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2015-08-16

Introdução + Paz! - António Nobre

MEMORIA
À MINHA MAE
AO
MEU PAI

Aquele que partiu no brigue Boa Nova
E na barca Oliveira, anos depois, voltou;
Aquele santo (que ê velhinho e já corcova)
Uma vez, uma vez, linda menina amou:
Tempos depois, por uma certa lua-nova,
Nasci eu... O velhinho ainda cá ficou,
Mas ela disse: — «Vou, ali adiante, à Cova,
António, e volto já ...» E ainda não voltou!
António é vosso. Tomai lá a vossa obra!
«Só» é o poeta-nato, o lua, o santo, a cobra !
Trouxe-o dum ventre: não fiz mais do que o escrever...
Lede-o e vereis surgir do Poente as idas mágoas,
Como quem vê o Sol sumir-se, pelas águas,
E sobe aos alcantis para o tornar a ver!


PAZ!

Paz! E a Vida foi, e é assim, e não melhora.
Esforço inútil, crê! Tudo é ilusão...
Quantos não cismam nisso mesmo a esta hora
Com uma taça, ou um punhal na mão!

Mas a Arte, o Lar, um filho, Antonio? Embora!
Quimeras, sonhos, bolas de sabão.
E a tortura do além e quem lá mora!
Isso é, talvez, minha única aflição...

Toda a dor pode suportar-se, toda!
Mesmo a da noiva morta em plena boda,
Que por mortalha leva... essa que traz...

Mas uma não: é a dor do pensamento!
Ai quem me dera entrar nesse convento
Que há além da Morte e que se chama A Paz


Extraído de «Só, António Nobre, Paris, Leon Vanier Editeur, 1892»
cópia digital de acesso livre aqui (com atualização da ortografia pelo autor do blog).

António Pereira Nobre (nasceu no Porto a 16 de Agosto de 1867 e foi vítima de tuberculose pulmonar, na Foz do Douro, Porto a 18 de Março de 1900).

Ler do mesmo autor, neste blog:
O Teu Retrato
À Luz de Lua
Ao Cair das Folhas
Virgens que passais
Carta ao Oceano
A Leão XIII
Ladainha
Purinha
E a vida foi, e é assim, e não melhora
Na Praia lá da Boa Nova um dia


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