Sobra a nudez forte da Verdade - o manto diáfano da Fantasia - Eça de Queiroz
"Sobre a nudez forte da Verdade – o manto diáfano da Fantasia" é o subtítulo do romance A Relíquia, de Eça de Queiroz, publicado em 1887.
«Decidi compor, nos vagares deste verão, na minha quinta do Mosteiro (antigo solar dos condes de Lindoso), as memórias da minha vida - que neste século, tão consumindo pelas incertezas da inteligência e tão angustiado pelos tormentos do dinheiro, encerra, penso eu e pensa meu cunhado Crispim, uma lição
lúcida e forte.
Em 1875, nas vésperas de Santo Antonio, uma desilusão de incomparável amargura abalou o meu ser; por esse tempo minha tia, D. Patrocínio das Neves, mandou-me do Campo de Santana onde morávamos, em romagem a Jerusalém; dentro dessas santas muralhas, num dia abrasado do mês de Nizam, sendo Poncio Pilatos procurador da Judéia, Élio Lama, Legado Imperial da Síria, e J. Cairás, Sumo Pontífice, testemunhei, miraculosamente, escandalosos sucessos; depois voltei, e uma grande mudança se fez nos meus bens e na minha moral.
São estes casos, espaçados e altos numa existência de bacharel como, em campo de erva ceifada, fortes e ramalhosos sobreiros cheios de sol e murmúrio, que quero traçar, com sobriedade e com sinceridade, enquanto no meu telhado voam as andorinhas, e as moutas de cravos vermelhos perfumam o meu pomar.
Esta jornada à terra do Egito e à Palestina permanecerá sempre como a glória superior da minha carreira; e bem desejaria que dela ficasse nas letras, para a posteridade, um monumento airoso e maciço. Mas hoje, escrevendo por motivos peculiarmente espirituais, pretendi que as páginas íntimas, em que a relembro, se
não assemelhassem a um Guia Pitoresco do Oriente. Por isso (apesar das solicitações da vaidade), suprimi neste manuscrito suculentas, resplandecentes narrativas de ruínas e de costumes...» - É assim, que começa esta obra.
Discípulo do escritor francês Gustave Flaubert, de quem recebeu grande influência literária, tê-lo-á suplantado no dizer de Emile Zola, a propósito d' «O Crime do Padre Amaro»: «Queirós is far greater than my own dear master, Flauber»...
Eça de Queiroz foi um dos pioneiros da literatura realista em Portugal. «Os Maias», «A Cidade e as Serras», «A Ilustre Casa de Ramires» , o controverso e já referido «O Crime do Padre Amaro», «O Primo Basílio», «A Tragédia da Rua das Flores», (entre outras) são obras maiores dum grande nome autor da literatura portuguesa e que profissionalmente desempenhou carreira diplomática.
José Maria de Eça de Queirós faleceu em Paris a 16 de agosto de 1900 - motivo por que falamos dele hoje - tendo nascido na Póvoa de Varzim, a 25 de novembro de 1845.
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