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2015-10-15

O Meu Grito - Manuel Alves



Nobre e altivo Portugal,
Foste outrora o mais valente
Hoje tão pobre e doente,
Império feito hospital
Saquearam-te o metal,
Altos senhores de cartola
Partiu a doirada mola
À chave do teu dinheiro,
À porta do estrangeiro
Bates, pedindo esmola.

Tu foste crente e sadio
Nessas épocas passadas,
Hoje em manhãs de geadas,
Trémulo de fome e frio...
Esse governo vadio,
Essa vil raça mesquinha,
Vendeu-te à raça vizinha
Como inútil para a vida!
Tens a existência perdida,
Tu, já das nações rainha.

Foi um governo devasso
Que te deu a pobre enxerga;
Pôs-te um cestinho de verga
Dependurado no braço.
Pedes de pão um pedaço,
O teu leito é pobre palha;
Roubaram-te essa medalha
Da honra, da valentia...
Era um rei que então havia,
Chefe de toda a canalha.

Eu sei que o réu não és tu;
Mas os teus, no esquecimento,
Deixaram que o parlamento
Te expusesse quase nu,
Com calças de pano cru,
Sapatos velhos, já rotos,
Sem esperanças de teres outros
Sem honra, sem disciplina...
Ai do que escuta a doutrina
Dessa corja de marotos!

Foram eles que te obrigaram
A assinar uma escritura...
Esses da magistratura
Todos juntos te cercaram,
Todos a uma só voz bradaram:
“Se não quiseres assinar,
Os teu filhos de além-mar
Vão para venda ser punidos!”
Para não veres filhos vendidos,
Tiveste que te curvar!

Ó filhos de Portugal,
Gritai todos a uma voz:
“Abaixo o governo atroz!
Abaixo a hoste real!”
Limpemos a lodaçal,
O foco da epidemia,
Que de dia para dia
Nos vai cavando o abismo;
Guerra crua ao despotismo!
Guerra crua à monarquia!

Ao pobre falta-lhe o pão
Com que se alimentar,
E há-de por força pagar
A sua contribuição!
Para pior condição
Vem o senhor da fazenda
Pedir-lhe do amanho a renda,
O suor dum ano inteiro!...
O pobre não tem dinheiro,
Tem que expor tudo à venda.

Depois o imposto do selo
Cada vez mais aumentado...
Um governo debochado
Leva-nos coiro e cabelo...
O pobre não tem apelo,
Requer não é obtido;
De hidrófobo cão mordido,
São inúteis suas queixas;
Vem dos mandões as fateixas,
Lá fica o pobre despido.

Não temos tropa de linha,
Não temos cavalaria,
Não temos artilharia,
Nem sequer temos marinha!
A pátria, pobre e mesquinha,
Sem, crédito, sem dinheiro,
Dum governo traiçoeiro
De caloteira insultada,
Assim anda apregoada
Nos jornais do Estrangeiro!

Pagam-se quinze por cento,
Direitos de transmissão;
Tudo vai cair a mão
Duns homens sem sentimento.
É este o procedimento
Da vossa alta energia!
Nas bambochatas, na orgia,
Assim esgotais os cofres...
Vê Portugal, quanto sofres...
Com a santa monarquia!

Manuel Alves (o "poeta cavador") nasceu em 15 de outubro de 1843 na freguesia da Moita, concelho de Anadia, e morreu em 24 de julho de 1901


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