Epitáfio - Tristán Corbière
Matou-se de paixão ou morreu de preguiça,
Se vive, é só de vício; e deixa apenas isso:
- Não ser a sua amante foi seu maior suplício -
Não nasceu por nenhum lado
E foi criado como mudo,
Tornou-se um arlequim-guisado,
Mistura adúltera de tudo.
Tinha um não-sei-que, - sem saber onde;
Ouro, - sem trocado para o bonde;
Nervos, - sem nervo; vigor sem "garra";
Alma, - faltava uma guitarra;
Amor, - mas sem bastante fome.
- Muitos nomes para ter um nome. -
Idealista, - sem idéia. Rima
Rica, - sem matéria-prima;
De volta, - sem nunca ter ido;
Se achando sempre perdido.
Poeta, apesar do verso;
Artista sem arte, - ao inverso;
Filósofo - vide-verso.
Um sério cômico, - sem sal.
Ator: não soube seu papel;
Pintor: do-ré-mi-fá-sol;
E músico: usava o pincel.
Uma cabeça! - sim, de vento;
Muito louco para ter tento;
Seu mal foi singular de mais.
- Seus pés quebrados, pés demais.
Avis rara - mas de rapina;
Macho... com manha feminina;
Capaz de tudo, - bom pra nada;
Com certeza, - por certo errada.
Pródigo como o filho errante
Do Testamento, - herança vacante.
Rebelde, - e com receio do lugar
Comum não saía do lugar.
Colorista sem cavalete;
Imcompreendido... - abriu o peito:
Chorou, cantou em falsete;
- E foi um defeito perfeito.
Não foi alguém, nem foi ninguém.
Seu natural era o ar bem
Posto, em pose para a posteridade;
Cínico, na maior ingenuidade;
Impostor, sem cobrar imposto.
- Seu gosto estava no desgosto.
Ninguém foi mais igual, mais gêmeo
Irmão siamês de si mesmo.
Viu-se a si próprio ao microscópio:
Micróbio de seu próprio ópio.
Viajante de rotas perdidas,
S.O.S. sem salva-vidas...
Muito cheio de si para aturar-se,
Cabeça "alta", espírito ativo,
Findou, sem saber findar-se,
Ou vivo-morto ou morto-vivo.
Aqui jaz, coração sem cor, desacordado
Um bem logrado malogrado.
Trad. de Augusto de Campos
Tristan Corbière, chamado Édouard-Joachim Corbière (Coat-Congar de Comuna francesa, Morlaix (Finisterre), 18 de julho de 1845 - 01 março de 1875)
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