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2014-07-18

Um Pôr do Sol - Conde de Monsaraz

Quando entro no teu boudoir,
Clarinha, meu doce amor,
Parece-me antes entrar
No cálix de alguma flor;
Que é tal o aroma e tão pura
A frescura que aqui sinto
E tão bem me sinto aqui,
Que, Deus sabe se te minto,
Sonho que estou embalado
Entre as folhas duma rosa,
Na qual houvesse pousado,
Gazil como uma folosa,
Leve como um colibri!

Deixa-me abrir a janela:
A tarde é tranquila e mansa
Como um olhar de uma criança
Ou como um lago escocês;
Ouve-se o choro das bibes
Entre as noites orvalhadas,
Carpindo as horas magoadas
Da sua triste viuvez.

Cantam ao longe as ceifeiras;
Passam cansados os bois
Cabisbaixos, dois a dois,
Caminhando lentamente
Na sombra das azinheiras...
O sol expira num poente
De oiro e púrpura; os rochedos,
as choças, os arvoredos,
A igreja, o cruzeiro, a torre,
Toda a paisagem parece
Uma alma que se entristece
Ao ver um astro que morre!

Correm as águas do enxurro;
Lá se vai passando a ribeira
Uma pequena trigueira,
Cantando em cima dum burro;
E, mais distante, não ouves
A lamúria, a chiadeira,
Da nora regando as couves
Clarinha, como isto é puro!
Como isto é consolador!
Já vês porque eu te asseguro
Que, vindo aqui, só procuro
Dissipar esta tristeza
Em face da Natureza...
E aquecer os meus Invernos
nalguma réstia de amor -
Ou dos teus olhos tão ternos,
Ou dos teus lábios em flor.

Vê que belo horizonte
Recortado de pinhais!
Que concerto e que harmonia
Em linhas tão desiguais!
Dum lado a igreja; defronte
Uma cruz de cantaria;
Do outro a crista dum monte;
Ao fundo, acesa, a fornalha
Do sol, em cujo clarão
Destacam medas de palha
Onde, imóveis e tristonhas,
Vão meditar as cegonhas
Nas cousas da Criação!

É disto que eu necessito!
O Coração cobra alentos!
Sobem no espaço infinito
Revoadas de pensamentos;
E em cada sopro quie passa,
E em cada nota que vibra,
Toda a minha alma se libra
Cheia de encanto e graça!

Por isso no teu boudoir,
Clarinha, meu doce amor,
Quando aqui estou julgo estar
Nó cálix de alguma flor!

Que é tal o aroma e tão pura
A frescura que aqui sinto,
E tão bem me sinto aqui,
Que, Deus sabe se te minto,
Sonho que estou embalado
Entre as folhas de uma rosa,
Na qual houvesse pousado,
Gazil como uma folosa,
Leve como um colibri!


in A Musa Alentejana

Extraído de Obras do Conde de Monsaraz, III, Musa Alentejana, Lira de Outono, Versos Dispersos (século XX)
Instituto para Alta Cultura, Lisboa, MCMLVIII,

António de Macedo Papança, Conde de Monsaraz (nasceu em Reguengos de Monsaraz a 18 de Julho de 1852 — m. em Lisboa a 17 de Julho de 1913)

Ler do mesmo autor:
Os Bêbados
Salada Primitiva
Tristezas mortais
Os Bois
Moças de Bencatel
No Monte

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