A Tua Roca - Simões Dias
Quando te vejo, à noitinha,
Nessa cadeira sentada,
O xaile posto nos ombros,
Na cinta a roca enfeitada,
Os olhos postos na estriga,
Volvendo o fuso nos dedos,
Os lábios contando ao fio
Da tua boca os segredos,
Eu digo sempre baixinho
Pondo os olhos na tua roca:
«Se eu pudesse ser estriga,
Beijaria aquela boca!»
Eu nunca te vi fiando
Sem invejar os desvelos
Com que desfias do linho
Os brancos, finos cabelos.
E aquela fita de seda
Que se enleia no fiado?
Eu nunca vejo essa fita
Que me não sinta enleado
Parece aquilo um abraço
Dum amor que é todo nosso,
A trança do teu cabelo
Em volta do meu pescoço.
Eu digo sempre baixinho
Vendo a fita que se enreda:
«Quem me dera ser a estriga,
E ela a fitinha de seda!»
Eu por mim não sei que
sinto,
De tristeza, se ventura,
Mal que suspendes a roca
Da tua breve. cintura.
Penso que fias nos dedos
Os dias da minha vida:
Ao pé de ti sempre curta,
Ao longe sempre comprida.
Pareces-me um ramilhete
Sentada nessa cadeira,
E a fita da tua roca
A silva duma roseira.
Meu amor, quando acabares
De espiar a tua estriga,
E ouvires por alta noite
Em voz baixa uma cantiga,
Sou eu que estou a lembrar-me
Dos beijos da tua boca,
E penso que em mim são dados
Os beijos que dás na roca.
José Simões Dias nasceu na Benfeita, Arganil,a 5 de fevereiro de 1844 e morreu em Lisboa a 3 de março de 1899.
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