Uma taça com asas: quem a viu
Antes de mim? Vi-a ontem. Subia
Com lenta majestade, como quem verte
Óleo sagrado: em suas doces bordas
Meus delicados lábios apertava:
Nem uma gota sequer, nem uma gota
Do bálsamo perdi que houve em teu beijo!
Tua cabeça de negra cabeleira
-Lembras-te? - com minha mão pedia,
Pra que de mim teus lábios generosos
Não se afastassem. - Serena como o beijo
Que a ti me transfundia era a suave
Atmosfera em redor: a vida inteira
Senti que a mim, abraçando-te, abraçava!
Perdi de vista o mundo, e seus ruídos,
Sua invejosa e bárbara batalha!
Uma taça subia pelo espaço
E eu, em braços não vistos reclinado,
Atrás dela, nas doces bordas preso:
Pelo espaço azul eu ascendia!
Oh amor, oh imenso, oh artista perfeito!:
Em roda ou em carril funde o ferreiro o ferro:
Uma flor ou mulher ou águia ou anjo
Em ouro ou prata o ourives cinzela:
Apenas tu, só tu, sabes o modo
De reduzir o Universo a um beijo!
Trad. José Bento
in Rosa do Mundo, 2001 Poemas para o Futuro, Porto Editora
Versão original
Una copa con alas: quién la ha visto
antes que yo? Yo ayer la vi. Subía
con lenta majestad, como quien vierte
óleo sagrado: y a sus bordes dulces
mis regalados labios apretaba:?
Ni una gota siquiera, ni una gota
del bálsamo perdí que hubo en tu beso!
Tu cabeza de negra cabellera
?Te acuerdas?? con mi mano requería,
porque de mí tus labios generosos
no se apartaran. ?Blanda como el beso
que a ti me transfundía, era la suave
atmósfera en redor: La vida entera
sentí que a mí abrazándote, abrazaba!
Perdí el mundo de vista, y sus ruidos
y su envidiosa y bárbara batalla!
Una copa en los aires ascendía
y yo, en brazos no vistos reclinado
tras ella, asido de sus dulces bordes:
Por el espacio azul me remontaba!
Oh amor, oh inmenso, oh acabado artista:
en rueda o riel funde el herrero el hierro:
una flor o mujer o águila o ángel
en oro o plata el joyador cincela:
Tú sólo, sólo tú, sabes el modo
de reducir el Universo a un beso!
José Julián Martí Pérez (Havana, 28 Jan 1853 – Dos Ríos, 19 May 1895)