A dormir - Ana Marques Gastão
As pálpebras fecham-se, cansadas, é quando somos,
sem dimensão ou volume, intocáveis. Perdemos, porém,
a justa medida, já não crianças irreais, mas formigas
exemplares. Formigas são estupefacientes, máscaras
iconoclastas com o arrogante desejo de perdoar aos mortos.
A infecção das coisas passadas atravessa, com argúcia,
o sono e eu durmo, porque, acordada, teu corpo me ofende
familiar estranho contínuo, quando te imagino sem o casaco
de abraçar bonecas. Podes, se quiseres, escrever beleza em
teu arquivo cruel enquanto eu ando à deriva por ter sonhado
mais um dia. Mas não aceitarei o menos para não estar só.
in Anos 90 e Agora, uma antologia da nova poesia portuguesa
selecção e organização Jorge Reis-Sá; edições quasi
ANA MARQUES GASTÃO nasceu em Lisboa a 25 de Agosto de 1962
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