Páginas

2012-11-30

NEVOEIRO - Fernando Pessoa

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer -
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogofátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a Hora!

Valete, Fratres
(Mensagem 1934)

FERNANDO António Nogueira PESSOA nasceu a 13 de Junho de 1888 e faleceu em Lisboa a 30 de Novembro de 1935).

Mais poemas de Fernando Pessoa, neste blog:
Tudo o que anei, se é que amei
Dá a Surpresa de Ser
Nada Sou, Nada Posso, Nada Sigo
Se Alguém Bater
Aguardo - Ricardo Reis
Tanho Uma Grande Constipação (Álvaro de Campos)
Deus Sabe Melhor Do Que Eu
Suspense / Ansiedade
Tabacaria
Liberdade
Não Quero Recordar Nem Conhecer-me (Ricardo Reis)
Intervalo - Bernardo Soares
O guardador de rebanhos - X (Alberto Caeiro)
O guardador de rebanhos - XXI (Alberto Caeiro)
O guardador de rebanhos - XXVIII (Alberto Caeiro)
O Tejo é mais belo ...
Não sei se é sonho se é realidade
Odes - Ricardo Reis
Cruz na porta da tabacaria
Fragmentos do Livro do desassossego - Bernardo Soares
Afinal a melhor maneira de viajar é sentir...
Todas as cartas de amor são...
Se te queres matar ...
Dai-me rosas e lírios...
Sou vil, sou reles como toda a gente...
Não sei se é amor que tens
O que há em mim é sobretudo cansaço
Mar português
Ode marcial - h
Lycanthropy
Conselho
Para além da curva da estrada (Alberto Caeiro)
Sopra demais o vento
Poema da Canção sobre a Esperança
Soneto 1 de 35 sonetos (Poesia Inglesa) - em português
Sonnet 1 (from 35 Sonnets)
O amor é uma companhiaQuando vier a Primavera (Alberto Caeiro)

2012-11-29

Citação do Dia - Alves Redol

"Se um dia alguém me perguntasse que aprendizagem deveria um jovem fazer para chegar a romancista, se o ofício se ensinasse, eu diria que enquanto a vida lhe não desse todas as voltas e reviravoltas, amores, sofrimentos, repúdios, sonhos, frustrações, equívocos, etc., etc., (...) seria avisado que o mandasse ensinar a sapateiro, não para saber deitar tombas e meias solas, porque nem para tanto ele usufruirá, às vezes, com a escrita, mas para que ganhasse o hábito de padecer bem, amarrado ao assunto durante largos anos, antes que provasse o paladar gostoso de algumas horas de pleno prazer. "
Extraído de www.alvesredol.pt
António Alves Redol (Vila Franca de Xira, 29 de dezembro de 1911 – Lisboa, 29 de novembro de 1969)

2012-11-28

Fingimento - Campos de Figueiredo

Iludo o sentido
Da vida em que vivo.
O mundo que sinto
É mundo que minto.

É mundo pensado
Aquém, do outro lado
Da margem do rio
Com águas em fio.

A imagem dos astros,
Das velas, dos mastros,
Das nuvens, das margens
É sombra de imagens.

Perdidas no fundo
Do engano do mundo.
Não quero a certeza
Da minha tristeza.

Deixai-me à vontade
Naquela verdade
Pensada e fingida
Que é logro de vida.

Se minto o que sinto,
De tudo o que minto
Iludo o sentido
Da vida que vivo.

José de Figueiredo Júnior de nome literário José Campos de Figueiredo nasceu em Cernache, 6 de Maio de 1899; faleceu em Coimbra a 28 de Novembro de 1965.

Ler do mesmo autor, neste blog:
Momento Lírico
Sonho
O Milagre das Rosas
Tela Íntima
Autocrítica

2012-11-27

Amor e Eternidade - Soares de Passos

Repara, doce amiga, olha esta lousa,
E junto aquela que lhe fica unida:
Aqui dum terno amor, aqui repousa
O despojo mortal, sem luz, sem vida.
Esgotando talvez o fel da sorte,
Puderam ambos descansar tranquilos;
Amaram-se na vida, e inda na morte
Não pôde a fria tumba desuni-los.
Oh! quão saudosa a viração murmura
         No cipreste virente
Que lhes protege as urnas funerárias!
E o sol, ao descair lá no ocidente,
         Quão belo lhes fulgura
         Nas campas solitárias!
Assim, anjo adorado, assim um dia
De nossas vidas murcharão flores...
Assim ao menos sob a campa fria
Se reunam também nossos amores!
Mas que vejo! estremeces, e teu rosto,
Teu belo rosto no meu seio inclinas,
Pálido como o lírio que ao sol posto
         Desmaia nas campinas?
Oh? vem, não perturbemos a ventura
Do coração, que jubiloso anseia...
Vem, gozemos da vida em quanto dura;
Desterremos da morte a negra ideia!
Longe, longe de nós essa lembrança!
Mas não receies o funesto corte...
         Doce amiga, descansa:
Quem ama como nós, sorri à morte.
         Vês estas sepulturas?
         Aqui cinzas escuras,
Sem vida, sem vigor, jazem agora;   
Mas esse ardor que as animou outrora,
Voou nas asas d'imortal aurora
         A regiões mais puras.
Não, a chama que o peito ao peito envia
Não morre extinta no funéreo gelo.
O coração é imenso: a campa fria
É pequena de mais para contê-lo.
Nada receies, pois: a tumba encerra
Um breve espaço e uma breve idade:
É o amor tem por pátria o céu e a terra,
         Por vida a eternidade!

António Augusto Soares de Passos (Porto, 27 de Novembro de 1826 – Porto, 8 de Fevereiro de 1860)

Ler do mesmo autor:
O Firmamento
Partida
O Noivado do Sepulcro

2012-11-26

Moraliza O Poeta Seu Desassossego Na Harmonia Incauta De Um Passarinho, Que Chama Sua Morte A Compassos De Seu Canto - Gregório de Matos

imagem daqui

Contente, alegre, ufano Passarinho,
Que enchendo o Bosque todo de harmonia,
Me está dizendo a tua melodia,
Que é maior tua voz, que o teu corpinho.

Como da pequenhez desse biquinho
Sai tamanho tropel de vozeria?
Como cantas, se és flor de Alexandria?
Como cheiras, se és pássaro de arminho?

Simples cantas, e incauto garganteias,
Sem ver, que estás chamando o homicida,
Que te segue por passos de garganta!

Não cantes mais, que a morte lisonjeias;
Esconde a voz, e esconderás a vida,
Que em ti não se vê mais, que a voz, que canta.


Gregório de Matos e Guerra (Salvador, 23 de dezembro de 1636 — Recife, 26 de novembro de 1695)

Ler do mesmo autor: Soneto Lírico

2012-11-25

Vox Populi, Vox Dei - Alfredo da Cunha

Vozes do povo, de quem serão?
Quem lhes deu corpo? Quem deu expressão
quase dogmática
- ora singela, ora enigmática -
à sua linguagem
numas, grosseira,
noutras subtil;
nestas, oriunda de alta linhagem,
naquelas, vinda de origem vil?
Vozes do povo, serão de quem?
Tal qual no auto
do grande Gil,
De Todo o Mundo... e de Ninguém!
E quer nos lembrem o agudo Plauto
quer nos recordem o bom Platão
muitas igualam
os doutos juízos de Salomão
e, assim como este, julgam e falam.

Vozes do povo, que vozes são?
sejam sisudas, sejam burlescas
são dicções breves e pitorescas
que, em frases feitas, cristalizadas
desde idos tempos, correm espalhadas,
de boca em boca, por más e boas
bocas do mundo.
Razoar de coisas e de pessoas,
ligeiro agora, logo profundo!
São os logares selectos, uns,
Outros, comuns
de tam vulgares e repetidos
que andam nos lábios
e nos ouvidos
de toda a gente - néscios e sábios.

Ditos dispersos, que posto achasseis
versificado
em rimas fáceis,
em metros pobres,
- embora, às vezes, de pés quebrados, -
melhor conseguem suster-se em pé
que outros de engenhos raros e nobres,
Visto que até,
obras sublimes, de estros gloriosos
hão de mais prestes cair no olvido
que esses dizeres - em estilo poído
de língua arcaica - sengos e diosos!

Vozes do povo! É bem sabido
que, se umas tomam como argumento
motejo frívolo e comezinho
ao qual revestem. como indumento,
de tom escarninho,
outras dir-se-iam na transcendência
dos pensamentos,
rasgos de génio, teses de ciência,
bronzeas, solenes e lapidares
como legendas de monumentos.

Prístinas vozes que vêm de antanho!
Quantas, na ideia, bem singulares,
Quantas, na letra, de teor estranho,
se nos figuram
como de estirpe mais do que humana!

Vox Deilhes chamam... E assim perduram
por toda a idade,
qual verbo eterno que do alto emana
nos imperiosos decretos seus,
para escarnamento da humanidade!
Vozes do povo... Vozes de Deus!

in Ditames e Ditérios

Alfredo Carneiro da Cunha (Fundão, 21 de Dezembro de 1863 — Lisboa, 25 de Novembro de 1942)

2012-11-24

Saber esperar alguém - Maria Gabriela Llansol



Não há mais sublime sedução do que saber esperar alguém.
Compor o corpo, os objectos em sua função, sejam eles
A boca, os olhos, ou os lábios. Treinar-se a respirar
Florescentemente. Sorrir pelo ângulo da malícia.
Aspergir de solução libidinal os corredores e a porta.
Velar as janelas com um suspiro próprio. Conceder
Às cortinas o dom de sombrear. Pegar então num
Objecto contundente e amaciá-lo com a cor. Rasgar
Num livro uma página estrategicamente aberta.
Entregar-se a espaços vacilantes. Ficar na dureza
Firme. Conter. Arrancar ao meu sexo de ler a palavra
Que te quer. Soprá-la para dentro de ti -------------------
----------------------------- até que a dor alegre recomece.

In: O Começo de Um Livro é Precioso. Assírio e Alvim, 2003

Maria Gabriela Llansol Nunes da Cunha Rodrigues Joaquim (Lisboa, 24 de Novembro de 1931 - Sintra, 3 de Março de 2008),

2012-11-23

Não sei como dizer-te que a minha voz te procura - Herberto Hélder


Não sei como dizer-te que a minha voz te procura
e a atenção começa a florir, quando sucede a noite
esplêndida e casta.
Não sei o que dizer, especialmente quando os teus pulsos
se enchem de um brilho precioso
e tu estremeces como um pensamento chegado. Quando
iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima,
– eu não sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim, te procuram.

Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros
ao lado do espaço
o coração é uma semente inventada
em seu ascético escuro e em seu turbilhão de um dia,
tu arrebatas os caminhos da minha solidão
como se toda a minha casa ardesse pousada na noite.
– E então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.
Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes caem no meio do tempo,
– não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.

Durante a primavera inteira aprendo
os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
correr do espaço –
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra vai cair da curva sôfrega
dos meus lábios, sinto que me falta
um girassol, uma pedra, uma ave – qualquer
coisa extraordinária.
Porque não sei como dizer-te sem milagres
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
o amor,

que te procuram.

in Poesia Toda , Assírio & Alvim, 1996

Herberto Hélder, pseudónimo de Luís Bernardes de Oliveira (n. Funchal, Madeira em 23 novembro 1930).

Ler do mesmo autor, neste blog:
O Amor em Visita
Sobre Um Poema
Se Houvesse Degraus na Terra
Ciclo I

2012-11-22

Arbitragem de futebol em Portugal = Vergonha

Rui Silva, da Associação de Futebol de Vila Real, foi o árbitro nomeado para o jogo entre Benfica e Olhanense, da 10.ª jornada da Liga, anunciou o Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol (FPF).

Este ano Rui Silva já arbitrou um jogo do Benfica. Mais concretamente do Benfica B. Já em tempo de descontos inventou um penalty (numa simulação tão clamorosa do avançado de Portimão)que deu o empate ao Portimonense a três bolas...

Os benfiquistas têm de se mobilizar porque o seu clube corre riscos muito sérios neste este jogo face ao Olhanense. O Benfica tem 6 vitórias e 2 empates. Pois bem, os dois empates teriam sido vitórias não fossem os erros arbitrais: golo contra o Braga invalidado por pseuso-falta de Cardozo (seria o 3-2) e com a Académica foram dois penaltis contra o Benfica...

O Benfica já levaria quatro pontos de avanço com 100% de pontos mas afinal, está empatado com o Porto! Esta proximidade está a preocupar muito os «chefões» quando se aproximam jogos muito importantes. Assim, é preciso mostrar quem manda! Rui Silva é um dos homens perfeitos para o «trabalhinho». Neste jogo e com preparação para os próximos (a jornada seguinte é com o Sporting)!

Nesta epoca só foi nomeado para dois jogos da primeira liga: Beira-Mar - Setúbal 1-1 e Braga - Gil Vicente 3-1. Mostrou 14 anarelos e um "segundo" amarelo. Na segunda liga arbitrou seis jogos com 21 amarelos, três segundos amarelos e quatro vermelhos!

Mas os feitos deste sujeito não ficam por aqui. Na época passada foi o árbitro do Gil-Vicente 1-Porto 3 com um penalty a favor do Porto (é claro) que abriu o caminho...

Com tão grande currículum é o homem perfeito para o Benfica-Ohanense, não acham? Como é possível?

Os jogadores do Olhanense vão ter a rédea solta para fazer o que lhes apetecer e os benfiquistas que se ponham a pau. A preparação deste jogo passa também por preparar a equipa relativamentre à arbitragem... Ninguém duvide que vamos jogar contra catorze...

Este sujeito (bem como os auxiliares Bruno Pereira e Nuno Fraguito) foi suspenso por 20 meses em decisão confirmada pelo Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol, no âmbito do processo Apito Dourado! Mas arbitra na primeira liga e é nomeado para este jogo! E não admira porque ele (e os referidos auxiliares) logo disseram que depois de cumprirem castigo iriam continuar a arbitrar Ver artigo do JN) para «retomarem o caminho auspicioso que vinham trilhando em prol da arbitragem e do futebol em geral»!
Brilhante!

Instantâneo - Mauro Mota

No pátio da igreja de São Sebastião,
depois da missa cantada e da comunhão,
Dona Santinha, em perfeito estado de graça,
com o véu, o livro e o terço na mão,
murmurava a um grupinho que Padre João
estava, na sacristia, se derretendo
para a filha mais nova do sacristão.

Mauro Ramos da Mota e Albuquerque (Nazaré da Mata, 16 de agosto de 1911 — Recife, 22 de novembro de 1984)

Do mesmo autor: Morte Sucessiva

2012-11-21

O ÚLTIMO AMOR - Luis Filipe Castro Mendes

Era o último amor. A casa fria,
os pés molhados no escuro chão.
Era o último amor e não sabia
esconder o rosto em tanta solidão.

Era o último amor. Quem adivinha
o sabor pela escuridão?
Quem oferece frutos nessa neve?
Quem rasga com ternura o que foi verão?

Era o último amor, o mais perfeito
fulgor do que viveu sem as palavras.
Era o último amor, perfil desfeito
entre lumes e vozes passadas.

Era o último amor e não sabia
que os pés à terra nua oferecia.
in Poesia Reunida (1985-1989) com o livro inédito Os Amantes Obscuros,
Quetzal Editores

Luis Filipe Castro Mendes nasceu em Idanha-a-Nova em 21 de Novembro de 1950

A Velha Casa - Heitor Ferraz

Havia sempre no passado
o momento de grande gargalhada.
Corríamos pela casa
como duas crianças
e sacudíamos os lençóis
com nossos corpos.
Tínhamos em comum
a admiração da lua
e um certo jeito de olhar o mundo.
E mesmo hoje no passado
em que já nos encontramos

ainda corremos pela casa
desabitada.
E só.

in Poesia Brasileira do Século XX, dos Modernistas à Actualidade
Selecção, introdução e notas de Jorge Henrique Bastos
Antigona

Heitor Ferraz Mello nasceu a 21 de novembro de 1964 em Puteaux, França

2012-11-20

Benfica ganha ao Celtic e sobrevive na Champions


Benfica

2-1

Celtic


Tantas oportunidades e vitória... tangencial ! 

Por mérito do Celtic (vitória em Moscovo frente ao Spartak e em casa frente ao Barcelona) este jogo, ao contrário do que se esperava ser a consagração do Benfica europeu, surgia como decisivo mas (apenas) para manter a esperança. A vitória era imprescindível. Com o triunfo do Barcelona em Moscovo (por 3-0) em jogo disputado antes o triunfo já garantiria o Benfica na Uefa Cup e para ganhar acesso aos oitavos de final da Champions League terá de fazer o mesmo resultado (em Barcelona) que o Celtic em casa frente ao Spartak.

Assim, o Benfica começou logo ao ataque e após o primeiro minuto Cardozo fez o primeiro remate por cima da barra. A chuva que caiu com intensidade durante o jogo parecia facilitar o futebol direto dos escoceses mas não foi preciso esperar muito para o Benfica ganhar vantagem. Após jogada de Salvio na direita a bola sobrou para Ola John que rematou com a bola a passar entre as pernas de um defesa e sem dar hipóteses de defesa ao enorme guarda-redes do Celtic.

Era bom prenúncio e trouxe recordações de um dos dias mais felizes da minha vida quando o Benfica por volta dos 20 minutos de jogo já ganhava por 3-0 a esta equipa escocesa em jogo a que assisti no Estádio da Luz (01.11.2006). Porém, numa fase menos interessante do jogo e após umas estranhas decisões arbitrais - Enzo Perez aos 24' sofreu uma entrada agressiva, ficou a sangrar e teve de sair do campo, sem sanção disciplinar para Wanyamae para que o árbitro o deixasse reentrar foi preciso um ano de juízo - o Benfica cederia o primeiro pontapé de canto aos 32' e que deu o golo de Samaras, com Artur incomodado por um avançado a ser "patinho". Sabendo que Samaras é um perigoso cabeceador foi incompreensível que tivesse sido deixado sozinho ao segundo poste.

Era incrível como o Celtic praticamente sem nada fazer empatava o jogo. Após os minutos seguintes o Benfica voltou a assumir as "despesas" do jogo e carregou na parte final da primeira parte em busca de retomar a vantagem que Ola John poderia ter obtido não fosse uma defesa com as pernas de Forster.

Na segunda parte o domínio da equipa portuguesa foi impressionante e o golo anunciava-se com jogadas de envolvimento de Salvio na direira e Ola John na esquerda. Aos 53' Lima pela esquerda em joghada individual tirou o guarda-redes do lance com uma simulação e o remate levava a bola para golo não fosse um defesa a salvar perto da linha de golo. Aos 59' após um pontapé de canto Luisão ganhou um ressalto e finalizou um pouco por cima da barra. Já o Celtic fizera duas substituições quando finalmente o Benfica marcou o segundo golo numa altura em que jogava com dez jogadores (Salvio fora de campo) num lance aéreo em que Luisão ganhou de cabeça e Garay finalizou com sucesso. A dupla de centrais no golo da vitória. Dois minutos depois Salvio em remate à entrada da  area envia a bola à barra!

Foi a vez de Jesus mexer na equipa com Gaitán a substituir Lima mas o extremo encarnado não entrou bem perdendo várias lances no início de jogadas ofensivas. Aos 77' Matic em inferioridade física deu o lugar a Maxi Pereira passando André Almeida para médio defensivo.

Era a altura do Celktic através de um futebol direto procurar o empate. Cardozo de livre obriga Forster a grande defesa e já no minuto 89' com o jogo totalmente em aberto isolou-se para marcar o terceiro golo que Forster com mais uma defesa enorme evitou.

O tempo de descontos passou com os adeptos do Benfica a desejarem que o jogo acabasse (entrando ainda Jardel para o lugar de Salvio) até porque aos 93' Watt num remate cruzado fez calafrios na defesa dos locais.

O Benfica ganhou merecidamente o jogo mas precisou de muitas oportunidades para ganhar pela diferença mínima e por outro lado quando em vantagem precisa de mostrar mais solidez em termos de controlo de jogo.

Comn este triunfo o Benfica passa na classificação para segundo com sete pontos e vantagem no confromnto direto com o Celtic que tem os mesmos pontos. Mas o calendário da última jornada é adverso o Benfica vai a Barcelona, os escoceses jogam em casa frente ao Spartak que já nada pode ambicionar...

Para outro grupo o Braga perdeu na Roménia com o Cluj por 3-1 e já está arredado da qualificação e já nem sequer pode ambicionar o trânsito para a Taças Uefa uma vez que o Galatasaray surpreendentemente venceu o Manchester United e remeteu os bracarenses inexoravelmente para o 
último lugar.

Benfica: Artur, André Almeida, Ezequiel Garay, Luisão e Melgarejo; Matic (Maxi Pereira 77'), Salvio (Jardel 90+1'), Wnzo Perez e Ola John; Lima (Gaitán 75') e Cardozo.

Celtic: Forster, Lustig, Kevin Wilson, Ambrose e Mathews; Wanyama, Mulgrew (Kayal 46' ), Brown (Commons 64'). Ledley (Watt 80'), Samaras e Hooper.

Golos: 1-0 Ola John 7'; 1-1 Samaras 32'; 2-1 Garay 72'
Disciplina:
39' Cartão Amarelo para Samaras (Celtic Glasgow).
49' Cartão Amarelo para Ledley (Celtic Glasgow).
77' Cartão Amarelo para Melgarejo (Benfica).
85' Cartão Amarelo para Wanyama (Celtic Glasgow).
90' +1 Cartão Amarelo para André Almeida (Benfica).
 

Contra senso - Marta de Mesquita da Câmara

Oh! meu amor, escuta, estou aqui,
pois o teu coração bem me conhece,
eu sou aquela voz que, em tanta prece
endoideceu, chorou, gemeu por ti!

Sou eu, sou eu que ainda não morri.
Nem a morte me quer, ao que parece,
e vinha renovar se ainda pudesse
as horas dolorosas que vivi.

Oh! que insensato e louco é quem se ilude!
Quiz fugir, esquecer-te, mas não pude...
Vê lá do que teus olhos são capazes!

Deitando a vista pelo mundo além
desisto de encontrar na vida um bem
que valha o mal que tu me fazes!


Marta de Mesquita da Câmara (n. Porto, 24 de Agosto de 1895 — m. Porto, 20 de Novembro de 1980)

Ler também, neste blog, da mesma autora:
General em Miniatura
A Tua Amada

2012-11-19

Como eu Amo - Maria O'Neill

Pertenço à velha escola; eu amo à antiga
Detesto a modernice que se ufana
De casar por dinheiro ou que se liga
Preferindo ao amor sempre a cabana,

Amo com tal paixão que é mais que humana
E todos os afectos num coliga
Cuja grandeza nenhum outro irmana,
Em tudo impera e tudo a si obriga.

Amo do coração à flor dos lábios
Mas recalco por vezes meus tormentos
Para o não magoar; contudo sabe-os…

E segredo-lhe então: Bem que dorida
Quero beber-te essa alma e haustos lentos
E por sofrer por ti inda mais vida.

(in Os dias do Amor, Um poema para cada dia do ano, Recolha, selecção e organização de Inês Ramos, Prefácio de Henrique Manuel Bento Fialho; Ministério do Livro Editores)

Maria da Conceição Infante de Lacerda Pereira de Eça Custance O'Neill (Lisboa, 19 novembro 1873 - 23 março 1932)

2012-11-18

Completas - Manuel António Pina

A meu favor tenho o teu olhar
testemunhando por mim
perante juízes terríveis:
a morte, os amigos, os inimigos.

E aqueles que me assaltam
à noite na solidão do quarto
refugiam-se em obscuros sítios dentro de mim
quando de manhã o teu olhar ilumina o quarto.

Protege-me com ele, com o teu olhar,
dos demónios da noite e das aflições do dia,
fala em voz alta, não deixes que eu adormeça,
afasta de mim o pecado da infelicidade.

in Poesia, Saudade da Prosa - Uma Antologia Pessoal

Manuel António Pina (nasceu em 18 de Nov. 1943 no Sabugal, faleceu em 19 de outubro de 2012)

Ler do mesmo autor, neste blog:
Uma Sombra
Lugares da Infância
Amor como em casa
Café do Molhe
Saudade da Prosa

2012-11-16

Aprendamos Amor - José Saramago (na passagem dos 90 anos do seu nascimento)

Aprendamos, amor, com estes montes
Que, tão longe do mar, sabem o jeito
De banhar no azul dos horizontes.

Façamos o que é certo e de direito:
Dos desejos ocultos outras fontes
E desçamos ao mar do nosso leito.

José de Sousa Saramago (n. em 16 Nov. 1922 na Azinhaga do Ribatejo; faleceu a 18 de Junho de 2010 em Tías, Lanzarote)

Ler do mesmo autor:
Retrato do poeta quando jovem
Não Me Peçam Razões

2012-11-15

PRIMEIRA CHUVA - Bernardo Élis

Quentura de noite pejada de nuvens baixas e negras. Bambos bamboleios de trovão soturno batendo o tímpano bambo da zabumba do horizonte. Trovão apagado, saudoso, distante. Depois a chuva em grossos pingos sobre os telhados, Na poeira ressequida das estradas, na terra requeimada das queimadas, desprendendo um cheiro forte de gestação. (Mamãe molhava algodão em cachaça canforada E nos dava para cheirar: cuidado com defluxo!) Amanhã tudo vai começar de novo: as folhas voltarão aos galhos secos, as águas resmungarão nas grotas mortas, os pássaros do céu hão de cantar no cio... (E aquela que partiu porque não volta?) Lá fora uma goteira numa lata pinga, pinga a pingo, pengue, pengue, numa toada monótona de preta que ninasse. Pengue, pengue, pingo a pingo. (E aquela que partiu, Porque não volta?)

Bernardo Élis Fleury de Campos Curado (Corumbá de Goiás, 15 de novembro de 1915 — Corumbá de Goiás, 30 de novembro de 1997)

2012-11-14

João Semana e As Pupilas do Senhor Reitor de Júlio Dinis, no aniversário do escritor

Capítulo XVII

Era meio dia, um meio dia de verão ardente, asfixiante, calcinador, a hora em que tudo repousa, em que as aves se escondem na folhagem, as plantas inclinam as sumidades, desfalecidas de seiva, e os ribeiros quase nem murmuram, de débeis e exaustos que vão.

Nem uma ténue viração fazia sussurrar as alamedas e os soutos nos vales ou os pinheiros dos montes.

Apenas pelas sarças volteavam, como em danças caprichosas, enxames de insetos alados, sendo o seu zumbido importuno, ou o cantar longínquo dos galos, os únicos sons a interromperem o silêncio daquela hora.

Os caminhos e os campos estavam desertos; povoadas e fumegantes as cozinhas, onde a família do lavrador se reúne para a refeição principal do dia.

Mas quem estendesse a vista pelo extenso lanço de estrada a macadame, que corta em linha reta a povoação, e onde, naquele momento, o sol batia em cheio sem ser impedido por a menor folha de árvore, ou beira de telhado, descobriria o vulto de um cavaleiro, caminhando a trote e envolto na densa nuvem de poeira, levantada pelos pés da cavalgadura.

Este cavaleiro era João Semana.

Trajava com toda singeleza o velho cirurgião. Um fato completo de linho cru, botas amarelas de solidez de construção, à prova de todo o tempo, chapéu de palha, de abas descomunais, tudo abrigado daquele sol canicular por uma enorme umbela de paninho vermelho, rival em dimensões de uma tenda de campanha, eis o vestido característico do nosso homem.

As rédeas flutuavam à solta, sinal evidente da distração do cavaleiro e dos admiráveis instintos e superior discrição da alimária, que mostrava conhecer a palmos o caminho de casa e para ela se dirigia mais apressada que de costume.

Causava dó olhar para a fisionomia de João da Semana naquela ocasião. As faces de vermelhas, que naturalmente eram, quase se lhe haviam feito negras; o suor corria-lhe, como lágrimas pelas faces abaixo.

Mas o heróico octogenário não desanimava. Sorvia filosoficamente a sua pitada, assoava-se com ruído, e soltando depois um desses ahs, bem guturais - eloquentíssima expressão das delícias que o olfato pode proporcionar a um mortal - dava mostras de consolado.

De caminho, ia João Semana lançando um olhar de comiseração para os milhos dos campos adjacentes à estrada, algum do qual o calor e a escassez das águas tinha definhado; e ao contemplá-lo parecia mais sentir por ele, do que por si, a insuportável temperatura daquele ambiente.

João Semana era também proprietário rural, e portanto, apaixonado pela lavoura, conhecedor das leis de cultura, e experiente prognosticador do futuro das novidades agrícolas; por isso, examinando com profunda curiosidade o aspecto dos campos, cujos donos pela maior parte conhecia, quase chegara a esquecer-se de que um ardentíssimo sol lhe dardejava sobre a cabeça raios ameaçadores, tentando em vão exercer naquela robusta constituição a sua influência maligna.

A égua é que não se esquecia assim facilmente disso, e, cada vez mais rápida, procurava furtar-se a tão incômodo calor, e ao seu inevitável cortejo de moscas, que a traziam impacientemente, não obstante os folhudos ramos de carvalho, com os quais João Semana lhe enfeitara o pescoço.

Depois de cinco minutos mais de trote acelerado, tomou o pobre animal, com manifesta ansiedade e sem esperar sinal do cavaleiro, por uma rua estreita, que abrindo-se ao lado esquerdo da estrada, seguia, sob espesso toldo de verdura por entre duas quintas fronteiras.

Era um oásis, depois do deserto.

João Semana, porém, parecia tão indiferente ao vantajoso da mudança, como o fora à desagradabilíssima influência dos raios do sol, em campo descoberto.

Daí por diante começavam a ser mais freqüentes as habitações, e, ao barulho que fazia a égua sobre o terreno sólido e nas pedras soltas do caminho, assomava a cada janela uma cabeça. e João Semana recebia um cumprimento e um convite para jantar, a ambos os quais ele correspondia com benevolente familiaridade e às vezes com gracejos sempre bem recebidos e festejados.

Logo ao princípio, foi um velho, em mangas de camisa, e de cabeça já despovoada de cãs, que segurando uma enorme tigela de caldo de tronchuda e vagens coroado por uma pirâmide de boroa esmigalhada, apareceu à porta da cozinha, e disse com a boca meio ocupada por mantimentos, e sorrindo:

— É servido do meu jantar, Sr. João Semana? É pobre, sim, mas dado com a melhor vontade.

— Obrigado, tio José das Bicas, vou ver se lá em casa a Joana tem também o meu caldo em bom andamento.

— Então vá com a graça do Senhor, vá, que o calor não se sofre.

— Está picante, está. - E, andando sempre e falando, já com as costas voltadas, perguntou: - E como vão os seus milhos, Sr. José?

— Ora!... nem me fales nisso! A sequeira é muita.

— Veremos se para a lua nova haverá mudança de tempo.

— Deus o queira.

— Há de querer.

E prosseguiu no seu caminho.

Mais adiante, foi uma mulher idosa que espreitou do postigo de uma casa meia arruinada.

João Semana desta vez foi o primeiro a saudar.

— Bons dias, tia Rosa. Então como vai lá o seu velho? Fero e rijo, hein?

— Muito agradecida a V.S.ª. Está fraquinho ainda, e por isso...

— Pois que saia, que saia. É preciso também trabalhar para deitar foras as moléstias; nós não podemos fazer tudo. Que passeie, diga-lhe que passeie. O mais que lhe pode acontecer, é que dêem com ele as moças, mas disso não se morre.

— Já não está em idade para tanto, Sr. Doutor.

— Fie-se nele, fie-se nele; olhe que são os piores.

E, dando uma gargalhada, dobrou a esquina e tomou por outra rua.

Do interior de um pardieiro saiu-lhe ao encontro uma rapariga do povo, magra, remendada, e como rosto que denotava aflição.

— Muitos boas tardes, Sr. João Semana - disse a pobre rapariga com voz chorosa.

— Que temos lá, Maria? Alguma novidade?

— É que... dizia ela, hesitando e baixando os olhos.

— Fala; despacha-te, que vou com pressa.

— É que me esqueci do que me disse daquele remédio para minha mãe...

— Então onde diabos tinhas tu o juízo, galo doido? Ai que vocês andam-me com essas cabecinhas não sei por que terras, e eu que vos ature depois. Aposto que te lembras melhor do que te disse ontem o teu conversado?

— Ora, o Sr. João Semana tem coisas! É que não sei se o remédio era todo para uma vez, ou...

— É o que eu digo; é o que eu digo. estouvada! Cabeça no ar! Quantas vezes te repeti que era para três porções! Cuidas que eu não tenho mais que fazer, do que andar sempre a cantar a mesma cantiga por este mundo de Cristo? Ora vamos!

— E há de ser distantes da comida, que?...

— Que diabo aprendeste tu então de tudo o que eu te recomendei, fazes favor de me dizer? Pois não te expliquei, cabeça de bogalho, que era para dares meia hora depois das comidas? Que tinhas tu nos ouvidos?

— Muito agradecida, Sr. João Semana; e perdoe por as almas, mas... a gente tem tanta coisa na cabeça...

— Valha-te uma figa.

E quando a rapariga se ia já a retirar, ele acrescentou, mudando e tom:

— Olha cá, ó Maria, ouves?

A rapariga voltou-se. Levava os olhos vermelhos de chorar.

— Então que diabo é isso? Por que choras tu?

— Nada, Sr. João Semana: é cá de nossa vida.

— Quanto te levou o boticário pelo remédio?

— Seis vinténs.

— E... dize-me... E mataste hoje a galinha para tua mãe?

— Dei-lhe o resto de ontem.

— E para amanhã?

E a rapariga calava-se, embaraçada e triste.

João Semana tossiu para desimpedir a laringe de um pigarro importuno, e pôs-se a olhar atentamente para um troco de árvore que lhe ficava à direita, como se lhe achasse o que quer que fosse extravagante.

Durante esse tempo, mexia nos bolsos do colete e depois nas algibeiras das calças; em seguida, olhando em roda, como se receasse ser observado, curvou-se sobre o pescoço da égua e introduziu uma moeda de prata na mão da pobre rapariga, dizendo-lhe como modo rápido e desabrido:

— Toma lá. Olha agora se te pões por aí a dar à língua, como costumas. Aflige bem tua mãe, aflige!

A rapariga não teve uma só palavra com que lhe agradecer. Quis-lhe tomar as mãos para beijá-las; João Semana furtou-lhas rapidamente, dizendo-lhe com simulada aspereza:

— Larga, larga. Não me venhas cá com essas imposturas, que eu não sou para isso.

O melhor dos agradecimentos tinha-o ele nas lágrimas, que desciam pelas faces da pobre, na expressão de entranhado afeto, que lhe animava o olhar.

O velho cirurgião sabia compreender estas coisas, apesar das aparências de homem endurecido de que fazia ostentação.

Ao afastar-se do lugar da cena que descrevemos, dizia ele para si.

— Excelente vida! Lucrativa clínica! rendeu-me esta consulta, na verdade! Quem não há de fazer casa assim?

Estava o bom homem a fingir de interesseiro consigo mesmo!

Dentro em pouco tinha-se esquecido do que praticara.

Mais adiante, esperava um lavrador robusto, sentado na soleira da porta, a comer um fêvera de bacalhau. Assim que João Semana se aproximou levantou-se o homem e tirando o barrete:

— Nosso Senhor venha em sua companhia.

— Bons dias; então que há?

— Queria que vossemecê me dissesse se minha mulher pode comer uma sardinha assada.

— Pode, mas de caminho avisa o padre que a venha sacramentar.

— Credo! mas então...

— Adeus, minhas encomendas. A perguntas tolas não se dá respostas. Forte descoco!

E, sem mais palavras, estimulou o passo da égua.

O consultante sentou-se de novo, e voltando-se para dentro, disse:

— Ouviste-o? Ora aí tens.

Respondeu-lhe um suspiro.

Ainda não pararam aqui as consultas. Ao passar por uma azenha, o moleiro, vindo à porta, anunciou ao velho facultativo que a mulher não queria tomar remédio algum.

— Está no seu direito; - respondeu João Semana - e que queres que eu lhe faça?

— Mas, sendo precisos?

— Sabes que mais, Francisco? Eu, se me não casei, não foi para agora andar a aturar as impertinências das mulheres do meu próximo. Atura-a , atura-a, rapaz, que são ossos do ofício.

E continuou cavalgando, e deixou o moleiro embasbacado. Depois de se ter afastado, acrescentou, elevando a voz, mas sem se voltar para trás.

— Olha lá: sempre lhe vai dizendo que se amanhã não a encontrar melhor, prego-lhe um cáustico nas costas, que lhe dá de fazer ver estrelas ao meio dia. Ora anda.

Enfim, em um largo assombrado de castanheiros, foram duas crianças as que lhe interromperam a passagem; assim que o avistaram, ergueram-se do chão, onde estavam sentadas, tirando chapéu, e pondo-se a coçar na cabeça.

— Que temos nós, pequenada? - perguntou João Semana.

Um dos pequenos foi o relator da comissão.

— O nosso Luís está doente, e a mãe manda pedir ao Sr. Doutor para o ir ver.

— Está bem; lá irei de tarde; e como está tua mãe?

— A mãe diz que está melhor, mas ela chora tanto!

— Tens razão, Manuel, em duvidar da saúde do que chora. Pois eu verei isso. Vá; ide jantar e fazer rir vossa mãe, que é meia cura já.

Por tal forma ia sendo o bondoso João Semana cumprimentado, interrogado e consultado, e ele a responder a tudo com a máxima expedição possível, que já lhe não sofreiam delongas as reclamações imperiosas do estômago.

Chegou assim ao largo da igreja da freguesia, e atravessou-o por diante da residência do reitor. Deitou de soslaio os olhos para as janelas da casa paroquial, e, como as visse fechada, picou a égua, para ver se escapava sem vir à fala, e evitava novo empecilhos.

Não conseguiu, porém , o seu intento.

Uma das vidraças correu-se repentinamente e o reitor apareceu à janela, animado de sorrisos, e com um guardanapo na mão...

— Ó João Semana! Ó homem! Ó velhote! Pschiu! - bradava ele.

João Semana foi obrigado a voltar-se.

— Que é lá?

— Espera; fala à gente.

— Vou com pressa.

— Então andas por fora com um calor desses? Isso é criar malignas, homem.

— Que queres tu, abade? Meu pai caiu na patetice de me arranjar este modo de vida. Se lhe tivesse dado na mania fazer-me padre, outro galo me cantara.

— Cuidas então que não tenho canseiras.

— Aí, dão-te muito que fazer as tuas ovelhas; estou vendo.

—E não dão pouco.

— Só a cardá-las com as côngruas e derramas! Por isso estás magro. Para vos sustentar suamos nós outros.

O reitor sorria sem a menor sombra de ofensa.

— Vamos a saber: queres provar meu arroz?

— Eu? Já não tenho estômago criado para comidas de padres. Padre, abade e egresso de mais a mais! Safa! Morria de indigestão esta noite.

— Anda lá, anda lá; ainda não perdoaste aos frades. Morres impenitente.

— Como queres tu que eu lhes perdoe o terem gozado sem mim aquela santa vida de convento?

— Santa sim; porém sem mortificações, não.

— Oh! Decerto que não. Os melhores cozinheiros têm às vezes os seus descuidos, e os paladares de V.Rev.mas, lá de quando em quando, aturam o esturro no arroz, sal de mais na sopa, pimenta de menos no guisado, ou outra coisa assim, lá isso...

— Valha-te não sei que diga. A vida é para ti, homem, que, com oitenta, estás fero e robusto, e levas jeito de assistir ao nascimento do século vinte.

— É para veres que fêveras eu sou. Se tivesse a tua vida viveria como Noé. Mas tu estás a palanque e à fresca e eu aqui estatelado a dar-lhe trela. Adeus, meu amigo.

— Olha cá, espera, homem. Então nem um cálice do meu bastardo, hein? Olha que é do que tu gostas.

— Prefiro uma garrafa em minha casa.

— Lá franco no pedir és tu! Mas do que ninguém se gaba é de saber o gosto do teu moscatel.

— Querias talvez que eu te mandasse um presente de vinho? Era o que me faltava! Presentes de vinho! E a um frade!...

E dizendo isto, pôs-se a caminho, achando-se, dentro em pouco, a distância já considerável das residência.

De repente, como se lhe ocorresse uma lembrança cuja comunicação não podia sofrer demoras, voltou de novo atrás, e elevando a voz:

— Ó abade, tu não sabes a história daquele frade franciscano que?...

— Não sei, não; ora conta lá, João Semana, conta - disse o reitor, debruçando-se no peitoril da janela, e já com aspecto risonho.

— Havia lá no convento - principiou João Semana - uma pintura muito grande representando a ceia de Cristo; e era pintura a que mais atraía as meditações piedosas do tal reverendo, o qual, de olhos fitos naquele quadro, passava horas e horas esquecido de tudo o mais. Outro farde, que tinha notado isto, não pôde ter mão em si que lhe não perguntasse com aquela voz de lamúria de franciscano manhoso: "Em que pensais vós, irmão, quando com tanta atenção olhais para este quadro?" "Nos tormentos que por nós padeceu o Salvador" - respondeu o tal. "E longos foram na verdade!" - continuou o primeiro. "Mas por que esta pintura mais do que as outras, vos traz tão santas idéias? Não tendes na sacristia a do Descimento da Cruz e aquela do Senhor preso à coluna?" "É verdade, irmão,! - diz-lhe então o franciscano com cara de mortificação - "é verdade, mas olhai que não menor tormento era este de ter doze pessoas à mesa, e tão pouco de comer em cima dela".

E João Semana, dizendo isto, roçou as esporas pela barriga da égua, e partiu, acompanhado de uma grande gargalhada do reitor, que era perdido por as anedotas de João Semana.

— Onde diabo vai este homem buscar estas coisas? - dizia o reitor chorando de tanto que se riu.

E João Semana ia quase a dobrar a esquina quando de novo o suspendeu a voz do padre, bradando-lhe:

— Ó João Semana, olha lá.

— Que é? - respondeu o facultativo, já com certo mau humor - Tu queres que eu fique hoje sem jantar?

— É só uma pergunta.

— Dize.

— Não sabes que chegou ontem o Danielzinho do Dornas?

— Como não sei? Pois não estive eu já com ele?

— Ah, sim? E então que te perece o homem?

— Que me há de parecer? Bem. - e depois acrescentou: - Bem e mal.

— Como é isso? Bem e mal?

— Sim , o rapaz é talentoso, e nas cidades talvez fizesse figura; para aqui não serve.

— Ah! João Semana!... Ciúmes...

— Estás doido? Tomara eu que ele me descarregasse de parte desta tarefa, mas... dize-me lá tu se aquele corpo franzino, aquela pele de mulher pode aturar metade, a quarta parte, a décima parte do que eu tenho aturado.

— Lá isso.

E dizendo isto, sempre conseguiu dobrar a esquina.

O reitor fechou a janela e foi jantar. Sentado à mesa ainda sorria de quando em quando, repetindo à meia voz:

— Doze pessoas à mesa, e tão pouco de comer em cima dela! Ora o diabo do homem...

Joaquim Guilherme Gomes Coelho, de pesudónimo Júlio Dinis, nasceu no Porto a 14 de novembro de 1839 e faleceu, tuberculoso, em 12 de setembro de 1871

2012-11-13

Nomeio-te em Segredo - Maria Aurora

Nomeio-te em segredo
e não te digo
retenho-te nos olhos
e tudo acende
cicias-me ao ouvido
e alvoroçada
recolho-te na boca
e tudo queima.
Ardo sozinha
a mão convulsionada
a desenhar-te em mim

in Discurso Amoroso, Campo das Letras

Aurora Carvalho Homem, que usou o pseudónimo literário Maria Aurora, nasceu a 13 de novembro de 1937 em Sátão, morreu no Funchal a 11 de Junho de 2010.

2012-11-12

5ª Edição do BookCrossing Blogueiro



1, o livro de poesia de Gonçalo M. Tavares, foi  por mim selecionado para dar concretização à 5ª. Edição do  BookCrossing Blogueiro, uma iniciativa da Luz de Luma, yes Party e já com grande adesão na comunidade blogueira, e que visa dar vida (isto é dar andamento, divulgar, dar, permitir que outros leiam) à vida intrínseca que os livros têm, mas que pode estar em estado de "coma" quando encostados numa estante durante, dias, meses, anos... sem partilha.

Dele extraímos, para que todos que visitam este espaço o possam ler (e não apenas o felizardo que encontrar o livro "perdido" num banco do jardim S. Lázaro no Porto - por sinal pertinho da Biblioteca Municipal do Porto):

o perto, o longe

Não há definições minuciosas, quando aproximamos
O olhar daquilo que conhecemos surge o espanto,
Por vezes assustamo-nos; é no pormenor
Daquilo que é familiar que surge o perigo, e um certo
Desencanto. Por vezes é
Melhor não olharmos tempo de mais para o que
Amamos, alguém disse.
Dá atenção ao inimigo para o conseguires
Amar, não analises o que amas para que nenhum erro
Se infiltre no encanto. Se fiz isto, se o faço?

(Gonçalo M. Tavares, in "1"/ Relógio D' Água Editores)

Tempos Idos - Augusto dos Anjos

Não enterres, coveiro, o meu Passado,
Tem pena dessas cinzas que ficaram;
Eu vivo dessas crenças que passaram,
e quero sempre tê-las ao meu lado!

Não, não quero o meu sonho sepultado
No cemitério da Desilusão,
Que não se enterra assim sem compaixão
Os escombros benditos de um Passado!

Ai! Não me arranques d’alma este conforto!
- Quero abraçar o meu passado morto,
- Dizer adeus aos sonhos meus perdidos!

Deixa ao menos que eu suba à Eternidade
Velado pelo círio da Saudade,
Ao dobre funeral dos tempos idos!

Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos (n. no Engenho Pau d'Arco, Paraíba, no dia 20 de abril de 1884; m. em Leopoldina em 12 de novembro de 1914.

Ler do mesmo autor:
O Sonho, a Crença e o Amor
Ao Luar
A Ideia;
Tempos Idos;
Versos Intimos;
Soneto (canta teu riso...)
Contrastes
Psicologia de Um Vencido
Debaixo do Tamarindo

2012-11-10

Carta ao Meu Outono Magoado - Luísa Raposo

Entre aquilo que eu sou e que eu quero, existe uma enorme distancia magoada.
Me lembro...
Que me lembras o secreto silêncio, uma alvorada e no entanto nada mais é inocente,
que o meu sorriso na vaidade de te imaginar...
Nada mais é convincente, quando o sol desponta na placidez dessa minha madrugada...
Deixei-te lá atraz, hirto no tempo num poema, numa rima clássica transcrito em muitas palavras, como se fosse possivel existirem palavras para te descrever .
Seria como te limitar, em mim tu és ilimitado e em cada momento és a minha eternidade...
Com mansa voz me iludo de tristeza, são iras que aos poucos em matam no gume da crueza.
E aqui estou dentro do tempo, ao tempo acorrentada , aqui estou eu sofredora e apaixonada á volta, onde me espia a decisão em momentos de fero embaraço e muita desilusão...

extraído daqui

Luisa Demétrio Raposo, nasceu no dia 10 de Novembro de 1973 em Oeiras.

2012-11-09

GO BACK - Torquato Neto

Você me chama
Eu quero ir pro cinema
você reclama
meu coração não contenta
você me ama
mas de repente a madrugada mudou
e certamente
aquele trem já passou
e se passou
passou daqui pra melhor,
foi!

Só quero saber
do que pode dar certo
não tenho tempo a perder

você me pede
quer ir pro cinema
agora é tarde
se nenhuma espécie
de pedido
eu escutar agora
agora é tarde
tempo perdido
mas se você não mora, não morou
é porque não tem ouvido
que agora é tarde
- eu tenho dito -
o nosso amor michou
(que pena) o nosso amor, amor
e eu não estou a fim de ver cinema
(que pena)


Torquato Pereira de Araújo Neto (Teresina, 9 de novembro de 1944 — Rio de Janeiro, 10 de novembro de 1972)

Ler do mesmao autor: Cogito

2012-11-08

O Poeta - Teixeira de Pascoaes

foto: Céu doirado Céu doirado imagem daqui

Ninguém contempla as cousas, admirado.
Dir-se-á que tudo é simples e vulgar...
E se olho a flor, a estrela, o céu doirado,
Que infinda comoção me faz sonhar!

É tudo para mim extraordinário!
Uma pedra é fantástica! Alto monte
Terra viva, a sangrar como um Calvário
E branco espectro, ao luar, a minha fonte!

É tudo luz e voz! Tudo me fala!
Ouço lamúrias de almas no arvoredo,
Quando a tarde, tão lívida, se cala,
Porque adivinha a noite e lhe tem medo.

Não posso abrir os olhos sem abrir
Meu coração à dor e á alegria.
Cada cousa nos sabe transmitir
Uma estranha e quimérica harmonia!

É bem certo que tu, meu coração,
Participas de toda a Natureza.
Tens montanhas na tua solidão
E crepúsculos negros de tristeza!

As cousas que me cercam, silenciosas,
São almas, a chorar, que me procuram.
Quantas vagas palavras misteriosas,
Neste ar que aspiro, trémulas, murmuram!

Vozes de encanto vêm aos meus ouvidos,
Beijam os meus olhos sombras de mistério.
Sinto que perco, às vezes, os sentidos
E que vou flutuar num rio aéreo...

Sinto-me sonho, aspiração, saudade,
E lágrima voando e alada cruz...
E rasteirinha sombra de humildade,
Que é, para Deus, a verdadeira luz.


Teixeira de Pascoaes (Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos) nasceu em 8 Nov 1877 (*) em Amarante; m. em 14 Dez. 1952.

(*) Conforme assento oficial de nascimento; de algumas fontes biográficas consta a data de 2 de novembro

Ler também do mesmo autor:
A sombra do Tâmega;
Canção da Névoa
À Minha Musa
A Sombra da Vida (excerto)
Elegia do Amor;
Quem és tu? De onde vens?...

2012-11-07

Canção - Cecília Meireles

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio…

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

Cecília Benevides de Carvalho Meireles (Rio de Janeiro, 7 de novembro de 1901 — Rio de Janeiro, 9 de novembro de 1964)

Ler neste blog da mesma autoria:
Se eu fosse apenas uma rosa
Traça a Reta e a Curva
A Chuva Chove
Motivo
Ou isto ou aquilo;
De um lado cantava o Sol;
Despedida;
Mulher ao espelho;
Balada das Dez Bailarinas do Cassino
Ler ainda um post a propósito: Dos 41 anos da morte de Cecília Meireles em 9-11-2005

2012-11-06

AUSÊNCIA - Sophia de Melo Breyner Andresen

Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua

Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.


Sophia de Mello Breyner Andresen nasceu no Porto a 6 de Novembro de 1919; m. Lisboa, 2 de Jul 2004. Recebeu entre outros o Prémio Camões 1999, o Prémio de Poesia Max Jakob 2001 e o Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana 2003.

Ler da mesma autora, neste blog:
Pátria
Partida
Espera
Soneto
A Forma Justa
Apolo Musageta
Eis-me
Mar Sonoro
Porque
Promessa
Liberdade
Pudesse eu

2012-11-05

O Pavão Vermelho - Sosígenes Costa

Pavão (ave)
Ora, a alegria, este pavão vermelho,
está morando em meu quintal agora.
Vem pousar como um sol em meu joelho
quando é estridente em meu quintal a aurora.

Clarim de lacre, este pavão vermelho
sobrepuja os pavões que estão lá fora.
É uma festa de púrpura. E o assemelho
a uma chama do lábaro da aurora.

É o próprio doge a se mirar no espelho.
E a cor vermelha chega a ser sonora
neste pavão pomposo e de chavelho.

Pavões lilases possuí outrora.
Depois que amei este pavão vermelho,
os meus outros pavões foram-se embora.

Sosígenes Costa (n. em Belmonte BA, 14 Nov.1901 - m. no Rio de Janeiro RJ, em 5 Nov 1968

Ler do mesmo autor:
Chuva de Ouro
Tornou-me o pôr-do-sol um nobre entre os rapazes
Duas Festas no Mar