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2015-07-16

ARTE POÉTICA - Mário Dionísio

Mário Dionísio, O Músico, 1948,
 tinta de esmalte sobre tela, 130 x 97 cm 


A poesia não está nas olheiras imorais de Ofélia
nem no jardim dos lilases.
A poesia está na vida,
nas artérias imensas cheias de gente em todos os sentidos,
nos ascensores constantes,
na bicha de automóveis rápidos de todos os feitios e de todas as cores,
nas máquinas da fábrica e nos operários da fábrica
e no fumo da fábrica.
A poesia está no grito do rapaz apregoando jornais,
no vaivém de milhões de pessoas conversando ou prague­jando ou rindo.
Está no riso da loira da tabacaria,
vendendo um maço de tabaco e uma caixa de fósforos.
Está nos pulmões de aço cortando o espaço e o mar.
A poesia está na doca,
nos braços negros dos carregadores de carvão,
no beijo que se trocou no minuto entre o trabalho e o jantar
— e só durou esse minuto.
A poesia está em tudo quanto vive, em todo o movimento,
nas rodas do comboio a caminho, a caminho, a caminho
de terras sempre mais longe,
nas mãos sem luvas que se estendem para seios sem véus,
na angústia da vida.
A poesia está na luta dos homens,
está nos olhos abertos para amanhã.

in Mário Dionísio Poemas, Colecção Novo Cancioneiro nº 2, Coimbra, 1941

Mário Dionísio (n. Lisboa, 16 de julho de 1916 — m. Lisboa, 17 de novembro de 1993)


Do mesmo autor:
Para ser lido mais tarde
Depois de Mim
Deitei agora mesmo o açúcar no cinzeiro
Complicação


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