Para Ser Lido Mais Tarde - Mário Dionísio
Um dia
quando já não vieres dizer-me Vem
jantar.
quando já não tiveres dificuldade
em chegar ao puxador
da porta quando
já não vieres dizer-me Pai
vem ver os meus deveres
quando esta luz que trazes nos cabelos
já não escorrer nos papéis em que trabalho
para ti será o começo de tudo
Uma outra vida haverá talvez para os teus sonhos
um outro mundo acolherá talvez enfim a tua oferenda
Hás-de ter alguma impaciência enquanto falo
Ouvirás com encanto alguém que não conheço
nem talvez ainda exista neste instante
Mas para mim será já tão frio e já tão tarde
E nem mesmo uma lembrança amarga
ou doce ficará
desta hora redonda
em que ninguém repara
in O Silêncio Voluntário, 1966
Extraído de Poemas Portugueses - Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, Selecção, organização, introdução e notas Jorge Reis-Sá e Rui Lage, Porto Editora
Mário Dionísio (Lisboa, 16 de julho de 1916 - Lisboa, 17 de novembro de 1993)
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