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2015-02-27

E TUDO ERA POSSÍVEL - Ruy Belo

Na minha juventude antes de ter saído
da casa de meus pais disposto a viajar
eu conhecia já o rebentar do mar
das páginas dos livros que já tinha lido

Chegava o mês de maio era tudo florido
o rolo das manhãs punha-se a circular
e era só ouvir o sonhador falar
da vida como se ela houvesse acontecido

E tudo se passava numa outra vida
e havia para as coisas sempre uma saída
Quando foi isso? Eu próprio não o sei dizer

Só sei que tinha o poder duma criança
entre as coisas e mim havia vizinhança
e tudo era possível era só querer


in Homem de Palavra[s]
Lisboa, Editorial Presença, 1999 (5ª ed.)

Ruy de Moura Belo (n. em S. João da Ribeira, Rio Maior, em 27 de fevereiro de 1933; m. em Lisboa, a 8 de agosto de 1978).

 Ler do mesmo autor:

2015-02-26

Grão de Incenso - Augusto Gil




Entraste com ar cansado
Numa igreja fria e triste.
Ajoelhei-me ao teu lado
– E nem ao menos me viste...

Ficaste a rezar ali,
Naquela imensa tristeza.
Rezei também, mas a ti.
– Que aos anjos também se reza...

Ficaste a rezar até
Manhã dentro, manhã alta.
Como é que tens tanta fé
E a caridade te falta?...


in Luar de Janeiro

Augusto César Ferreira Gil (n. em Lordelo do Ouro, Porto a 31 de julho de 1873; m. na Guarda a 26 de fevereiro de 1929)

Ler do mesmo autor:
Toada para as Mães Acalentarem os Filhos
Balada da Neve
Em Vagon
O Passeio de Santo António

2015-02-25

I will - Fernando Semana

Que interessa se querem que eu faça ou desfaça
Se tenho, intemporal, a táctil memória da tua graça
Não sei, confesso, se era tua ou de alguém de quem perdi o nome,
Se alguma vez exististe ou quem seja de quem sinta fome
Na antologia dos momentos, às vezes há poemas sem autor...

Que importa a fachada ou se a porta está fechada
Se eu tenho a visão de todas as coisas interiores escondidas
Para além da realidade está o sonho sem medidas.
Não há teste de imparidade para este goodwill…
Se quero, prometo que terei, eu sei, I will…


A Forca - Cesário Verde (na efeméride dos 160 anos do seu nascimento)

Já que adorar-me dizes que não podes,
Imperatriz serena, alva e discreta,
Ai, como no teu colo há muita seta
E o teu peito é peito dum Herodes,

Eu antes que encaneçam os meus bigodes
Ao meu mister de amar-te hei-de pôr meta,
O coração mo diz- feroz profeta,
Que anões faz dos colossos lá de Rhodes.

E a vida depurada no cadinho
Das éroticas dores do alvoroço,
Acabará na forca, num azinho,

Mas o que há-de apertar o meu pescoço
Em lugar de ser corda de bom linho
Será do teu cabelo um menos grosso.

José Joaquim Cesário Verde (n. em Lisboa a 25 de fevereiro de 1855, m. a 19 de julho de 1886)

Ler ainda do mesmo autor, neste blog:

2015-02-24

Anjo Descido ao Mar - David Mourão-Ferreira


Sou eu, ó céu! - Anjo falhado,
perdi, jogando fluidos dados,
no pano esverdeado
                              deste mar,
as asas e a vontade de voar.

Não salvei do naufrágio a embarcação,
Detive-me a rolar por estas vagas,
joguei-me contra as fragas...
                              Já sem asas,
Ó céu, aceita a minha demissão!

Serei o precursor? Eis-me liberto
de tanta terra vil que o céu reflecte.
Ó líquido deserto,
                            onde se perde
o vestígio dos erros encobertos!

Por mim, não quero já missão nenhuma,
senão tal jogo de onda e de mais onda,
a surpresa da espuma!,
                             e a profunda
tentação de morrer em cada onda!

David de Jesus Mourão-Ferreira nascido em Lisboa a 24 de fevereiro de 1927 e falecido na mesma cidade a 16 de junho de 1996
 
Ler do mesmo autor:
Paraíso
Praia do Esquecimento
Tentei Fugir da Mancha Mais Escura
Presídio
Casa
E Por Vezes
Ilha
Nocturno
Ternura
Labirinto
Penelope
Primavera
Equinócio
Soneto do Cativo

2015-02-23

SO-NETO JORGE, Luiza - Luiza Neto Jorge


A silabar que o poema é estulto
o amado abre os dentes e eu deslizo;
sismos,orgasmos tremem-lhe no olhar
enquanto eu, quase a rimar, exulto.

Conheço toda a terra só de amar:
sem nós e sem desvãos, um corpo liso.
Tenho o mênstruo escondido num reduto
onde teoricamente chega o mar.

Nos desertos-íntimos, insuspeitos-
já caem com a calma as avestruzes
-ou a distância, com os oásis, finda;

à medida que nos arcaicos leitos
se vão molhando vozes e alcatruzes
ao descerem ao fundo pego, e à vinda.

 Luiza Neto Jorge nasceu a 10 de Maio de 1939 em Lisboa, onde faleceu a 23 de Fevereiro de 1989.

Ler da mesma autora, neste blog:
Acordar na Rua do Mundo
Nas Cidades do Sul
Baixo-Relevo
Desinferno II
Minibiografia
As casas vieram de noite
O poema ensina a cair
Magnólia
Ritual

2015-02-22

Outono - Joaquim Pessoa

Uma lâmina de ar
Atravessando as portas. Um arco,
Uma flecha cravada no outono. E a canção
Que fala das pessoas. Do rosto e dos lábios das pessoas.
E um velho marinheiro, grave, rangendo o cachimbo como
Uma amarra. À espera do mar. Esperando o silêncio.
É outono. Uma mulher de botas atravessa-me a tristeza
Quando saio para a rua, molhado, como um pássaro.
Vêm de muito longe as minhas palavras, quem sabe se
Da minha revolta última. Ou do teu nome que repito.
Hoje há soldados, eléctricos. Uma parede
Cumprimenta o sol. Procura-se viver.
Vive-se, de resto, em todas as ruas, nos bares e nos cinemas.
Há homens e mulheres que compram o jornal e amam-se
Como se, de repente, não houvesse mais nada senão
A imperiosa ordem de (se) amarem.
Há em mim uma ternura desmedida pelas palavras.
Não há palavras que descrevam a loucura, o medo, os sentidos.
Não há um nome para a tua ausência. Há um muro
Que os meus olhos derrubam. Um estranho vinho
Que a minha boca recusa. È outono.
A pouco a pouco despem-se as palavras.

in O Pássaro no Espelho

Joaquim Maria Pessoa (n. Barreiro, 22 de fevereiro de 1948)

Quero-te para além das coisas justas
Bastava-nos amar. E não bastava...
Se ao menos soubesses tudo o que eu não disse
A Ausência VIII

2015-02-21

Ser Mãe - Coelho Neto

Ser mãe é desdobrar fibra por fibra
o coração! Ser mãe é ter no alheio
lábio que suga, o pedestal do seio,
onde a vida, onde o amor, cantando, vibra.

Ser mãe é ser um anjo que se libra
sobre um berço dormindo! É ser anseio,
é ser temeridade, é ser receio,
é ser força que os males equilibra!

Todo o bem que a mãe goza é bem do filho,
espelho em que se mira afortunada,
Luz que lhe põe nos olhos novo brilho!

Ser mãe é andar chorando num sorriso!
Ser mãe é ter um mundo e não ter nada!
Ser mãe é padecer num paraíso!


Henrique Maximiano Coelho Neto, nasceu em Caxias, MA, em 21 de fevereiro de 1864, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 28 de novembro de 1934.

2015-02-20

Aqui e agora - Vitorino Nemésio

Passei, transi ou fui? Transfui que trans?
Cis quê? Prefixo a que destino imoto?
Movido de que prós ou forças vãs,
Para que inércia ou paz de quid ignoto?

Eunte a que vindoiro alvo remoto?
Essente quê? nihil no adverso mas
Que oponho ao ser, se o espírito derroto
(Meu, que o divino é em altas barbacãs).

Tudo é cá tempo em espaço pervertido:
Ontem que abre amanhã no instante ardente
E se fecha no nunca humano havido

Para sempre ficar como jamais
Agora e aqui eu mesmo, - ermos sinais
De que Deus me povoa e me consente.

in O Verbo e a Morte, 1959

Vitorino Nemésio Mendes Pinheiro da Silva (n. Praia da Vitória, 19 de dezembro de 1901 — m. Lisboa, 20 de fevereiro de 1978)

Ler do mesmo autor:
Poema de Outra Viagem ao Porto
Já um pouco de vento se demora
Outro Testamento
Semântica electrónica
Loa
Concha
Teu só sossego aqui contigo ausente
Natal das Ilhas
Já um pouco de vento se demora
A Árvore do Silêncio
26

2015-02-19

Regresso - Mário Beirão (na passagem dos 50 anos sobre o seu desaparecimento)

(Na reunião dos estudantes do Liceu de Beja)

Eis-me, de novo, em flor, — Menino e Moço!
Um perfume de cálida magia
Cresce dos estevais e me inebria,
Deixa-me em febre, cismas, alvoroço!

E este canto de Amor, que, a espaços, ouço,
Abre em oiros, sorrisos dalgum dia
E nasce água lustral, que me sacia,
No poço que secara, — estranho poço...

Eis-me, de novo, em flor! É Primavera
Em tudo, porque tudo, intimamente,
Me pressentia, estava à minha espera!

— Ó longes das planícies extasiadas,
Que eu seja, instante a instante, em vós presente,
Arda no sonho eterno das Queimadas!

Mário Gomes Pires Beirão nasceu a 1 de maio de 1890, em Beja, e faleceu em Lisboa a 19 de fevereiro de 1965

Ler do mesmo autor e neste blog:
O Vago
Ausência
Cintra
Adeus

2015-02-18

CANÇÃO QUE O VENTO ESCUTOU - Rodrigo Emílio

Já de mim não me condôo,
‘trás do anseio sem parede
De abrir asas ao meu vôo,
De dar água à minha sede!

Os sonhos — um regimento
Sem disciplina que os dome.
Daí por que eu me alimento,
Pràticamente, de fome!

E vou no vento, no vento
Vou alado à lei de Além,
Levando no pensamento
O sustento que me sustém...


Rodrigo Emílio de Alarcão Ribeiro de Melo (Lisboa, 18 de fevereiro 1944 - 28 de março de 2004)

2015-02-17

O BARÃO E O DOUTOR - Xavier de Novais

B. – Senhor Doutor, dá licença? –
D. – Não sei quem é que está aí! –
B. – Seu criado – eu vou entrando…
D. – Oh! Vossência por aqui!

A Senhora Baronesa
Como passa? – Tem saúde?…
Quis ir ontem visitá-la…
Tive que fazer, não pude.

B. – Eu le digo… vai andando;
Mas sempre com suas teimas,
Não quer tomar o remédio
Que le deu pras almorreimas!

Tem-se queixado do Omnibus,
Anda muito incomodada;
Mas tem lá seus carrapichos,
E então, não quer tomar nada.

D. – Pois, Senhor, queira Vossência
Ver se pode resolvê-la
A entregar-se à Medicina,
Que eu amanhã irei vê-la.

Vá-lhe dando alguns passeios,
Roubando-a à meditação;
Que é sempre, nessas moléstias,
Proveitosa a distração.

B. – Ai… bô… bô!… alguns passeios!…
Ela em casa nunca está;
Não há por i uma festa
Onde eu com ela não vá!

Já foi à Foz ver o hydroppico,
E onte fomos ó triato;
E por sinal, que chegamos
No fim do purmeiro acto.

A propósto, meu amigo,
Que me diz à Companhia?
Aquela Lucrécia Borges
Foi bem… apois não iria?

Olhe qu’aquele… o… Finório,
Qu’é cunhado da Jordana,
Canta bem… é bô maritmo,
E nunca… nunca se engana!

E o outro tenor baixito,
Chamo-le o basso profundo,
Tamém é bô … e bem mostra
Que tem pratega do mundo.

E a Jordana! Isso é que canta
Com’eu inda não ouvi!
Não sei por que esses janotas
Dão mais palmas à Ponti!

D. – A Ponti é como artista
Cousa muito sup’rior,
B. – O quê?… melhor qu’a Jordana?…
Nada… nada… não senhor!

A Ponti, não gosto dela;
– Não digo qu’é mau contralto;
Mas é muito presumida…
A outra canta mais alto.

Não faz uns tais gargarejos;
Mas quem sabe o que ela foi?…
Tem um cantar grosso e forte,
Qu’as vezes parece um boi!

Quando, há dias, dava palmas
À Ponti, certo magote,
Enfim – pequenas misérias –
Disse eu lá do cambarote.

É gente que não entende,
Gosta duma bacatela;
A Ponti se é boa dama,
Eu não engraço com ela!

Diga-me – que livro é esse,
Que lia quando eu cheguei?
D. – Era o Hahnemann. – B. – Conheço,
Grande poeta… bem sei!

O Senhor Doutor se lesse
A Fremosa Mangalona,
Havia de gostar muito;
Olhe que é muito ratona!

E quando quiser bons livros
Faça favor d’ir por lá:
Também tenho o Calros Mano…
Eu l’os mandarei pra cá.

D. – São bons livros – eu conheço-o;
Fico obrigado a Vossência;
Mas o tempo que me resta
Emprego-o só na ciência.

B. – Na ciência?… e é bô livro?
E quantos balumes tem?…
Ah!… já sei… eu ‘stava tolo…
São quatro… tenho-os tamém!

Olhe que eu sou dado às letras,
E gosto de me istruir:
Pois de falar?… quando falo
Todos gostam de m’ouvir.

Mas passemos a oitra coisa:
Estes retratos quem são?
Vamos cá dar volta à sala,
E faça-me a explicação.

Daquele estão-me a dar ares;
Não será um meu besinho?
D. – É Lamennais. – B. É o mesmo,
Já lhe merquei muito binho.

Ora diga-me – e aquele
Que tem anéis no cabelo?
Aquele home é estrangeiro,
Que eu não me lembro de vê-lo.

D. – De certo não, que é antigo,
Já não é dos tempos seus;
Nem é possível, Vossência
Ter visto o Rei dos Judeus.

B. – O Rei dos Judeus! – É este? –
Oh que soberbo tratante!
Não sei como quer em casa
Um retrato semelhante!…

Eu cá sou escrupuloso
Nisto de religião:
O Rei dos Judeus! – Arruda!
E na casa dum cristão!…

Este sim… não é o Bispo?…
O D. Jiromeno? … é…
Morreu… coitado… era um home
Em que eu tinha muita fé.

E por via das exéquias…
Por se meter a pregar,
É que se foi… que era rijo,
Inda podia durar.

D. – Eu não sei que lhe viesse
Daí, moléstia de morte!
Com o estudo… a vigília…
Podia bem, que era forte!

B. – Mas olhe cá, meu amigo,
Aqui pra nós: – qu’ é vigília?…
D. – Falta de sono. – B. – Isso, isso…
Tudo por causa da Emília…

Um home que tem idade
E quer fazer de rapaz,
Metido nesses excessos,
Não sabe a asneira que faz!

Enfim, Doutor, vou-me à praça,
Que deve agora estar cheia:
– Até à noite, qu’ habemos
De bêr-nos na Sumboleia.

in A vespa do Parnaso, 1854

Faustino Xavier de Novais nasceu a 17 de fevereiro de 1820, no Porto, e faleceu a 16 de agosto de 1869, no Rio de Janeiro, Brasil.

2015-02-16

Passeio Real de El-Rei D. Manuel I - António Rei

É pela História contada
Por ser real está selada
E tem do Paço sinete
Numa visita real
Veio El-Rei de Portugal
A visitar Alcochete

Ao saber, pelo alarido
Que vinha um toiro fugido
Tão perto p’la mesma rua
Logo o séquito debandou
Só El-Rei ali ficou
Empunhando a ‘spada nua

Um homem se chega perto
Alcochetano discreto
Rude, simples, aprumado
Barrete verde na mão
Diz a El-Rei D. João
Que o toiro vai ser pegado

Então El-Rei com ternura
Vê tão nobre criatura
Frente ao toiro perfilado
Beijou o real florete

E proclamou Alcochete
A terra mãe do forcado

Do Livro “Poesia Alcotejana”

António Rei nasceu em Alcochete a 16 de Fevereiro de 1929 e faleceu no dia 13 de Janeiro de 2009.

2015-02-14

Última Hora: Sporting corta relações com Belenenses...

Pois é! O Sporting empatou no Restelo com um golo aos 94'! Desta vez não foi azar? A verdade é que já são cinco pontos de atraso do Porto e (espero eu) amanhã pode ficar a 9 do Benfica!

Caso para dizer que o Sporting vai anunciar corte de relações com o Belenenses porque esta época ainda não lhes conseguiram ganhar...

PS: Bruno de Carvalho corta relações com toda a gente. Nothingandall sabe que ele está a estudar a hipótese de cortar relações com ... o Sporting! Não faltará muito... estou certo disso!

2015-02-13

Canto da Minha Nudez - Antonia Pozzi

Olha para mim: estou nua. Da inquieta
languidez da minha cabeleira
até à tensão fina do meu pé,
sou toda de uma magreza amarga
envolta numa cor de marfim.

Olha: como é pálida a minha carne.
Dir-se-ia que o sangue não a percorre.
O vermelho não transparece. Apenas uma lânguida
pulsação azul se esbate no meio do peito.

Vê como tenho o ventre côncavo. Incerta
é a curva das ancas, mas os joelhos
e os tornozelos e todas as articulações
são escanzelados e duros como os de um puro-sangue.

Hoje, deito-me nua, na limpidez
da banheira branca e deitar-me-ei nua
amanhã sobre um leito, se alguém
me quiser. E um dia nua, só,
estendida de costas sob demasiada terra,
hei-de estar, quando a morte me tiver chamado.


ORIGINAL

Canto della mia nudità – Antonia Pozzi

Guardami: sono nuda. Dall’inquieto
languore della mia capigliatura
alla tensione snella del mio piede,
io sono tutta una magrezza acerba
inguainata in un color avorio.
Guarda: pallida è la carne mia.
Si direbbe che il sangue non vi scorra.
Rosso non ne traspare. Solo un languido
palpito azzurro sfuma in mezzo al petto.
Vedi come incavato ho il ventre. Incerta
è la curva dei fianchi, ma i ginocchi
e le caviglie e tutte le giunture,
ho scarne e salde come un puro sangue.
Oggi, m’inarco nuda, nel nitore
del bagno bianco e m’inarcherò nuda
domani sopra un letto, se qualcuno
mi prenderà. E un giorno nuda, sola,
stesa supina sotto troppa terra,
starò, quando la morte avrà chiamato.


Antonia Pozzi (Milan, 13 fevereiro 1912 – Milan, 3 dezembro 1938)

2015-02-12

EL BREVE AMOR - Julio Cortázar

Con qué tersa dulzura
me levanta del lecho en que soñaba
profundas plantaciones perfumadas,
me pasea los dedos por la piel y me dibuja
en le espacio, en vilo, hasta que el beso
se posa curvo y recurrente
para que a fuego lento empiece
la danza cadenciosa de la hoguera
tejiédose en ráfagas, en hélices,
ir y venir de un huracán de humo-
(¿Por qué, después,
lo que queda de mí
es sólo un anegarse entre las cenizas
sin un adiós, sin nada más que el gesto
de liberar las manos ?)


Julio Florencio Cortázar (n. Embaixada da Argentina em Ixelles, 26 de agosto de 1914 – Paris, 12 de fevereiro de 1984)

2015-02-11

Valeu a Pena - Mário Moniz Pereira (na voz de Maria da Fé)




Com voz serena
perguntaram-me ao ouvido
valeu a pena
vir ao mundo e ter nascido
com lealdade
vou responder, mas primeiro
consultei meu travesseiro
sobre a verdade
tive porém, que lembrar o meu passado
horas boas do meu fado
e as más também

Valeu a pena
ter vivido o que vivi
valeu a pena
ter sofrido o que sofri
valeu a pena
ter amado quem amei
ter beijado quem beijei
valeu a pena

Valeu a pena
ter sonhado o que sonhei
valeu a pena
ter passado o que passei
valeu a pena
conhecer quem conheci
ter sentido o que senti
valeu a pena
valeu a pena
ter cantado o que cantei
ter chorado o que chorei
valeu a pena

Valeu a pena
ter amado quem amei
ter beijado quem beijei
valeu a pena
valeu a pena
ter cantado o que cantei
ter chorado o que chorei
valeu a pena

Mário Moniz Pereira nasceu a 11 de fevereiro de 1921 em Lisboa


2015-02-10

Quero Chegar ... - Boris Pasternak

Quero chegar em tudo ao cerne,
ao mais oculto.
Buscando a rota, no afazer, no
peito em tumulto.

Ao bojo dos dias de outrora,
ao próprio centro,
justo às raízes e às escoras,
medula adentro.

Sempre agarrando toda a série
de sinas, fatos,
sentir, pensar, amar, viver e
fazer achados.

E escreveria, ah, se o lograsse,
sobre os diversos
dons da paixão, de todo ou quase,
em oito versos.

Seus crimes, fugas e caçadas,
seus atropelos
acidentais, mãos espalmadas
e cotovelos.

Deduziria a essência inata
e as suas leis,
diria a inicial de cada
nome outra vez.

Dispondo cantos em canteiros,
com veias tensas,
veria as tílias: o horto inteiro
posto em seqüência.

E verteria, em verso, aromas
de rosa e menta,
prado, flor, feno e quanto assoma
numa tormenta.

Assim Chopin verteu – portento
vivo – seu mundo,
sítios, jazigos, bosques, dentro
de seus estudos.

O jogo e o suplício do afã de
vencer de fato –
a corda retesa e vibrante
do arco dobrado.


1956

Tradução de Boris Schnaiderman

Boris Leonidovich Pasternak (nasceu a 10 de fevereiro de 1890, em Moscovo, Império Russo, e faleceu a 30 de maio de 1960 m Peredelkino, URSS)

2015-02-09

The quotation of the day - Alice Walker

- The animals of the world exist for their own reasons. They were not made for humans any more than black people were made for white, or women created for men.

Alice Malsenior Walker (born February 9, 1944, Putnam County, Georgia, United States)

2015-02-06

A nossa casa - José Craveirinha

Ambição
minha e da Maria
foi termos uma casa nossa
onde nos contarmos os cabelos brancos.

Sonho realizado.
Casa definitiva já temos.
Lote 42.
Talhão 71883.
Fachada pintada a cal.
Classica arquitectura rectangular.
Uma via asfaltada com um único sentido.
Tudo sito no derradeiro bairrismo
que é morar no bairro de Lhanguene.

Pelo menos envelhecer já não é problema.
O resto na altura mais propícia
surgirá por si.

Parece que está por pouco.
Na lista onde eu consto
É injusto que tarde
estarmos juntos. 

José João Craveirinha (Lourenço Marques, atual Maputo, 28 de maio de 1922 — Maputo, 6 de fevereiro de 2003)

Ler do mesmo autor neste blog:

2015-02-05

Sol entre Nuvens - Simões Dias

Barco (foto tirada daqui)

Se ‘inda te apraz ouvir falar de um morto,
que em vida foi do amor favorecido,
verás nos versos meus o desconforto
de um ânimo à desgraça enfim rendido!

Barco sem leme, sem farol, sem porto,
de mil contrárias ondas combatido,
tal me tem sido a vida que hei vivido,
no escuro isolamento do meu horto.

Hoje, que morto estou para a alegria
que nesse teu sereno e brando olhar
em tempos mais ditosos me sorria,

‘inda uma crença faz meu peito arfar:
é supor que os teus olhos, algum dia,
sobre estes versos meus hão-de chorar!

José Simões Dias nasceu em Benfeita (concelho de Arganil) a 5 de fevereiro de 1844 e morreu em Lisboa a 3 de março de 1899. Concluído o bacharelato em Teologia pela universidade de Coimbra (1868), renunciou à via eclesiástica e optou pelo magistério. Além de professor do ensino secundário, foi jornalista e deputado. Contista e poeta neo-romântico, os seus versos têm um cariz popular, bem-humorado e até, por vezes, brejeiro, situando-se à beira da transição para o Realismo e Parnasianismo. O seu soneto foi extraído do vol. «As Peninsulares» (1870; ed. definitiva, 1876).

(Soneto e nota biobliográfica extraída de «A Circulatura do Quadrado - Alguns dos Mais Belos Sonetos de Poetas cuja Mátria É a Língua Portuguesa. Introdução, coordenação e notas de António Ruivo Mouzinho. Edições Unicepe - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, 2004).

2015-02-04

Adeus, Mãe - Almeida Garrett


- «Adeus, mãe! adeus, querida
Que eu já não posso coa vida
E os anjos chamam por mim.
Adeus, mãe, adeus!... Assim,
Junta os teus lábios aos meus
E recebe o último adeus
Neste suspiro... Não chores
Não chores: aquelas dores
Já sinto acalmar em mim.
Adeus, mãe, adeus!... Assim,
Junta os teus lábios aos meus...
Um beijo - um último... Adeus!»

E o corpo desanimado
No colo da mãe caía;
E ela o corpo... só pesado,
Só mais pesado o sentia!
Não se lamenta, não chora,
E quase a sorrir, dizia:
«Que tem este filho agora,
Que tanto pesa? Não posso...»
E uma a uma, osso por osso,
Com a mão trémula tenta
As mãozinhas descarnadas,
As faces cavas, mirradas,
A testa inda morna e lenta.
«Que febre, que febre!», diz;
E em tudo pensa a infeliz,
Tudo que há mau lhe ocorreu,
Tudo - menos que morreu.

Como nos gelos do Norte
O sono traidor da morte
Engana o desfalecido
Que imagina adormecer,
Assim cansado, esvaído
De tão longo padecer,
Já não há no coração
Da mãe força de sentir;

Não tem já lume a razão
Senão só para a iludir.

Acorda, ó mãe desgraçada,
Que é tempo de despertar!
Anda ver a eça armada,
As luzes que ardem no altar.
Ouves? É a rouca toada
Dos padres a salmear!...
Vamos, que a hora é chegada,
É tempo de o amortalhar.

E os anjos cantavam:
«Aleluia!»
E os santos clamavam:
«Hossana!»

Ao triste cantar da Terra
Responde o cantar do Céu;
Todos lhe bradam: « Morreu!»
E a todos o ouvido cerra.

E os sinos a tocar,
E os padres a rezar,
E ela ainda a acalentar
Nos braços o filho morto,

Que já não tem mais conforto,
Mais sossego neste mundo
Que o jazigo húmido e fundo
Onde há-de ir a sepultar.

Levai, ó anjos de Deus,
Levai essa dor aos Céus.
Com a alma do inocente
Aos pés do Juiz Clemente
Aí fique a santa dor
Rogando à Eterna Bondade
Que estenda a imensa piedade
A quantos pecam de amor.

Extraído de Cem Poemas Portugueses sobre a Infância - selecção, organização e introdução de José Fanha e José Jorge Letria, Terramar

João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett (n. no Porto a 4 de Fev. 1799; m. em Lisboa 9 Dez. 1854)

Ler do mesmo autor:
Os Cinco Sentidos
Não Te Amo
A Rosa - Um Suspiro
Os Meus Desejos
Seus Olhos
Este Inferno de Amar
Rosa sem Espinhos
Seus Olhos
Destino

2015-02-03

Desvio - Alfredo Brochado

Quem teria eu sido se fosse
Aquele para que nasci?
Talvez o mesmo rio de água doce,
A procurar a foz junto de ti.

Mas quem serias tu? Vagas imagens.
Impossível saber!
Pois outras deveriam ser as margens,
Por onde o rio havia de correr.


in Obra Poética de Alfredo Brochado, Edição de José Carlos Seabra Pereira, Lello Editores

Alfredo Monteiro Brochado (n. em Amarante a 3 de fevereiro de 1897 e suicidou-se em Lisboa a 16 de maio de 1949)

Ler do mesmo autor neste blog:
Fantasia
Tríptico
Misticismo
Miniaturas
Na Atitude Saudosa de Quem Chora
Súplica
Confissão
Silêncio

2015-02-02

Quando a Morte Vier, Meu Amor - Tomaz Kim (na passagem do centenário)

Quando a morte vier, meu amor,
fechemos os olhos para a olhar por dentro
e deixemos aos nossos lábios o murmúrio
da palavra branda jamais pronunciada
e às nossas mãos a carícia dispersa;
relembremos o dia impossível,
belo por isso e por isso desprezado,
e esqueçamos o que nos não deixaram ver
e o resto que sobrou do nada que possuímos;
deixemos à poesia que surge
o pranto de quem a trocou para comer
e os passos sem rumo pelas ruas hostis;
deixemos à carne o que não alcançámos,
e morramos então, naturalmente...


Extraído de 366 poemas que falam de amor
uma anologia organizada por Vasco Graça Moura, Quetzal


Tomaz Kim é o pseudónimo literário de Joaquim Fernandes Tomaz Monteiro-Grillo, nascido a 2 de fevereiro de 1915, em Lobito, e falecido a 24 de janeiro de 1967, em Lisboa.

Do mesmo autor: Paz