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2014-07-31

Agosto do nosso descontentamento

Já há muito tempo que não fazia um «post» sobre futebol!

Num agosto do nosso descontentamento, Portugal perdeu a final de sub19 com a Alemanha. Perdeu por 1-0 (estamos cheios de sorte, afinal os sub 19 estão mais próximos do que os seniores que apanharam 4 no recente Mundial!). O Benfica - que merecia figurar no Guiness de Records como o clube que conseguiu destruir uma das melhores equipas da Europa em menos tempo! - perdeu com o Athletic de Bilbao por 2-0 em jogo de preparação. Vi no sítio da UEFA que o Benfica está em 5º lugar do ranking e os bascos figuram na tabela em 38º. Não nos esqueçamos que o Benfica foi (é) campeão de Portugal e os espanhóis terminaram em quarto...

Todavia, as derrotas sucedem-se e continuamos a  fazer, no entendimento de Jesus, treinos. Até a Eusébio Cup  - imaginem! - foi um treino... com 25 mil espectadores, quando habitualmente estão lá 60 mil! Imagino como o Rei deve estar lá no Céu a revolver-se... se é que lá futebol há...


Por este andar o 4º lugar será nosso e no ranking da UEFA uma equipa como esta (não o clube, obviamente) não merece figurar nem nos 50 primeiros !!!


PS:
3 mil milhões de prejuízo faz inveja
ao Orçamento de Estado
- saia um salgado e uma cerveja -

se o monte é branco e não neva...
tantos milhões como doações?
Não percebo nada
Nada que o rio é forte...
Que merda é essa de defesa, ó Jesus?
Vende-se mais um jogador, faz-se luz
se filho houve e pai não és...
é filho, sobrinho ou enteado?

«A culpa é do contabilista»
Ó Xico, com machado e cruz
Em agosto do meu descontentamento
Já não aguento tanto
Nem pai (Vieira), filho (Jesus)... nem Espírito Santo!



UM GRÃO DE INCENSO - Augusto Gil



A Lourenço Cayolla

Entraste com ar cansado
Numa igreja fria e triste.
Ajoelhei-me ao teu lado
— E nem ao menos me viste…

Ficaste a rezar ali,
Naquela imensa tristeza.
Rezei também, mas a ti,
— Que aos anjos tambem se reza…

Ficaste a rezar até
Manhã dentro, manhã alta.
Como é que tens tanta fé
— E a caridade te falta?…


(ortografia atualizada)

in Luar de Janeiro, Lisboa 1909

Augusto César Ferreira Gil (Lordelo do Ouro, Porto, 31 de julho de 1873 - Guarda, 26 de fevereiro de 1929)

Toada para as Mães Acalentarem os Filhos
Vae ser pedida. Casa qualquer dia
Balada da Neve
Em Vagon
O Passeio de Santo António

Love Poem for No-one in Particular - Mark O'Brien

Let me touch you with my words
For my hands lie limp as empty gloves
Let my words stroke your hair
Slide down your backand tickle your belly
Ignore my wishes and stubbornly refuse to carry out my quietest desires
Let my words enter your mind bearing torches

admit them willingly into your being
so they may caress you gently
within

Mark O'Brien (Boston, Massachusetts, July 31, 1949 – July 4, 1999)

2014-07-30

Acho Inúteis as Palavras - António de Sousa Freitas (nos 10 anos do seu desaparecimento), na voz de Amália Rodrigues

Acho inúteis as palavras
Quando o silêncio é maior
Inúteis são os meus gestos
P'ra te falarem de amor

Acho inúteis os sorrisos
Quando a noite nos procura
Inúteis são minhas penas
P'ra te falar de ternura

Acho inúteis nossas bocas
Quando voltar o pecado
Inúteis são os meus olhos
P'ra te falar do passado

Acho inúteis nossos corpos
Quando o desejo é certeza
Inúteis são minhas mãos
Nessa hora de pureza.


António Sousa Freitas (Buarcos, 1 de Janeiro de 1921 - Lisboa, 30 de Junho de 2004),


Na Rua do Silêncio
Eu Queria Cantar-te um Fado
Cantiga de Embalar

Hoje é Outro Dia - Mário Quintana

Quando abro cada manhã a janela do meu quarto
É como se abrisse o mesmo livro
Numa página nova…


in A Cor do Invisível
Extraído de Poesia Completa, Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005.

Mário Quintana (n. in Alegrete, Rio Grande do Sul a 30 de julho de 1906; m. em Porto Alegre, Rio Grande do Sul a 5 de maio de 1994).

Ler do mesmo autor, neste blog:
Envelhecer
Bilhete
O Poema
Inscrição Para Uma Lareira
Ah! Os Relógios
Das Utopias
Os Parceiros
Mário Quintana por si próprio : Texto auto-biográfico
Do Amoroso Esquecimento
Canção de junto do berço
A Canção da Vida
Recordo ainda

2014-07-29

The Portrait - Stanley Kunitz

My mother never forgave my father
for killing himself,
especially at such an awkward time
and in a public park,
that spring
when I was waiting to be born.
She locked his name
in her deepest cabinet
and would not let him out,
though I could hear him thumping.
When I came down from the attic
with the pastel portrait in my hand
of a long-lipped stranger
with a brave moustache
and deep brown level eyes,
she ripped it into shreds
without a single word
and slapped me hard.
In my sixty-fourth year
I can feel my cheek
still burning.


Stanley Jasspon Kunitz (b. 29 July 1905 in Worcester, Massachusetts, USA Died 14 May 2006 in New York City, New York, USA)

Read also
The Layers
Passing Through
A Zanga / The Quarrell

2014-07-28

SONETO IMPERFEITO DA CAMINHADA PERFEITA - Sidónio Muralha

Já não há mordaças, nem ameaças, nem algemas
que possam perturbar a nossa caminhada,
em que os poetas são os próprios versos dos poemas
e onde cada poema é uma bandeira desfraldada.

Ninguém fala em parar ou regressar.
Ninguém teme as mordaças ou algemas.
- O braço que bater há-de cansar
e os poetas são os próprios versos dos poemas.

Versos brandos... Ninguém mos peça agora.
Eu já não me pertenço: Sou da hora.
E não há mordaças, nem ameaças, nem algemas

que possam perturbar a nossa caminhada,
onde cada poema é uma bandeira desfraldada
e os poetas são os próprios versos dos poemas.

Sidónio Muralha, “Passagem de Nível” (1942)
in Obras Completas,  Lisboa, Universitária Editora, 2002

Sidónio Muralha (nasceu na Madragoa, Lisboa a 28 de Julho de 1920; m. a 8 de Dez.1982 em Curitiba, Paraná, Brasil).

 Ler do mesmo autor, neste blog:
Amanhã
Soneto da Infância Breve
Romance
Dois Poemas da Praia da Areia Branca
Poemas de Sidónio Muralha
Os Olhos das Crianças 
Natal - Sidónio Muralha

2014-07-26

Epitáfio - Rui Augusto

Se eu abandonar
a morada
do meu coração
e morto permanecer
aquém das montanhas...
Nas sombras do eclipse
que descer cerrado
sobre mim
enterrem-me
oh! por favor enterrem-me
bem fundo.
E como epitáfio
à luz de dias conquistadores
sobre a minha memória
rasguem a ferida da piedade
para que sangre.

Excerto do poema “Epitáfio”, in “Colar de maldições”

Rui Augusto Ribeiro da Costa nasceu a 26 de julho de 1958, em Camabatela, Cuanza Norte, Angola.

2014-07-25

Insónia - Fernando Semana


Ó meretriz dos ventos
Em teus sábios movimentos
de elipse,
arranca-me os pensamentos
Traz-me um eclipse
da memória
E liberta-me da insónia

2014-07-24

Soneto IX [Nessa tua janela, solitário] - Guilherme de Almeida

Nessa tua janela, solitário,
entre as grades douradas da gaiola,
teu amigo de exílio, teu canário
canta, eu sei que esse canto te consola.

E, lá na rua, o povo tumultuário,
ouvindo o canto que daqui se evola,
crê que é o nosso romance extraordinário
que naquela canção se desenrola.

Mas, cedo ou tarde, encontrarás, um dia,
calado e frio, na gaiola fria,
o teu canário que cantava tanto.

E eu chorarei. Teu pobre confidente
ensinou-me a chorar tão docemente,
que todo mundo pensará que eu canto.


Guilherme de Almeida  (G. de Andrade e A.) n. Campinas SP, 24 Jul 1890 - m. São Paulo, 11 de Jul de 1969).

Ler do mesmo autor:
Essa que eu hei de amar
Metempsicose
A Carta Que Sei de Cor
Romance
Harmonia Vermelha
O Idílio Suave
Nós IV: Quando as folhas cairem nos caminhos
Nós I: Fico deixas-me velho
Romance
Indiferença

2014-07-23

Musical suggestion of the day: A eterna Amália Rodrigues - Naufrágio



Amália Rodrigues nasceu em Lisboa a 23 Jul 1920*, m. a 6 Out 1999 em Lisboa

*Data que consta dos registos oficiais. Amália sempre defendeu que nascera em 1 de Julho de 1920.

AÇÃO GIGANTESCA - Mário Gomes

Beijei a boca da noite
E engoli milhões de estrelas.
Fiquei iluminado.
Bebi toda a água do oceano.
Devorei as florestas.
A Humanidade ajoelhou-se aos meus pés,
Pensando que era a hora do Juízo Final.
Apertei, com as mãos, a terra,
Derretendo-a.
As aves em sua totalidade,
Voaram para o Além.
Os animais caíram do abismo espacial.
Dei uma gargalhada cínica
E fui descansar na primeira nuvem
Que passava naquele dia
Em que o sol me olhava assustadoramente.
Fui dormir o sono da eternidade.
E me acordei mil anos depois,
Por detrás do Universo.


in Uma Violenta Orgia Universal

Mario Fereira Gomes nasceu em Fortaleza no dia 23 de julho de 1947

2014-07-22

CEMITÉRIO (poema infantil) - José Paulo Paes


1
Aqui jaz um leão
chamado Augusto.
Deu um urro tão forte,
mas um urro tão forte,
que morreu de susto.

2
Aqui jaz uma pulga
chamada Cida
Desgostosa da vida,
tomou inseticida:
era uma pulga suiCida.

3
Aqui jaz um morcego
que morreu de amor
por outro morcego.
Desse amor arrenego:
amor cego, o de morcego!

4
Neste túmulo vazio
jaz um bicho sem nome.
Bicho mais impróprio!
Tinha tanta fome
que comeu-se a si próprio.

José Paulo Paes nasceu na cidade de Taquaritinga, em São Paulo, no dia 22 de julho de 1926

2014-07-21

Aniversário - Luiz Edmundo Alves


cada momento vivido
é um pedacinho que
se perde.
como sentir o tempo?
cada momento vivido
é um pedacinho que
se ganha.
como fixar o tempo?

as articulações
rígidas do tempo
rugas na face

as reinvenções
diminutas do tempo
infância na memória

Luiz Edmundo Alves nasceu em Vitória da Conquista, Bahia, em 21 de julho de 1959.

Do mesmo autor: Sombras; Poética

2014-07-20

Flores do Verão - Gastão Cruz

Estás no meio das árvores dos
pássaros das
sombras no regresso da praia
as flores do verão também estampadas
na solidão da saia outras crescendo
naturais sendo umas o futuro e as da
natureza
o momento presente a estampa que
te envolve saindo
dos arbustos movidos pla leveza
imperceptível quase do espírito
ar
que virá um dia
transformar-te
como do rés da terra um vento baixo
subindo ao peitoril onde te inclinas
para as
flores do verão ainda

in 366 Poemas que Falam de Amor, Vasco Graça Moura

Gastão Santana Franco da Cruz nasceu no dia 20 de Julho de 1941, em Faro.

Do mesmo autor:
Metal Fundente
Depois

2014-07-19

Hoje...assim como ontem...


Nas minhas pesquisas sobre revistas de outrora deparou-se-me na "Branco e Negro, nº. 1 Semanário Ilustrado editada em 5 Abr. 1896 esta historieta de desvios de dinheiros... ao ponto de se sugerir um projeto de lei:

«Todo o que aliviar o tesouro, banco, asociação ou companhia em quantia superior a 50 contos poderá desde logo requisitar o seu passaporte ao ministério dos negócios estrangeiros e ir gozar em Paris os rendimentos da sua honesta fortuna»... (ortografia atualizada)

Não creio que tal lei tenha sido alguma vez publicada mas que nos tempos atuais (ainda mais do que outrora) se verificam evidentes efeitos práticos como se tivesse sido... ai disso parece não restarem dúvidas...

MERINA - Cesário Verde

Rosto comprido, airosa, angelical, macia,
Por vezes, a alemã que eu sigo e que me agrada,
Mais alva que o luar de inverno que me esfria,
Nas ruas a que o gás dá noites de balada;

Sob os abafos bons que o Norte escolheria,
Com seu passinho curto e em suas lãs forrada,
Recorda-me a elegância, a graça, a galhardia
De uma ovelhinha branca, ingénua e delicada.


in Branco e Negro Semanário Illustrado, Nº. 1, Lisboa, 5 de Abril de 1896

(atualizou-se a ortografia)

2014-07-18

Um Pôr do Sol - Conde de Monsaraz

Quando entro no teu boudoir,
Clarinha, meu doce amor,
Parece-me antes entrar
No cálix de alguma flor;
Que é tal o aroma e tão pura
A frescura que aqui sinto
E tão bem me sinto aqui,
Que, Deus sabe se te minto,
Sonho que estou embalado
Entre as folhas duma rosa,
Na qual houvesse pousado,
Gazil como uma folosa,
Leve como um colibri!

Deixa-me abrir a janela:
A tarde é tranquila e mansa
Como um olhar de uma criança
Ou como um lago escocês;
Ouve-se o choro das bibes
Entre as noites orvalhadas,
Carpindo as horas magoadas
Da sua triste viuvez.

Cantam ao longe as ceifeiras;
Passam cansados os bois
Cabisbaixos, dois a dois,
Caminhando lentamente
Na sombra das azinheiras...
O sol expira num poente
De oiro e púrpura; os rochedos,
as choças, os arvoredos,
A igreja, o cruzeiro, a torre,
Toda a paisagem parece
Uma alma que se entristece
Ao ver um astro que morre!

Correm as águas do enxurro;
Lá se vai passando a ribeira
Uma pequena trigueira,
Cantando em cima dum burro;
E, mais distante, não ouves
A lamúria, a chiadeira,
Da nora regando as couves
Clarinha, como isto é puro!
Como isto é consolador!
Já vês porque eu te asseguro
Que, vindo aqui, só procuro
Dissipar esta tristeza
Em face da Natureza...
E aquecer os meus Invernos
nalguma réstia de amor -
Ou dos teus olhos tão ternos,
Ou dos teus lábios em flor.

Vê que belo horizonte
Recortado de pinhais!
Que concerto e que harmonia
Em linhas tão desiguais!
Dum lado a igreja; defronte
Uma cruz de cantaria;
Do outro a crista dum monte;
Ao fundo, acesa, a fornalha
Do sol, em cujo clarão
Destacam medas de palha
Onde, imóveis e tristonhas,
Vão meditar as cegonhas
Nas cousas da Criação!

É disto que eu necessito!
O Coração cobra alentos!
Sobem no espaço infinito
Revoadas de pensamentos;
E em cada sopro quie passa,
E em cada nota que vibra,
Toda a minha alma se libra
Cheia de encanto e graça!

Por isso no teu boudoir,
Clarinha, meu doce amor,
Quando aqui estou julgo estar
Nó cálix de alguma flor!

Que é tal o aroma e tão pura
A frescura que aqui sinto,
E tão bem me sinto aqui,
Que, Deus sabe se te minto,
Sonho que estou embalado
Entre as folhas de uma rosa,
Na qual houvesse pousado,
Gazil como uma folosa,
Leve como um colibri!


in A Musa Alentejana

Extraído de Obras do Conde de Monsaraz, III, Musa Alentejana, Lira de Outono, Versos Dispersos (século XX)
Instituto para Alta Cultura, Lisboa, MCMLVIII,

António de Macedo Papança, Conde de Monsaraz (nasceu em Reguengos de Monsaraz a 18 de Julho de 1852 — m. em Lisboa a 17 de Julho de 1913)

Ler do mesmo autor:
Os Bêbados
Salada Primitiva
Tristezas mortais
Os Bois
Moças de Bencatel
No Monte

2014-07-17

Paraíso Perdido - João José Cochofel

Que vens aqui fazer, espírito velho
de tudo o que foi perdido
e nunca mais achei?

Então...
ainda eu olhava o mundo
com meus olhos de manhãs azuis,
e nos lábios
havia ainda a ternura dos beijos moços
como a relva dos prados.

Foi mais tarde...
que a vida me entardeceu.

(Tardes enevoadas e frias,
abandonadas,
ermas
tristes como eu... )
Foi mais tarde...
que a tal desgraça se deu.


João José de Melo Cochofel Aires de Campos (n. Coimbra, 17 Jul 1919, m. Lisboa a 14 Mar 1982)

Ler do mesmo autor:
Pórtico
Tarde
O Verão Estala Por Todos os Poros
Sensibilidade
Os Dias Íntimos
Breve
Ânsia
Sensibilidade

GAROTADA NO CÉU - Jorge Fernandes

A tarde fechou o interruptor
Da lâmpada diurna...
E a iluminação pública do espaço
Se acendeu de repente,
Salpicando de estrelas o firmamento...
Mas a lâmpada principal do céu da noite
" o Quarto-Crescente "
Estava com o globo partido...
Foi um garoto do céu
Que jogou um aerólito
E partiu uma banda
Do lindo globo da lua-cheia!


Jorge Fernandes nasceu em 22 de agosto de 1887, e faleceu em 17 de julho de 1953, em Natal, Rio Grande do Norte.

2014-07-16

Depois de Mim - Mário Dionísio

Um dia (sei-o bem)
os campos ficarão eternamente floridos
e a chaga que me inquieta
deixará de sangrar em todos os peitos.
Os homens já não estarão curvados sobre as terras.
E a leiteira não virá mais trazer-me as bilhas com seu ar de humildade.
A mulher dos ovos e o homem da fruta,
o rapaz pobre envergonhado de dizer: eu sei,
o camponês prestando contas da estação,
os vultos negros do subsolo,
a linda mãe solteira,
deixarão de sorrir com humildade.
Humildade ficará nos dicionários como esqueleto em museu arqueológico.
Eu próprio nunca mais farei baixar as pálpebras
e deixarei que o sol me inunde bem nos olhos.
Um dia
(ah sinto-o bem para além das milhentas folhas de todos os tratados).
uma onda de amor invadirá tudo e todos.
E será uma primavera diferente de todas as primaveras
porque ainda não foram inventadas as palavras para exprimi-la.
Simplesmente, nesse dia primeiro da nova criação, eu já terei partido.
Minha carne estará funda de mais para sentir o beliscão da alegria.
E os olhos cheios de terra
não verão os campos levantados
nem os campos eternamente floridos
nem a leiteira sem o seu ar de humildade
Porém, que importa?
Um dia, sei-o bem, todos estarão até-que-enfim de acordo.
Que importa a minha ausência?
Que importa que eu não venha a saborear os frutos da própria árvore?
Que é isso -
ao pé da inabalável certeza desse dia admirável?

Mário Dionísio (Lisboa, 16 de Julho de 1916 - Lisboa, 17 de Novembro de 1993)

Do mesmo autor:
Deitei agora mesmo o açucar no cinzeiro
Para Ser Lido Mais Tarde
Complicação

2014-07-15

Hão de chorar por ela os cinamomos - Alphonsus de Guimaraens

Hão de chorar por ela os cinamomos,
Murchando as flores ao tombar do dia.
Dos laranjais hão de cair os pomos,
Lembrando-se daquela que os colhia.

As estrelas dirão — "Ai! nada somos,
Pois ela se morreu silente e fria.. . "
E pondo os olhos nela como pomos,
Hão de chorar a irmã que lhes sorria.

A lua, que lhe foi mãe carinhosa,
Que a viu nascer e amar, há de envolvê-la
Entre lírios e pétalas de rosa.

Os meus sonhos de amor serão defuntos...
E os arcanjos dirão no azul ao vê-la,
Pensando em mim: — "Por que não vieram juntos?"


Afonso Henriques da Costa Guimarães, literariamente Alphonsus de Guimaraens, nasceu em Ouro Preto MG em 24 de julho de 1870; morreu em Mariana MG em 15 de julho de 1921.

Ler do mesmo autor, neste blog:
Como Se Moço e Não Bem Velho Eu Fosse
Cisnes Brancos
O pesar de não tê-la encontrado mais cedo
Ismália
Quando eu disser Adeus
Soneto da Defunta Formosa
Soneto: Encontrei-te. Era o mês... Que importa o mês? Agosto

2014-07-14

O Mar - Roberto Macedo

Apenas fita em mim, o seu olhar
esse grande titã fero e despótico,
meu corpinho frágil e neurótico
tem toda a vida que ele vive, o Mar.

Força, poder, e o dom de adivinhar
me dá aquele singular narcótico.
E que ventura a desse amante erótico
que enleia a Terra num continuo amar!

A que heróica façanha o Mar me impele!
Venturoso de mim quando sou ele,
quando o meu peito as ondas sintetiza.

Meus ser a minha carne dolorida,
minha alma goza plenamente a Vida,
Que força colossal me hipnotiza!



Roberto Eduardo da Costa Macedo (Santo Tirso, 14 de julho de 1887 - Porto, 19 de julho de 1977)

2014-07-12

Musical suggestion of the day: Rapaz da Camisola Verde - Frei Hermano da Câmara (na passagem do 80º aniversário)



D. Hermano Vasco Villar Cabral da Câmara OSB, de nome artístico Frei Hermano da Câmara (n. Lisboa, 12 de julho de 1934)

Se Tu Me Esqueceres - Pablo Neruda

Quero que saibas
uma coisa.

Tu já sabes o que é:
se olho
a lua de cristal, o ramo rubro
do lento outono em minha janela,
se toco
junto ao fogo
a implacável cinza
ou o enrugado corpo da madeira,
tudo me leva a ti,
como se tudo o que existe
aromas, luz, metais,
fossem pequenos barcos que navegam
para essas tuas ilhas que me aguardam.

Pois ora,
se pouco a pouco deixas de me amar,
de te amar, pouco a pouco, deixarei.

Se de repente
me esqueces,
não me procures,
já te esqueci também.

Se consideras longo e louco
o vento de bandeiras
que canta em minha vida
e te decides
a me deixar na margem
do coração no qual tenho raízes,
pensa
que nesse dia
a essa hora
levantarei os braços
me nascerão raízes
procurando outra terra.

Porém,
se cada dia,
cada hora,
sentes que a mim estás destinada
com doçura implacável.
Se cada dia se ergue
uma flor a teus lábios me buscando,
ai, amor meu, ai minha,
em mim todo esse fogo se repete,
em mim nada se apaga nem se esquece,
do teu amor, amada, o meu se nutre,
e enquanto vivas estará em teus braços
e sem sair dos meus.


Tradução de: Thiago de Mello
Extraído de Os Versos do Capitão; Impresso no Brasil, 2004 - 8a edição EDITORA BERTRAND BRASIL LTDA.

Pablo Neruda [Ricardo Eliecer Neftalí Reyes Basoalto] (n. 12 Jul 1904, Parral, Chile; m. 23 Set 1973 em Santiago, Chile).

Mais poemas de Pablo Neruda, neste blog:
Para que tu me ouças
Poema 1 de Vinte Poemas de amor e uma canção desesperada: Corpo de Mulher
Poema 18: Aqui te amo
A Noite na Ilha
Unidade
Uma Canção Desesperada
La Canción Desesperada
Tonight I Can Write Saddest Lines
If You Forget Me
Puedo Escribir los versos mas tristes esta noche
Poema LXVI : Não te quero senão porque te quero
Poema 15: Me gustas cuando callas...
Poema 15: (em português) Gosto de ti calada...
Para Meu Coração Basta Teu Peito
Para Mi Corazon Basta Tu Pecho
Tua Risa / Teu Riso / Your Laughter
Corpo de Mujer
Canto XII From Heights of Macchu Picchu

2014-07-11

XIX - Os portugueses - Afonso Celso

XIX
Os portugueses


A história não regista notícia de um povo que, com menos recursos, mais fizesse do que o português. Larga é a sua contribuição para o progresso humano, que nunca empeceu. Subjugou o mar tenebroso, dilatou o perímetro aproveitável do planeta; e, sendo um dos mais diminutos e menos povoados reinos da Europa, formou esse colosso — o Brasil. Dá mostras de injustiça e ingratidão o brasileiro que ataca ou deprime Portugal.

Que é que constitui a grandeza de um povo? Seus serviços à humanidade? Portugal os prestou, como nenhuma outra nação, com as suas viagens e descobrimentos.

A sua literatura, a sua arte?

Portugal criou o estilo gótico manoelino; possui Camões, uma das sumidades do pensamento universal.

A sua heroicidade, a sua resignação, o seu esforço?

Uma vez única o solo português sofreu a conquista de hostes estrangeiras, pois o domínio de Espanha durante 60 anos legitimou-o o direito de sucessão. Napoleão, o dominador da Europa inteira, mandou para lá suas mais aguerridas tropas e mais famosos generais. E em Portugal começou o declínio das vitórias napoleónicas. A família real de Bragança não se humilhou — única no velho mundo com a da Inglaterra — ao grande guerreiro, mas, ao contrário, estorvou-lhe os planos, como ele próprio o reconheceu em Santa Helena. O general Junot foi batido e aprisionado em Portugal; Soult e Massena, em toda parte triunfantes, viram-se obrigados a retirar-se diante da indomável bravura e tenacidade lusitanas. Se exércitos franceses invadiram o território português, também uma divisão portuguesa invadiu a França e ocupou cidades francesas sob o comando de Wellington.

Onde quer que os portugueses fixem domicílio, na Ásia, na África, na Oceania, dão belos exemplos de união, patriotismo, amor ao trabalho, filantropia; elevam monumentos à caridade e à instrução. Em parte nenhuma é infecunda a sua passagem.

Desfralda-se altiva, há tantos séculos, a sua bandeira branca e azul! Jamais teve nódoas, a não serem de sangue briosamente vertido. Nunca se abateram os cinco escudos das suas armas. Honra aos desbravadores do nosso país!

in Porque me ufano do meu país
Laemert & C. Livreiros - Editores, 1908

Afonso Celso de Assis Figueiredo Jr. (n. em Ouro Preto, Minas Gerais, a 31 março 1860, m. Rio de Janeiro a 11 julho 1938)

Ler do mesmo autor, neste blog:
Anjo Enfermo
Rosa
Porto celeste
A Confiança

Musical suggestion of the day: Summertime - George Gershwin (na voz de Ella Fitzgerald & Louis Armstrong)


Summertime, and the livin' is easy
Fish are jumpin' and the cotton is high
Oh, your daddy's rich and your ma is good-lookin'
So hush little baby, don't you cry

One of these mornings you're gonna rise up singing
And you'll spread your wings and you'll take to the sky
But 'til that morning, there ain't nothin' can harm you
With Daddy and Mammy standin' by

Summertime, and the livin' is easy
Fish are jumpin' and the cotton is high
Oh, your daddy's rich and your ma is good-lookin'
So hush little baby, Don't you cry

One of these mornings you're gonna rise up singing
And you'll spread your wings and you'll take to the sky
But 'til that morning, there ain't nothin can harm you
With Daddy and Mammy standin' by


Summertime (Music by George Gershwin; Lyrics: Ira Gershwin, DuBose Heyward; performed by Ella Fitzegerald & Louis Armstrong)



George Gershwin, nascido Jacob Gershowitz em Brooklyn, Nova Iorque, 26 de setembro de 1898 — m. Hollywood, Califórnia, 11 de julho de 1937)

2014-07-10

NEVOEIRO - Laureano Silveira



O uivo do farol
atrai traiçoeiramente
o nevoeiro
como se atraem
com olhares furtivos
os amantes

a quem a morte
alcança ainda nus
antes de serem vestidos
pela velhice.

Dessa união,
os frutos incriados navegam
atraídos pelos faróis do silêncio,
muito para além do nevoeiro.

Jamais encontrarão
os seus lugares
nos retratos.

Foz do Douro, 1998

In “Os Retratos” Edições Pedra Formosa

Laureano Manuel Fernandes da Silveira, nasceu no Porto em 10 de julho de 1957, faleceu no Porto em 5 de junho de 2008

Do mesmo autor ler no Nothingandall: Amar

2014-07-09

Se o amor quiser voltar - Vinicius de Moraes (na voz de Maria Creusa)

Se o amor quiser voltar
Que terei pra lhe contar
A tristeza das noites perdidas
Do tempo vivido em silêncio
Qualquer olhar lhe vai dizer
Que o adeus me faz morrer
E eu morri tantas vezes na vida
Mas se ele insistir
Mas se ele voltar
Aqui estou sempre a esperar...





Vinicius de Moraes (n. Rio de Janeiro a 19 Out 1913; m. Rio de Janeiro, 9 Jul 1980)

Ler neste blog do/sobre o autor:
Cântico
A Ausente
Sonata do Amor Perdido
Soneto da Separação
Soneto da Véspera
Soneto do maior amor
Saudades do Brasil em Portugal
Soneto do Amor Total
Poética I
Mar
Poema de Todas as Mulheres
Soneto de Fidelidade
Pela luz dos olhos teus
Dialectica
Aquarela
Amigos

2014-07-08

Ama-me - Maria Wine

Ama-me
mas não te aproximes demasiado
deixa espaço para que o amor
se ria da sua felicidade
deixa sempre que um fogo do meu cabelo louro
seja livre.


Feberfötter, 1947

Trad. Amadeu Baptista

Maria Wine é o pseudónimo de Karla Marie Lundkvist nascida em 8 de julho de 1912 em Copenhaga, Dinamarca e falecida em 22 de abril de 2003 em Solna, Estocolmo.

2014-07-07

Regresso ao Lar - Guerra Junqueiro

Ai, há quantos anos que eu parti chorando
deste meu saudoso, carinhoso lar!...
Foi há vinte?... Há trinta?... Nem eu sei já quando!...
Minha velha ama, que me estás fitando,
canta-me cantigas para me eu lembrar!...

Dei a volta ao mundo, dei a volta à Vida...
Só achei enganos, decepções, pesar...
Oh! a ingénua alma tão desiludida!...
Minha velha ama, com a voz dorida.
canta-me cantigas de me adormentar!...

Trago d'amargura o coração desfeito...
Vê que fundas mágoas no embaciado olhar!
Nunca eu saíra do meu ninho estreito!...
Minha velha ama que me deste o peito,
canta-me cantigas para me embalar!...

Pôs-me Deus outrora no frouxel do ninho
pedrarias d'astros, gemas de luar...
Tudo me roubaram, vê, pelo caminho!...
Minha velha ama, sou um pobrezinho...
Canta-me cantigas de fazer chorar!...

Como antigamente, no regaço amado
(Venho morto, morto!...), deixa-me deitar!
Ai, o teu menino como está mudado!
Minha velha ama, como está mudado!
Canta-lhe cantigas de dormir, sonhar!...

Canta-me cantigas manso, muito manso...
tristes, muito tristes, como à noite o mar...
Canta-me cantigas para ver se alcanço
que a minha alma durma, tenha paz, descanso,
quando a morte, em breve, ma vier buscar!


in «Os Simples»

Extraído de Guerra Junqueiro Antologia, Moderna Editorial Lavores, Estarreja

Guerra Junqueiro (n. Freixo de Espada à Cinta 15 de setembro de 1850 ; m. Lisboa a 7 de julho de 1923).
Ler do mesmo autor:
Adoração
A Moleirinha
Morena
Canção Perdida
Os Pobrezinhos
Memória de minha mãe
A Árvore do Mal

2014-07-05

A NAU PERDIDA - Álvaro Feijó

Pobre, lá vai! Que rombo no costado!
Como a água a penetra aos borbotões!
Açoita-a, em fúria, o Mar. Adorna ao lado.
Anda à mercê das vagas, dos tufões!
Mas segue, segue em frente. O vento a ajuda!
Galga nas ondas, que doidinha, olhai!...
Julga-se, ainda, a nau que dantes era,
por levar, no porão, uma quimera,
por ir, do vento na refrega aguda,
ovante e sem saber per'onde vai!

Julga-se, ainda, a nau que dantes era...
– o que passa não torna ..
Na pobre nau perdida
a água entra e a adorna.
Vai sendo, aos poucos, pelo mar sorvida.

Na agonia estrebucha. Num desejo
de vida e luz, arfante, desesperada,
busca furtar-se ao comprimente beijo
do Mar que a envolve. – Após, é o Mar e nada...

Doirado como um astro,
haste esquecida em campo onde as mondas
colheram tudo, o topo do seu mastro
fica esperando ainda sobre as ondas.

Na rota pelo mundo
– ao deus-dará na vaga azul e infinda –
nós vamos – nau perdida em Mar profundo –
joguetes do tufão;
mas conservando, ainda,
na última Esperança a última Ilusão.


Álvaro de Castro e Sousa Correia Feijó (Viana do Castelo, 5 de junho de 1916 - Coimbra, 9 de março de 1941)

Ler do mesmo autor, no Nothingandall:
Os Dois Sonetos de Amor da Hora Triste
Senhor! De Que Valeu o Sacrifício

2014-07-04

Paz aos Mortos - Adolfo Casais Monteiro

Detestei sempre os arquitectos de infinito:
como é feio fugir quando nos espera a vida!
Nunca tive saudades do futuro
e o passado… o passado vivi-o, que fazer?!
- e não gosto que me ordenem venerá-los
se eu todo não basto a encher este presente.

Não tenho remorsos do passado. O que vivi, vivi
Tenho, talvez, desprezo
por esta débil haste que raramente soube
merecer os dons da vida,
e se ficava hesitante
na hora de passar da imaginação à vida.

As pazadas de terra cobrindo o que já fui
sabem mal, às vezes; noutros dias
deliro quando lanço à vala um desses seres tristonhos
que outrora fui, sem querer


(Sempre e Sem Fim, 1937)

Extraído de Poemas Portugueses Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, Porto Editora

Adolfo Casais Monteiro (nasceu no Porto a 4 de Julho de 1918 e faleceu em São Paulo a 23 de Julho de de 1972)

Ler do mesmo autor, neste blog:
Permanência
FADO
Eu falo das casas e dos homens

2014-07-03

Travessia das Lágrimas - Luís Murat

Tudo tentei! Mas tudo inutilmente!
O fogo continuou a devorar!
É que nas cinzas frias do presente,
Havia muito ainda que queimar!

Lá vai a folha a revoltões na enchente...
Onde irá ter? Que irá por fim achar
Entre as urzes de um solo indiferente,
Ou nos recifes úmidos do mar?

Coração — pobre folha! — a travessia
Das lágrimas de estranhos tons matizas,
Com outras dores e outro pranto regas!

Segue viajor! Hás de chegar um dia...
Oh! como dilacera o chão que pisas,
Como é pesado o lenho que carregas!


Luís Murat (L. Morton Barreto M.) nasceu em Itaguaí, RJ, em 4 de maio de 1861, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 3 de julho de 1929.

 Ler do mesmo autor neste blog: Penas Perdidas; O Poder das Lágrimas; Além Ainda; Ironia do Coração; Em Meio do Caminho

2014-07-02

Fundo do Mar, na evocação dos 10 anos da partida - deixando de ver o mar - de Sophia de Mello Breyner Andresen

Fundo do mar

No fundo do mar há brancos pavores,
Onde as plantas são animais
E os animais são flores.

Mundo silencioso que não atinge
A agitação das ondas.
Abrem-se rindo conchas redondas,
Baloiça o cavalo-marinho.
Um polvo avança
No desalinho
Dos seus mil braços,
Uma flor dança,
Sem ruído vibram os espaços.

Sobre a areia o tempo poisa
Leve como um lenço.

Mas por mais bela que seja cada coisa
Tem um monstro em si suspenso.


Sophia de Mello Breyner Andresen
Obra Poética I
Caminho

Sophia de Mello Breyner Andresen nasceu no Porto a 6 de novembro de 1919; m. Lisboa, 2 de julho de 2004.
Ler da mesma autora, neste blog:
Tarde
As Rosas
Ausência
Pátria
Partida
Espera
Soneto
A Forma Justa
Apolo Musageta
Eis-me
Mar Sonoro
Porque
Promessa
Liberdade
Pudesse eu

2014-07-01

Poesia en prosa - Valeria Zurano

De todos los ojos que adoro. De todas las manos que tengo. Prefiero tus pies en mi camino. De todas las bocas y las palabras prefiero las tuyas para guardarlas por el solo hecho de satisfacer esa manía de atesorar cosas que pertenecen al pasado. De todos los juegos, esos juegos estúpidos y aburridos, prefiero los tuyos que son de vida o muerte y siempre es más muerte que vida y siempre me dejan perdiéndolo todo, apostando por nada.
De todas las espaldas que naufrago tu espalda es la más distante como un gran océano como un mar profundo y oscuro de algas que flotan enredándose en los dedos. Por eso tu espalda es nada más que una espalda sin mis manos. De todas las cosas que digo solamente una es verdad. De todas esas mentiras. De todas esas bocas. De todos esos brazos. De todos los ojos los que más adoro son los míos.

in Las Damas Juegan Ajedrez


Valeria Celeste Zurano (n. Buenos Aires, Argentina, 1 de julho de 1975).

Sobre o lado esquerdo - Carlos de Oliveira

De vez em quando a insónia vibra com a nitidez
dos sinos, dos cristais. E então, das duas uma:
partem-se ou não se partem as cordas tensas da sua
harpa insuportável.

No segundo caso, o homem que não dorme pensa:
«o melhor é voltar-me para o lado esquerdo e assim,
deslocando todo o peso do sangue sobre a metade
mais gasta do meu corpo, esmagar o coração».


in Sobre o Lado Esquerdo

Carlos Alberto Serra de Oliveira (n. em Belém do Pará, a 10 de Agosto de 1921 e morreu em Lisboa a 1 de Julho de 1981)

Ler do mesmo autor, neste blog:
Coração (composição 4)
Chave;
Carta a Angela;
Soneto; Sonnet (English version);
Canto
Insónia
Bilhete Postal