Neste leito de ausência em que me esqueço - Ferreira Gullar
Neste leito de ausência em que me esqueço,
desperta um longo rio solitário:
se ele cresce de mim, se dele cresço,
mal sabe o coração desnecessário.
O rio corre e vai sem ter começo
nem foz e o curso, que é constante, é vário.
Vai nas águas levando, involuntário,
luas onde me acordo e me adormeço.
Sobre o leito de sal, sou luz e gesso:
duplo espelho – o precário no precário.
Flore um lado de mim? No outro, ao contrário,
de silêncio e silêncio me apodreço.
Entre o que é rosa e lodo necessário,
passa um rio sem foz e sem começo.
Nota: A Ferreira Gullar foi atribuído o Prémio Camões 2010. O soneto que hoje se revisita no Nothingandall, relembrando a data do nascimento do poeta, e que, como se vê acima, faz parte de uma extraordinária colectânea de sonetos da língua portuguesa da editora Unicepe, fora divulgado aqui no blog em 10 de setembro de 2008 ou seja anteriormente à atribuição ao autor do maior galardão literário da língua portuguesa.
Ler do mesmo autor, no Nothingandall:
No Corpo
Cantiga para não morrer
Um Instante
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