Balada de Coimbra - José Régio
Do Penedo da Saudade
Lancei os olhos além.
Meu sonho de eternidade
Com saudades rima bem...
Ai sombras da Torre de Anto,
Do Convento de além-rio,
Dos muros brancos do Pio,
De Santo António a cismar,
Que é de outras sombras que à tarde
Convosco se confundiam,
E ao ar os braços erguiam,
E as mãos abriam no ar...?
(Sem saber para onde iam,
Aonde iriam parar?)
- Penha da Meditação...
Silêncio que paira em tudo!
A terra e o céu dão a mão
Num longo colóquio mudo...
Ai céus de Setembro-Outubro,
Painéis de sonho e loucura,
Rasgando a toda a lonjura
Cenários de arrepiar,
Que é de esses olhos de abismo
Que à tarde a vós se elevam,
Por longe andavam, voltavam,
Vos devolviam no olhar...?
(Sem saber o que buscavam,
Que haviam de ir encontrar?)
- Chegam da Baixa até Celas
Os ais dos sinos na bruma.
Se o céu tem tantas estrelas,
Importa lá cair uma!
Ai linda triste janela,
Toda voltada ao poente,
De onde a menina doente
Sorria a um Anjo seu par,
Rainha Santa do bairro,
Que é de essa cuja mão fria
Do teu caixilho pendia
Como um lírio a desfolhar...?
(Sem saber para onde ia,
Aonde iria parar?)
- Quinta das lágrimas, onde
Chora a fonte doce e langue!
Corre a água, e não esconde
Aquelas manchas de sangue...
Ai olivais silva e prata,
Choupos transidos de mágoa,
Ai laranjais de ao pé de água
Com frutos de oiro a brilhar,
Que é do bando vagabundo
Cujo rir vos acordava,
Cuja tristeza só dava
Mais vontade de cantar...?
(Sem saber o que buscava,
Que havia de ir encontrar?)
- Fui à Lapa dos Esteios,
Grandes coisas fui saber:
Que há pedras que têm seios,
que eu bem nas ouvi gemer...
Ai pedras nuas dos becos
Despenhando-se, angustiados
Entre esses velhos telhados
E muros de ar singular,
Que é de esses passos que a medo
Vos pisavam, e tremiam,
Passos de irmão, que sofriam
Da mágoa de vos pisar...?
(Sem saber para onde iam,
Aonde iriam parar?)
- No Choupal quis fazer versos,
Olhei as folhas do chão.
Deus sabe os sonhos dispersos
Que o vento leva na mão!
Ai águas do meu Mondego
Que entre choupais murmurando
Se me esquivais, nesse brando
Sempre ir andando até mar,
Que é das mãos roxas de febre
Que em vós se desalteravam,
E entre as folhas que boiavam
Se deixavam arrastar...?
(Sem saber o que buscavam,
Que haviam de ir encontrar?)
- A Santa Cruz, um por um,
Dos troncos fui despedir-me.
Não tenho amigo nenhum
Que me haja sido tão firme...
Ai choro com que o Paredes,
Vibrando os dedos em garra,
Despedaçava a guitarra,
Punha os bordões a estalar,
Gritos de cristal e de oiro
Que o Bettencourt alto erguia,
Que é da roda que algum dia
Vos sabia acompanhar...?
(Sem saber para onde ia,
Aonde iria parar?)
- Fonte do Largo da Sé,
Que dizes tu ao cair?
- Mortos do adro, de pé!,
Que os vivos é só dormir...
Ai crepúsculos de antanho,
Limalha do sol, que morre
Lá desde o cimo da Torre
Té Santa Clara, além-ar,
Que é de essa plêiade antiga
Cuja alma em vós se encantava,
Feita de cinza e de lava,
Desfeita em sombra e luar...?
(Sem saber o que buscava,
Deus sabe o que iria achar!)
- Do Penedo da Saudade
Lancei os olhos acima.
Sonho meu de eternidade
Com saudade é que bem rima...
José Maria dos Reis Pereira, de peseudónimo literário José Régio, nasce em Vila do Conde a 17 Set 1901; m. em Vila do Conde, 22 Dez 1969.
Ler do mesmo autor neste blog:
Adeus
Soneto de Amor
Toada de Portalegre
Cântico Negro
Fado Português
Os Epitáfios: Epitáfio Para Um Poeta
Quando eu Nasci
Meu Menino Ino, Ino
Poema do Silêncio
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