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2012-05-21

Estória de Marieta, a moça que dançou no inferno - No centenário do nascimento de Joaquim Batista de Sena


O mundo está desgraçado
a terra está corrompida
muitos já não crêem em Deus
e Maria Concebida
e vão no inferno e voltam
aqui mesmo nessa vida

Segundo as santas palavras
de Cristo e de Deus Eterno
este povo pecador
do nosso tempo moderno
que peca sem ter receio
está tudo no inferno

Esta semana uma velha
me contou um fraseado
que se deu com uma moça
neste carnaval passado
e cuja estória deixou-me
bastante impressionado

Marieta é uma moça
filha duma viuveta
destas que andam na terra
pra toda festa e retreta
tem uns 40 maridos
e só traja roupa preta

Elas moram em Fortaleza
de Pirambu para um lado
dizem que a Marieta
possuía um namorado
então os dois só gostavam
dum namorinho agarrado

Então no domingo gordo
começou o carnaval
e Marieta vestiu
um traje muito imoral
e foi dançar com o noivo
um tal Francisco Amaral

A mãe dela disse assim:
— Marieta que traje estranho!
ela respondeu: — Mamãe
eu com nada me acanho
hoje eu vou passar o dia
dançando e tomando banho

E vestiu um soutiens
quase da forma dum lenço
o maiô outro lencinho
que desta forma eu penso
que aonde ela passasse
era um carnaval imenso

E saiu dizendo assim
— Francisco vamos beber
e dançar agarradinhos
até o dia amanhecer
e tomar banho de mar
que hoje é bom pra valer

E saiu dali pulando
com o Francisco agarrada
beijo vai, beijo vem
e soltando gargalhada
entrançadinha com ele
que só renda de almofada

E foram dançar na festa
de uma tal de Iracema
o Francisco disse assim:
— Querida você não tema
vamos dançar ligadinhos
rasgando o passo da ema

Marieta respondeu:
— Querido eu te afianço
olhe, eu estando contigo
tendo música eu me balanço
até dentro do inferno
havendo quem toque eu danço

E nesta hora saíram
os dois na sala dançando
porém ele pressentiu
ela cansada e suando
e nos braços de Francisco
depressa foi desmaiando

Pararam a parte com pressa
e o Francisco levou
Marieta para um quarto
e numa cama a deitou
e ela ali desmaiada
um certo tempo passou

Quando despertou da síncope
estava muito suada
e contou uma estória
sinceramente narrada
que deixou aquela gente
na sala impressionada

Marieta ali contou
que quando estava dançando
com Francisco, olhou para ele
ele foi se transformando
num diabo horrendo e feio
e ela foi desmaiando

E viu ali que Francisco
virou-se no satanás
de chifre e olhos de fogo
um rabo comprido atrás
pegou ele, então voou
para as regiões infernais

Num segundo ela se viu
dentro dum prédio moderno
com uma placa de fogo
na frente, dizendo: "Inferno
onde bradam os condenados
dentro dum presídio eterno"

E olhou para todo lado
só viu a escuridão
e dentro daquela treva
uma enorme multidão
se mordendo indignados
na maior exclamação

Nisto o monstro que levou-a
disse: — Vamos passear
nesta nossa residência
pra você quando chegar
no mundo dos pecadores
de tudo saber contar

E saiu mostrando a ela
todo povo encarcerado
o ladrão, o assassino
o bêbado, o amasiado
a prostituta, o velhaco
o filho amaldiçoado

Ela viu lá o castigo
do sujeito preguiçoso
arrastando acorrentado
um peso grande, horroroso
trabalhando eternamente
sem um pequeno repouso

A mulher luxuosa
lá no inferno é despida
o corpo todo algemado
a cara toda franzida
se mordendo e dando gritos
cheia de pus e ferida

Ainda tinha outro castigo
pra mulher falsa ao marido
tem que beber todo instante
ferro e chumbo derretido
duma fornalha tremenda
gritando e dando bramido

Os compadres amigados
pra eles tem umas camas
nas profundas do inferno
com angustiosas flamas
e são enormes os bramidos
deles lá dentro das chamas

O guloso é atacado
de uma fome canina
lá dentro das labaredas
se maldizendo da sina
exclamando e sem auxílio
da Providência Divina

No inferno o invejoso
será sempre castigado
vendo as delícias do céu
para o bem aventurado
e ele dentro das chamas
do inferno acorrentado

Lá presente a Lúcifer
o orgulhoso é levado
então pra século sem fim
ele ali fica humilhado
perante o Príncipe das Trevas
nos pés dele acorrentado

O invejoso é laçado
por uma grande serpente
lá dentro das labaredas
uivando e rangindo o dente
bebendo todo instante
um caldo de ferro quente

O ladrão é açoitado
com toda rigorosidade
amarrado numa roda
para toda eternidade
e um diabo moendo
com toda velocidade

No inferno o cachaceiro
vive lá numa prisão
no fundo dum lamaçal
na enorme podridão
bebendo um caldo de chumbo
com enxofre e alcatrão

O rico lá no inferno
vai ser um pobre mendigo
faminto, descalço e nu
sem pão, sem lar, sem abrigo
conforme os gozos do mundo
tem no inferno o castigo

Então assim Marieta
percorreu todas prisões
de braços com Lúcifer
ouvindo as exclamações
das almas dos condenados
no auge das aflições

Nesta hora ela lembrou-se
da Virgem Nossa Senhora
e Lúcifer deu um grito
dizendo: — Pode ir embora
venha que eu vou deixar
você do lado de fora

Quando ela despertou
da síncope, estava deitada
muita gente em redor dela
e Marieta espantada
contou daquela visão
toda estória passada

Depois ela arrependida
deixou a farra e a dança
pois este exemplo ficou
gravado em sua lembrança
e de salvar sua alma
ainda tem esperança

E três minutos passou
sobre a cama desmaiada
quando despertou da síncope
ficou impressionada
pensando que há três anos
estava ali acamada

poema extraído daqui
Joaquim Batista de Sena nasceu no dia 21 de maio de 1912, em Fazenda Velha, do termo de Bananeiras, hoje pertencente ao município de Solânea-PB. Faleceu no distrito de Antônio Diogo (Redenção-CE) no início da década de 90.



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