Amor, morte, poesia, política, actualidade, futebol, efemérides, solidão, paz, humor, musica...tudo e nada; Here we talk about life, love, death,
On this day in History, poetry, politics, football (soccer), solitude, peace, humour, music ... nothing and all.
Páginas
2012-04-30
Corja de malfeitores ou miríade de vesgos deram o título ao FCP
BEDUÍNO - Moacyr de Almeida
Olha o imenso deserto em que vivo chorando...
Nunca a sombra do amor desceu sobre os meus dias!
Dorme o meu coração, cheio de um tédio infando
num túmulo de fogo e de areias bravias...
Tu, que eu amo, jamais com teu olhar tão brando
tornarás num vergel este areal de agonias,
com teus beijos florindo o áspero chão nefando,
com teus risos enchendo o espaço de harmonias!
Sofro em tédios de brasa e clarões de martírios...
Ah! Mas tu que és irmã das fontes e dos lírios
e que espero ajoelhado e de braços abertos,
não virás a este amor de beduíno e maldito,
em cuja fronte pesa a aflição do infinito,
em cujo beijo amarga a areia dos desertos...
Moacyr Gomes de Almeida nasceu a 22 de abril de 1902, Rio de Janeiro, RJ e faleceu a 30 de abril de 1925, Rio de Janeiro.
Ler do mesmo autor, neste blog: Amargura
2012-04-29
Deus - Nuno Júdice
em que um brilho ocasional faz lembrar
um pirilampo. Inclino-me para o apanhar
- e a sombra apaga-o. Então,
levanto-me: já sem a preocupação
de saber o que é esse brilho, ou
do que é reflexo.
Ali, no entanto, ficou
uma inquietação; e muito tempo depois,
sem me dar conta do motivo autêntico,
ainda me volto no corredor, procurando a luz
que já não existe.
(Meditação sobre ruínas)
Extraído de Antologia da Poesia Portuguesa Contemporânea, um panorama
organização de Alberto da Costa e Silva e Alexei Bueno, Rio de Janeiro, Lacerda Editores
Nuno Júdice nasceu em Mexilhoeira Grande, Portimão a 29 de Abril de 1949
Ler do mesmo autor, neste blog: Equinócio; Carpe diem
Pedro Lembrando Inês
2012-04-28
Musical suggestion of the day: Barn av Regnbuen - Lillebjørn Nilsen
Bjørn "Lillebjørn" Falk Nilsen (born 21 December 1950 in Oslo, Norway)
Horas Mortas - Alberto de Oliveira
Breve momento, após comprido dia
de incómodos, de penas, de cansaço,
'inda o corpo a sentir quebrado e lasso,
posso a ti me entregar, doce Poesia!
Desta janela aberta à luz tardia
do luar em cheio a clarear o espaço,
vejo-te vir, ouço-te o leve passo
na transparência azul da noite fria.
Chegas. O ósculo teu me vivifica.
Mas é tão tarde! Rápido flutuas,
tornando logo à etérea imensidade;
e, na mesa a que me escrevo, apenas fica,
sobre o papel - rastro das asas tuas -
um verso, um pensamento, uma saudade.
in A Circulatura do Quadrado - Alguns dos Mais Belos Sonetos de Poetas cuja Mátria é a Língua Portuguesa - Edições Unicepe, 2004
Ler do mesmo autor, neste blog:
A Alma Dos Vinte Anos
Vaso Chinês
Beijos do Céu
Aspiração
A Vingança da Porta
2012-04-27
Reis Magos (autor anónimo)
Carta - Décio Duarte Ennes
Escrevo-te, querida, a última carta,
e nela envio o meu saudoso adeus
com o qual seguirão os dias meus,
que de viver minha alma já esta farta!
Tudo de mim agora já se aparta,
e o próprio Amor – este menino-deus –
já me renega e põe-me entre os ateus,
a mim, cuja existência quis eu dar-ta!
Poucas palavras restam-me, bem poucas,
(talvez, até as julgues tu bem loucas…):
Ofereci-te o amor – e o recusaste!
Ofereci-te a vida – e a não quiseste!
Agora eu te devolvo o que me deste:
- Os versos de um poeta que inspiraste!
Centenário do Olhanense
2012-04-26
Eu Fui Um Louco... - Alexei Bueno
Eu fui um louco que viveu cem anos
Compondo um gigantesco manuscrito...
Madrugadas profundas de proscrito
Gastei sobre o papel dos meus enganos.
Memórias dos delírios mais insanos,
Razões petrificadas de algum grito,
Anotei, registrei, pus por escrito
Na chama congelada dos meus planos.
Quando enfim fui chegando junto à morte
Vi que tudo escrevera, e ri da sorte,
Que as páginas tocavam já nas sancas.
Foi aí que enxerguei, oh! dor distinta!
Que nunca na caneta houvera tinta,
E a morte entre um milhão de folhas brancas!
selecção, introdução e notas de Jorge Henrique Bastos
Edições Antígona
Alexei Bueno Finato nasceu no Rio de Janeiro a 26 de abril de 1963
Crise Lamentável - Mário de Sá-Carneiro
Gostava tanto de mexer na vida,
De ser quem sou - mas de poder tocar-lhe...
E não há forma: cada vez perdida
Mais a destreza de saber pegar-lhe.
Viver em casa como toda a gente
Não ter juízo nos meus livros - mas
Chegar ao fim do mês sempre com as
Despesas pagas religiosamente.
Não Ter receio de seguir pequenas
E convidá-las para me pôr nelas -
À minha Torre ebúrnea abrir janelas,
Numa palavra, e não fazer mais cenas.
Ter força um dia pra quebrar as roscas
Desta engrenagem que empenando vai.
- Não mandar telegramas ao meu Pai,
- Não andar por Paris, como ando, às moscas.
Levantar-me e sair - não precisar
De hora e meia antes de vir prà rua.
- Pôr termo a isto de viver na lua,
- Perder a frousse das correntes de ar.
Não estar sempre a bulir, a quebrar coisas
Por casa dos amigos que frequento -
Não me embrenhar por histórias melindrosas
Que em fantasia apenas argumento
Que tudo em é fantasia alada,
Um crime ou bem que nunca se comete
Por meu Azar ou minha Zoina suada...
Mário de Sá-Carneiro nasceu em Lisboa em 19 de Maio de 1890 e m. em Paris, 26 de Abril de 1916 - suicídio).
Ler do mesmo autor neste blog:
Último Soneto
Fim
A Queda
IX - Como eu não possuo
A Inegualável
Escavação
Ápice
Além-Tédio
Quasi
Dispersão
I lost myself within myself... (tradução parcial do poema Dispersão)
2012-04-25
Cismar - Álvares de Azevedo
À minha vista na janela à noite,
Como divino alado mensageiro
Ao ebrioso olhar dos froixos olhos
Do homem que se ajoelha para vê-lo,
Quando resvala em preguiçosas nuvens
Ou navega no seio do ar da noite.
Romeu
Co'a face na mão te vejo ao luar,
Por que, suspirando, tu sonhas donzela?
A noite vai bela,
E a vista desmaia
Ao longe na praia
Do mar!
Por quem essa lágrima orvalha-te os dedos,
Como água da chuva cheiroso jasmim?
Na cisma que anjinho te conta segredos?
Que pálidos medos?
Suave morena,
Acaso tens pena
De mim?
Donzela sombria, na brisa não sentes
A dor que um suspiro em meus lábios tremeu?
E a noite, que inspira no seio dos entes
Os sonhos ardentes,
Não diz-te que a voz
Que fala-te a sós
Sou eu?
Acorda! Não durmas da cisma no véu!
Amemos, vivamos, que amor é sonhar!
Um beijo, donzela! Não ouves? No céu
As vagas murmuram...
As folhas sussurram:
Ler do mesmo autor, neste blog:
Meu Desejo
Anjos do Céu
Por que mentias
Soneto
Ai Jesus;
A Lagartixa
2012-04-24
OS TORTURADOS - Zeferino Brazil
Esses que vêdes macilentos,
De olhos doridos e apagados,
Passam por todos os tormentos,
Sempre tristonhos e calados.
Agora – vivem aplaudidos,
Mais que aplaudidos – invejados;
Mais ei-los logo repelidos,
Não repelidos – caluniados!
Almas de luz – são sonhadores
Que em sonhos vivem mergulhados,
Sofrendo assim tremendas dores
Porque são bons – mas invejados.
Duros caminhos vão descendo
Eternamente caluniados,
Em negros cálices bebendo
O vinho e fel dos desgraçados.
E ei-los que passam macilentos,
De olhos doridos e apagados,
Os pés – em charcos lamacentos,
A fronte – em mundos constelados.
Zeferino Antônio de Sousa Brazil (n. em Taquari, Rio Grande do Sul a 24 de Abr 1870, m. em 3 Out 1942 em Porto Alegre, Rio Grande do Sul)
Ler do mesmo autor:
Ser Pedra! Não Sofrer Nem Amar, Que Ventura
Formosura Ideal
Mãe Natureza
Zelos
2012-04-23
No Dia Mundial do Livro cumpri a minha participação no 4º. BookCrossing Blogueiro
Hoje, Dia Mundial do Livro, dei execução à minha parte da iniciativa do 4º. Book Crossing Blogueiro (iniciativa do blog Luz de Luma, yes party!).
O livro que presenteei comprei-o há dias num alfarrabista que descobri perto da Igreja da Lapa, no Porto (livraria Utopia, Rua da Regeneração), e que tem uma coleção de livros de poesia impressionante.
Deste «Os Poemas de Álvaro Feijó», colecção Poesia de Hoje, Portugália, impresso em Dezembro de 1961, deixo para todos os leitores (e não apenas o privilegiado que o encontrou «perdido» num banco de jardim do Campo 24 de Agosto) o poema:
SE OS HOMENS QUISESSEM
Brincava na praia, saído da escola
- os pés maculando a espuma de prata -
na espádua - menino - a suja sacola,
na espalda - soldado - a espada de lata.
Ao longe, uma estrela cadente na seda
do céu.
A bala no menino, levou-o...
Na queda,
inútil, ficou-se a espada partida.
..............................................
Se os homens quisessem,
o engenho assassino,
as armas da Morte, talvez se rompessem
sem nada valer.
-Espada de lata do loiro menino -
Se os homens quisessem...
E os homens vão querer?
Novembro de 1938.
O Acendedor de Lampiões - Jorge de Lima
Este mesmo que vem infatigavelmente,
Parodiar o sol e associar-se à lua
Quando a sombra da noite enegrece o poente!
Um, dois, três lampiões, acende e continua
Outros mais a acender imperturbavelmente,
À medida que a noite aos poucos se acentua
E a palidez da lua apenas se pressente.
Triste ironia atroz que o senso humano irrita: —
Ele que doira a noite e ilumina a cidade,
Talvez não tenha luz na choupana em que habita.
Tanta gente também nos outros insinua
Crenças, religiões, amor, felicidade,
Como este acendedor de lampiões da rua
Jorge Matheus de Lima (n. em União de Palmares, Alagoas a 23 Abr 1893, m. no Rio de Janeiro a 15 Nov 1953)
Este Poema de Amor Não é Lamento
Distribuição Da Poesia
O Mundo do Menino Impossível
Minha Sombra
2012-04-22
Fruta - Tomás Vieira da Cruz
Quitanda de fruta verde,
dá-me um gomo de laranja
para matar a sede.
Ou, então, será melhor
dar-me um veneno qualquer
porque eu ando perturbado
e o meu sonho anda queimado
por uns olhos de mulher!
- Minha senhora, laranja,
limão, fresquinho, caju,
ananás ou abacate!...
E a quitandeira passou,
saudável, viva, graciosa,
com uma flor desfolhada
no seu sorriso escarlate.
E no ar um som de musica ficou
e um perfume de fruta
que não matou minha sede
Oh agridoce quitanda
da fruta verde!...
Ler do mesmo autor, neste blog: Mulata
2012-04-21
MINHA IRMÃ - Sousândrade (no dia em que se completam 110 anos sobre o seu desaparecimento)
Eu anoiteço; qual as flores morrem,
Meus dias correm para o fim da vida;
Sinto no peito o coração tão frio,
Em pleno estio, minha irmã querida!
Porém, que vale? de ouro amor espero,
Melhor, sincero as c´oroas de saudade,
De ardente pranto, quando os olhos chorem
Dos que me forem visitar à tarde:
Eu sei que irás; e pela mão levando,
Deus! e brincando co´a filhinha-amor!
Dize-lhe: seja a filial ternura,
Alma e candura, em que descanse a dor!
Joaquim de Sousa Andrade, mais conhecido por Sousândrade, nasceu em Guimarães, Maranhão a 9 de julho de 1832 — m. São Luís, Maranhão, 21 de abril de 1902
2012-04-20
Arte Poética - Adília Lopes
Escrever um poema
é como apanhar um peixe
com as mãos
nunca pesquei assim um peixe
mas posso falar assim
sei que nem tudo o que vem às mãos
é peixe
o peixe debate-se
tenta escapar-se
escapa-se
eu persisto
luto corpo a corpo
com o peixe
ou morremos os dois
ou nos salvamos os dois
tenho de estar atenta
tenho medo de não chegar ao fim
é uma questão de vida ou de morte
quando chego ao fim
descubro que precisei de apanhar o peixe
para me livrar do peixe
livro-me do peixe com o alívio
que não sei dizer
in Poemas Portugueses Antologia da poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, Porto Editora
Adília Lopes é o pseudónimo literário de Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira, nascida em Lisboa a 20 de Abril de 1960.
Debaixo do Tamarindo - Augusto dos Anjos
No tempo de meu Pai, sob estes galhos,
Como uma vela fúnebre de cera,
Chorei bilhões de vezes com a canseira
De inexorabilíssimos trabalhos!
Hoje, esta árvore, de amplos agasalhos,
Guarda, como uma caixa derradeira,
O passado da Flora Brasileira
E a paleontologia dos Carvalhos!
Quando pararem todos os relógios
De minha vida e a voz dos necrológios
Gritar nos noticiários que eu morri,
Voltando à pátria da homogeneidade,
Abraçada com a própria Eternidade
A minha sombra há de ficar aqui!
Ler do mesmo autor:
O Sonho, a Crença e o Amor
Ao Luar
A Ideia;
Tempos Idos;
Versos Intimos;
Soneto (canta teu riso...)
Contrastes
2012-04-19
UMA CHAMA NÃO CHAMA A MESMA CHAMA - E. M. de Melo e Castro
Uma chama não chama a mesma chama
há uma outra chama que se chama
em cada chama que chama pela chama
que a chama no chamar se incendeia
um nome não nome o mesmo nome
um outro nome nome que nomeia
em cada nome o meio pelo nome
que o nome no nome se incendeia
uma chama um nome a mesma chama
há um outro nome que se chama
em cada nome o chama pelo nome
que a chama no nome se incendeia
um nome uma chama o mesmo nome
há uma outra chama que nomeia
em cada chama o nome que se chama
o nome que na chama se incendeia
E. M. de Melo e Castro é o nome literário de Ernesto Manuel Geraldes de Melo e Castro nascido a 19 de Abril de 1932, na Covilhã
2012-04-18
Idílio - Antero de Quental (na passagem do 170º aniversário do poeta açoreano)
Quando nós vamos ambos, de mãos dadas,
colher nos vales lírios e boninas,
e galgamos dum fôlego as colinas,
dos rocios da noite inda orvalhadas,
ou, vendo o mar, das ermas encumeadas,
contemplamos as nuvens vespertinas,
que parecem fantásticas ruínas,
ao longe, no horizonte, amontoadas,
quantas vezes, de súbito, emudeces!
Não sei que luz no teu olhar flutua;
sinto tremer-te a mão e empalidece...
O vento e o mar murmuram orações,
e a poesia das coisas se insinua
lenta e amorosa em nossos corações.
Antero Tarquínio de Quental (n. Ponta Delgada, S.Miguel, Açores a 18 Abr. 1842; m. em Ponta Delgada a 11 Set. 1891)
in A Circulatura do Quadrado, Alguns dos Mais Belos Sonetos de Poetas cuja Mátria é a Língua Portuguesa. Edições Unicepe 2004
Ler do mesmo autor, neste blog:
Consulta
O Que Diz a Morte
Ideal
Velut Umbra
Pepa (excerto)
Palácio da Ventura
Mors-Amor
Melhor Ser(e)ia - Fernando Semana
o rumo, a sina, desta aleatória sorte
que liga a vida inexoravelmente à morte.
Melhor não seria tomar banhos de sol e areia
e deixar-me ondular, enlear, cair na teia,
do jogo e olhar (im)puro duma sereia?
Elegia - Augusto Schmidt
Entrou na sala e ficou em pé tocando piano, Sua mão pequena batia no teclado duramente. Lembro que estava de vermelho Lembro que tinha nas tranças finas uma fita preta Lembro que era de tarde E entrava pelas janelas abertas o vento do mar. Não lembro se tinha flores perto dela Mas nascia um perfume do seu corpo. Que amor o meu!
Augusto Frederico Schmidt nasceu a 18 de Abril de 1906 no Rio de Janeiro; m. no Rio de Janeiro a 8 de Fevereiro de 1965.
Ler do mesmo autor, neste blog:
Quando eu morrer
Vazio
Verás Amor Cruel Descer Serena
Soneto a Virgílio
2012-04-17
Boletim - Miguel Torga
Tarde limpa,
De pureza comungada.
No rio, corre, parada,
a paisagem reflectida;
Há não sei que voz traída
No silêncio do que é mudo;
A luz parece despida;
E uma alegria incontida
Sorri no rosto de tudo.
in Diário XI 1973
Extraído de Miguel Torga, Poesia Completa, Publicações Dom Quixote
Miguel Torga
A Raposa e a Cegonha - Adolfo Simões Müller
trouxe um bilhete à Cegonha,
em folha de pessegueiro,
que ela soletrou, risonha:
«Dona Raposa, a Vossência,
envia muito saudar,
aguardando a comparência
de Vossência no jantar
que às Tantas do dia Tal
do corrente, se efectua
no Retiro do Pardal,
na rua da Catatua.
Não diga nada ao correio
e creia-me ao seu dispor.
Traje: simples, de passeio
R.S.F.F. (Responda, se faz favor).»
É claro: à hora marcada,
no dia Tal, no bilhete,
Dona Cegonha, apressada
lá seguiu para o banquete.
Mas foi uma decepção,
pois a Raposa, matreira,
fez servir a refeição
numa pedra da ribeira...
E, enquanto a pobre Cegonha
achava o caso bicudo,
a Raposa, sem vergonha,
tratava de comer tudo!
Mas a Cegonha, à saída,
despediu-se em tom amigo:
- Gostei muito da comida!
Almoce amanhã comigo!
De manhãzinha, a Raposa,
sempre cheia de apetite,
não quis saber doutra coisa
senão daquele convite.
- Sim, senhora! Bela mesa! -
gritou logo, satisfeita –
Cheira que é uma beleza!
Há-de me dar a receita...
- Bem digo eu, afinal,
e a colegas das melhores,
que dona de casa igual
não há nestes arredores!
Pôs então o guardanapo,
pensando, de olhos em alvo,
que havia de encher o papo
graças a mais um papalvo...
Já a Cegonha servia,
prazenteira, o seu almoço,
numa bilha muito esguia
e funda que nem um poço.
Só um bico, desta vez,
podia chegar ao fundo...
Foi o que a Cegonha fez:
rapou tudo num segundo.
E fula, de olhar em brasa,
a Raposa, como louca,
teve de voltar a casa,
fazendo cruzes na boca.
Vingança é coisa mesquinha!
Mas na vida quem faz mal
paga às vezes a continha
com juros e capital...
Ver do mesmo autor, neste blog:
Poetas Malditos
O mistério da palavra
Era Uma Vez
A Roda - Aimé Césaire
A roda é a mais bela descoberta do homem e a única
existe o sol que roda
a terra que roda
existe o teu rosto que roda sobre o eixo do teu pescoço
quando choras
mas vós minutos não enrolareis na bobina da vida
o sangue lambido
a arte de sofrer aguçada como cotos de árvore
pelas facas do inverno
a corça louca de sede
que vem mostrar-me à beira de água
teu rosto de escuna desmastrada
teu rosto
como uma aldeia adormecida no fundo de um lago
e que renasce na manhã da relva
semente dos anos.
Aimé Césaire nasceu no dia 26 de Junho de 1913 em Basse-Pointe, Martinica, faleceu no dia 17 de Abril de 2008.
2012-04-16
Poema IV de o Pastor Amoroso: O Amor É Uma Companhia - Alberto Caeiro
O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.
Alberto Caeiro* (nasceu em 16 de Abril de 1889, em Lisboa. Órfão de pai e mãe, não exerceu qualquer profissão e estudou apenas até à 4ª classe. Viveu grande parte da sua vida pobre e frágil no Ribatejo, na quinta da sua tia-avó idosa, e aí escreveu O Guardador de Rebanhos e depois O Pastor Amoroso. Voltou no final da sua curta vida para Lisboa, onde escreveu Os Poemas Inconjuntos, antes de morrer de tuberculose, em 1915, quando contava apenas vinte e seis anos) biografia daqui
* um dos heterónimos de Fernando Pessoa
Ler de Alberto Caeiro, neste blog:
Quando Vier a Primavera
O Guardador de Rebanhos- Poema II - O Meu Olhar
O Quê? Valho Mais Que Uma Flor
Para Além da Curva da Estrada
O Guardador de Rebanhos - Poema X
O Tejo é Mais Belo ...
2012-04-15
Lisboa - Tomas Tranströmer
No bairro de Alfama os eléctricos amarelos cantavam nas
Subidas.
Havia duas prisões. Uma delas era para os gatunos.
Eles acenavam através das grades.
Eles gritavam. Eles queriam ser fotografados!
"Mas aqui", dizia o revisor e ria baixinho como um afectado
"aqui sentam-se os políticos". Eu vi a fachada, a fachada, a fachada
e em cima, a uma janela, um homem,
com um binóculo à frente dos olhos, espreitando
para além do mar.
A roupa pendia no azul. Os muros estavam quentes.
As moscas liam cartas microscópicas.
Seis anos depois, peguntei a uma dama de Lisboa:
Isto é real, ou fui eu que sonhei ?
No bairro de Alfama os eléctricos amarelos cantavam nas calçadas íngremes.
Havia lá duas cadeias. Uma era para ladrões.
Acenavam através das grades.
Gritavam que lhes tirassem o retrato.
“Mas aqui!”, disse o condutor e riu à sucapa como se cortado ao meio,
“aqui estão políticos”. Vi a fachada, a fachada, a fachada
e lá no cimo um homem à janela,
tinha um óculo e olhava para o mar.
Roupa branca no azul. Os muros quentes.
As moscas liam cartas microscópicas.
Seis anos mais tarde perguntei a uma senhora de Lisboa:
“será verdade ou só um sonho meu?”
Tomas Gösta Tranströmer, Prémio Nobel da Literatura em 2011, n. Estocolmo, Suécia a 15 April 1931
Intimidade - Fernando Namora
Que ninguém
hoje me diga nada.
Que ninguém venha abrir a minha mágoa,
esta dor sem nome
que eu desconheço donde vem
e o que me diz.
É mágoa.
Talvez seja um começo de amor.
Talvez, de novo, a dor e a euforia de ter vindo ao mundo.
Pode ser tudo isso, ou nada disso.
Mas não afirmo.
As palavras viriam revelar-me tudo.
E eu prefiro esta angústia de não saber de quê.
Ler do mesmo autor, neste blog:
Poema Cansado de Certos Momentos
Poema da Utopia
Coisas, Pequenas Coisas
Noite
As Águas - Jorge Medauar
de um mar imenso e indevassável. Vejo-as
depois escurecendo sob a noite
e ouço-lhes o gemido nos rochedos.
Sobre o impassível líquido soturno
dorso do mar que ao longe se retorce
outras águas em vão, de chuva doce
como inútil consolo se despejam.
Dentro da noite inteiramente escura
as, águas se misturam, confabulam
para a revolta em líquida linguagem.
Ai de vós, ai de vós margens e diques,
arrecifes, limites e rochedos,
se as águas de manhã vos atacarem.
Jorge Emílio Medauar, nasceu em Água Preta do Mocambo, actualmente Uruçuba, Ilhéus, Bahia, em 15 de abril de 1918. Faleceu em São Paulo, no dia 03 de junho de 2003.
2012-04-14
O Rio Jaguaribe - Demócrito Rocha
O Rio Jaguaribe é uma artéria aberta
por onde escorre
e se perde
o sangue do Ceará.
O mar não se tinge de vermelho
porque o sangue do Ceará
é azul …
Todo plasma
toda essa hemoglobina
na sístole dos invernos
vai perder-se no mar.
Há milênios… desde que se rompeu a túnica
das rochas na explosão dos cataclismos
ou na erosão secular do calcário
do gnaisse do quartzo da sílica natural …
E a ruptura dos aneurismas dos açudes…
Quanto tempo perdido!
E o pobre doente – o Ceará – anemiado,
esquelético, pedinte e desnutrido -
a vasta rede capilar a queimar-se na soalheira -
é o gigante com a artéria aberta
resistindo e morrendo
morrendo e resistindo…
(Foi a espada de um Deus que te feriu
a carótida
a ti – Fênix do Brasil.)
E o teu cérebro ainda pensa
e o teu coração ainda pulsa
e o teu pulmão ainda respira
e o teu braço ainda constrói
e o teu pé ainda emigra
e ainda povoa.
As células mirradas do Ceará
quando o céu lhe dá a injeção de soro
dos aguaceiros -
as células mirradas do Ceará
intumescem o protoplasma
(como os seus capulhos de algodão)
e nucleiam-se de verde
- é a cromatina dos roçados no sertão…
(Ah, se ele alcançasse um coágulo de rocha!)
E o sangue a correr pela artéria do rio Jaguaribe…
o sangue a correr
mal que é chegado aos ventrículos das nascentes …
o sangue a correr e ninguém o estanca…
Homens da pátria – ouvi:
- Salvai o Ceará!
Quem é o presidente da República?
Depressa
uma pinça hemostática em Orós!
Homens -
o Ceará está morrendo, está
esvaindo-se em sangue …
Ninguém o escuta, ninguém o escuta
e o gigante dobra a cabeça sobre o peito
enorme,
e o gigante curva os joelhos no pó
da terra calcinada, e
- nos últimos arrancos – vai
morrendo e resistindo
BookCrossing Blogueiro - 4ª Edição, em caminho
Em que consiste o BookCrossing Blogueiro?
Alertado pela autora do blog Luz de Luma, yes party! de mais uma edição do BookCrossing Blogueiro - que já vai na 4ª -, o Nothingandall associa-se à iniciativa divulgando-a, dado o mérito da mesma e o sucesso, que se espera ainda mais reforçado agora, das edições anteriores. Trata-se de uma iniciativa de divulgação da leitura promovido por bloggers e que consiste em "libertar" um livro (intencionalmente deixado num espaço público preferencialmente bastante frequentado) de modo a poder ser retomado e lido (assim espero) por alguém. Como refere a autora da iniciativa «um livro fechado na estante não vale nada. Para valer ele precisa ser usado e apreciado»
No livro pode constar um bilhete dando conta da iniciativa, ou seja que o livro não foi perdido, mas antes intencionalmente deixado ao acaso e, até, pode deixar um contacto ou o endereço do blog, o que poderá permitir, quem sabe, identificar o rasto da iniciativa.
Este ano a iniciativa decorre na semana de 16 a 23 de abril.Voltaremos ao tema dando notícias sobre o livro (de poesia ...é claro) que deixaremos a algum felizardo em cima de um banco do jardim do Campo 24 de agosto no Porto!
2012-04-13
Trovas - Severino Uchôa
Quem quiser ver a Esperança
olhe uma noiva no altar,
fite um rosto de criança,
repare uma mãe rezar!
xx<->xx
Não vem dos nossos rivais
a ingratidão que exaspera.
- Geralmente a que dói mais
vem de quem menos se espera.
Musical suggestion of the day: Eterno Aprendiz - Gonzaguinha
Numa altura em que toda a gente anda cabisbaixa e triste (ou pelo menos é isso que me parece), as notícias são só de depressão, de encerramento de maternidades, de desemprego, de aumentos de impostos, de portagens, de aumentos de gastos em geral, de falta de investimento e até os benfiquistas - que são a maioria da população (menos na classe dos árbitros obviamente que são todos anti- Benfica)-... fiquei contente por ouvir esta música «viver e não ter a vergonha de ser feliz» que me deixou bem disposto por algumas horas e quero compartilhar convosco. Serve também para exorcizar a negrura da sexta-feira 13...
Eu fico com a pureza da resposta das crianças
É a vida, é bonita e é bonita
Viver e não ter a vergonha de ser feliz
Cantar.. (E cantar e cantar...) A beleza de ser um eterno aprendiz
Ah meu Deus!
Eu sei... (Eu sei...) Que a vida devia ser bem melhor e será
Mas isso não impede que eu repita
É bonita, é bonita e é bonita
Viver e não ter a vergonha de ser feliz
Cantar.. (E cantar e cantar...) A beleza de ser um eterno aprendiz
Ah meu Deus!
Eu sei... (Eu sei...) Que a vida devia ser bem melhor e será
Mas isso não impede que eu repita
É bonita, é bonita e é bonita
E a vida?
E a vida o que é diga lá, meu irmão?
Ela é a batida de um coração
Ela é uma doce ilusão
Mas e a vida?
Ela é maravilha ou é sofrimento?
Ela é alegria ou lamento?
O que é, o que é meu irmão?
Há quem fale que a vida da gente
É um nada no mundo
É uma gota, é um tempo
Que nem dá um segundo,
Há quem fale que é um divino
Mistério profundo
É o sopro do Criador
Numa atitude repleta de amor
Você diz que é luta e prazer;
Ele diz que a vida é viver;
Ela diz que melhor é morrer,
Pois amada não é
E o verbo sofrer.
Eu só sei que confio na moça
E na moça eu ponho a força da fé
Somos nós que fazemos a vida
Como der ou puder ou quiser
Sempre desejada
Por mais que esteja errada
Ninguém quer a morte
Só saúde e sorte
E a pergunta roda
E a cabeça agita
Fico com a pureza da resposta das crianças
É a vida, é bonita e é bonita
Viver e não ter a vergonha de ser feliz
Cantar.. (E cantar e cantar...) A beleza de ser um eterno aprendiz
Ah meu Deus!
Eu sei... (Eu sei...) Que a vida devia ser bem melhor e será
Mas isso não impede que eu repita
É bonita, é bonita e é bonita (bis)
2012-04-12
Autobiografia - Costa Andrade
Não existe mais
a casa onde nasci
nem meu Pai
nem a mulembeira
da primeira sombra.
Não existe o pátio
o forno a lenha
nem os vasos e a casota do leão.
Nada existe
nem sequer ruínas
entulho de adobes e telhas
calcinadas.
Alguém varreu o fogo
a minha infância
e na fogueira arderam todos os ancestres.
2012-04-11
A Minha Terra - Cândido Guerreiro
Minha Terra embalada pelas ondas,
Lindo país de mouras encantadas,
Onde o amor tece lendas e onde as fadas
Em castelos de lua dançam rondas…
Oh meu Algarve, quero que me escondas…
Que na treva da morte haja alvoradas!
Hei-de sonhar com moiras encantadas,
Se eu dormir embalado pelas ondas…
Quando o sol emergir detrás da Serra,
Sempre será… da minha terra
A fecundar-me o chão da sepultura…
Ao pé dos meus, na minha aldeia querida,
A morte será quase uma ventura,
A morte será quase como a vida…
Ler do mesmo autor, neste blog:
Do Meu Pequeno Quarto de Estudante
Porque Nasci ao Pé de Quatro Montes
HOMO3-XII-1871
2012-04-10
Anunciação - Sebastião da Gama
Quem bateu? Ouviste?
Tão de manso..., tão...
-Meu Amor, é gente?
meu Amor, ou não?
-Se será o Anjo,
para anunciar?...
-Fosse a noite calma,
fosse o vento brando,
viria...viria...
Mas assim, Amor?
Oh! a alma frágil
nesta ventania?
-Meu Amor, vais ver?
-Meu Amor, pois vou...
-Que perfume é este?
Esta luz que entrou,
esta paz que veio
p'lo postigo dentro?
-Meu Amor, não vez?!...
-Meu Amor, não sentes?!...
Sebastião Artur Cardoso da Gama (n. em Vila Nogueira de Azeitão, Setúbal, a 10 de Abril de 1924; m. em Lisboa a 7 de Fevereiro de 1952
Do mesmo autor ler neste blog:
Crepuscular
Nasci para ser ignorante
Pequeno Poema
O Sonho
Madrigal
Poema da Minha Esperança
Meu País Desgraçado
Largo do Espírito Santo, 2 - 2º
Poesia Depois da Chuva
Meu País Desgraçado
2012-04-09
Roubalheira a seguir a roubalheira... e não é da «troika«
A minha sanidade mental exige isso...
Ao primeiro minuto do jogo de hoje há uma falta indiscutível de Polga sobre Gaitán e não é marcada falta - penalty - nem cartão amarelo.
Como é possível que Luisão seja expulso e Schaars - entrada sobre Witsel sem sanção -, João Pereira (uma vergonha sobre Gaitán), Polga e Carriço não o sejam?
Mas isto resulta de uma excelente programação. Depois de Coimbra, do jogo com o Porto (golo portista a 3 minutos do fim com dois golos em fora de jogo!) ... e de tantos outros. Agora nem sequer divulgam as nomeações para os artistas poderem estar mais tranquilos na «roubalheira»... Assim, o «ladrão» fica anónimo até à cena do crime.
Há manifestações por tudo, só não percebo como não há manifestações contra a corrupção no futebol.
Convite à Viagem - Charles Baudelaire
Minha doce irmã
Que bom que será
Irmos os dois de viagem!
Irmos os dois viver,
Amar e morrer
Num país à tua imagem!
Os sóis molhados
Nos céus nublados
Têm para mim o encanto
Tão misterioso
Do olhar enganoso,
Que brilha no teu pranto.
Lá onde a calma, o luxo e a beleza
E a volúpia se sentam à nossa mesa.
Móveis já velhos
Polidos como espelhos
Decorarão nosso lar;
As mais belas flores
Misturarão os odores
Ao vago aroma do âmbar,
Lustres cintilantes,
Espelhos distantes,
O esplendor oriental
Hão-de falar
À alma em segredo
A sua língua natal.
Lá onde a calma, o luxo e a beleza
E a volúpia se sentam à nossa mesa.
Vês além no rio
Dormir um navio
De humor vagabundo;
Foi para saciar,
O que possas desejar,
Que veio do fim do mundo.
- À tarde acontece
Que o vale em redor,
O rio, toda a cidade
São jacinto e oiro;
O mundo adormece
Numa quente claridade.
Lá onde a calma, o luxo e a beleza
E a volúpia se sentam à nossa mesa.
in Qual é a Minha ou a Tua Língua, organização de Jorge Sousa Braga, Assírio & Alvim
Charles-Pierre Baudelaire (n. Paris, 9 de Abril de 1821 — m. Paris, 31 de Agosto de 1867)
Ler do mesmo autor, neste blog:
Intangível
Correspondências
Um Hemisfério numa cabeleira
A Alma do Vinho
2012-04-08
Há Momentos - António Cardoso
Há momentos na vida de um Homem
Em que sabe que acordou diferente
E que já não é o mesmo para ele,
Mesmo que o seja para toda a gente...
Há momentos na vida de um Homem
Onde só pode entrar uma Mulher
Aquela que lhe trouxer
A flor do sexo
Desenhada a vermelho no ventre
E nada lhe perguntar...
Há momentos na vida de um Homem
Onde só pode entrar uma mulher
Aquela que lhe trouxer,
Num abraço total,
A ilusão da vida inteira...
E, depois, partir
Com a esperança de vida que ele semeou...
Há momentos na vida de um Homem
Onde só pode entrar uma Mulher
Para todo o Mundo se resumir
À flor vermelha
Como um bocado de sol
Que desponta numa telha!
2012-04-07
Ode a Fernando Pessoa - Almada Negreiros
Tu que tiveste o sonho de ser a voz de Portugal
tu foste de verdade a voz de Portugal
e não foste tu!
Foste de verdade, não de feito, a voz de Portugal.
De verdade e de feito só não foste tu.
A Portugal, a voz vem-lhe sempre depois da idade
e tu quiseste acertar-lhe a voz com a idade
e aqui erraste tu,
não a tua voz de Portugal
não a idade que já era de hoje.
Tu foste apenas o teu sonho de ser a voz de Portugal
o teu sonho de ti
o teu sonho dos portugueses
só sonhado por ti.
Tu sonhaste a continuação do sonho português
somos todos os séculos de Portugal
somados todos os vários sonhos portugueses
tu sonhaste a decifração final
do sonho de Portugal
e a vida que desperta depois do sonho
a vida que o sonho predisse.
Tu tiveste o sonho de ser a voz de Portugal
tu foste de verdade a voz de Portugal
e não foste tu!
Tu ficaste para depois
E Portugal também.
Tu levaste empunhada no teu sonho a bandeira de Portugal
vertical
sem pender para nenhum lado
o que não é dado pra portugueses.
Ninguém viu em ti, Fernando,
senão a pessoa que leva uma bandeira
e sem a justificação de ter havido festa.
Nesta nossa querida terra onde ninguém a ninguém admira
e todos a determinados idolatram.
Foi substituído Portugal pelo nacionalismo
que é maneira de acabar com partidos
e de ficar talvez o partido de Portugal
mas não ainda apenas Portugal!
Portugal fica para depois
e os portugueses também
como tu.
José Sobral de Almada Negreiros (n. em S. Tomé e Príncipe a 7 Abr 1893; m. 15 de Junho de 1970 em Lisboa)
Ler do mesmo autor, neste blog:
Aconteceu-me
Mãe! Vem ouvir...
Esperança
Homem transportando o cadáver de uma mulher
Taça de Chá
2012-04-06
Saudade I - José Bonifácio
Eu já tive em belos tempos
Alguns sonhos de criança;
Já pendurei nas estrelas
A minha verde esperança;
Já recolhi pelo mundo
Muita suave lembrança.
Sonhava então - e que sonhos
Minha mente acalentaram?!
Que visões tão feiticeiras
Minhas noites embalaram?!
Como eram puros os raios
De meus dias que passaram?!
Tinha um anjo de olhos negros,
Um anjo puro e inocente,
Um anjo que me matava
Só c'um olhar - de repente,
- Olhar que batia na alma,
Raio de luz transparente!
Quando ela ria, e que riso?!
Quando chorava - que pranto?!
Quando rezava, que prece!
E nessa prece que encanto?!
Quando soltava os cabelos,
Como esparzia quebranto!
Por entre o chorão das campas
Minhas visões se ocultaram;
Meus pobres versos perdidos
Todos, todos acabaram;
De tantas rosas brilhantes
Só folhas secas ficaram!
Ler do mesmo autor no Nothingandall:
Ser e Não Ser
Musical suggestion of the day: Perdoname - Pablo Alborán + Carminho
Si alguna vez preguntas el por que…
no sabre decirte la razón
yo no la se
por eso y mas
perdóname…!!
Si alguna vez maldicen nuestro amor
comprenderé tu corazón
tu no me entenderás
por eso y mas
perdóname..!!
una sola palabra mas
no mas besos al alba
ni una sola caricia abra
esto se acaba aquí
no hay manera ni forma
de decir que si
ni una sola palabra mas
no mas besos al alba
ni una sola caricia abra
esto se acaba aquí
no ahí manera ni forma
de decir que si
si alguna vez
creíste que por ti
o por tu culpa me marche
no fuiste tu
por eso y mas
perdóname..!!
si alguna vez te hice sonreír
creistes poco a poco en mi
fui yo lo se
por eso y mas
perdóname..!
una sola palabra mas
no mas besos al alba
ni una sola caricia abra
esto se acaba aquí
no hay manera ni forma
de decir que si
siento volverte loca
darte el veneno de mi boca
siento tener que irme así
sin decirte adiós!
2012-04-05
Sonâmbula - Augusto de Lima
A moça que mora em frente
é uma moça indiferente,
não sei que mistério tem:
não chega nunca à janela,
ninguém olha para ela,
nem ela para ninguém.
Mas conta-se que a horas mortas,
fechadas todas as portas
da vizinhança, ela sai,
e ao cemitério chorosa
vai desfolhar um rosa
por sobre a campa do pai.
Volta ao Passsado
Esperança e Saudade
Serenata
A Um Otimista
2012-04-04
Qual a diferença entre o Chelsea e o Benfica?
Então porque razão o Benfica perdeu? Somente porque o dono do Chelsea é Abramovich e os portuguesinhos têm um rating internacional de lixo. Na Luz o Benfica foi roubado com um penalty claríssimo por marcar e agora em Londres ainda foi pior. Várias faltas dos ingleses e nada de cadastro disciplinar. À primeira falta Cardozo levou amarelo. Depois um penalty e mais três amarelos...
Já não bastava o facto de o Benfica jogar com centrais adaptados esta encomenda da Uefa decidiu cedo a eliminatória e ainda na primeira parte ficamos a jogar com dez.
Chegamos a empatar e o guarda-redes do Chelsea foi o melhor jogador em campo, Stanford Bridge ainda tremeu...
Damir Skomina deve levar uma carteira bem recheada de libras para a Eslovénia; mais provável é ter sido feita uma boa transferência bancária, de origem desconhecida, para uma conta off-shore de titular desconhecido.
Agora vai ser Chelsea-Barcelona ... aí vai continuar a haver diferença... mas não pensem que desta vez a inclinação do campo vai ser a favor do Chelsea. Vão pagar agora as favas, se for preciso. Basta ter visto o que aconteceu ontem... Mas é tão grande a diferença que se calhar nem sequer vai ser preciso...
Rolando Pedras - Ilma Fontes
Os tempos duros
A grana curta
Os sonhos vastos
A vida magra
A carne murcha
Solidão grassa
E aí? Tá pior,
Tá Miro?
Tá Leminski ou
Tá mais pra Maiakoviski?
Ilma Mendes Fontes nasceu em Aracaju, Sergipe, a 4 de Abril de 1947
2012-04-03
Sono - Bueno de Rivera
Inútil fechar com violência as portas. Virá o sono.
A mão impassível cerrará as pálpebras,
Então murcharás como um fruto imprestável.
O abandono cruzará os teus braços no peito,
Os dedos acenderão as velas.
Virá o grande sono, chumbará teus pés.
Quando o sino da manhã chamar, não existirá mais.
Na bruma se apagarão os telefones,
Os recados aflitos, as horas marcadas, os negócios.
O relógio do escritório se diluirá no mundo longínquo dos vivos.
O sono pousará na tua fronte
E acenderá um sonho novo no teu profundo esquecimento.
Odorico Bueno de Rivera Filho, mais conhecido por Bueno de Rivera (nasceu a 3 de abril de 1911 em Santo Antônio do Monte, Minas Gerais — m. 25 de junho de 1982, Belo Horizonte)
Ler do mesmo autor:
Os Destinos Urbanos
Sobre a Tua Cabeça
2012-04-02
Esfinge - Francisco Costa
Nada se sabe, nada. As almas são
Perpetuamente alheias.-Que se oculta
Por trás duns olhos límpidos? Em vão
O olhar mergulha e o espírito consulta.
Só a carne se funde, as almas não.
Dentro do peito que o ouvido ausculta
Distingue-se o pulsar dum coração,
Mais nada. A esfinge permanece oculta.
Inexplicável, entre nós e a vida
De nós mais achegada e conhecida,
Há sempre um denso véu que não transpomos.
Vemos as formas sem que as penetremos,
E enfim nem de nós próprios nós sabemos
Se a morte um dia nos dirá quem somos.
Ática Poesia
Francisco José Lopes da Costa (n. em Sintra a 12 de Agosto de 1900; m. em Sintra a 2 de Abril de 1988).
Ler do mesmo autor, neste blog, Pedra Alta
Os Incompreendidos - Paulo Gonçalves
Ó solitários príncipes de lenda,
Dolorosos irmãos de António Nobre,
Tristes no manto de ouro, que vos cobre,
Sem ter um coração que vos entenda!
Em vossas almas, que ninguém desvenda,
Um sino plange em funerário dobre:
Wilde, humilhado; Cruz e Souza, pobre;
Quental, sem luz; Rudel, sem Melisenda...
Bendito vosso trágico destino!
Através da Beleza, ó torturados,
Vosso infortúnio se tornou divino!
Se tivestes assomos de revolta,
Não fostes mais do que anjos exilados,
Chorando, em desespero, pela volta!
2012-04-01
O QUE DIZ A FONTE DE MAHEM - Álvaro de Castelões
Quando parece que em manhãs calmosas
Inda o carro do Sol guia Faetonte
E nem se vê de nuvens vaporosas
Um ténue véu na fímbria do horizonte.
Duas Náiades brancas e formosas,
Criadas na espessura deste monte,
Se vêm banhar, das vistas não cuidadosas,
Nas águas cristalinas desta fonte.
Se estimas a existência, e não desejas
Ter, como Acteon, um fim desesperado,
Ai, foge caçador antes que as vejas;
Não que temas em cervo ser mudado,
Mas com justo receio de que sejas
De famintos desejos devorado.
Álvaro de Castro Araújo Cardoso Pereira Ferraz, mais conhecido nos círculos literários por Álvaro de Castelões, por ter sido o 3.º Visconde de Castelões, nasceu no Porto a 1 de Abril de 1859 e faleceu na mesma cidade a 9 de Julho de 1953