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Soneto I de Transfiguração: Venho de longe, trago o pensamento - Paulo Bomfim

Venho de longe, trago o pensamento
Banhado em velhos sais e maresias;
Arrasto velas rotas pelo vento
E mastros carregados de agonia.

Provenho desses mares esquecidos
Nos roteiros de há muito abandonados
E trago na retina diluídos
Os misteriosos portos não tocados.

Retenho dentro da alma, preso à quilha
Todo um mar de sargaços e de vozes,
E ainda procuro no horizonte a ilha

Onde sonham morrer os albatrozes...
Venho de longe a contornar a esmo,
O cabo das tormentas de mim mesmo.

Paulo Lébeis Bomfim (São Paulo, 30 de setembro de 1926)

Ler do mesmo autor, neste blog: Cantiga do Desencontro

2012-09-29

Erro - Machado de Assis

Erro é teu. Amei-te um dia
Com esse amor passageiro
Que nasce na fantasia
E não chega ao coração;
Nem foi amor, foi apenas
Uma ligeira impressão;
Um querer indiferente,
Em tua presença, vivo,
Morto, se estavas ausente,
E se ora me vês esquivo,
Se, como outrora, não vês
Meus incensos de poeta
Ir eu queimar a teus pés,
É que, — como obra de um dia,
Passou-me essa fantasia.

Para eu amar-te devias
Outra ser e não como eras.
Tuas frivolas quimeras,
Teu vão amor de ti mesma,
Essa pêndula gelada
Que chamavas coração,
Eram bem fracos liames
Para que a alma enamorada
Me conseguissem prender;
Foram baldados tentames,
Saiu contra ti o azar,
E embora pouca, perdeste
A glória de me arrastar
Ao teu carro... Vãs quimeras!
Para eu amar-te devias
Outra ser e não como eras...

Joaquim Maria MACHADO DE ASSIS (nasceu no Rio de Janeiro a 21 de Junho de 1839 e aí faleceu a 29 de Setembro de 1908)

Ler do mesmo autor, neste blog:
Minha Musa
Aspiração
Círculo Vicioso
Musa Consolatrix
Menina e Moça

Os nós da Escrita - Luís Miguel Nava

Escrever é, para mim, tentar desfazer nós, embora o que na realidade acabo sempre
por fazer seja embrulhar ainda mais os fios. A própria caligrafia é sufocada.
Há todavia, um momento em que as palavras são cuspidas, saem em borbotões, e
o sangue e a saliva impregnam o sentido. É impossível separá-los.

Luís Miguel de Oliveira Perry Nava (nasceu em Viseu, 29 de Setembro de 1957 — m. Bruxelas, 10 de Maio de 1995)

Do mesmo autor, no Nothingandall:
As ondas que se enconttram
Os Pratos da Balança
O Último Reduto

2012-09-28

Monangamba - António Jacinto


Naquela roça grande não tem chuva
é o suor do meu rosto que rega as plantações:
Naquela roça grande tem café maduro
e aquele vermelho-cereja
são gotas do meu sangue feitas seiva.
O café vai ser torrado
pisado, torturado,
vai ficar negro, negro da cor do contratado.
Negro da cor do contratado!
Perguntem às aves que cantam,
aos regatos de alegre serpentear
e ao vento forte do sertão:

Quem se levanta cedo? quem vai à tonga?
Quem traz pela estrada longa
a tipóia ou o cacho de dendém?
Quem capina e em paga recebe desdém
fuba podre, peixe podre,
panos ruins, cinqüenta angolares
"porrada se refilares"?
Quem?
Quem faz o milho crescer
e os laranjais florescer
- Quem?
Quem dá dinheiro para o patrão comprar
maquinas, carros, senhoras
e cabeças de pretos para os motores?
Quem faz o branco prosperar,
ter barriga grande - ter dinheiro?
- Quem?
E as aves que cantam,
os regatos de alegre serpentear
e o vento forte do sertão
responderão:
- "Monangambééé..."
Ah! Deixem-me ao menos subir às palmeiras
Deixem-me beber maruvo, maruvo
e esquecer diluído nas minhas bebedeiras
- "Monangambééé..."

António Jacinto do Amaral Martins, nasceu no Golungo Alto, Cuanza Norte, Angola, aos 28 de setembro de 1924 e faleceu em Lisboa a 21 de Junho e 1991

Ler do mesmo autor: Carta dum contratado

2012-09-27

Litania das minhas noites - Rodrigues de Abreu

Doçura estranha da minha mágoa!
Tristeza sutil da mocidade!
Meus olhos, sem motivo, rasos de água!

O fel violento que bebi na vida!
Minha esquisita vida de saudade!
Saudade vaga em lágrimas diluída!

A doçura do sangue em minha boca!
Minha inquietude cheia de ansiedade!
Longas insônias da minha alma louca!

Meu desejo feroz de humilhação!
Não ter um movimento de bondade,
apesar de rezar tanta oração!

Manhãs de cinza, dias de neblina,
noites sem lua, na visualidade
nevoente de quem toma cocaína!

Ah!, julguei que sentisse assim a vida
porque tivesse a sensibilidade
de uma alma sutil, desconhecida...

E em vez, isso provém deste mal físico:
a minha enorme sensibilidade
nasce das minhas vibrações de tísico!

Oh! saudade do tempo em que era doente
e em que desconhecia a enfermidade
e em que chorava à toa, inutilmente...

Já perdi a beleza de sofrer.
Minha tristeza vem deste mal físico.
Foi-se o bem de ser doente sem saber...

Antes nunca soubesse que sou tísico!

(Casa Destelhada)
in Suplemento Literário de "A Manhã" - Vol. V, 1943

Benedito Luís RODRIGUES DE ABREU nasceu em Capivari (SP) a 27 de Setembro de 1897 e morreu em Bauru (SP) a 24 de Novembro de 1927).

Ler do mesmo autor, neste blog:
Casa Destelhada
Mar Desconhecido
Ao Luar
Suprema Glória
Crianças
As Andorinhas

2012-09-26

Frutos e Flores - Marina Colasanti


Meu amado me diz
que sou como maçã
cortada ao meio.
As sementes eu tenho
é bem verdade.
E a simetria das curvas.
Tive um certo rubor
na pele lisa
que não sei
se ainda tenho.
Mas se em abril floresce
a macieira
eu maçã feita
e pra lá de madura
ainda me desdobro
em brancas flores
cada vez que sua faca
me traspassa.

Marina Colasanti (Sant'Anna) nasceu em 26 de setembro de 1937, em Asmara (Eritréia), Etiópia (Possui nacionalidade brasileira e naturalidade italiana).

2012-09-25

Tao Te Ching - Cap. XI - Lao Tzu

Sustentados pelo aro, trinta raios rodeiam um eixo,
mas é onde os raios não raiam que roda a roda.
Vasa-se a vasa e se faz o vaso,
mas é o vazio que perfaz a vasilha
levantam-se paredes e se encaixam portas,
mas é onde não há nada que se está em casa.
Falam-se palavras e se apalavram falas,
mas é no silêncio que mora a linguagem.
O ser presta serviços,
mas é o nada que dá o sentido.

Tao Te Ching, Lao-Tzu

Extraído de O homem no poema de Parmênides
Emmanuel Carneiro Leão, Universidade Federal do Rio de Janeiro
daqui

xxxxx

Trinta raios cercam o eixo
O uso do carro está no seu vazio.
O jarro é feito de barro moldado
O uso do jarro está no seu vazio.
Fazem-se portas e janelas para a casa
O uso da casa está no seu vazio.

Portanto:
O ser serve para ser possuído
E o não-ser para ser utilizado.

Outra tradução no wikisource

brincávamos a cair nos braços um do outro - valter hugo mãe

brincávamos a cair nos
braços um do outro, como faziam
as actrizes nos filmes com o marlon
brando, e depois suspirávamos e ríamos
sem saber que habituávamos o coração à
dor. queríamos o amor um pelo outro
sem hesitações, como se a desgraça nos
servisse bem e, a ver filmes, achávamos que
o peito era todo em movimento e não
sabíamos que a vida podia parar um
dia. eu ainda te disse que me doíam os
braços e que, mesmo sendo o rapaz, o
cansaço chegava e instalava-se no meu
poço de medo. tu rias e caías uma e outra
vez à espera de acreditares apenas no que
fosse mais imediato, quando os filmes acabavam,
quando percebíamos que o mundo era
feito de distância e tanto tempo vazio, tu
ficavas muito feminina e abandonada e eu
sofria mais ainda com isso. estavas tão
diferente de mim como se já tivesses
partido e eu fosse apenas um local esquecido
sem significado maior no teu caminho. tu
dizias que se morrêssemos juntos
entraríamos juntos no paraíso e querias
culpar-me por ser triste de outro modo, um
modo mais perene, lento, covarde. Eu
amava-te e julgava bem que amar era
afeiçoar o corpo ao perigo. caía eu
nos teus braços, fazias um
bigode no teu rosto como se fosses o
marlon brando. eu, que te descobria como se
descobrem fantasias no inferno, não
queria ser beijado pelo marlon brando e
entrava numa combustão modesta que, às
batidas do meu coração, iluminava o meu
rosto como lâmpada falhando

a minha mãe dizia-me, valter tem cuidado, não
brinques assim, vais partir uma perna, vais
partir a cabeça, vais partir o
coração. e estava certa, foi tudo verdade

in 'contabilidade'

valter hugo mãe (intencionalmente escrito em minúsculas) é o nome artístico do escritor Valter Hugo Lemos nascido em Henrique de Carvalho, atual Saurimo, Angola, em 25 de Setembro de 1971.

2012-09-24

Poema 20 de O Corpo Noturno - Geraldo Coelho Vaz

Teu cheiro
de brasa
clareia
meu pensamento
na ardência
da luz
de teu sol.


Geraldo Coelho Vaz nasceu em Goiânia (GO), em 24 de setembro de 1940.

2012-09-23

Para Que Tu Me Ouças - Pablo Neruda

Para que tu me ouças
as minhas palavras
adelgaçam-se por vezes
como o rasto das gaivotas sobre a praia.

Colar, guizo ébrio
para as tuas mãos suaves como as uvas.

E vejo-as tão longe, as minhas palavras.
Mais que minhas são tuas.
Vão trepando pela minha velha dor como a hera.

Elas trepam assim pelas paredes húmidas.
Tu é que és a culpada deste jogo sangrento.
Elas vão a fugir do meu escuro refúgio.
Tu enches tudo, amada, enches tudo.

Antes de ti povoaram a solidão que ocupas,
e estão habituadas mais que tu à minha tristeza.

Agora quero que digam o que eu quero dizer-te
para que tu ouças como quero que me ouças.

O vento da angústia ainda costuma arrastá-las.
Furacões de sonhos ainda ainda por vezes as derrubam.
Tu escutas outras vozes na minha voz dorida.
Pranto de velhas bocas, sangue de velhas súplicas.
Ama-me, companheira. Não me abandones. Segue-me.
Segue-me, companheira, nessa onda de angústia.

Mas vão-se tingindo com o teu amor as minhas palavras.
Ocupas tudo, amada, ocupas tudo.

Vou fazendo de todas um colar infinito
para as tuas brancas mãos, suaves como as uvas.


Tradução de Fernando Assis Pacheco
Extraído de "miguel veiga, os poemas da minha vida, Público"

Pablo Neruda [Ricardo Eliecer Neftalí Reyes Basoalto] (n. 12 Jul 1904, Parral, Chile; m. 23 Set 1973 em Santiago, Chile).

Mais poemas de Pablo Neruda, neste blog:
Poema 1 de Vinte Poemas de amor e uma canção desesperada: Corpo de Mulher
Poema 18: Aqui te amo
A Noite na Ilha
Unidade
Uma Canção Desesperada
La Canción Desesperada
Tonight I Can Write Saddest Lines
If You Forget Me
Puedo Escribir los versos mas tristes esta noche
Poema LXVI : Não te quero senão porque te quero
Poema 15: Me gustas cuando callas...
Poema 15: (em português) Gosto de ti calada...
Para Meu Coração Basta Teu Peito
Para Mi Corazon Basta Tu Pecho
Tua Risa / Teu Riso / Your Laughter
Corpo de Mujer
Canto XII From Heights of Macchu Picchu

2012-09-22

CASA PATERNA - Gustavo Teixeira

Da velha casa em que a manhã da vida
Passei – conservo uma lembrança exata:
Antes de eu vir ao mundo foi erguida
Perto da serra, quase ao pé da mata.

Dá para o sul a frente enegrecida;
Ao lado, para um poente de escarlata,
Janelas donde, na estação florida,
Se aspira o cheiro dos jasmins de prata.

Perto, o bambual em cujo seio amigo
Cantam graúnas, e o pomar antigo
Com melros, tiés e gurundis em bando.

O ribeirão, o cafezal, a horta...
Ah! que saudade o coração me corta
do lar querido que deixei chorando!


Gustavo de Paula Teixeira (São Pedro, Estado de S. Paulo, Brasil, 4 de Março de 1881 — São Pedro, 22 de Setembro de 1937)

2012-09-21

Não Me Demorei Em Mosteiros Europeus - Leonard Cohen

Não me demorei em mosteiros europeus
nem descobri por entre as ervas altas campas de cavaleiros
que caíram tão formosamente quanto as suas baladas contam;
não separei as ervas
nem intencionalmente as deixei cobertas de colmo.

Não libertei o meu pensamento para que vagueasse e aguardasse
naquelas grandiosas distâncias
entre as montanhas de neve e os pescadores,
como uma lua,
ou uma concha debaixo da água que corre.

Não contive a minha respiração
para que pudesse ouvir o fôlego de Deus,
nem domei o bater do meu coração com um exercício,
nem tive fome de visões.

Embora o tenha observado muitas vezes
não me transformei na garça,
deixando o meu corpo na praia,
e não me transformei na truta luminosa,
deixando o meu corpo no ar.

Não venerei feridas e relíquias,
nem pentes de ferro,
nem corpos envoltos e queimados em pergaminhos.

Não sou infeliz há dez mil anos.
Durante o dia rio-me e durante a noite durmo.
Os meus cozinheiros favoritos preparam as minhas refeições,
e todo o meu trabalho corre bem.

Leonardo Cohen (nasceu em 21 de setembro de 1934 em Montreal, Quebec, Canadá)

Trad. de Cecília Rego Pinheiro, in Rosa do Mundo, 2001 Poemas para o Futuro, Assírio & Alvim

2012-09-20

Se este poema fosse - Noémia de Sousa

Se este poema fosse mais do que simples
Sonho de criança...
Se nada lhe faltasse para ser total realidade
Em vez de apenas esperança...
Se este poema fosse a imagem crua da verdade,
Eu nada mais pediria à vida
E passaria a cantar a beleza garrida
Das aves e das flores
E esqueceria os homens e as suas dores...
– se este poema fosse mais do que mero
sonho de criança.

Ai meu sonho...
Ai minha terra moçambicana erguida –
Com uma nova consciência, digna e amadurecida...
A minha terra cortada em sua extensão
Por todas essas realizações que a civilização
Inventa para tomar a vida humana mais feliz...
Luz e progresso para cada povoação perdida
No sertão imenso, escolas para crianças,
Para cada doente, e assistência da ciência consoladora,
Para cada braço de homem, uma lida
Honrada e compensadora,
Para cada dúvida uma explicação,
E para os homens, Paz e Fraternidade!

Ah, se este poema fosse realidade
E não apenas esperança!
Ah, se o fosse o destino da nova humanidade
A cantar então a beleza das flores,
Das aves, do céu, de tudo que é futilidade –
Porque a dor humana então não existiria,
Nem, a infelicidade, nem a insatisfação,
Na nova vida plena de harmonia!


Carolina Noémia Abranches de Sousa Soares nasceu a 20 de Setembro de 1926, em Lourenço Marques (hoje Maputo), Moçambique e faleceu em Cascais a 4 de dezembro de 2002.

2012-09-19

Dia Após Dia - Ricardo Reis

Dia após dia a mesma vida é a mesma.
O que decorre, Lídia,
No que nós somos como em que não somos
Igualmente decorre.

Colhido, o fruto deperece; e cai
Nunca sendo colhido.
Igual é o fado, quer o procuremos,
Quer o 'speremos.

Sorte Hoje,
Destino sempre, e nesta ou nessa
Forma alheio e invencível.


Ricardo Reis (um dos heterónimos de Fernando Pessoa) nasceu, em ficção, no Porto, em 19 de Setembro de 1887. Educado num colégio jesuíta (latinista por educação alheia e semi-helenista por educação própria), formou-se em Medicina. Por ser monárquico, partiu para o Brasil em 1919 (daqui)

Da mesma autoria:
Aguardo
Não quero recordar nem conhecer-me
Para ser grande sê inteiro
Odes

2012-09-18

Namorados - Bernardino Lopes


Nessas manhãs alegres, perfumadas,
De éter sadio e claro firmamento,
Acariciando o mesmo pensamento
Percorremos o parque de mãos dadas.

Aves trinando em cima das ramadas,
Alvos patos e um cisne a nado lento
Sobre as águas do lago, num momento
Pela braza do sol ensanguentadas...

Brilha o sereno trêmulo nas pontas
Do vistoso gramal, como se fosse
Solto rosário de opalinas contas...

Enquanto uns casos rústicos de aldeia
Eu vou narrando-lhe, em linguagem doce,
Escuto a queixa de seus pés na areia!

in Os dias do Amor, um poema para cada dia do ano, Recolha, selecção e organização de Inês Ramos, prefácio de Henrique Manuel Bento Fialho, Ministério dos Livros

Bernardino da Costa Lopes (n. em Boa Esperança, Rio Bonito, Rio de Janeiro, a 19 de Jan. de 1859; m. em 18 de Set. 1916, no Rio de Janeiro).

Ler do mesmo autor, neste blog:
Velho Muro
Berço
Cromo
Paraíso Perdido

2012-09-17

Balada de Coimbra - José Régio

Do Penedo da Saudade
Lancei os olhos além.
Meu sonho de eternidade
Com saudades rima bem...

Ai sombras da Torre de Anto,
Do Convento de além-rio,
Dos muros brancos do Pio,
De Santo António a cismar,
Que é de outras sombras que à tarde
Convosco se confundiam,
E ao ar os braços erguiam,
E as mãos abriam no ar...?

(Sem saber para onde iam,
Aonde iriam parar?)

- Penha da Meditação...
Silêncio que paira em tudo!
A terra e o céu dão a mão
Num longo colóquio mudo...

Ai céus de Setembro-Outubro,
Painéis de sonho e loucura,
Rasgando a toda a lonjura
Cenários de arrepiar,
Que é de esses olhos de abismo
Que à tarde a vós se elevam,
Por longe andavam, voltavam,
Vos devolviam no olhar...?

(Sem saber o que buscavam,
Que haviam de ir encontrar?)

- Chegam da Baixa até Celas
Os ais dos sinos na bruma.
Se o céu tem tantas estrelas,
Importa lá cair uma!

Ai linda triste janela,
Toda voltada ao poente,
De onde a menina doente
Sorria a um Anjo seu par,
Rainha Santa do bairro,
Que é de essa cuja mão fria
Do teu caixilho pendia
Como um lírio a desfolhar...?

(Sem saber para onde ia,
Aonde iria parar?)

- Quinta das lágrimas, onde
Chora a fonte doce e langue!
Corre a água, e não esconde
Aquelas manchas de sangue...

Ai olivais silva e prata,
Choupos transidos de mágoa,
Ai laranjais de ao pé de água
Com frutos de oiro a brilhar,
Que é do bando vagabundo
Cujo rir vos acordava,
Cuja tristeza só dava
Mais vontade de cantar...?

(Sem saber o que buscava,
Que havia de ir encontrar?)

- Fui à Lapa dos Esteios,
Grandes coisas fui saber:
Que há pedras que têm seios,
que eu bem nas ouvi gemer...

Ai pedras nuas dos becos
Despenhando-se, angustiados
Entre esses velhos telhados
E muros de ar singular,
Que é de esses passos que a medo
Vos pisavam, e tremiam,
Passos de irmão, que sofriam
Da mágoa de vos pisar...?

(Sem saber para onde iam,
Aonde iriam parar?)

- No Choupal quis fazer versos,
Olhei as folhas do chão.
Deus sabe os sonhos dispersos
Que o vento leva na mão!

Ai águas do meu Mondego
Que entre choupais murmurando
Se me esquivais, nesse brando
Sempre ir andando até mar,
Que é das mãos roxas de febre
Que em vós se desalteravam,
E entre as folhas que boiavam
Se deixavam arrastar...?

(Sem saber o que buscavam,
Que haviam de ir encontrar?)

- A Santa Cruz, um por um,
Dos troncos fui despedir-me.
Não tenho amigo nenhum
Que me haja sido tão firme...

Ai choro com que o Paredes,
Vibrando os dedos em garra,
Despedaçava a guitarra,
Punha os bordões a estalar,
Gritos de cristal e de oiro
Que o Bettencourt alto erguia,
Que é da roda que algum dia
Vos sabia acompanhar...?

(Sem saber para onde ia,
Aonde iria parar?)

- Fonte do Largo da Sé,
Que dizes tu ao cair?
- Mortos do adro, de pé!,
Que os vivos é só dormir...

Ai crepúsculos de antanho,
Limalha do sol, que morre
Lá desde o cimo da Torre
Té Santa Clara, além-ar,
Que é de essa plêiade antiga
Cuja alma em vós se encantava,
Feita de cinza e de lava,
Desfeita em sombra e luar...?

(Sem saber o que buscava,
Deus sabe o que iria achar!)

- Do Penedo da Saudade
Lancei os olhos acima.
Sonho meu de eternidade
Com saudade é que bem rima...


José Maria dos Reis Pereira, de peseudónimo literário José Régio, nasce em Vila do Conde a 17 Set 1901; m. em Vila do Conde, 22 Dez 1969.

Ler do mesmo autor neste blog:
Adeus
Soneto de Amor
Toada de Portalegre
Cântico Negro
Fado Português
Os Epitáfios: Epitáfio Para Um Poeta
Quando eu Nasci
Meu Menino Ino, Ino
Poema do Silêncio

2012-09-16

Caminho da Verdade - António Carneiro

António Carneiro fotografado no seu atelier em 1929,
diante de um quadro inacabado. (daqui)

Venho da rua. Um inebriamento
De formas e de cores abalou
Um momento o meu ser, onde pousou
Numa interrogação um desalento.

No silêncio do lar as mãos ansiosas
Levanto, e cerro os olhos cismador.
Todas as sombras logo em derredor
De mim vêm alinhar-se carinhosas....

-Que tens, pobre amoroso? Duvidaste?
Viste só com os olhos, e cegaste...
Vê com a alma, amigo. Põe constante

O coração nas cousas. Ama, crê!
A verdade é em ti, amigo, sê
Tu mesmo, e acha-la-ás a todo o instante...


António Teixeira Carneiro Júnior nasceu em Amarante a 16 de Setembro de 1872 e faleceu no Porto, 31 de Março de 1930.

2012-09-15

Palavra Exata - Lya Luft

Já não procuro a palavra exata
que me pudesse explicar:
ando pelos contornos onde todos os significados
são sutís, são mortais.
Não busco prender o momento belo:
quero vivê-lo sempre mais com a intensidade que exige a vida,
com o desgarramento do salto e da fulguração.
E me corto ao meio e me solto de mim, duplo coração:
a que vive,
a que narra,
a que se debate
e a que voa -

- na loucura que redime da lucidez


Lya Luft nasceu no dia 15 de setembro de 1938, em Santa Cruz do Sul, Rio Grande do Sul

2012-09-14

Repreende os glutões e bêbados que com os seus excessos aceleram a doença e a velhice - Francisco de Quevedo

Que os anos sobre ti voem tão leves,
pedes a Deus; e que o rosto as pegadas
deles não sinta, e às grenhas bem penteadas
Isto lhes pede, e bêbado bebes
as vindimas em taças coroadas;
e pra teu ventre todas as manadas
que Apúlia pasta são bocados leves.
Pedes a Deus quanto a ti te quitas;
tua doença, tua velhice tragas
e estar isento delas solicitas.
Mas em rugosa pele dívidas pagas
das grandes bebedeiras que vomitas,
e na saúde que, comilão, estragas

Tradução de José Bento

Francisco Gómez de Quevedo y Santibáñez Villegas (Madrid, 14 de setembro de 1580 — Villanueva de los Infantes, Cidade Real, 8 de Setembro de 1645)

2012-09-13

Só de Restos se Consagra o Tempo - Orlando Neves

Só de restos se consagra o tempo, força
cerrada na inutilidade destas
cores campestres, quando o sol em Novembro
escurece os sobreiros. Só de restos me
espera a cerimónia de viver,
trânsito e transigência do silêncio,
ocultado no meu corpo. Só de restos
o trespassa o tempo, máscara e manto. Morro
muito antes da morte, sem saber se os anjos
foram gaivotas hirtas no piedoso
musgos dos rios ou se hão-de ser maçãs
ou ciência, loendros ou lembrança,
inocentes, lúcidos sonos ou oblata
de seda, a deus cedida, em pagamento
da paz. Só do que chega ao fim, se corrompe
e apodrece, se imagina o princípio,
a majestade das coisas, o silêncio
irrevelado que o corpo desconhece.

in "Mar de que Futuro"

Orlando Loureiro Neves (n. Portalegre, 11 de setembro de 1935;  † Senhora da Hora, Matosinhos, 24 de janeiro de 2005)

2012-09-12

Romãs, oh Mãe! - Fernando Semana


Hoje o dia nasceu para mim
Com aroma de frutos vermelhos:
Groselhas, morangos, amoras, romãs...
Romãs, oh mãe!
Trazem-me sempre a memória indexada a ti!
Que felicidade quando chegavas ao final da tarde
Um sorriso na face rosácea e todo o universo
Numa bola feita de pequenos astros de carmim
Que tristeza mãe... não poder recordar contigo
Os sonhos que, com uma romã, nos trazias...
Quando chegavas à boca da noite dos dias...

Caminho do Sertão - Auta de Souza

Tão longe a casa! Nem sequer alcanço
Vê-la através da mata. Nos caminhos
A sombra desce; e, sem achar descanso,
Vamos nós dois, meu pobre irmão, sozinhos!

É noite já. Como em feliz remanso,
Dormem as aves nos pequenos ninhos...
Vamos mais devagar... de manso e manso,
Para não assustar os passarinhos.

Brilham estrelas. Todo o céu parece
Rezar de joelhos a chorosa prece
Que a Noite ensina ao desespero e a dor...

Ao longe, a Lua vem dourando a treva...
Turíbulo imenso para Deus eleva
O incenso agreste da jurema em flor.

Auta de Souza (Macaíba, Rio Grande do Norte 12 de setembro de 1876 — Natal, Rio Grande do Norte 7 de fevereiro de 1901)

Autobiography - Louis MacNeice

My father made the walls resound,
He wore his collar the wrong way round.

Come back early or never come.

When I was five the black dreamscame;
Nothing after was quite the same.

Come back early or never come.

When I woke they did not care;
Nobody, nobody was there.

Come back early or never come.

In my childhood trees were green
And there was plenty to be seen.

Come back early or never come.

When my silent terror cried,
Nobody, nobody replied.

Come back early or never come.

I got up; the chilly sun
Saw me walk away alone.

Come back early or never come.

My mother wore a yellow dress;
Gentle, gently, gentleness.

Come back early or never come.

The dark was talking to the dead;
The lamp was dark beside my bed.

Come back early or never come.

Frederick Louis MacNeice (Belfast, 12 September 1907 – 3 September 1963)

2012-09-11

Versos Escritos Num Exemplar Das «Flores do Mal» - Antero de Quental

As flores que nossa alma descuidada
Colhe na mocidade com mão casta,
São belas, sim: basta aspirá-las, basta
Uma vez, fica a gente enfeitiçada.

Nascem num prado ou riba sossegada,
Sob um céu puro e luz serena e vasta:
Têm fragância subtil, mas nunca exausta,
Falam d'Amor e Bem à alma enlevada...

Mas as flores nascidas sobre o asfalto
Dessas ruas, no pó e entre o bulício,
Sem ar, sem luz, sem um sorrir do alto,

Que têm elas, que assim nos endoidecem?
Têm o que mais as almas apetecem ...
Têm o aroma irritante e acre do Vício!

 [Primaveras Românticas, 1872]

Extraído de Poemas Portugueses Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, Porto Editora

Antero Tarquínio de Quental (n. Ponta Delgada, S.Miguel, Açores a 18 Abr. 1842; m. em Ponta Delgada a 11 Set. 1891)

Ler do mesmo autor, neste blog:
Idílio
Consulta
O Que Diz a Morte
Ideal
Velut Umbra
Pepa (excerto)
Palácio da Ventura
Mors-Amor

2012-09-10

Incompetência, inabilidade ou... falta de moralidade

A política deste Governo começa a desesperar! E a incompetência? E a inabilidade? Pior do que tudo, e a falta de moralidade?

O Sr. Primeiro-Ministro antes do jogo da seleção nacional de futebol falou ao país. Para enunciar as medidas que supostamente ultrapassariam a declaração de inconstitucionalidade da retirada dos subsídios (de Natal e de férias) aos trabalhadores da função pública. Inconstitucionalidade só para 2013 ... porque em 2012 afinal as medidas tiveram eficácia. Começa logo aqui uma derrogação de princípios que eu cidadão comum não compreendo.

Mas este Governo já demonstrou que é teimoso. Assim subsídios de férias e de Natal em 2013 para os aposentados e reformados não há. Para os funcionários públicos também não há. Com efeito, a reposição de um dos subsídios é distribuída pelos doze vencimentos. Mas... julgam que o vencimento líquido aumenta? Esqueçam... Em 2013 as contribuições para a Segurança Social passam de 11% para 18%, ou seja sete pontos percentuais que uma vez que incidentes sobre as remunerações representam uma diminuição destas de 7%.

Melhor, façamos um esforço matemático adicional em termos de comparação com 2012. Se um subsídio vai ser distribuído pelos doze salários isso significa um aumento de 8,3%. Todavia, há um aumento dos descontos da Segurança Social de 11 para 18% o que corresponde a um aumento de 7% sobre uma base agora superior à do ano passado o que corresponde a um aumento de 7,583 (7%x1,083). Simplificando e esquecendo a questão dos escalões do IRS o aumento dos funcionários públicos em 2012 traduz-se em 0,75% (8,333%-7,583). Ou seja, simplificando, o subsídio que é reposto por um lado é levado pelo outro...

Quanto aos funcionários do setor privado mantêm os subsídios (os que os mantêm, porque se uns foram para o desemprego e outros já nem os salários recebem...), tendo por isso 14 meses. Porém há um aumento de 7% dos descontos da Segurança Social o que significa que 7%x14=98% --> Conclusão: um dos subsídios vai à vida...

Penso nesta altura que já interiorizou que um subsídio (no setor privado) já foi à vida...

Passos Coelho veio-nos dizer, por outras palavras obviamente, que os funcionários da função pública ficam sem os dois subsídios como ficaram em 2012 - mas agora a situação passa a ser constitucional, porque os funcionários do setor privado passam a ficar sem um dos subsídios. Passos Coelho conseguiu ir mais longe do que se imaginava. O "pessoal" até já interiorizara que íamos ficar todos sem um subsídio, mas o Governo foi mais longe. Os funcionários públicos continuam sem os dois...

O caráter discriminatório e de falta de equidade (especialmente porque continuam a incidir exclusivamente sobre o fator trabalho) destas medidas mantêm-se e por isso dificilmente se pode concluir que está reposta a constitucionalidade. Incompetência ou teimosia?

Pois bem... vamos lá agora à notícia pior. Foi à vida o valor bruto de um subsídio! Mas paga imposto e segurança social como não tivesse ido. Na realidade o que foi à vida foi muito mais do que um subsídio bruto, quase 1,5 subsídios líquidos! Confuso?

Caso lhe tirassem um subsídio não seria processado o seu valor bruto e, por isso, sobre ele não pagaria IRS nem Segurança Social. Mas como lhe são processados na mesma os 14 salários e sobre eles incide IRS mais a segurança social agora aumentada a sua perda em termos de remuneração líquida acaba por ser, como vimos acima, o correspondente a cerca de um mês (um subsídio) em termos de valor bruto, mas equivalente a muito mais do que a um subsídio em termos líquidos.

Vejamos:

Seja 100 o valor mensal bruto, 11% a taxa de segurança social atual e seja 27,5% a taxa de retenção de IRS. Então em termos líquidos aufere 61,5 unidades monetárias vezes 14 vezes. Em 2013 e não contando com alterações ao nível do IRS o valor será:
100-18-27,5= 55,5. Ou seja perde 6 unidades monetária por cada mês, ao todo 84 unidades monetárias que é um valor muito superior ao rendimento disponível correspondente a um dos subsídios. Na verdade quase 1,4 vezes do salário líquido!


O Prof. Marcelo disse que o Primeiro-Ministro fez um discurso ao país "no mínimo descuidado e no máximo desastroso". Eu prefiro catalogá-lo de outra maneira... Este governo não tem é moralidade...

A seleção nacional jogou a seguir e ganhou com uma pobre exibição. Paulo Bento com um sentido de humor extraordinário diz que não foi capaz de transmitir a mensagem da melhor maneira no jogo com o Luxemburgo: "a mensagem não foi tão consistente e tão boa como deveria ter sido". Certamente não recebeu inspiração adequada, tal a categoria da mensagem do primeiro-ministro. A seleção não jogou bem... mas salvou-se o resultado.

Este Governo joga mal e nem o resultado se salva...

O exemplo que transmite aos portugueses é de que não serve de exemplo. É agressivo, não cumpre os compromissos, tem falta de humildade e, pior do que isso não revela moralidade.

Um ministro tem o carro estacionado em cima do passeio perto do escritório onde a pessoa do Ministro é advogado, melhor, sócio de uma sociedade de advogados! A situação é identificada por um cidadão comum que tira a fotografia ao carro. Pois se tivesse vergonha devia prontamente remover o carro da situação de infração. Qual quê? Pelo contrário, os funcionários da segurança exigem a identificação da pessoa...

Só um exemplo?

Quantos exemplos?

A moralidade está corrompida...

Amanhã, temos nova dose, fala o Ministro das Finanças sobre a avaliação da troika... Mais resultados ... fracos resultados!

No corpo - Ferreira Gullar

De que vale tentar reconstruir com palavras
O que o verão levou
Entre nuvens e risos
Junto com o jornal velho pelos ares

O sonho na boca, o incêndio na cama,
o apelo da noite
Agora são apenas esta
contração (este clarão)
do maxilar dentro do rosto.

A poesia é o presente.

Ferreira Gullar, pseudônimo de José Ribamar Ferreira nascido em São Luís, Maranhão, 10 de setembro de 1930, foi Prémio Camões 2010.

2012-09-09

Velho Motivo - António Sardinha

Soneto de Jacob, pastor antigo,
– soneto de Raquel, serrana bela...
Oh! quantas vezes o relembro e digo,
pensando em ti, como se foras Ela!

O que eu servira para viver contigo,
– tão doce, tão airosa e tão singela!
Assim, distante do teu rosto amigo,
em torturar-me a ausência se desvela!

E vou sofrendo a minha pena amarga,
– pena que não me deixa nem me larga,
bem mais cruel que a de Jacob pastor!

Raquel não era dele, e sempre a via,
enquanto que eu não vejo, noite e dia,
aquela que me tem por seu senhor!

António Maria de Sousa Sardinha (n. em Monforte, Alentejo a 9 Set. 1887; m. em Elvas a 10 Jan. de 1925)

Ler do mesmo autor, neste blog:
Toada Gótica
Vesperal
Pastoral
A Olivença, a Perdida

2012-09-08

O poeta escrevendo - Camillo de Jesus Lima (na passagem do centenário do nascimento do poeta)

Solidão uma conversa! Eu estou é no meio do mundo.
Do que serve trancar a porta?
Do que serve botar as mãos nos ouvidos?
Do que serve fazer o papel de surdo que não quer ouvir?
Gritos de homens da rua entram, apesar de tudo,
Vozes angustiadas de mulheres perdidas entram, apesar de tudo.
Uivos de seviciados entram, apesar de tudo.
Solidão uma conversa! eu estou é no meio do mundo.
Os eunucos estão fazendo flores nas torres de marfim,
Mas eu estou é no meio do mundo.
O rumor das ruas confunde-se ao ritmo do teclado da máquina;
Metralhadoras escrevem poemas no teclado da máquina,
Cavalos estão batendo patas no teclado da máquina.
Gente lutando,
Suando,
Amando, nas cinco partes do mundo.
Quem pode escrever poemas na solidão,
Se portas trancadas nada valem
Se mãos nos ouvidos nada valem,
Se fazer o papel do surdo que não quer ouvir nada vale,
Se os olhos dos moribundos ficam, do alto, iluminando as páginas,
Se mãos alvas vêm acender o cigarro, devagarinho,
Se o rumor das ruas vem fazer coro ao ritmo do teclado da máquina?
Solidão uma conversa! Eu estou é no meio do mundo...

Camillo de Jesus Lima (Caetité, 8 de setembro de 1912 — Itapetinga, 28 de fevereiro de 1975)

2012-09-07

Foi um dia de inúteis agonias - Camilo Pessanha

Foi um dia de inúteis agonias,
- Dia de sol inundado de sol.
Fulgiam nuas, as espadas frias.
- Dia de sol inundado de sol.

Foi um dia de falsas alegrias.
- Dahlia a esfolhar-se, o seu mole sorriso.
Voltavam os ranchos das romarias.
- Dahlia a esfolhar-se, o seu mole sorriso.

Dia impressível, mais que os outros dias.
Tão lúcido, tão pálido, tão lúcido!
Difuso de teoremas, de teorias...

O dia fútil, mais que os outros dias!
Minuete de discretas ironias...
Tão lúcido, tão pálido, tão lúcido!


CAMILO de Almeida PESSANHA nasceu em Coimbra a 7 de Setembro de 1867 e morreu, tuberculoso, em Macau a 1 de Março de 1926.

Ler neste blog, do mesmo autor:
Singra o navio. Sob a água clara
Água Morrente
Fonógrafo
Interrogação
Desce em Folhedos Tenros a Colina
Estátua
Quem poluiu quem rasgou os meus lençois de linho
Floriram por engano as rosas bravas
Caminho I
Ao longe os barcos de flores
Queda
Castelo de Óbidos

Um Instante do Mundo - Edmar Guimarães



Asas amarelas...
as borboletas nos ramos...
as folhas soltando...

Edmar Guimarães nasceu em Goiânia, Goiás, Brasil, em 7 de setembro de 1968



2012-09-06

Véspera - Pedro Homem de Mello




Seríamos dois faunos sobre a praia,
Batidos pelo vento e pelo sal,
Tendo por manto apenas a cambraia
Da espuma
E, por fronteira,
O areal.

Gémeos de corpo e alma,
Ver um era ver o outro:
A mesma voz,
A mesma transparência,
A mesma calma
De búzio, intacto, em cada um de nós!

Felicidade?
Não!
Inconsciência!

E as nossas mãos brincavam com o lume
À beira da impaciência
Ou do ciúme.

in Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, selecção prefácio e notas de Natália Correia, Antígona Frenesi

Pedro da Cunha Pimentel Homem de Mello (n. Porto em 6 de Setembro de 1904 - m. Porto, 5 de Março de 1984).

Ler do mesmo autor, neste blog:
Solidão
Biografia
Berço
Obrigado
Uma Ânsia de Nudez
Povo que lavas no rio
Fado
Não choreis os mortos
Revelação
Oásis
Véspera
O Bailador de Fandango
Uma Ânsia de Nudez

2012-09-05

Quero-te - António Pires Vicente

Quero-te num lugar onde
te confundas com a claridade
pois é dessa luz que eu preciso
para iluminar meus olhos
cansados de escuridão.

Quero-te num lugar onde
te possa beijar num sufoco
como se os meus lábios quisessem
falar-te de uma só vez
toda a verdade e essa verdade
não fosse mais que um grande amor.

Quero-te num lugar onde
os nossos corações possam habitar
sem qualquer constrangimento
as veredas de um destino traçado
com a força do nosso querer comum.

Quero-te num lugar onde
seja fácil estar ao pé de ti:
precisar um afago e ter as tuas mãos
necessitar calor e ter o teu corpo
ansiar um beijo e ter a tua boca.

Extraído do blog do autor daqui

António Pires Vicente nasceu em Bragança a 5 de Setembro de 1963

Tudo o que amei, se é que o amei - Fernando Pessoa

Tudo que amei, se é que o amei, ignoro,
E é como a infância de outro. Já não sei
Se o choro, se suponho só que o choro,
Se o choro por supor que o chorarei.

Das lágrimas sei eu... Essas são quentes
Nos olhos cheios de um olhar perdido...
Mas nisso tudo são-me indiferentes
As causas vagas deste mal sentido.

E choro, choro, na sinceridade
De quem chora sentindo-se chorar
Mas se choro a mentira ou a verdade,
Continuarei, chorando, a ignorar.
5-9-1934

Fernando Pessoa

O Elefante - João de Melo

O enorme elefante
É o animal mais infeliz
Da floresta

Todos
Até a pulga minúscula
E asquerosa
Lhe trepam no lombo

Homem que engole tudo
É como o pobre elefante:
De nada lhe vale
Ser trombudo

Aníbal João da Silva Melo nasceu a 5 de setembro de 1955 em Luanda, Angola.

2012-09-04

Na Hora de Pôr a Mesa - José Luís Peixoto

na hora de pôr a mesa, éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu. depois, a minha irmã mais velha
casou-se. depois, a minha irmã mais nova
casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva. cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho. mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco.


José Luís Peixoto (nasceu em Galveias, Ponte de Sor, em 4 Setembro de 1974)

2012-09-03

Já se foi - Witsel sai para o Zenit

Já é oficial. Witsel deixa de ser futebolista do Benfica. Depois de Javi Garcia o meio-campo do Benfica fica desfalcado de um dos jogadores mais promissores do futebol mundial. Neste caso pelo valor da cláusula de rescisão de 40 milhões de euros o jogador belga transfere-se para o Football Clube Zenit. O Sport Lisboa e Benfica - Futebol, SAD já emitiu a comunicação no sítio da CMVM.

E o Benfica soube precaver-se? De certo vai jogar Lima no seu lugar ou quem sabe talvez Júlio César...

Neste caso o encaixe financeiro é de valor mas esta operação - que acentua o efeito da perda de Javi Garcia ou seja dois jogadores do meio-campo defensivo - só vem confirmar como é vergonhosa a política de contratações do Benfica que não sabe preservar o equilíbrio do plantel. Ora bem, como também Hulk, do clube rival, foi transacionado... não há problemas...

Meu amor da rua onze - Aires de Almeida Santos

Tantas juras nós trocámos,
Tantas promessas fizemos,
Tantos beijos nos roubámos
Tantos abraços nós demos.

            Meu amor da Rua Onze,
            Meu amor da Rua Onze,
            Já não quero
            mais mentir.

            Meu amor da Rua Onze,
            Meu amor da Rua Onze,
            Já não quero
            mais fingir.

Era tão grande e tão belo
Nosso romance de amor
Que ainda sinto o calor
Das juras que nós trocámos.

Era tão bela, tão doce
Nossa maneira de amar
Que ainda pairam no ar
As promessas que fizemos.

Nossa maneira de amar
Era tão doida tão louca
Qu'inda me queimam a boca
Os beijos que nós roubámos.

Tanta loucura e doidice
Tinha o nosso amor desfeito
Que ainda sinto no peito
Os abraços que nós demos.

          E agora
          Tudo acabou
          Terminou
          Nosso romance

Quando te vejo passar
Com o teu andar
Senhoril,
Sinto nascer
E crescer
Uma saudade infinita
Do teu corpo gentil
de escultura
Cor de bronze,
Meu amor da Rua Onze.

Aires de Almeida Santos, nascido em 1922, no Planalto Central, no Chinguar, Bié (Angola), morreu em Benguela em 3 de setembro de 1992.

X - Raul de Carvalho

Todas as horas, todos os minutos,
São para mim a véspera da partida.

Preparo-me para a morte, como quem
Se prepara para a vida.

Em qualquer parte eu disse que a Beleza
Não nasce só mas acpmpanhada.

Não são palavras minhas as que eu digo.
À minha boca pertence aos que me amam.

Mudos e sós
À nossa volta todos os amantes
Sentir-se-ão tranquilos.
Um coração puro
É como o Sol:
Brilha todos os dias.

(Realidade Branca, 1968)
 in Poemas Portugueses Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, Porto Editora

Raul Maria Penedo de Carvalho (n. em Alvito, Baixo Alentejo, a 4 de Setembro de 1920; m. no Porto a 3 de Setembro de 1984).

Ler do mesmo autor, neste blog:
Guio-me
Amíude
Quando eu nasci, minha Mãe
Coração Sem Imagens;
Serenidade És Minha

2012-09-02

A Montanha de Cristo - Carlos Maul

Tu que trouxeste a voz consoladora
Do perdão, e de séculos distantes
Traças ao mundo a rota redentora
Que leva o amor a todos os quadrantes;

Tu que possuis as forças dominantes
Da bondade e da luz inspiradora,
És a fonte da Fé confortadora
Da intrépida vontade dos gigantes...

Descem de ti eflúvios de virtude,
Fulguração de sol que as almas banha
Na frescura da tua juventude...

O homem na terra os passos acompanha,
Altitude a fulgir noutra altitude,
Montanha culminando outra montanha...

Carlos Maul nasceu em 2 de setembro de 1887, em Petrópolis e faleceu em 13 de março de 1973

2012-09-01

É vergonhosa a política de contratações do Benfica...

Último dia de "transações comerciais" da época desportiva normal do futebol - sim porque em Janeiro abre-se outra fase. Esperei para ver se o Benfica corrigia algumas coisas. Espantosamente as últimas horas de contratações serviram para confirmar a pouca habilidade, a incoerência e a falta de estratégia...

O Benfica converteu-se simplesmente num entreposto comercial...

Saviola que teve o contrato renovado há poucos meses! ... rescinde e vai para o Málaga. Se Jesus não contava com ele porque renovou? Das contratações nacionais do último defeso Hugo Vieira, Djaniny, Michel e Luisinho fica o último que Jesus tem deixado sistematicamente de lado. Hugo Vieira emprestado para um clube espanhol, Djaniny na equipa B para se ambientar e progredir? Qual quê vai emprestado para o Olhanense... Michel vai para o Braga enquanto o Benfica vai pescar Lima um jogador que estava a poucos meses de terminar contrato com o Braga e já com 29 anos pagando, ao que se crê, o valor da cláusula de rescisão fixada em cerca de 4,5 milhões de euros! Um jogador interessante para jogar numa equipa de contra-ataque... longe de ser as caraterísticas do Benfica. Em contrapartida, o Benfica não arranja lugar para o mais promissor jogador de ataque de Portugal, Nelson Oliveira que vai emprestado para o Corunha...

Djaló que nunca se percebeu bem porque o Benfica o contratou na última época vai - emprestado suponho - para o Toulouse.

Ola John custou oito milhões contratado para um lugar onde o Benfica já tinha várias opções; não se está a afirmar no plantel e pelo que percebo da teimosia de Jesus vai servir de pouco rendimento para o Benfica...

Defesa esquerdo... onde é que andas? Tantos nomes falados... Dos últimos, Rojo que também é central foi parar ao rival do Sporting porque o Benfica não se chegou à frente com mais umas centenas de milhares de euros... Até Eliseu, do Málaga, se gorou... À última hora tentou-se contratar Sílvio ... mas também foi "tostão furado". Uma vergonha... Sempre ficamos com Melgarejo candidato a um dos lugares de melhor marcador de golos da Liga...na própria baliza sendo ele o menos culpado...

Entretanto, dos potenciais jogadores a vender com encaixes financeiros significativos quem sai? Witsel por 40 milhões? Gaitán pelos 40 milhões? Javi Garcia por 30? Sai o último que desempenha um lugar para onde o Benfica só tem como sucedâneo Matic, mas apenas por 20 milhões ou seja apenas 2/3 do valor da cláusula de rescisão...

Defesa central para substituir Luisão ou Garay? Podia ser - e ano passado chegou a sê-lo - Javi mas esse já se foi...

Defesa direito para substituir / competir com Maxi Pereira? Temos um ex-júnior na equipa B.

Guarda-redes suplente de Artur? Paulo Lopes quando o ano passado era Eduardo internacional português... Enfim, por ausência de colocação foi inscrito Júlio César!

Nestas trocas e baldrocas ficamos a ganhar? Em qualidade? Não parece. Ao menos em dinheiro? Como? Os vinte milhões do Javi são desbaratados nestas contratações de terceira categoria de jogadores que em grande parte nunca chegam a vestir a camisola do Benfica...

Brilhante capacidade de negociação de Luís Filipe Vieira e dos seus acólitos... ou entreposto comercial com muitas comissões para aqui e para ali? Brilhante capacidade de organização do plantel com metade dos lugares deficitários e outra metade com excedentes, até parecendo a função pública...

Dois pontos já lá foram na primeira jornada... Vamos ver quantos mais lá irão ...

Madrugada - Marcelino Mesquita

Dentre a relva orvalhada, a cotovia
Encastela no ar cantando e rindo;
O vago azul do céu vão colorindo
Os largos tons de luz, núncios do dia.

Desfaz-se lentamente a névoa fria
Como véu que se rasga e vão caindo,
Como bagas de anoso tamarindo
Para a terra, os cristais que a noite cria.

Fumegam chaminés pelas aldeias
E, correm para o mar, além, distante,
Os rios semelhando enormes veias.

Aqui e além soturno caminhante...
Os rebanhos beijando as valas cheias,
Na rubra luz do sol purpureante.

Marcelino Mesquita nasceu no Cartaxo a 1 de Setembro de 1856 e faleceu a 7 de Junho de 1919