
Falta de vergonha... bastou uns dias...
Amor, morte, poesia, política, actualidade, futebol, efemérides, solidão, paz, humor, musica...tudo e nada; Here we talk about life, love, death,
On this day in History, poetry, politics, football (soccer), solitude, peace, humour, music ... nothing and all.
Duma outra infância, inventada,
Guardo memórias que são
Reais reversos do nada
Que as verdadeiras me dão.
Estas, se acaso regressam,
Em tropel e confusão
Ao limiar-me, tropeçam
No corpo das que lá estão.
Assim, mentindo as raízes
Do meu confuso começo,
Segrego imagens felizes
Com que as funestas esqueço.
imagem daqui
Numa tarde longa e mansa,
os dois pela estrada vão:
o cão estima a criança,
e a criança estima o cão.
Que delicada aliança
dos seres da criação:
uma risonha criança,
um robustíssimo cão.
Deus percebeu a lembrança
e sorriu lá na amplidão:
ele gosta da criança,
que trata bem o seu cão.
Por isso, na tarde mansa,
os dois felizes lá vão:
a delicada criança
e o robustíssimo cão.
Oh! se te amei! Toda a manhã da vida
Gastei-a em sonhos que de ti falavam!
Nas estrelas do céu via teu rosto,
Ouvia-te nas brisas que passavam:
Oh! se te amei! Do fundo de minh’alma
Imenso, eterno amor te consagrei...
Era um viver em cisma de futuro!
Mulher! oh! se te amei!
Quando um sorriso os lábios te roçava,
Meu Deus! que entusiasmo que sentia!
Láurea coroa de virente rama
Inglório bardo, a fronte me cingia;
À estrela alva, às nuvens do Ocidente,
Em meiga voz teu nome confiei.
Estrela e nuvens bem no seio o guardam;
Mulher! oh! se te amei!
Oh! se te amei! As lágrimas vertidas,
Alta noite por ti; atroz tortura
Do desespero d’alma, e além, no tempo,
Uma vida sumir-se na loucura...
Nem aragem, nem sol, nem céu, nem flores,
Nem a sombra das glórias que sonhei...
Tudo desfez-se em sonhos e quimeras...
Mulher! oh! se te amei!
Beijo-te a mão que sobre mim se espalma
para me abençoar e proteger.
Teu puro amor o coração me acalma;
provo a doçura do teu bem-querer.
Porque a mão te beijei, a minha palma
olho, analiso, linha a linha, a ver
se em mim descubro um traço da tua alma,
se existe em mim a graça do teu ser.
E o M, gravado sobre a mão aberta,
pela sua clareza, me desperta
um grato enlevo, que jamais senti:
quer dizer – Mãe – este M tão perfeito
e, com certeza, em minha mão foi feito
para, quando eu for bom, pensar em ti.
Estão mudos os poemas,
não tenho mais tua voz para cantá-los.
O som corre vazio nas palavras
sem que teus ouvidos possam dar-lhes vida.
A luz se extingue,
pois tuas pálpebras estão cerradas para o sol
e em teus olhos
cresceu a longa treva sem a espera
do alvorecer.
Os rios não mais são necessários,
pois já não corre tua memória em suas águas.
Já não são necessários os caminhos,
que não mais poderão seguir-te os passos.
O livro que lias não chegou
a abrir a última folha,
as teclas do piano esperam esquecidas
o afago vibrante de tuas mãos,
que libertavam das pautas a harmonia.
Perdeu nossa casa a presença grácil
da castelã medieva,
o perfil de virtude
da senhoril esposa
romana.
Na face e nos lábios de pétalas dobradas
vi-te partir mais bela
que as rosas da manhã:
as últimas que te ornaram
foram cumprir contigo o teu silêncio.
Há na memória um rio onde navegam
Os barcos da infância, em arcadas
De ramos inquietos que despregam
Sobre as águas as folhas recurvadas.
Há um bater de remos compassado
No silêncio da lisa madrugada,
Ondas brancas se afastam para o lado
Com o rumor da seda amarrotada.
Há um nascer do sol no sítio exacto,
À hora que mais conta duma vida,
Um acordar dos olhos e do tacto,
Um ansiar de sede inextinguida.
Há um retrato de água e de quebranto
Que do fundo rompeu desta memória,
E tudo quanto é rio abre no canto
Que conta do retrato a velha história.
Tal como és, assim te quero, e sempre
diverso cada dia do que foste;
cada imperfeito gesto que inventares
me fará desejar-te em outro verso.
Da arte do soneto feito mestre
no concurso sem regra da floresta,
na mais pequena folha te descubro
e no caule do vento é que te perco.
Da turva luz já retirei o emblema
que me sirva de rosto permanente
e venha o cabeçalho do poema;
e pedirei à noite que me empreste
um farrapo do manto incandescente
de que se veste, agora, para ter-te.
Deixa ficar comigo a madrugada,
para que a luz do Sol me não constranja.
Numa taça de sombra estilhaçada,
deita sumo de lua e de laranja.
Arranja uma pianola, um disco, um posto,
onde eu ouça o estertor de uma gaivota...
Crepite, em derredor, o mar de Agosto...
E o outro cheiro, o teu, à minha volta!
Depois, podes partir. Só te aconselho
que acendas, para tudo ser perfeito,
à cabeceira a luz do teu joelho,
entre os lençóis o lume do teu peito...
Podes partir. De nada mais preciso
para a minha ilusão do Paraíso.
Eu vinha de comprar fósforos
e uns olhos de mulher feita
olhos de menos idade que a sua
não deixavam acender-me o cigarro.
Eu era eureka para aqueles olhos.
Entre mim e ela passava gente como se não passasse
e ela não podia ficar parada
nem eu vê-la sumir-se.
Retive a sua silhueta
para não perder-me daqueles olhos que me levavam espetado
E eu tenho visto olhos!
Mas nenhuns que me vissem
nenhuns para quem eu fosse um achado existir
para quem eu lhes acertasse lá na sua ideia
olhos como agulhas de despertar
como íman de atrair-me vivo
olhos para mim!
Quando havia mais luz
a luz tornava-me quase real o seu corpo
e apagavam-se-me os seus olhos
o mistério suspenso por um cabelo
pelo hábito deste real injusto
tinha de pôr mais distância entre ela e mim
para acender outra vez aqueles olhos
que talvez não fossem como eu os vi
e ainda que o não fossem, que importa?
Vi o mistério!
Obrigado a ti mulher que não conheço.
Cada um está só sobre o coração da terra
Trespassado por um raio de sol:
E de repente é noite.
Ognuno sta solo sul cuor della terra
trafitto da un raggio di sole:
ed è subito sera.
Se te procuro, fujo de avistar-te
e, se te quero, evito mais querer-te;
desejo quase... quase aborrecer-te,
e, se te fujo, estás em toda parte.
Distante, corro logo a procurar-te
e perco a voz e fico mudo ao ver-te;
se me lembro de ti, tento esquecer-te
e se te esqueço, cuido mais amar-te.
O pensamento assim partido ao meio
e o coração assim também partido,
Chamo-te e fujo, quero-te e receio.
Morto por ti, eu vivo dividido;
entre o meu e o teu ser sinto-me alheio
e, sem saber de mim, vivo perdido!
Ele entrou cabisbaixo e silencioso
Na imunda tasca, e foi sentar-se a um canto,
Deram-lhe vinho, recusou, o espanto
Cresceu no olhar do taberneiro oleoso.
Ele era o mais antigo e o mais ruidoso
Dos fregueses da casa: ao obscuro canto
Ninguém prestava mais lascivo encanto
Ao som magoado de um violão choroso.
Mas o velho sentara-se distante
Da alegre turba, a vista lacrimante
Mergulhada nas chamas do brasido...
Disse um da roda: "espanta-me o coveiro!"
- Morreu-lhe há pouco a filha... - distraído
Volveu da bisca um contumaz parceiro.
Doces águas e claras do Mondego,
doce repouso de minha lembrança,
onde a comprida e pérfida esperança
longo tempo após si me trouxe cego;
de vós me aparto; mas, porém, não nego
que inda a memória longa, que me alcança,
me não deixa de vós fazer mudança,
mas quanto mais me alongo, mais me achego.
Bem pudera Fortuna este instrumento
d'alma levar por terra nova e estranha,
oferecido ao mar remoto e vento;
mas alma, que de cá vos acompanha,
nas asas do ligeiro pensamento,
para vós, águas, voa, e em vós se banha.
Estranho é o sono que não te devolve.
Como é estrangeiro o sossego
de quem não espera recado.
Essa sombra como é a alma
de quem já só por dentro se ilumina
e surpreende
e por fora é
apenas peso de ser tarde. Como é
amargo não poder guardar-te
em chão mais próximo do coração.
Quando eu for pequeno, mãe,
quero ouvir de novo a tua voz
na campânula de som dos meus dias
inquietos, apressados, fustigados pelo medo.
Subirás comigo as ruas íngremes
com a certeza dócil de que só o empedrado
e o cansaço da subida
me entregarão ao sossego do sono.
Quando eu for pequeno, mãe,
os teus olhos voltarão a ver
nem que seja o fio do destino
desenhado por uma estrela cadente
no cetim azul das tardes
sobre a baía dos veleiros imaginados.
Quando eu for pequeno, mãe,
nenhum de nós falará da morte,
a não ser para confirmarmos
que ela só vem quando a chamamos
e que os animais fazem um círculo
para sabermos de antemão que vai chegar.
Quando eu for pequeno, mãe,
trarei as papoilas e os búzios
para a tua mesa de tricotar encontros,
e então ficaremos debaixo de um alpendre
a ouvir uma banda a tocar
enquanto o pai ao longe nos acena,
lenço branco na mão com as iniciais bordadas,
anunciando que vai voltar porque eu sou pequeno
e a orfandade até nos olhos deixa marcas.
Adeus luares de Maio.
Adeus tranças de Maria.
Nunca mais a inocência,
nunca mais a alegria,
nunca mais a grande música
no coração do menino.
Agora é o tambor da morte
rufando nos campos negros.
Agora são os pés violentos
ferindo a terra bendita.
A cantiga, onde ficou a cantiga?
No caderno de números,
o verso ficou sozinho.
Adeus ribeirinhos dourados.
Adeus estrelas tangíveis.
Adeus tudo que é de Deus.
DERAM UM FUZIL AO MENINO.
Sou eu quem assiste às lutas,
Que dentro d´alma se dão,
Quem sonda todas as grutas
Profundas do coração:
Quis ver dos céus o segredo;
Rebelde, sobre um rochedo
Cravado, fui Prometeu;
Tive sede do infinito,
Gênio, feliz ou maldito,
A Humanidade sou eu.
Ergo o braço, aceno aos ares,
E o céu se azulando vai;
Estendo a mão sobre os mares,
E os mares dizem: passai!...
Satisfazendo ao anelo
Do bom, do grande e do belo,
Todas as formas tomei:
Com Homero fui poeta,
Com Isaías profeta,
Com Alexandre fui rei.
Ouvi-me: venho de longe,
Sou guerreiro e sou pastor;
As minhas barbas de monge
Têm seis mil anos de dor:
Entrei por todas as portas
Das grandes cidades mortas,
Aos bafos do meu corcel,
E ainda sinto os ressábios
Dos beijos que dei nos lábios
Da prostituta Babel.
E vi Pentapólis nua,
Que não corava de mim,
Dizendo ao sol: eu sou tua,
Beija-me... Queima-me assim!
E dentro havia risadas
De cinco irmãs abraçadas
Em voluptuoso furor...
Ânsias de febre e loucura,
Chiando em polpas de alvura,
Lábios em brasas de amor!...
Travei-me em lutas imensas,
Por vezes, cansado e nu,
Gritei ao céu: em que pensas?
Ao mar: de que choras tu?
Caminho... e tudo que faço
Derramo sobre o regaço
Da história, que é minha irmã:
Chamem-me Byron ou Goethe,
Na fronte do meu ginete
Brilha a estrela da manhã.
E no meu canto solene
Vibra a ira do Senhor:
Na vida, nesse perene
Crepúsculo interior,
O ímpio diz: anoitece!
O justo diz: amanhece!
Vão ambos na sua fé...
E às tempestades que abalam
As crenças d´alma, que estalam,
Só eu resisto de pé!...
De Deus ao imenso ouvido
A Humanidade é um tropel,
E a natureza um ruído
Das abelhas com seu mel,
Das flores com seu orvalho,
Dos moços com seu trabalho
De santa e nobre ambição,
De pensamentos que voam,
De gritos d´alma, que ecoam
No fundo do coração!...
Aqueles que ali vão, em terno abraço
como modelos de união fraterna,
cantando, e aos empurrões, para a taberna,
- um deles é coveiro, o outro palhaço.
Com eles, horas mui patuscas passo,
estudando cada um. - Minha lanterna
interroga cada alma, qual, na interna
mina, o mineiro com soturno passo.
Quando eu escuto o lúgubre coveiro,
sinto o spleen do Hamleto e aspiro o cheiro
da erva calcada, os goivos, os chorões.
Mas se guincha o palhaço, sinto as solas
dos meus pés a pedirem cabriolas;
- à luz do gás e ao «hurrah» das multidões.
Não vês, Nise, este vento desabrido,
Que arranca os duros troncos? Não vês esta,
Que vem cobrindo o céu, sombra funesta,
Entre o horror de um relâmpago incendido?
Não vês a cada instante o ar partido
Dessas linhas de fogo? Tudo cresta,
Tudo consome, tudo arrasa, e infesta,
O raio a cada instante despedido.
Ah! não temas o estrago, que ameaça
A tormenta fatal; que o Céu destina
Vejas mais feia, mais cruel desgraça:
Rasga o meu peito, já que és tão ferina;
Verás a tempestade, que em mim passa;
Conhecerás então, o que é ruína.
Uma manhã no golfo de Corinto,
comemos grandes cachos moscatel.
O mar, de leite e azul, tinha veios de absinto;
e o teu corpo, ao sol, como um sabor a mel.
Enlaçámo-nos nus entre loureiros-rosas,
róseos e brancos, alternando, até à praia.
- Não tornam mais a vir as horas dolorosas
sumiram-se ao cair sútil da tua saia.
E boca contra boca, a sorver bagos de âmbar,
bem brunidos de sol, e sempre a arder em sede,
assim ficámos nós até que veio a tarde
deitar-nos devagar sua mística rede.
Mostraste-me a sorrir, no golfo, uma medusa
«Queria viver assim, disseste, a vida toda.»
Tinhamos vinho com resina numa infusa,
e bebemo-lo os dois para acabar a boda.
Fomos nadar depois a água era tão densa,
que nos trazia, mornamente, ao colo,
num puro flutuar, beatitude imensa,
entre reflexos, a arrolar, de rolo em rolo...
A noite veio enfim estendidos na areia,
pusemo-nos então a entristecer calados.
Como dois mármores um tritão e uma sereia
que o golfo adormecia em soluços velados.
Como queiras, Amor, como tu queiras.
Entregue a ti, a tudo me abandono,
seguro e certo, num terror tranquilo.
A tudo quanto espero e quanto temo,
entregue a ti, Amor, eu me dedico.
Nada há que eu não conheça, que eu não saiba
e nada, não, ainda há por que eu não espere
como de quem ser vida é ter destino.
As pequeninas coisas da maldade, a fria
tão tenebrosa divisão do medo
em que os homens se mordem com rosnidos
de mal contente crueldade imunda,
eu sei quanto me aguarda, me deseja,
e sei até quanto ela a mim me atrai.
Como queiras, Amor, como tu queiras.
De frágil que és, não poderás salvar-me.
Tua nobreza, essa ternura tépida
quais olhos marejados, carne entreaberta,
será só escárnio, ou, pior, um vão sorriso
em lábios que se fecham como olhares de raiva.
Não poderás salvar-me, nem salvar-te.
Apenas como queiras ficaremos vivos.
Será mais duro que morrer, talvez.
Entregue a ti, porém, eu me dedico
àquele amor por qual fui homem, posse
e uma tão extrema sujeição de tudo.
Como tu queiras, Amor, como tu queiras.
Morri, é fácil vires agora
cantares aquelas canções
de que gostávamos os dois.
Porém, quando era vivo
nunca cantaste, ah nunca
quiseste. Agora, morto,
vejo-te a chegar ao pé de mim,
ao luar, vens em abandono.
O que eu não teria dado
para te ter tido mais vezes.
Quando também tu morreres
e estiveres aqui, comigo,
sem ser em estados diferentes,
serás distante como dantes,
vai ser tudo muito diferente
ou nem por isso?
Quando o Sonho, batendo as asas doidamente,
Voa como falena errante, no infinito,
Cuido que ao pé de mim, voluptuosamente,
Cravas no meu olhar o teu olhar bendito.
E no delírio em que eu nervosamente fito
A curva do teu seio elástico e tremente,
Atrevo-me a poisar, nostálgico proscrito,
Meus lábios sem pudor sobre o teu colo ardente.
Mas como o vento espalha as húmidas neblinas,
Diluídas no vapor das névoas matutinas
A quimera, a ilusão de estranho visionário,
Vejo que o teu sorriso, ó casta Margarida!
Apenas me envolveu, luar da minha vida,
No tépido clarão dum beijo imaginário! …
Literatos! Chorai-me, que eu sou digno
Da vossa gemebunda e velha táctica!
Se acaso tendes crimes em gramática,
Farei que vos perdoe o Deus benigno.
Demais conheço a prosa inflada, enfática,
Com que chorais os mortos; e o maligno
Desafecto aos que vivem… Não me indigno…
Sei o que sois em teoria e em prática.
Quando o avô desta vã literatura
Garrett, era levado à sepultura,
Viu-se a imprensa verter prantos sem fim…
Pois seis dos literatos mais magoados,
Saíram, nessa noite embriagados,
Da crapulosa tasca do Penim.