.

Se só - tu maldirás a tua soledade;
Unido - chorarás a antiga liberdade...
Para seres, enfim, sem sofrer, que te ocorre?

Se alguém, sejas nada, inteligente ou rudo;
Se dos que nada têm; se dos que gozam tudo,
Para teres razão, só tens um meio: morre!


Sebastião Cícero dos Guimarães Passos nasceu em Maceió, Alagoas, Brasil, no dia 22 de março de 1867, e faleceu em Paris, no dia 9 de setembro de 1909.

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2018-03-07

Relíquia - António Patrício (na passagem dos 140 anos do nascimento)

 

Era de minha mãe: é um pobre xale
que tem pra mim uma carícia de asa.
Vou-lhe pedir ainda que me fale
da que ele agasalhou em nossa casa.

Na sua trama já puída e lassa
deixo os meus dedos pra senti-la ainda;
e Ela vem, é Ela que me abraça,
fala de coisas que a saudade alinda.

É a minha mãe mais perto, mais pertinho,
que eu sinto quando toco o velho xale,
que guarda um não sei quê do seu carinho.

E quando a vida mais me dói, no escuro,
sinto ao tocá-lo como alguém que embale
e beije a minha sede de amor puro.

  in 'Antologia Poética

 António Patrício (n. no Porto a 7 de março de 1878, m. em Macau, China a 4 de junho de 1930)

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2018-03-06

Não Te Rendas Jamais - Eduardo Alves da Costa



Procura acrescentar um côvado
à tua altura. Que o mundo está
à míngua de valores
e um homem de estatura justifica
a existência de um milhão de pigmeus
a navegar na rota previsível
entre a impostura e a mesquinhez
dos filisteus. Ergue-te desse oceano
que dócil se derrama sobre a areia
e busca as profundezas, o tumulto
do sangue a irromper na veia
contra os diques do cinismo
e os rochedos de torpezas
que as nações antepõem a seus rebeldes.
Não te rendas jamais, nunca te entregues,
foge das redes, expande teu destino.
E caso fiques tão só que nem mesmo um cão
venha te lamber a mão,
atira-te contra as escarpas
de tua angústia e explode
em grito, em raiva, em pranto.
Porque desse teu gesto
há de nascer o Espanto.

Eduardo Alves da Costa (Niterói, Rio de Janeiro, 6 de março de 1936)

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2018-03-05

Fado - Pedro Homem de Mello




Porque é que Adeus me disseste
Ontem e não noutro dia,
Se os beijos que, ontem, me deste
Deixaram a noite fria?

Para quê voltar atrás
A uma esperança perdida?
As horas boas são más
Quando chega a despedida.

Meu coração já não sente.
Sei lá bem se já te vi!
Lembro-me de tanta gente
Que nem me lembro de ti.

Quem és tu que mal existes?
Entre nós, tudo acabou.
Mas pelos meus olhos tristes
Poderás saber quem sou!

Fandangueiro (1971)
In Poesias Escolhidas; Lisboa, INCM, 1983

Pedro da Cunha Pimentel Homem de Melo (Porto, 6 de setembro de 1904 — Porto, 5 de março de 1984)

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2018-03-03

Chuva de Estrelas - Marcelo Gama


Li uma vez em páginas antigas
que, se uma estrela cai do céu clemente,
concede tudo o que lhe pede a gente.
Como as estrelas são nossas amigas!

Por isso agora, insone e sem fadigas,
fito os céus toda a noite atentamente.
Chovem estrelas... E eu: – Astro fulgente,
quero que eterno o nosso amor predigas!

– Faze-me bom! Conserva-lhe a doçura!
– Estrela, dá-nos paz, serenidade!
– Que a nossa filha seja linda e pura!

Doiradas ambições! Como dizê-las,
se elas são tantas? Deus, por piedade,
manda que caiam todas as estrelas!

Marcelo Gama (n. a 3 de março de 1878 em Mostardas, Rio Grande do Sul, Brasil; m. a 7 de março de 1915 no Rio de Janeiro)

MARCELO GAMA foi o pseudónimo de Possidónio Cezimbra Machado, que nasceu em Mostardas (RS) a 3 de Março de 1878 e morreu no Rio de Janeiro a 7 de Março de 1915. Teve uma morte insólita: caiu do eléctrico em que viajava, dormindo, alta madrugada, sobre os trilhos. Foi um epígono do simbolismo: poeta, teatrólogo, crítico, jornalista, empregado do comércio e boémio. Hipersensível, com uma imaginação plástica de grande originalidade, professava um socialismo utópico e sentia, a um tempo, ódio e amor à vida. Os seus versos, por vezes, másculos e cortantes, revelam influência de Cesário Verde.


Soneto e Nota biobliográfica extraídos de «A Circulatura do Quadrado - Alguns dos Mais Belos Sonetos de Poetas cuja Mátria É a Língua Portuguesa. Introdução, coordenação e notas de António Ruivo Mouzinho. Edições Unicepe - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, 2004).

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2018-03-02

Tarde - Luis de Montalvor

Ardente, morna, a tarde que calcina,
como em quadrante a sombra que descora,
morre − baixo relevo que domina −
como um sol que sobre saibros se demora.

Inunda a terra a vaga de ouro: fina
chuva de sonho. Paira, ao longe, e chora
o olhar errado ao sol que já declina
sobre as palmeiras que o deserto implora.

A um zodíaco de fogo a tarde abrasa,
em terra de varão que o olhar esmalta.
− Estagnante plaino de ouro e rosas − vaza

nele a sombra, sem dor, que em nós começa
e galga, sobe, monta e vive e exalta.
E a noite, a grande noite, recomeça!

Luís de Montalvor (n. S. Vicente, Cabo Verde, 31 de janeiro de 1891; m. Lisboa, 2 de março de 1947)


A propósito de Luís de Montalvor escreveu Fernando Pessoa:

Há duas espécies de poetas — os que pensam o que sentem, e os que sentem o que pensam.

A terceira espécie apenas pensa ou sente, e não escreve versos, sendo por isso que não existe.

Aos poetas que pensam o que sentem chamamos românticos; aos poetas que sentem o que pensam chamamos clássicos. A definição inversa é igualmente aceitável.

Em Luís de Montalvor (Luís da Silva Ramos), autor de um livro de POEMAS a aparecer em breve, a sensibilidade se confunde com a inteligência — como em Mallarmé, porém diferentemente — para formar uma terceira faculdade da alma, infiel às definições. Tanto podemos dizer que ele pensa o que sente, como que sente o que pensa. Realiza, como nenhum outro poeta vivo, nosso ou estranho, a harmonia entre o que a razão nega e o que a sensibilidade desconhece. O resultado — poemas subtis, irreais, quase todos admiráveis — pode confundir os que esperam encontrar na originalidade um velho conhecimento, e no imprevisto o que já sabiam. Mas para os que esperam o que nunca chega, e por isso o alcançam, a surpresa dos seus versos é a surpresa da própria inteligência em se encontrar sempre diferente de si mesma, e em verificar sempre de novo que cada homem é, em sua essência, um conceito do universo diferente de todos os outros. E como, visto que tudo é essencialmente subjectivo, um conceito do universo é ele mesmo o próprio universo, cada homem é essencialmente criador. Resta que saiba que o é, e que saiba mostrar que o sabe: é a essa expressão, quando profunda, que chamamos poesia.

Não nos ilude Luís de Montalvor na expressão essencial dos seus versos: vive num mundo seu, como todos nós; mas vive com vida num mundo seu, ao passo que a maioria, em verso ou prosa, morre o universo que involuntariamente cria.

Palavras estranhas, porém verdadeiras. Como poderiam ser verdadeiras se não fossem estranhas?
1927

in Textos de Crítica e de Intervenção . Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1980.


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2018-03-01

Interrogação - Camilo Pessanha


imagem daqui

Não sei se isto é amor. Procuro o teu olhar,
Se alguma dor me fere, em busca de um abrigo;
E apesar disso, crê! nunca pensei num lar
Onde fosses feliz, e eu feliz contigo.

Por ti nunca chorei nenhum ideal desfeito.
E nunca te escrevi nenhuns versos românticos.
Nem depois de acordar te procurei no leito
Como a esposa sensual do Cântico dos Cânticos.

Se é amar-te não sei. Não sei se te idealizo
A tua cor sadia, o teu sorriso terno...
Mas sinto-me sorrir de ver esse sorriso
Que me penetra bem, como este sol de Inverno.

Passo contigo a tarde e sempre sem receio
Da luz crepuscular, que enerva, que provoca.
Eu não demoro o olhar na curva do teu seio
Nem me lembrei jamais de te beijar na boca.

Eu não sei se é amor. Será talvez começo...
Eu não sei que mudança a minha alma pressente...
Amor não sei se o é, mas sei que te estremeço,
Que adoecia talvez de te saber doente.


CAMILO de Almeida PESSANHA nasceu em Coimbra a 7 de Setembro de 1867 e morreu, tuberculoso, em Macau (China) a 1 de Março de 1926. Filho natural de um estudante de Direito e de uma tricana, andou na infância pelos Açores, Mogadouro e Lamego. Cursou Direito na universidade da sua terra natal (1883/91) e começou por exercer advocacia em Trás-os-Montes. Em seguida, abalou para Macau, onde acamaradou, durante três anos, com o escritor Wenceslau de Morais e teve, em 1896, um filho, João Manuel, duma companheira chinesa, falecido, poucos anos depois, do mesmo mal que havia de vitimar o pai. Foi professor de filosofia no liceu de Macau (1894), conservador do registo predial (1900) e juiz (1904). Entretanto, fazia várias visitas à metrópole: a primeira em 1896/97, a segunda em 1899/1900, a terceira de Agosto de 1905 a Janeiro de 1909 e a última de Setembro de 1915 a Março de 1916. Em 1911, foi exonerado do cargo de conservador e voltou a consagrar-se ao magistério liceal. Viciado em absinto e ópio, publicou os seus poemas com o título «Clepsydra» em 1920. A sua poesia é, ao mesmo tempo, plástica e musical, fazendo do seu autor o maior poeta simbolista português. Algumas características: abulia e ataraxia, cepticismo e pessimismo, inspiração lancinante e volúpia erótico-necrófila, nirvana e panteísmo difuso...

O soneto transcrevê-mo-lo de «Os Dias do Amor, Um poema para cada dia do ano», Recolha, selecção e organização de Inês Ramos, Prefácio de Henrique Manuel Bento Fialho, Ministério dos Livros. A nota biobliográfica foi extraída de «A Circulatura do Quadrado - Alguns dos Mais Belos Sonetos de Poetas cuja Mátria é a Língua Portuguesa. Introdução, coordenação e notas de António Ruivo Mouzinho. Edições Unicepe - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto 2004.

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