Amor, morte, poesia, política, actualidade, futebol, efemérides, solidão, paz, humor, musica...tudo e nada; Here we talk about life, love, death,
On this day in History, poetry, politics, football (soccer), solitude, peace, humour, music ... nothing and all.
Páginas
▼
2018-07-10
Minuete - Augusto Meyer
O minuete das flores vai começar.
Há uma rosa vermelha que balouça, balouça,
em reverência a um lírio.
Tocam os grilos escondidinhos para a quadrilha.
Há um crisântemo crespo muito orgulhoso,
e sua corola parece que gira.
Ele dança imóvel — consigo mesmo…
As folhas secas também valsam,
— realejo ao vento —
valsam remoinhos silenciosos,
— folhas ingênuas — baile de pobres…
Dançam as flores, dançam perfumes na minha alma.
0 minuete das mágoas vai começar.
Minha alma não dança com as outras almas:
— dança imóvel — consigo mesma…
Augusto Meyer (Porto Alegre, 24 de janeiro de 1902 — Rio de Janeiro, 10 de julho de 1970)
2018-07-05
A Demora - Mia Couto
O amor nos condena:
demoras
mesmo quando chegas antes.
Porque não é no tempo que eu te espero.
Espero-te antes de haver vida
e és tu quem faz nascer os dias.
Quando chegas
já não sou senão saudade
e as flores
tombam-me dos braços
para dar cor ao chão em que te ergues.
Perdido o lugar
em que te aguardo,
só me resta água no lábio
para aplacar a tua sede.
Envelhecida a palavra,
tomo a lua por minha boca
e a noite, já sem voz
se vai despindo em ti.
O teu vestido tomba
e é uma nuvem.
O teu corpo se deita no meu,
um rio se vai aguando até ser mar.
in " idades cidades divindades"
António Emílio Leite Couto, que usa o pseudónimo literário de Mia Couto, nasceu na Beira, em Moçambique, em 5 de julho de 1955
demoras
mesmo quando chegas antes.
Porque não é no tempo que eu te espero.
Espero-te antes de haver vida
e és tu quem faz nascer os dias.
Quando chegas
já não sou senão saudade
e as flores
tombam-me dos braços
para dar cor ao chão em que te ergues.
Perdido o lugar
em que te aguardo,
só me resta água no lábio
para aplacar a tua sede.
Envelhecida a palavra,
tomo a lua por minha boca
e a noite, já sem voz
se vai despindo em ti.
O teu vestido tomba
e é uma nuvem.
O teu corpo se deita no meu,
um rio se vai aguando até ser mar.
in " idades cidades divindades"
António Emílio Leite Couto, que usa o pseudónimo literário de Mia Couto, nasceu na Beira, em Moçambique, em 5 de julho de 1955
2018-07-04
No centenário do nascimento de Adolfo Casais Monteiro - PERMANÊNCIA
Não peçam aos poetas um caminho. O poeta
não sabe nada de geografia celestial.
Anda aos encontrões da realidade
sem acertar o tempo com o espaço.
Os relógios e as fronteiras não tem
tradução na sua língua. Falta-lhe
o amor da convenção em que nas outras
as palavras fingem de certezas.
O poeta lê apenas os sinais
da terra. Seus passos cobrem
apenas distâncias de amor e
de presença. Sabe
apenas inúteis palavras de consolo
e mágoa pelo inútil. Conhece
apenas do tempo o já perdido; do amor
a câmara escura sem revelações; do espaço
o silêncio de um vôo pairando
em toda a parte.
Cego entre as veredas obscuras é ninguém e nada sabe
— morto redivivo.
Tudo é simples para quem
adia sempre o momento
de olhar de frente a ameaça
de quanto não tem resposta.
Tudo é nada para quem
descreu de si e do mundo
e de olhos cegos vai dizendo:
Não há o que não entendo.
Adolfo Casais Monteiro (nasceu no Porto a 4 de Julho de 1918 e faleceu em São Paulo a 23 de Julho de de 1972)