CORO DE ESCARNINHO E LAMENTAÇÃO DOS CORNUDOS EM VOLTA DE SÃO PEDRO - Luiz Pacheco
Coplas dedicadas às fogosas e vampirescas mulheres da Beira, de quem já Abel Botelho disse o que disse
Monólogo do 1º Cornudo
I
Acordei num triste dia
Com uns cornos bem bonitos.
E perguntei à Maria
Por que me pôs os palitos.
II
Jurou por alma da mãe
Com mil tretas de mulher
Que era mentira. Também
Inda me custava a crer...
III
Fiquei de olho espevitado
Que o calado é o melhor
E para não re-ser enganado,
Redobrei gozos de amor.
IV
Tais canseiras dei ao físico,
Tal ardor puz nos abraços
Que caí morto de tísico
Como o sexo em pedaços!
V
Esperava por isto a magana?
Já previa o que se deu?...
Do Além vi-a na cama
Com um tipo pior que eu!
VI
Vi-o dar ao rabo a valer
Fornicando a preceito...
Sabia daquele mister
Que puxa muito do peito.
VII
Foi a hora de me eu rir
Que a vingança tem seus quês:
«O mais certo é pràqui vir,
Inda antes que passe um mês».
VIII
Arranjei-lhe um bom lugar
Na pensão de Mestre Pedro
(Onde todos vão parar
Embora com muito medo...)
IX
Passava duma semana
O meu dito estava escrito
Vítima daquela magana
Pobre tísico, tadito!
Dueto dos 2 Cornudos
X
Agora já somos dois
A espreitar de cá de cima
Calados como dois bois
Vendo o que fez a ladina
XI
Meteu na cama mais gente
Um, dois, três... logo a seguir!
Não há piça que a contente
É tudo o que tiver de vir!
São Pedro, indignado, pragueja
XII
É demais,arre diabo
- berra S.Pedro, sandeu.
E mortos por dar ao rabo,
lá vêm eles pró Céu!
Coro, pianíssimo,lirismo nas vozes
XIII
Quem morre como um anjinho...
Quem morre por muito amar!
Coro, agora narrativo ou explicativo
Já formamos um ranchinho,
de cá de cima a espreitar.
XIV
Passam meses, passa tempo
e a bela não se consola...
Já somos um regimento
como esses que vão prà Ingola!
(Aparte do autor das coplas: «Coitadinhos!»)
XV
Fazemos apostas lindas
sempre que vem cara nova
Cálculos, medidas infindas,
como ela terá a cova.
XVI
Há quem diga que por si
já não lhe tocou o fundo...
Outros juram que era assi
do tamanho deste Mundo!
XVII
- Parecia uma piscina! -
diz um do lado, espantado.
- Nunca vi uma menina
num estado tão desgraçado!
Aparte do autor,
antigo militante das esquerdas (baixas)
XVIII
(Um estado tão desgraçado?!...
Parece-me ouvir o Povo
chorando seu triste fado
nas garras do Estado Novo!)
XIX
O último que chegou cá
morreu que nem um patego:
afogado, ieramá,
nos abismos daquele pego.
O coro dos cornudos,
acompanhado por São Pedro em surdina,
entoa a moralidade,após ter limpado as últimas lagrimetas
e suspirado como só os cornudos sabem
XX
Mulher não queiras sabida
Nem com vício desusado
Que podes perder a vida
Na estafa de dar ao rabo
XXI
Escolhe donzela discreta
Com os três no seu lugar
Examina-lhe bem a greta,
Não te vá ela enganar...
XXII
E depois de lhe veres o bicho
E as maneiras que tem
A funcionar a capricho,
Já sabes se te convém.
XXIII
Mulher calma, é estimá-la
Como a santa no altar
Cabra douda, é rifá-la...
- Que não venhas cá parar.
XXIV
Este conselho te dão
E não te levam dinheiro...
Os cornudos que aqui estão
Com São Pedro hospitaleiro.
XXV
Invejosos, quase todos
Dos conos que o mundo guarda.
Fazem mais um bocado de lamentação
(Nota do autor: «Quase»,
porque, entretanto alguns brincavam uns com os outros.
«Rabolices!»)
Mas se fornicas a rodos
tua vinda aqui não tarda!
Recomeça a moralidade,
estilo estão verdes,não prestam. Alguns bêbados,
cornudos despeitados ou amargurados,
vozes pastosas. Deve ler-se viiinho...velhiiinho...
XXVI
Melhor que a mulher é o vinho
Que faz esquecer a mulher
Que faz do amor já velhinho
Ressurgir de novo o prazer.
Finale muito católico
XXVII
Assim termina o lamento
Pois recordar é sofrer.
Ama e fode. É bom sustento!
E por nós reza um pater.
Luiz Pacheco
num dia em que se achou
mais pachorrento.
Luiz José Gomes Machado Guerreiro Pacheco (n. Lisboa, 7 de maio de 1925, Montijo, 5 de janeiro de 2008)
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