Amor, morte, poesia, política, actualidade, futebol, efemérides, solidão, paz, humor, musica...tudo e nada; Here we talk about life, love, death,
On this day in History, poetry, politics, football (soccer), solitude, peace, humour, music ... nothing and all.
Páginas
2012-05-31
Convenção ante-nupcial - Fernando Semana
nada mais nem menos do que bem nem mal.
Aceita-me como sou:
às vezes simples, alegre e improvável
noutras confuso, triste, insuportável,
sempre distintamente único, inefável.
Não me perguntes mais do que uma vez
ou duas (… nunca três!)
porque choro ou rio,
Se não te responder é porque não sei
- a vida nem sempre dá explicações... -
Simplesmente, sorri comigo quando sorrio
e dá-me um afago quando choro…
Não peço que mintas
mas tem o tacto essencial
- li isso, algures, nas selectas
dum curso de namoro em dez lições -
para não dizeres que não gostas
das minhas canções predilectas.
Ah… imploro !!!
- Orientação fundamental -
Fode-me quando eu não quero,
sempre que as agruras formem um rio
e eu não souber onde desagua o desespero.
Da semente do nosso amor, gere uma flor
para que ele tenha continuidade.
Ganhará ela o perfume e a cor
do que perderemos nós com a idade...
Dá-me a tua mão quando teimar em ir sozinho
e alumia-me o caminho
quando ele se mostrar mais claro
- é aí que vou precisar mais de ti
De quando em vez,
dá-me café e torradas
no Inverno à tardinha, junto à lareira.
À noite, deixa-me sonhar com as estrelas
e quando morrer... não gastes velas.
No que for possível, trato-te da mesma maneira!
Fernando Semana, é economista de profissão, nasceu em Valbom, concelho de Gondomar a 12 de Outubro de 1957
Perfumados Prados do Meu Peito - Walt Whitman
Perfumados prados do meu peito,
Colho as vossas folhas, escrevo, para melhor as estudar depois,
Folhas dos túmulos, folhas do corpo crescendo sobre mim, sobre a
morte,
Raízes vivas, altas folhas, oh o inverno não vos enregelará, delicadas
folhas.
De novo floresceis todos os anos, de novo saindo do vosso retiro;
Eu não sei se muitos ao passar vos hão-de descobrir ou aspirar tão
suave aroma, mas sei que alguns o farão;
Oh delicadas folhas! Flores do meu sangue! Falai à vossa maneira
do coração que por baixo tendes,
Eu não sei qual o vosso subterrâneo sentido, não sois a felicidade,
Sois muitas vezes tão cruéis que não vos posso suportar, queimais-
-me e feris-me,
E, todavia, que bela sois aos meus olhos, raízes levemente colori-
das, fazendo-me pensar na morte,
A julgar por vós a morte é bela, (enfim, que haverá de mais belo
senão a morte e o amor?),
Oh creio que não é em louvor da vida que aqui canto o meu canto
de amantes, creio que é em louvor da morte,
Pois, como é sereno, como floresce solenemente ao elevar-se à atmos-
fera dos amantes!
Vida ou morte, tanto me faz, a minha alma recusa-se a escolher,
(Talvez a alma sublime dos amantes prefira a morte),
Na verdade, ó morte, penso que estas folhas significam o mesmo
que tu,
Crescei, doces folhas, para que vos possa ver! Crescei sobre o
meu peito!
Abandonai o coração que aí se oculta!
Não vos enredeis, tímidas folhas, em vossas rosadas raízes!
Não vos quedeis aí, envergonhadas, ervas do meu peito!
Vinde, estou decidido a desnudar este amplo peito, tanto tempo
o reprimi e sufoquei;
Emblemáticas e caprichosas folhas, deixo-vos, pois já não me sois
úteis,
Sem rodeios direi o que tenho a dizer,
Só a mim e aos companheiros hei-de cantar, jamais atenderei outra
voz que não a sua,
Despertarei ecos imortais em todos os estados do meu país,
Aos amantes darei um exemplo que seja para sempre forma e vontade
em todos os estados do meu país,
Pronunciarei as palavras que exaltem a morte,
Dá-me então a tua música, ó morte, para estarmos em harmonia,
Dá-te a mim porque agora sei que acima de tudo me pertences e
que tu e o amor estão inseparavelmente unidos,
Não permitirei que me enganes mais com isso a que chamava vida,
Porque enfim compreendo que és os conteúdos essenciais,
Que, por qualquer razão, te escondes nestas mutáveis formas de
vida, e que elas existem sobretudo para ti,
Que, para além delas, surges e permaneces, tu, realidade real,
Que, sob a máscara das coisas materiais, aguardas pacientemente,
não importa quanto tempo,
Que, talvez um dia, tudo dominarás,
Que talvez dissipes todo este imenso desfile de aparências,
Que talvez seja para ti que tudo existe mas não perdura,
Mas tu perdurarás.
Trad. José Agostinho Baptista
in Rosa do Mundo 2001 Poemas para o Futuro, Assírio Alvim
Walt Whitman (n. emn West Hills, Huntington on Long Island, New York, 31 mai 1819 – m. 26 mar 1892)
Ler do mesmo autor, nest blog: To a Stranger; Song of myself; Vida
2012-05-30
Soneto - Mário Lago
Em cena, um músico, um poeta.
Como um mago, e sua magia...
Que com um truque, nos desconcerta,
Revelando uma cadeira vazia...
E ali... O silêncio... Um teatro mudo...
O choro do palhaço no picadeiro...
O tudo do nada, o nada do tudo,
Calando um mundo inteiro...
Porque diante a ribalta,
A sua presença nos falta,
E a tristeza vem se apresentar...
E na cena, se põem a brilhar,
Como dessa forma eu relato,
Deixando vazio o nosso teatro...
2012-05-29
Às vezes, sinto - Juan Ramón Jiménez
Às vezes, sinto
como a rosa
que serei um dia, como a asa
que serei um dia;
e envolve-me um perfume, alheio e meu,
meu e de rosa;
e um vaguear me prende, alheio e meu,
meu e de pássaro.
2012-05-28
Karingana ua karingana - José Craveirinha
Este jeito
de contar as coisas
à maneira simples das profecias
– Karingana ua karingana
é que faz a arte sentir
o pássaro da poesia.
E nem
de outra forma se inventa
o que é dos poetas
nem se transforma
a visão do impossível
em sonho do que pode ser.
– Karingana!
José João Craveirinha (Lourenço Marques, 28 de Maio de 1922 — Maputo, 6 de Fevereiro de 2003
2012-05-27
Cigarra - No centenário do nascimento de Luís Veiga Leitão
com pernas e pés de marinheiros
subindo às árvores das herdades.
Esta é preciso ouvi-la dias inteiros
aquém das grades.
Esta
não chama para os campos doirados
onde o canto é livre e aquece, morno.
Mas para silêncios hirtos e cerrados
com fardas e armas em torno.
Desde o sinal das auroras
até à noite que plange
amortalhando as horas,
seu canto não canta, range…
Ó cigarra das torvas claridades!
Seus cantos só pode cantá-los
a boca de pedra e dentes ralos
do ferro nas grades.
(Noite de Pedra, 1955)
In Poemas Portugueses, Antologia da Poesia Portuguesa do Séc, XIII ao Séc. XXI, Porto Editora
Luís Maria Leitão nasceu em Moimenta da Beira, 27 de Maio de 1912 e faleceu em Niterói, Rio de Janeiro a 9 de Outubro de 1987)
Ler do mesmo autor: Homem
2012-05-26
Abstração - Fábio Montenegro
Segredos de noivado. A flórea natureza
Mil farrapos de sombra idílica desfralda.
Sonho... Indolência... o céu é um cofre de turquesa
Entesourando a terra - Oceano de esmeralda.
A alma suave da noite espiritual, da acesa
Via-Láctea que aponta, as cousas engrinalda,
Anda de mundo em mundo, e vibra com realeza,
E vai de monte em monte, vai de fralda em fralda...
Noite. Calma. Mistério. A lua, alva Atalanta,
Leve, irradia, foge, às carícias, por certo,
De alguém que diz amor - amor que fulge e canta...
Volúpia. E ela a fugir. Hipomene, lá pelas
Nuvens, chama-a talvez, busca-a, e, tendo-a já perto,
Para alcançá-la espalha o pomo das estrelas!...
Sonnet - Monsieur de Voiture
Il faut finir mes jours en l’amour d’Uranie!
L’absence ni le temps ne m’en sauraient guérir,
Et je ne vois plus rien qui me pût secourir
Ni qui sût rappeler ma liberté bannie.
Dès longtemps je connais sa rigueur infinie!
Mais pensant aux beautés pour qui je dois périr,
Je bénis mon martyre, et content de mourir,
Je n’ose murmurer contre sa tyrannie.
Quelquefois ma raison, par de faibles discours,
M’incite à la revolte et me promet secours,
Mais lorsqu’à mon besoin je me veux servir d’elle,
Après beaucoup de peine et d’efforts impuissants,
Elle dit qu’Uranie est seule amable et belle
Et m’y rengage plus que ne font tous mes sens.
Em Português
Força é acabar no amor d’Urânia os dias;
Tempo nem ausência saberão valer-me:
Nada vejo que possa socorrer-me,
Nem que saiba remir-me em tais porfias.
Ânsias há muito que conheço impias;
Mas vendo as graças por quem vou perder-me
Meu martírio engrandeço e, alegre em ver-me,
Morro sem maldizer tais tiranias.
Razão talvez, por falso pensamento,
Mostra os socorros e à batalha incita:
Mas, se dela me valho em meu tormento,
Despois da grave pena se me evita;
E, empenhando-me mais o entendimento,
Bela e amável Urânia me acredita.
Trad. de Francisco Manuel de Melo
Vincent Voiture - Monsieur de Voiture - n. 1597 em Amiens, França; m. 26 mai 1648 em Paris
2012-05-25
DÁ TUDO AO AMOR - Ralph Waldo Emerson
Obedece ao teu coração;
Amigos, família, dias,
Bens, reputação,
Planos, crédito e a Musa, -
Nada recuses.
É um grande senhor;
Dá-lhe carta branca:
Segue-o sem remissão,
Esperança além da esperança:
Cada vez mais alto,
Ele mergulha na tarde,
De asa intacta,
Desígnio oculto;
Pois é um deus,
Conhece o seu caminho
E os caleiros do céu.
Nunca se destinou aos fracos,
Exige coragem intransigente.
Almas que vencem a dúvida,
De valor inquebrantável,
Ele recompensará -
Elas regressarão,
Melhores que eram,
Em ascensão contínua.
Deixa tudo pelo amor;
Ouve-me, pois, ouve-me,
A mais uma palavra sujeita o teu coração,
Mais um impulso de firme empenho.
Mantém-te hoje,
Amanhã, para sempre,
Livre como um árabe,
De quem tu amas.
Que a amada seja a tua própria vida,
Mas quando a surpresa,
A primeira sombra ténue de suspeita
Passar pelo seu jovem peito,
De uma alegria que te exclui,
Livre seja ela, livre sem peias;
Não agarres a orla do seu vestido,
Nem a rosa mais pálida que arrancou
Do seu diadema de verão.
Embora a amasses, como a ti mesmo,
Como alguém de barro mais puro,
Ainda que a sua partida escureça o dia,
Roubando encanto a toda a vida,
Sabe do coração
Que quando os semideuses partem,
Os deuses chegam.
Trad. José Alberto Oliveira
in Rosa do Mundo, 2001 Poemas para o Futuro, Assírio & Alvim
Ralph Waldo Emerson (n. em Boston, Massachusetts, a 25 de maio de 1803 - m. a 27 de abril de 1882, Concord, Massachusetts)
2012-05-24
Soneto - João Alphonsus
No meio do caminho sem sentido
Em que minha retina se cansava,
Em face ao meu espírito perdido
Naquela lassidão estranha e escrava,
No meio do caminho sem sentido,
Só uma pedra... Nada mais se achava!
Que tudo se perdeu no amortecido,
Morto marasmo de vulcão sem lava...
Que tudo se perdeu na estrada infinda...
Só a pedra ficou sob meu passo
E na retina se conserva ainda!
Nem coração, furor, ódio, carinho,
Nada restou senão este cansaço,
A pedra, a pedra, pedra no caminho
2012-05-23
Benfica é o campeão nacional de Basquetebol
O segundo período foi catastrófico para o Porto. Se no início desse segundo período as falhas na concretização foram de ambos os lados o Benfica melhorou e ganhou por 13-4 com os quatro pontos a serem marcados exclusivamente por Stempin e sempre de lance livre mas desaproveitando quase sempre um dos dois lançamentos.
Ao intervalo a vantagem do Benfica era assim de onze pontos 32-21, nada para garantir o triunfo mas relevante se considerarmos a fraca produção de pontos de ambas as equipas. O Porto tinha de recuperar 11 quando só marcara durante a primeira parte 21.
O que é lamentável é que a Taça não pôde ser entregue no recinto e os festejos tiveram de ser no balneário. O SLB SLB SLB **lhos da puta era o slogan dos portistas. Mas já estamos habituados... lamentável é que apesar da legislação sobre o fair-play desportivo não aconteça nenhum castigo. As autoridades são moucas... (ou os portistas mandam... como a rábula da transmissão do jogo que foi feita pelo Porto Canal quando a Federação atribuira os direitos televisos à Sport TV! ).
NOCTURNO - José Asunción Silva
Uma noite,
uma noite toda cheia de perfumes, de murmúrios e de músicas de asas,
uma noite
em que ardiam na sombra nupcial e húmida, pirilampos fantásticos,
ao meu lado, lentamente, a mim toda cingida,
muda e pálida
como se um pressentimento de amarguras infinitas,
até ao fundo mais secreto das tuas fibras te agitasse,
pelo atalho que atravessa a campina em flor
caminhavas
e a lua cheia
pelos céus azúleos, infinitos e profundos espargia a sua luz branca,
e a tua sombra
fina e lânguida,
e a minha sombra
pelos raios da lua projectadas,
sobre as areias tristes
da vereda se juntavam
e eram uma
e eram uma
E eram um única longa sombra!
E eram um única longa sombra!
E eram um única longa sombra!
Esta noite
sozinho, a alma
cheia das infinitas amarguras e agonias da tua morte,
separado de ti mesma, pela sombra, pelo tempo e a distância,
pelo infinito negro,
que a nossa voz não alcança,
só e mudo
pelo atalho caminhava,
e ouvia-se o ladrar dos cães à lua,
à lua pálida,
e o coaxar
das rãs...
Tive frio, era o frio que sentiam no quarto
as tuas faces e a tua testa e as tuas mãos adoradas,
entre as brancuras níveas
das brancas mortalhas!
Era o frio do sepulcro, er o frio da morte,
era o frio do nada...
e a minha sombra
pelos raios da lua projectada,
ia sozinha,
ia sozinha,
ia sozinha pela estepe solitária!
e a tua sombra esbelta e ágil
fina e lânguida,
como nessa noite morna da morta primavera,
como nessa noite cheia de perfumes, de murmúrios e de música de asas,
abeirou-se e caminhou com ela,
abeirou-se e caminhou com ela,
abeirou-se e caminhou com ela... Oh as sombras enlaçadas!
Oh as sombras que se procuram e se juntam nas noites de negruras e de lágrimas!...
José Asunción Silva (n. Bogotá, 27 de novembro de 1865; f. a 23 de maio de 1896)
2012-05-22
Rosas - Ciro Costa
Beijo-te as lindas mãos com que me feres.
As lindas mãos com que me feres, beijo.
Entre os desejos meus eu só desejo
ter a vaga ilusão de que me queres.
E é só. E é tudo. Entanto, se puderes
acolhe com um sorriso o meu cortejo.
Já não me iludo ao ver-te qual te vejo
uma mulher como as demais mulheres.
Ao teu jugo, ai de mim! estou sujeito.
Se há goivos que vicejam no meu peito
vivo contigo, amor, em pensamento.
Toda mulher é rosa – aroma e espinho.
Todo homem é um farrapo solto ao vento
mas, ai dele! sem rosas no caminho...
Ciro Costa (n. em Limeira, São Paulo a 18 de Março de 1879; m. no Rio de Janeiro a 22 de Maio de 1937).
Ler do mesmo autor, neste blog: Pai João; Mãe Preta
2012-05-21
Segundo Lorca / After Lorca - Robert Creeley
ORIGINAL
After Lorca
The church is a business, and the rich
are the business men.
  When they pull on the bells, the
poor come piling in and when a poor man dies, he has a wooden
cross, and they rush through the ceremony.
But when a rich man dies, they
drag out the Sacrament
and a golden Cross, and go doucement, doucement
to the cemetery.
And the poor love it
and think it's crazy.
Robert Creeley (n.Arlington, Massachusetts, USA, 21 Mai 1926 – f. 30 Mar 2005)
Estória de Marieta, a moça que dançou no inferno - No centenário do nascimento de Joaquim Batista de Sena
O mundo está desgraçado
a terra está corrompida
muitos já não crêem em Deus
e Maria Concebida
e vão no inferno e voltam
aqui mesmo nessa vida
Segundo as santas palavras
de Cristo e de Deus Eterno
este povo pecador
do nosso tempo moderno
que peca sem ter receio
está tudo no inferno
Esta semana uma velha
me contou um fraseado
que se deu com uma moça
neste carnaval passado
e cuja estória deixou-me
bastante impressionado
Marieta é uma moça
filha duma viuveta
destas que andam na terra
pra toda festa e retreta
tem uns 40 maridos
e só traja roupa preta
Elas moram em Fortaleza
de Pirambu para um lado
dizem que a Marieta
possuía um namorado
então os dois só gostavam
dum namorinho agarrado
Então no domingo gordo
começou o carnaval
e Marieta vestiu
um traje muito imoral
e foi dançar com o noivo
um tal Francisco Amaral
A mãe dela disse assim:
— Marieta que traje estranho!
ela respondeu: — Mamãe
eu com nada me acanho
hoje eu vou passar o dia
dançando e tomando banho
E vestiu um soutiens
quase da forma dum lenço
o maiô outro lencinho
que desta forma eu penso
que aonde ela passasse
era um carnaval imenso
E saiu dizendo assim
— Francisco vamos beber
e dançar agarradinhos
até o dia amanhecer
e tomar banho de mar
que hoje é bom pra valer
E saiu dali pulando
com o Francisco agarrada
beijo vai, beijo vem
e soltando gargalhada
entrançadinha com ele
que só renda de almofada
E foram dançar na festa
de uma tal de Iracema
o Francisco disse assim:
— Querida você não tema
vamos dançar ligadinhos
rasgando o passo da ema
Marieta respondeu:
— Querido eu te afianço
olhe, eu estando contigo
tendo música eu me balanço
até dentro do inferno
havendo quem toque eu danço
E nesta hora saíram
os dois na sala dançando
porém ele pressentiu
ela cansada e suando
e nos braços de Francisco
depressa foi desmaiando
Pararam a parte com pressa
e o Francisco levou
Marieta para um quarto
e numa cama a deitou
e ela ali desmaiada
um certo tempo passou
Quando despertou da síncope
estava muito suada
e contou uma estória
sinceramente narrada
que deixou aquela gente
na sala impressionada
Marieta ali contou
que quando estava dançando
com Francisco, olhou para ele
ele foi se transformando
num diabo horrendo e feio
e ela foi desmaiando
E viu ali que Francisco
virou-se no satanás
de chifre e olhos de fogo
um rabo comprido atrás
pegou ele, então voou
para as regiões infernais
Num segundo ela se viu
dentro dum prédio moderno
com uma placa de fogo
na frente, dizendo: "Inferno
onde bradam os condenados
dentro dum presídio eterno"
E olhou para todo lado
só viu a escuridão
e dentro daquela treva
uma enorme multidão
se mordendo indignados
na maior exclamação
Nisto o monstro que levou-a
disse: — Vamos passear
nesta nossa residência
pra você quando chegar
no mundo dos pecadores
de tudo saber contar
E saiu mostrando a ela
todo povo encarcerado
o ladrão, o assassino
o bêbado, o amasiado
a prostituta, o velhaco
o filho amaldiçoado
Ela viu lá o castigo
do sujeito preguiçoso
arrastando acorrentado
um peso grande, horroroso
trabalhando eternamente
sem um pequeno repouso
A mulher luxuosa
lá no inferno é despida
o corpo todo algemado
a cara toda franzida
se mordendo e dando gritos
cheia de pus e ferida
Ainda tinha outro castigo
pra mulher falsa ao marido
tem que beber todo instante
ferro e chumbo derretido
duma fornalha tremenda
gritando e dando bramido
Os compadres amigados
pra eles tem umas camas
nas profundas do inferno
com angustiosas flamas
e são enormes os bramidos
deles lá dentro das chamas
O guloso é atacado
de uma fome canina
lá dentro das labaredas
se maldizendo da sina
exclamando e sem auxílio
da Providência Divina
No inferno o invejoso
será sempre castigado
vendo as delícias do céu
para o bem aventurado
e ele dentro das chamas
do inferno acorrentado
Lá presente a Lúcifer
o orgulhoso é levado
então pra século sem fim
ele ali fica humilhado
perante o Príncipe das Trevas
nos pés dele acorrentado
O invejoso é laçado
por uma grande serpente
lá dentro das labaredas
uivando e rangindo o dente
bebendo todo instante
um caldo de ferro quente
O ladrão é açoitado
com toda rigorosidade
amarrado numa roda
para toda eternidade
e um diabo moendo
com toda velocidade
No inferno o cachaceiro
vive lá numa prisão
no fundo dum lamaçal
na enorme podridão
bebendo um caldo de chumbo
com enxofre e alcatrão
O rico lá no inferno
vai ser um pobre mendigo
faminto, descalço e nu
sem pão, sem lar, sem abrigo
conforme os gozos do mundo
tem no inferno o castigo
Então assim Marieta
percorreu todas prisões
de braços com Lúcifer
ouvindo as exclamações
das almas dos condenados
no auge das aflições
Nesta hora ela lembrou-se
da Virgem Nossa Senhora
e Lúcifer deu um grito
dizendo: — Pode ir embora
venha que eu vou deixar
você do lado de fora
Quando ela despertou
da síncope, estava deitada
muita gente em redor dela
e Marieta espantada
contou daquela visão
toda estória passada
Depois ela arrependida
deixou a farra e a dança
pois este exemplo ficou
gravado em sua lembrança
e de salvar sua alma
ainda tem esperança
E três minutos passou
sobre a cama desmaiada
quando despertou da síncope
ficou impressionada
pensando que há três anos
estava ali acamada
poema extraído daqui
Joaquim Batista de Sena nasceu no dia 21 de maio de 1912, em Fazenda Velha, do termo de Bananeiras, hoje pertencente ao município de Solânea-PB. Faleceu no distrito de Antônio Diogo (Redenção-CE) no início da década de 90.
2012-05-20
Segredo - Maria Teresa Horta
Não contes do meu
vestido
que tiro pela cabeça
nem que corro os
cortinados
para uma sombra mais espessa
Deixa que feche o
anel
em redor do teu pescoço
com as minhas longas
pernas
e a sombra do meu poço
Não contes do meu
novelo
nem da roca de fiar
nem o que faço
com eles
a fim de te ouvir gritar
Maria Teresa Horta (nasceu em Lisboa a 20 de Maio de 1937)
Ler da mesma autora, neste blog:
Poema sobre a recusa
Morrer de Amor
Joelho
2012-05-19
A Inegualável - Mário de Sá-Carneiro
E flébil de cetim...
Teus dedos longos, de marfim,
Que os sombreassem jóias pretas...
E tão febril e delicada
Que não pudesses dar um passo -
Sonhando estrelas, transtornada,
Com estampas de cor no regaço...
Queria-te nua e friorenta,
Aconchegando-te em zibelinas -
Sonolenta,
Ruiva de éteres e morfinas...
Ah! que as tuas nostalgias fossem guisos de prata -
Teus frenesis, lantejoulas;
E os ócios em que estiolas,
Luar que se desbarata...
............................
............................
Teus beijos, queria-os de tule,
Transparecendo carmim -
Os teus espasmos, de seda...
- Água fria e clara numa noite azul,
água, devia ser o teu amor por mim...
in Poemas Completos, edição Fernando Cabral Martins, Assírio & Alvim
Mário de Sá-Carneiro (n. Lisboa, 19 de Maio de 1890; m. em Paris, 26 de Abril de 1916 -suicídio).
Ler do mesmo autor neste blog:
Fim
Crise Lamentável
Escavação
Ápice
Além-Tédio
Quasi
Dispersão
I lost myself within myself... (tradução parcial do poema Dispersão)
Último Soneto
A Queda
IX - Como eu não possuo
O Soneto - Julio Dantas
Ó sepultura de catorze versos!
Demais viveu em ti, aprisionada,
A asa vibrátil do meu pensamento!
Demais sofri a dura disciplina
Do teu chicote de catorze pontas,
Soneto arcaico, inquisidor vermelho,
Que Petrarca há seis séculos gerou!
Ó taça antiga de catorze gomos,
Taça de oiro de Guido Cavalcanti,
Bebi por ti, mas atirei-te ao mar!
Não se ouvem mais os címbalos da rima!
Asa liberta, voa em liberdade!
Jaula de bronze, estás aberta, enfim!
Extraído de Antologia de Poemas Portugueses Modernos, por Fernando Pessoa e António Botto,
Ática Poesia
Júlio Dantas (Lagos, 19 de Maio de 1876 — Lisboa, 25 de Maio de 1962)
2012-05-18
Soneto I de Iluminuras - Erico Curado
Ao esplendor das manhãs, silencioso e contrito,
Como é belo e sublime — olhar-se a natureza:
Sentir-se dentro dalma esse afago bendito
Que em perfume conduz de devesa em devesa.
Ver-se um céu sempre azul perder-se no infinito,
E das aves ouvir-se um hino de pureza,
E o rumor da floresta e dos montes o grito,
Num concerto divino à suprema beleza...
E, além, o vale imenso e o rio que, disforme,
Das brumas vai seguindo o branco vulto enorme!
Desatam-se em perfume os brancos laranjais...
E o gado vem descendo em procura de aprisco,
Abre-se então o sol, em fogo, o flavo disco,
E, aqui e ali, se exalça a alvura dos casais...
Erico Curado nasceu em Pirenópolis (GO), em 18 de maio de 1880; faleceu em Goiânia, em 11 de janeiro de 1961
2012-05-17
Desmantelo Azul - Carlos Pena Filho
por não poder de azul pintar as ruas
depois vesti meus gestos insensatos
e colori as minhas mãos e as tuas
Para extinguir de nós o azul ausente
e aprisionar o azul nas coisas gratas
Enfim, nós derramamos simplesmente
azul sobre os vestidos e as gravatas
E afogados em nós nem nos lembramos
que no excesso que havia em nosso espaço
pudesse haver de azul também cansaço
E perdidos no azul nos contemplamos
e vimos que entre nascia um sul
vertiginosamente azul: azul.
Carlos Souto Pena [Carlos Pena Filho] (n. no Recife a 17 de Maio de 1929; m. Recife, 1 de Jul de 1960)
Ler do mesmo autor neste blog:
Para Fazer Um Soneto
A Palavra
A Solidão e a Sua Porta
CANÇÃO PUNITIVA - José Emílio-Nelson
Atarda-me o olhar naquela escarpa
(Distância intranquila de sombra
Ou penas de pássaros acamadas?)
Pena de mim mesmo enquanto lembro
No pálido ar, homem obscuro,
A sua imagem, inacessível.
Desconheço o azul de mulher tão lívida.
O coração é uma pequenina pedra rosa.
As minhas lágrimas são de metal.
(in Polifemo e Outros Poemas)
José Emílio de Oliveira Marmelo e Silva, que usa o pseudónimo de José Emílio-Nélson, nasceu em Espinho, em 17 de Maio de 1948
Ler do mesmo autor, neste blog: Mahler
2012-05-16
A Alma Que Passa - Ronald de Carvalho
Mentiroso... como o título que festejam
Pior do que falsas e mentirosas estas afirmações revelam a natureza da pessoa que as proferiu. Um sujeito intelectualmente distorcido, manipulador, grosseiro, sem ética e sem moral. Acha que consegue sozinho, com um discurso hitleriano, conduzir as suas «tropas» e deturpar a realidade histórica.
O BENFICA, sempre foi, REFERÊNCIA DE LIBERDADE E DEMOCRACIA. Sempre! «Nos tempos da outra senhora, o Sport Lisboa e Benfica chegou a ser considerado como uma referência democrática, um oásis onde coexistiam vozes de todas as origens políticas e em que algumas figuras notórias da oposição ao Estado Novo chegaram a ser membros dos órgãos sociais do clube. Digo isto com tanto mais admiração e à vontade, quanto é certo que sempre fui adepto do Sporting Clube de Portugal, o qual, pelo contrário, era conhecido pelas suas notórias ligações ao Estado Novo e foi quase sempre dirigido por figuras mais ou menos proeminentes da extrema-direita do regime salazarista. Para grande desespero de alguns adeptos como eu que, por carolice ou amor à camisola, nunca viraram a casaca, apesar dos dichotes e bicadas (mais que justas) de muitos adeptos do Benfica» - Alfredo Barroso, personagem insuspeita.
O Benfica teve dirigentes perseguidos pela ditadura e o primeiro hino do clube foi alvo de censura. Permanentemente de casa às costas, viu tardiamente o seu estádio ser construído apenas com sacrifício dos sócios, da solidariedade, imagem de marca dos estratos sociais mais humildes e de raízes operárias. O mais popular dos clubes portugueses caracteriza-se pelo ecletismo das suas modalidades. A mística - entranhada na pele de figuras como Eusébio, Guttman, António Livramento, José Maria Nicolau e Carlos Lisboa. Actualmente, o clube do mundo com mais sócios, desperta ódios e invejas, mas ao mesmo tempo consegue ser um expoente de modernidade pois desenvolveu um canal televisivo, uma Fundação, construiu parcerias estratégicas e um estádio novo.
2012-05-15
Poema (sem título) de Eduardo Ramos
Quero... porém, sem querer...
Amo, e muito... sem amar...
Tenho um prazer... sem prazer...
Sou como quem busca ver -
mas... que prefere cegar...
Se eu dissesse: "Não!" mentia.
Se: "Sim!" faltava à verdade.
Tenho a calma... da agonia:
Metade, sou de alegria,
Sou de dor a outra metade...
Que a face alegre aparente...
Que importa? - a face escondida,
Como n’água transparente,
Vê-se um tumulto latente
No fundo de minha vida...
Porque... Quero... sem querer.
Amo e muito... sem amar,
Sofro do próprio prazer...
Mando a minh’alma dizer,
E ela me manda calar...
Poema Extraído do sítio da Academia Brasileira de Letras
Eduardo Pires Ramos (Salvador, 25 de maio de 1854 — Rio de Janeiro, 15 de maio de 1923)
2012-05-14
A Zanga / The Quarrell - Stanley Kunitz
A palavra que disse em raiva
pesa menos que uma semente de salsa,
mas por ela passa a estrada
que leva à minha sepultura,
naquele talhão comprado
nas encostas salgadas de Truro
onde os pinheiros dominam a baía.
Estou já meio-morto que chegue,
desviado da minha própria natureza
e da minha força de viver.
Se pudesse chorar, chorava.
Mas sou velho demais para ser
a criança de alguém.
Liebchen,
com quem me vou zangar
senão nos murmúrios do amor,
essa chama áspera e irregular?
Poema extraído daqui
The Quarrell
The word I spoke in anger
weighs less than a parsley seed,
but a road runs through it
that leads to my grave,
that bought-and-paid-for lot
on a salt-sprayed hill in Truro
where the scrub pines
overlook the bay.
Half-way I'm dead enough,
strayed from my own nature
and my fierce hold on life.
If I could cry, I'd cry,
but I'm too old to be
anybody's child.
Liebchen,
with whom should I quarrel
except in the hiss of love,
that harsh, irregular flame?
Stanley Jasspon Kunitz (n. 29 Jul 1905 em Worcester, Massachusetts, USA; f. 14 Mai 2006 na cidade de Nova York, USA)
2012-05-13
Sem Vergonha
Depois dos relevantes serviços prestados ao FCP e com o título oferecido no jogo da Luz ao deixar passar um duplo fora de jogo (em lance de bola parada!) a dar o triunfo e o primeiro lugar no campeonato aos portistas, não podia a equipa de arbitragem de Pedro Proença faltar à jornada de festa ao assistir em tribuna de honra - dentro do relvado, pois claro e a apitar bem a favor do FCP: um penalty precedido de falta de Hulk e duas expulsões de jogadores do Sporting. Convidado de honra a festejar com os anfitriões um título obtido através da joint-venture Arbitragem-FCP com percentagens ainda não bem definidas!...
Se os "apitos dourados", "quinhentinhos", "café com leite", "fruta" e recepções de árbitros em casa mas para dar conselhos matrimoniais, foram matérias por "baixo do pano" e com preocupações de esconder, agora há ainda mais motivos de preocupações com o despautério com que os senhores que mandam no futebol fazem as coisas tão às claras e pior do que isso sem vergonha, ainda se exibem mostrando que fazem o que querem e por que querem!
Reflexão n°.1 - Murilo Mendes
Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio
Nem ama duas vezes a mesma mulher.
Deus de onde tudo deriva
E a circulação e o movimento infinito.
Ainda não estamos habituados com o mundo
Nascer é muito comprido.
Ler do mesmo autor, neste blog:
Jandira
Metafíscia da Moda Feminina
Choro do poeta actual
2012-05-12
Soneto - Manuel Alegre
é preciso dizer esta tristeza
que nós calamos mas tantas vezes existe
tão inútil em nós tão portuguesa.
É preciso dizê-la é preciso despi-la
é preciso matá-la perguntando
Porquê esta tristeza como e quando
e porquê tão submissão tão tranquila.
Esta tristeza que nos prende em sua teia
esta tristeza aranha esta negra tristeza
que não nos mata nem nos incendeia
antes em nós semeia esta vileza
e envenena o nascer de qualquer ideia.
É preciso matar esta tristeza.
in Manuel Alegre, 30 Anos de Poesia, Círculo de Leitores
Manuel Alegre de Melo Duarte nasceu a 12 de Maio de 1936 em Águeda.
Ler do mesmo autor, neste blog:
Grega
E alegre se fez triste
Coisa Amar
Uma Flor de Verde Pinho
Trova do Vento que Passa
As facas
Coração Polar
Trova do Amor Lusíada
2012-05-11
Velando - Augusto Casimiro
Junto dela, velando... E sonho, e afago
imagens, sonhos, versos comovido...
Vejo-a dormir... O meu olhar é um lago
em que um lírio alvorece reflectido...
Vejo-a dormir e sonho... Só de vê-la
meu olhar se perfuma e, em minha vista,
há um céu de Amor a estremecê-la
e a devoção ansiosa dum Artista...
- Nuvem poisada, alvente, sobre a neve
das montanhas do céu, - ó sono leve,
hálito de jasmim, lírio, luar...
Respiração de flor, doçura, prece...
- Ó rouxinóis, calai! Fonte, adormece!...
Senão o meu Amor pode acordar!...
Augusto Casimiro dos Santos (n. em Amarante a 11 Maio de 1889; m. em Lisboa a 23 Set. 1967)
Ler do mesmo autor, neste blog:
I A Hora da Prece
Do Primeiro Regresso
O Poeta e a Nau
Sangue de Inês
Velando
2012-05-10
ACORDAR NA RUA DO MUNDO - Luiza Neto Jorge
com destino certo e sem destino aos tombos.
no meu quarto cai o som depois
a luz. ninguém sabe o que vai
por esse mundo. que dia é hoje?
soa o sino sólido as horas, os pombos
alisam as penas, no meu quarto cai o pó.
um cano rebentou junto ao passeio.
um pombo morto foi na enxurrada
junto com as folhas dum jornal já lido.
impera o declive
um carro foi-se abaixo
portas duplas fecham
no ovo do sono a nossa gema.
sirenes e buzinas. ainda ninguém via satélite
sabe ao certo o que aconteceu. estragou-se o alarme
da joalharia. os lençóis na corda
abanam os prédios, pombos debicam
o azul dos azulejos. assoma à janela
quem acordou. o alarme não pára o sangue
desavém-se. não veio via satélite a querida imagem o vídeo
não gravou
e duma varanda um pingo cai
de um vaso salpicando o fato do bancário.
(A LUME, 1989)
Extraído de Poemas Portuguesas Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, Porto Editora
Luiza Neto Jorge nasceu a 10 de Maio de 1939 em Lisboa, onde faleceu a 23 de Fevereiro de 1989.
Ler da mesma autora, neste blog:
Nas Cidades do Sul
Baixo-Relevo
Desinferno II
Minibiografia
As casas vieram de noite
O poema ensina a cair
Magnólia
Ritual
2012-05-09
MISTICISMO - Ascenso Ferreira
Na paisagem da rua calma,
tu vinhas vindo… vinhas vindo…,
e teu vestido era tão lindo
que parecia que tu vinhas envolvida na tu’alma…
Alma encantada;
alma lavada
e como que posta ao sol para corar…
E que mãos misteriosas terão feito o teu vestido,
que até parece o de Maria Borralheira,
quando foi se casar…!
─ Certamente foi tecido
pelas mãos de uma estrela fiandeira,
com fios de luz, no tear do luar…
no tear do luar…
O teu vestido que parece o de Maria Borralheira
quando foi se casar…
─ "Cor do mar com todos os peixinhos…!
─ Cor do céu com todas as estrelas…"!
E vinhas vindo… vinhas vindo…
na paisagem da rua calma,
e o teu vestido era tão lindo
que parece que tu vinhas envolvida na tu’alma…
Ascenso Carneiro Gonçalves Ferreira (Palmares, 9 de maio de 1895 — Recife, 5 de maio de 1965)
2012-05-08
Tríptico - Edgar Carneiro
Sem ver se tens contigo
A chave do regresso
Não creias na lua;
O céu acende estrelas
Para ti.
A noite recolhe
As pérolas soltas
Da concha do dia.
2012-05-07
Canção - Rabindranath Tagore
O pranto do meu coração também é pranto do coração dela.
O fio com que ela me prende também a prende a ela.
Procurei-a em toda a parte,
Adorei-a dentro de mim,
Oculta nessa adoração ela também me procurou.
Cruzando os vastos oceanos veio roubar-me o coração.
Esqueceu-se do regresso pois também o perdera.
Os seus encantos atraiçoam-na,
Lança a sua rede, sem saber
Se vai pescar ou ser pescada.
2.
Oh, tu, última estrela do amanhecer!
Deixa atrás de ti uma mensagem, semi-adormecida e secreta
Na primeira flor da alvorada.
Talvez Ela, fonte de toda a alegria,
Me beije também numa nova vida
No fim da antiga vida.
Talvez todos os sonhos da noite floresçam como novas canções
No momento de despertar.
Oxalá ela, a Solitária, que habita no meu coração,
Apareça em vestido de noiva na manhã da
Minha nova vida.
in Qual é a Minha ou a Tua Língua? Cem poemas de amor de outras línguas, organização de Jorge Sousa Braga, Assírio & Alvim
Rabindranath Tagore ou Rabíndranáth Thákhur (रवीन्द्रनाथ ठाकुर) nasceu em Calcutá, Índia Britânica a 7 May 1861; morreu em Calcutá a 7 Agosto de 1941.
Ler do mesmo autor, neste blog:
Se é assim que desejas
If you would have it so
A Mulher Inspiradora
Cãntico da Esperança
A Colheita XXII
2012-05-06
Uma Troca Simples de Mãos Para Que a Melodia Vingue - Amadeu Baptista
Uma troca simples de mãos para que a melodia vingue
no andamento em que nos reconhecemos.
Uma fracção de tempo, um disparo
para que se entreteçam as pedras, os blocos de fogo.
Hoje disponho o mar ante os teus olhos, a tempestade,
a crueza sistemática das coisas, essa chuva que arde
neste efémero instante
que corta a costa, a barra, o farol.
De onde venho? Correspondo a que uivo
nesta solidão entre o abismo e coisa nenhuma?
Amadeu Baptista nasceu no Porto a 6 de Maio de 1953.
2012-05-05
Retrato - Luís Amaro
Um silêncio, um olhar, uma palavra
Nasceste assim na minha vida,
Inesperada flor de aroma denso,
Tão casual e breve.
Já te visionara no meu sonho,
Imagem de segredo esparsa ao vento
Da noite rubra, delicada, intacta.
E pressentira teu hálito na sombra
Que minhas mãos desenham, inquietas.
Existias em mim... O teu olhar
Onde cintila, pura a madrugada,
Guardara-o no meu peito, ó invisível,
Flutuante apelo das raízes
Que teimam em prender-te, minha vida!
in 366 poemas que falam de amor, uma antologia organizada por Vasco Graça Moura, Quetzal
Francisco Luís Amaro, nasceu em Aljustrel, em 05.05.1923
2012-05-04
Em Meio do Caminho - Luís Murat
Quando à varanda de ouro e nácar da poesia
Chega o fantasma negro e triste de meu verso,
Que nos olhos, outrora, a dúvida trazia,
Como as ruínas de ignoto e lúgubre universo,
Paira, branca, no azul, a sua imagem fria.
Minha estrofe soluça, a lágrima murmura,
Timidamente ao meu ouvido um ai queixoso,
Deixando atrás de si aberta a sepultura,
Onde - coveiro mau - vou enterrar o gozo
Da primeira saudade e da última ventura.
A demência, enroscada aos meus cabelos, ruge,
Desatrelando os seus mastins e as suas fúrias.
Arreminado o vento, entre os parcéis estruge:
E eu venço a preamar de todas as injúrias,
Apesar de seu lodo e da sua babuje.
Porão escuro e vil, de mortos carregado,
Vai minh'alma sulcando oceano fora. Rudo,
Rebenta o temporal às nuvens agarrado.
Debalde ao mar o horror dos meus nervos sacudo,
Debalde ao céu num ai subo aterrorizado!
Onde estais, onde estais, quimeras fugitivas?
Onde estais, onde estais, fugitivos amores?
Vejo-vos, sem clamor, nas sombras redivivas
Que vêm em procissão regar as minhas dores
- Desbotadas cecéns, pálidas sempre-vivas!
A antífona queixosa onde até hoje mora,
Como em cárcere de ouro, um astro prisioneiro,
Minha pobre e infeliz alma de poeta, agora,
Ao ouvir da saudade o verso derradeiro,
Com o verso delira e com o verso chora.
Olgas e torrentões trajaram-se de luto;
Secou-se o rio, a voz das árvores calou-se.
Um rumor tumular erriça o monte abrupto...
E o fruto, a sazonar no coração, mais doce
Que o mel, por que ficou tão amargo esse fruto?...
O que se vê na terra, e se entrevê no espaço
É uma projeção do que se passa n'alma.
Ah! tivesse-a ao meu seio, ah! tivesse-a ao meu braço,
Que voltaria a luz resplandecente e calma
À estrofe, onde ainda escuto o ruído de seu passo.
Seu nome tem a cor de um céu triste e remoto:
Tem nas letras azuis um arco-íris aberto;
Quando o ouço pronunciar, em cada letra noto
Um rio que parece entrar por um deserto,
Buscando a esfera ideal de algum país ignoto.
Seu nome, sua voz, tudo me encanta o ouvido,
E, em ídolos, consagra a ânsia desse transporte,
A luz dessa visão, o eco desse gemido...
E quando julgo entrar os penetrais da morte.
Eis-me à roda fatal, de novo, restituído!
E a isso chamam viver! Que suprema ironia!
Dorme a estrela no céu, como qualquer carcaça
No fundo de uma vala ou de uma galeria
De mortos, onde o mocho um epitáfio traça,
Quando num crânio pousa ou sobre um sonho pia!...
A luz de que nos serve? O sol que nos aquece,
De que nos serve o sol, se andamos solitários.
Sem teu bordão, ó fé, sem teu Calvário, ó prece?
A religião da infância, o incenso dos santuários,
Bem depressa se esvai, bem depressa se esquece!...
Poema extraído do sítio da Academia Brasileira de Letras
Luís Murat (L. Morton Barreto M.) nasceu em Itaguaí, RJ, em 4 de maio de 1861, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 3 de julho de 1929.
Ler do mesmo autor neste blog: O Poder das Lágrimas; Além Ainda; Penas Perdidas; Ironia do Coração
2012-05-03
Língua Portuguesa - Fernando Semana
Doce língua portuguesa
Com sabor a mel e sal:
uma faustosa ceia à mesa,
na cama, um vendaval;
Sedutora, de beleza incontida,
Língua de fel e de saudade.
Mulher fiel, mal compreendida,
Ganha mais valor com a idade.
Perturbadora, límpida, singela...
Pimenta, açafrão, canela...
Pedra preciosa e filigrana;
Sou teu súbdito e tu tirana.
Desfloro-te e assassino
e logo após te imagino
virgem e te redescubro
para sentir-te, outra vez, ao rubro
eterna mas sempre diferente
como só a alma pátria a gente sente.
Nota: inspirado em A Língua Portuguesa de Alberto de Lacerda, que se reproduz a seguir:
Esta língua que eu amo
Com seu bárbaro lanho
Seu mel
Seu helénico sal
E azeitona
Esta limpidez
Que se nimba
De surda
Quanta vez
Esta maravilha
Assassinadíssima
Por quase todos os que a falam
Este requebro
Esta ânfora
Cantante
Esta máscula espada
Graciosíssima
Capaz de brandir os caminhos todos
De todos os ares
De todas as danças
Esta voz
Esta língua
Soberba
Capaz de todas as cores
Todos os riscos
De expressão
(E ganha sempre à partida)
Esta língua portuguesa
Capaz de tudo
Como uma mulher realmente
Apaixonada
Esta língua
É minha Índia constante
Minha núpcia ininterrupta
Meu amor para sempre
Minha libertinagem
Minha etena
virgindade.
Beatriz - Francisco Serra Azul
Porque, se aquela fosse assim tão bela,
O poeta não teria tido aquela
visão de inferno e glória ao mesmo instante
Porque quem vir Beatriz, estou que cante
Somente a glória que ela vive, em si, revela
E só poderá ver inferno adiante
Ou purgatório, estando ausente dela.
Assim, para a beleza ser completa,
É preciso ter na alma a formosura
Que se ajuste à do corpo em linha reta.
E esta Beleza da alma se apresenta
Em Beatriz, na virtude e na ternura
De que a beleza dela se ornamenta.
Francisco Henrique Leite, depois Francisco Leite Serra Azul, nasceu no sítio de Pau Branco no riacho do Tipi de Aurora, CE, no dia 03 de maio de 1893. Faleceu em Fortaleza em 29 de outubro de 1983.
Poema extraído daqui; dados biográficos daqui
Ler do mesmo autor: Alice
2012-05-02
Quando não mais o Número e a Figura ... - Novalis
Quando não mais o Número e a Figura
Sejam chaves de toda a Criatura,
Quando aqueles que cantam ou que beijam
Mais sábios que os mais sábios inda sejam,
Quando o mundo, que a vida livre esquece,
À vida e a si próprio já regresse,
E quando a luz e as trevas se casarem
Pra claridade vívida gerarem,
Quando virmos que a história universal
Só na poesia e lenda é que é real,
Brotará do mistério de um só verbo
O renovado Ser que andava enfermo.
Extraído de Rosa do Mundo, 2001 Poemas para o Futuro, Porto Editora
Novalis, pseudónimo de Georg Philipp Friedrich Freiherr von Hardenberg (n. em Oberwiederstedt, Electorate of Saxony, Germany 2 maio 1772; f. 25 março 1801 em Weißenfels, Germany)
Há 50 anos o Benfica foi bi-Campeão Europeu!
Benfica: Costa Pereira; Mário João e Angelo; Cavém, Germano e Cruz; José Augusto, Eusébio, Águas (cap.), Coluna e Simões. Treinador : Bela Guttman
2012-05-01
Vista cansada - Otto Lara Resende
Acho que foi o Hemingway quem disse que olhava cada coisa à sua volta como se a visse pela última vez. Pela última ou pela primeira vez? Pela primeira vez foi outro escritor quem disse. Essa idéia de olhar pela última vez tem algo de deprimente. Olhar de despedida, de quem não crê que a vida continua, não admira que o Hemingway tenha acabado como acabou.
Se eu morrer, morre comigo um certo modo de ver, disse o poeta. Um poeta é só isto: um certo modo de ver. O diabo é que, de tanto ver, a gente banaliza o olhar. Vê não-vendo. Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo dia, sem ver. Parece fácil, mas não é. O que nos cerca, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade. O campo visual da nossa rotina é como um vazio.
Você sai todo dia, por exemplo, pela mesma porta. Se alguém lhe perguntar o que é que você vê no seu caminho, você não sabe. De tanto ver, você não vê. Sei de um profissional que passou 32 anos a fio pelo mesmo hall do prédio do seu escritório. Lá estava sempre, pontualíssimo, o mesmo porteiro. Dava-lhe bom-dia e às vezes lhe passava um recado ou uma correspondência. Um dia o porteiro cometeu a descortesia de falecer.
Como era ele? Sua cara? Sua voz? Como se vestia? Não fazia a mínima idéia. Em 32 anos, nunca o viu. Para ser notado, o porteiro teve que morrer. Se um dia no seu lugar estivesse uma girafa, cumprindo o rito, pode ser também que ninguém desse por sua ausência. O hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem. Mas há sempre o que ver. Gente, coisas, bichos. E vemos? Não, não vemos.
Uma criança vê o que o adulto não vê. Tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo. O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que, de fato, ninguém vê. Há pai que nunca viu o próprio filho. Marido que nunca viu a própria mulher, isso existe às pampas. Nossos olhos se gastam no dia-a-dia, opacos. É por aí que se instala no coração o monstro da indiferença.
Extraído daqui
Otto de Oliveira Lara Resende nasceu no dia 1°. de maio de 1922, em São João del Rei, Minas Gerais; faleceu em 28 de dezembro de 1992 no Rio de Janeiro.
A Elegia das Grades - Mário Beirão
Para as grades da prisão:
Sou o bastardo sem nome,
O deserdado sem pão!
Meu ar é dúbio, suspeito:
Vinte prisões conto já,
Vinte facadas no peito,
Na alma quantas não há!
Ninguém me quer, sou da vasa;
N as minhas carnes espúrias
Marcaram, a ferro em brasa,
Tatuagens rubras de injúrias!
Quando eu canto, o povo em massa
Chora ouvindo a minha voz;
Novo Camões da desgraça,
Canto a dor de todos nós!
Nas lajes do corredor
Ressoam passos... Quem vem?
Ferrolhos, chaves, rumor...
Encarceraram alguém!
Ferros de El-rei! Que ironia!
Soubesse El-rei da traição,
E caridoso viria
Dar-nos lágrimas e pão!
Aqui, em torpe igualdade,
Anicham-se os pais e os filhos;
Cabeças fora da grade,
Famintos e maltrapilhos!
A sombra, espertando o instinto,
Espessa de ardis, oprime;
Abismam-se as almas ... Sinto
Correr-me a larva do crime!
Noites de febre e miasmas,
De delírios e cruezas ...
Perpassam brancos fantasmas,
Brandões, fogueiras acesas!
Aos areais da desgraça
Lançou-me torva maré ...
Vejo toda a minha raça
Ardendo em autos-de-fé!
Adeus, a noite vai alta!
Por entre névoas, mui cedo,
Vou de súcia com a malta,
Na leva para o degredo!
Que importa morrer de todo
Nos ermos de água sem fim?
Eu já morri de algum modo:
Sou a lembrança de mim!
Saudades, brumas, acenam ...
Eu, no escuro, a murmurar:
«- Os crimes dos que condenam
Nem o inferno os quer julgar!»
Çala a tua alta Epopeia,
O povo de Pedro Sem!
Maré cheia, maré cheia,
Já se não salva ninguém!
Extraído de Antologia de Poemas Portugueses Modernos por António Pessoa e António Botto, Ática Poesia
Mário Pires Gomes Beirão (n. em Beja a 1 Mai 1890; m. em Lisboa a 19 Fev. 1965)
Ler do mesmo autor e neste blog:
Adeus
O Vago
Ausência
Cintra