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2013-09-30

Apelo - Paulo Bonfim


...Mas deixai-me poetar
Em nome dos que não sonham,
Dos que calçam desespero
Em percursos cotidianos,
Dos que cruzam confluências
Com pára-brisas de tédio,
Dos fugitivos, nos bares,
Dos vencidos que se amam,
Dos inocentes que esperam.
...Mas deixai-me poetar
Neste esvair sem sentido
Com palavras indomadas,
Ou com vocábulos mansos.
– Que eu cante a vida que passa
E os destinos sem destino
– Que eu cubra de redondilhas
As damas da madrugada,
E meus versos sejam potros
Onde as crianças galopem,
Lona de circo estelante
Vestindo a fome do mundo,
Valsa brisa em realejo
Na esquina dos desencontros.
Sei da lógica das máquinas,
Das avenidas neuróticas,
Do roubo das alvoradas
E dos anjos que se matam.
Sou feito de tudo e nada.
...Mas deixai-me poetar!

Paulo Lébeis Bomfim (São Paulo, 30 de setembro de 1926)

Ler do mesmo autor, neste blog: Cantiga do Desencontro
Soneto I de Transfiguração

2013-09-28

ÁGUA VÁRIA - Francisco Barreiros Filho

Essa água azul do mar, Praia de Fora,
O sol poliu-a com o esmeril da luz:
Que loiro ambiente! Um ar de quem namora...
Gaivotas dançam de asa aberta em cruz.

Mas desce a tarde. O dia se reduz.
Lá vem a noite. E um temporal se arvora.
A escuridão enfia o seu capuz
Já tempesteia... A torva praia agora

Revida ao vento de rajada e açoite,
Rebate às cegas, resfolegando escumas,
Vivo contraste de si mesma à noite.

O humano coração assim varia:
Primeiro um sol, um sonho... depois brumas,
E treva, e raiva, e fel, e rebeldia!


Extraído daqui

Francisco Barreiros Filho (Tubarão, Santa Catarina, 28 de setembro de 1891 — Florianópolis, 4 de outubro de 1977. 1977) foi

Proença ganha ao Vitória de Guimarães

Mais uma vez o suposto melhor árbitro do Mundo deu a vitória ao FCP. É sempre assim...
Quando o FCP está apertado lá vai o Proença nomeado e... penalty assegurado! Já são tantos os episódios que é uma telenovela gasta nem vale a pena recordar, desde o penalty inventado de Yebda (sobre Lizandro) - já lá vão uns anos - é sempre a aviar...
O Porto que nos primeiros 30 minutos dominou completamente e falhou vários golos... foi baixando de rendimento e ao intervalo estava 0-0.
Depois mais um favor externo... e o FCP lá ganhou por 1-0 a sofrer nos últimos minutos com a reação do Guimarães.
É claro que as coisas são tão bem feitas que nem sequer o Guimarães se pode queixar muto porque na semana passada beneficiou de um penalty que o árbitro não marcou a favor do Benfica. Agora foi a compensação...para o Guimarães mas a benefício do FCP. Paulo Fonseca dixit... No final do jogo ainda teve a coragem de dizer «Este pelo menos parece-me que foi dentro da área mas não tive ainda oportunidade de ver, pois estava longe.»
Chega de mentira no futebol! Como pode o tal melhor árbitro do Mundo «enganar-se» sempre a favor dos mesmos?



2013-09-27

Soneto - Juvêncio de Araújo Figueiredo

Noite de junho. O frio, é vidro em pó coçando
As mãos dos que da praia, estendidos na areia,
Estão tranqüilamente o café esperando
De um rancho em cuja porta um clarão bruxoleia...

Outros já da canoa as velas vão soltando...
Não há tempo a perder, que à luz da lua cheia
O vento sul que sopra as ondas vai rolando...
E cada coração de pescador anseia!

Todos, todos ao mar, satisfeitos, felizes!
Sem sentirem do mal as profundas raízes!
Apenas da saudade envolvidos nas mágoas.

Mas que saudade doce a dessas almas francas,
Sob as velas em cruz, as grandes velas brancas
Da canoa que lembra uma ave à flor das águas.


soneto extraído daqui

Juvêncio de Araújo Figueiredo (nasceu na Nossa Senhora do Desterro, Florianópolis 27 de setembro de 1865 e faleceu em 6 de abril de 1927).

2013-09-26

Declaração de amor – Luis Fernando Verissimo

Tentei dizer quanto te amava, aquela vez, baixinho...
mas havia um grande berreiro, um enorme burburinho
e, pensando bem, o berçário não era o melhor lugar.
Você de fraldas, uma graça, e eu pelado lado a lado,
cada um recém-chegado,
você sem saber ouvir, eu sem saber falar...

Tentei de novo, lembro bem, na escola.
Um PS no bilhete pedindo cola,
interceptado pela professora como um gavião...
Fui parar na sala da diretora e depois na rua,
enquanto você, compreensivelmente, ficou na sua...
A vida é curta, longa é a paixão.

Numa festinha (ah, nossas festinhas...), disse tudo:
"Eu te adoro, te venero, na tua frente fico mudo"
E você não disse nada... E você não disse nada...
Só mais tarde, de ressaca, eu atinei:
Cheio de amor e "Cuba", me enganei
...e disse tudo para uma... almofada!

Gravei, em vinte árvores, quarenta corações.
O teu nome, o meu, flechas e palpitações:
No mal-me-quer, bem-me-quer, dizimei jardins.
Resultado: sou persona pouco grata,
corrido aos gritos de "Mata!! Mata !!"
por conservacionistas, ecólogos e afins...

Recorri, em desespero, ao gesto obsoleto:
"Se não me segurarem, eu faço um soneto!"
E não é que fiz, e até com boas rimas?
Você não leu, e nem sequer ficou sabendo....
Continuo inédito e eu, por teu amor sofrendo...
Mas fui premiado num concurso em Minas.

Comecei a escrever com pincel e piche
em muro branco, o asseio que se lixe,
todo o meu amor para a tua ciência.
Fui preso, aos socos, e fichado.
Dias e mais dias interrogado:
era PC, PC do B ou alguma dissidência?

Te escrevi com lágrimas, sangue, suor e mel
(você devia ver o estado do papel!...)
uma carta longa, linda e passional.
De resposta nem uma cartinha
nem um cartão, nem uma linha!...
Vá se confiar no Correio Nacional!

Com uma serenata, sim, uma serenata
como nos tempos da Cabocla Ingrata
me declararia, respeitando a métrica.
Ardor, tenor, a calçada enluarada…
havia tudo sob a tua sacada
menos tomada pra guitarra elétrica.

Decidi, então, botar a maior banca no céu
e escrever com fumaça branca:
“Te amo, assinado..” e meu nome bem legível.
Já tinha avião, coragem, brevê
tudo para impressionar você
mas veio a crise, faltou o combustível!...

Ontem você me emprestou seu ouvido
e na discoteca, em meio do alarido,
despejei meu coração.
Falei da devoção ha anos entalada
e você disse “Não escuto nada!”.
Curta é a vida, longa é a paixão.

Na velhice, num asilo, lado a lado
em meio a um silêncio abençoado
direi o que sinto, meu bem.
O meu único medo é que então,
empinando a orelha com a mão,
você me responda só: “Hein?”


Luis Fernando Verissimo (nasceu em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil em 26 de setembro de 1936)

2013-09-25

Viagem na noite longa - Mário Fonseca

Na noite longa
minha alma
chora sua fome de séculos

Meus olhos crescem
e choram famintos de eternidade
até serem duas estrelas
brilhantes
no céu imenso.

E o infinito se detém em mim

Na noite longa
uma remotíssima nostalgia
afunda minha alma
E eu choro marítimas lágrimas
Enquanto meu desejo heróico
de engolir os céus
se alarga
e é já céu

Tenho então
a sensação esparsamente longa
de vogar no absoluto.


Mário Alberto de Almeida Fonseca nasceu na cidade da Praia, Cabo Verde a 12 de novembro de 1939, na Cidade 1939, e faleceu em 25 Setembro 2009

Eufemia - Fernando Semana

Os caminhos desta vida percorrida
Sem rima, mas sempre ávida…,
Arrastam sombras na eufemia constrangida
- Plurilaterais ensaios de eugenia para outra vida -

Anagramas em teia decifro
Novelos, com desvelo, desfolho
Sentimentos, de mim para mim, migro
Como abóbadas de ogivas até ao soalho…

As ceifas que colho sem trigo,
São deltas que terminam sem rio
Ninfa e borboleta… estuário…

Pormenores que eram essenciais
Esqueci… e agora desfio…
Palavras, círios… um lio de coisas banais…

O poema que (não) existe

Hoje quis fazer um poema
e por isso escolhi o tema:
Refletir o que se passa
nesta vida cinza e baça
em que a alma mal resiste...
Mas saberei eu escrevê-lo?
O desvelo com que a lágrima,
livre, desliza pela face
sem projeto nem rima
a não ser o de se desvanecer?
Nesta manhã que nasceu triste
Sinto-o, etéreo, o poema existe
O livro até já está no prelo
Mas... eu não o sei dizer!


Fernando Semana nasceu na freguesia de Valbom do concelho de Gondonmar a 12 de outubro de 1957

2013-09-24

A laranjeira - Júlia Lopes de Almeida


Perfumada laranjeira,
Linda assim dessa maneira,
Sorrindo à luz do arrebol,
Toda em flores, branca toda
- Parece a noiva do Sol
Preparada para a boda.

E esposa do Sol, que a adora,
Com que cuidados divinos
Curva ela os ramos, agora!
E entre as folhas abrigados,
Seus filhos, frutos dourados,
Parecem sois pequeninos.


Júlia Valentina da Silveira Lopes de Almeida, nasceu a 24 de setembro de 1862 no Rio de Janeiro/RJ e lá faleceu a 30 de maio de 1934

2013-09-23

Tu Risa / Teu Riso / Your Laughter - Pablo Neruda

Rosa azul

Tu Risa

Quítame el pan, si quieres,
quítame el aire, pero
no me quites tu risa

No me quites la rosa,
la lanza que desgranas,
el agua que de pronto
estalla en tu alegría,
la repentina ola
de plata que te nace.

Mi lucha es dura y vuelvo
con los ojos cansados
a veces de haber visto
la tierra que no cambia,
pero al entrar tu risa
sube al cielo buscándome
y abre para mí todas
las puertas de la vida.

Amor mío, en la hora
más oscura desgrana
tu risa, y si de pronto
ves que mi sangre manch
las piedras de la calle,
ríe, porque tu risa
será para mis manos
como una espada fresca.

Junto al mar en otoño,
tu risa debe alzar
su cascada de espuma,
y en primavera, amor,
quiero tu risa como
la flor que yo esperaba,
la flor azul, la rosa
de mi patria sonora.

Ríete de la noche,
del día, de la luna,
ríete de las calles
torcidas de la isla,
ríete de este torpe
muchacho que te quiere,
pero cuando you abro
los ojos y los cierro,
cuando mis pasos van,
cuando vuelven mis pasos,
niégame el pan, el aire,
la luz, la primavera,
pero tu risa nunca
porpue me moriría.

Em português:

O Teu Riso

Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.

Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.

In English

Your laugher

Take my breath away, if you wish,
Take the air away, but
Do not take your laughter away from me.

Do not take the rose away,
The lanceflower that you pluck,
The water that suddenly
Bursts forth in your joy,
The sudden wave
Of silver born in you.

My struggle is harsh and I come back
With tired eyes
At times from having seen
The unchanging earth,
But when your laughter enters
It rises to the sky seeking me
And it opens for me all
The doors of life.

My love, in the darkest
Hour your laughter
Opens, and if suddenly
You see my blood staining
The stones of the street
Laugh, because your laughter
Will be for my hands
Like a fresh sword.

Next to the sea in autumn,
Your laughter must raise
Its foamy cascade,
And in spring, love,
I want your laughter like
The flower I was waiting for,
The blue flower, the rose
Of my echoing country.

Laugh in the night,
In the day, on the moon,
Laugh at the twisted
Streets of the island,
Laugh at this clumsy
Boy who loves you,
But when I open
My eyes and close them,
When my steps go,
When my steps return,
Deny me bread, air,
Light, spring,
But never your laughter
For which I would die.


 Pablo Neruda [Ricardo Eliecer Neftalí Reyes Basoalto] (n. 12 Jul 1904, Parral, Chile; m. 23 Set 1973 em Santiago, Chile).

Mais poemas de Pablo Neruda, neste blog:
Para que tu me ouças
Poema 1 de Vinte Poemas de amor e uma canção desesperada: Corpo de Mulher
Poema 18: Aqui te amo
A Noite na Ilha
Unidade
Uma Canção Desesperada
La Canción Desesperada
Tonight I Can Write Saddest Lines
If You Forget Me
Puedo Escribir los versos mas tristes esta noche
Poema LXVI : Não te quero senão porque te quero
Poema 15: Me gustas cuando callas...
Poema 15: (em português) Gosto de ti calada...
Para Meu Coração Basta Teu Peito
Para Mi Corazon Basta Tu Pecho
Corpo de Mujer
Canto XII From Heights of Macchu Picchu

2013-09-21

I'm Your Man - Leonard Cohen



If you want a lover
I'll do anything you ask me to
And if you want another kind of love
I'll wear a mask for you
If you want a partner
Take my hand
Or if you want to strike me down in anger
Here I stand
I'm your man
If you want a boxer
I will step into the ring for you
And if you want a doctor
I'll examine every inch of you
If you want a driver
Climb inside
Or if you want to take me for a ride
You know you can
I'm your man

Ah, the moon's too bright
The chain's too tight
The beast won't go to sleep
I've been running through these promises to you
That I made and I could not keep
Ah but a man never got a woman back
Not by begging on his knees
Or I'd crawl to you baby
And I'd fall at your feet
And I'd howl at your beauty
Like a dog in heat
And I'd claw at your heart
And I'd tear at your sheet
I'd say please, please
I'm your man

And if you've got to sleep
A moment on the road
I will steer for you
And if you want to work the street alone
I'll disappear for you
If you want a father for your child
Or only want to walk with me a while
Across the sand
I'm your man

If you want a lover
I'll do anything you ask me to
And if you want another kind of love
I'll wear a mask for you

Leonard Norman Cohen,(born 21 September 1934, Montreal, Quebec, Canada)

Anjo da Morte - Paulo Gomide

Anjo da Morte, por que
me causas tanta aflição ?
Não basta o dano que a vida
já fez ao meu coração ?
Não basta a infância perdida
na estultícia que não crê ?
A distância percorrida
de que vale, a quem não vê ?
Não basta a chave do enigma
depois que a carne sofreu ?
Não basta o opróbio do estigma
à alma que já morreu ?

Anjo da Morte, por que
me causas tanta aflição ?
A morte não é a amiga
de quem não teve afeição ?

Pois que eu trema, mas prossiga.


in Pequenos Poemas, Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1953

Paulo Rocha Gomide nasceu em São Paulo a 25 de fevereiro de 1912, falecendo no Rio de Janeiro em 21 de setembro de 1982.

Do mesmoo autor:
Mea Culpa

2013-09-20

Literatura de cordel: A Moça que se casou 14 vezes e continuou donzela - Apolônio Alves

1
No outro século passado
na fazenda Jequié
havia uma donzela,
religiosa de fé
no seu batísmo lhe deram
o nome de Salomé,

Salomé era uma virgem
de estimada simpatia,
filha de um fazendeiro
criou-se muito sadia,
era a moça mais formosa
do estado da Bahia

Contava 22 anos
aquela jovem tão bela
sempre, sempre aparecia,
namorado para ela
casou-se 14 vezes
e continuou donzela

Um daqueles namorados,
que Salomé arranjou,
era um rapaz forte e moço
em poucos dias casou,
mas sua morte súbita
todo mundo admirou

2
Porque em menos dum ano
que ele tinha casado,
começou enfraquecendo
pálido e desfigurado
a noite deitou se vivo
e amanheceu finado.

Salomé ficou viuva,
a noite inteira chorou
o seu primeiro marido,
a morte ingrata o levou
mas que ainda era virgem
a ninguém nada contou.

Acontece que um dia
na festa dum batizado,
viuvinha arranjou
o segundo namorado
com 15 dias casou-se
num dia tão festejado.

Por segurança dos bens
casou também no juiz
a sua lua de mel
foram passar em Paris
Salomé voltou viuva
chorando a sorte infeliz.

Mas continuou a mesma
viuva virgem sem sorte
porque o segundo esposo,
que era sadio e forte
esse também embarcou,
no barco negro da morte

3
Porém Salomé por ser,
viuva de polidez
não demorou muito tempo,
casou-se terceira vez
com outro rapagão moço,
filho de um português.

Esse não durou um mês
começou ficando fraco
amarelo cadavérico,
da grossura dum cavaco
em poucos dias também
foi pra dentro do buraco.

Todo povo comentava,
- este caso è muito sério
o que há com Salomé
até parece um mistério,
já trés maridos que ela
manda para o cemitério.

A quarta vês para ela
apareceu um baiano
um rapagão muito forte
decendente de cigano
noivaram no mês de outubro
casaram no fim do ano.

Esse também se findou,
no próximo ano vindouro
começou se definhando,
e o povo fazendo agouro
que no fim do mesmo ano,
também entregou o couro.

4
Coitada da Salomé
ficou viuva de novo
vivia tão pensativa,
calada que só um ovo
envergonhada de ouvir,
o comentário do povo.

Após passar muito tempo,
lamentando a desventura
apareceu outro jovem,
de forte musculatura
foi o quinto esposo dela
a entrar na sepultura.

Logo apareceu o sexto
era um rapaz arrazado
vendo que ela era filha
de um velho recursado
pensando enricar tambem
acertou logo o noivado.

Embora contrariado,
o velho o casório fez
esse também morreu logo
vivo não passou um mês
Salomé ficou viuva,
pela sua sexta vez.

Casou pela sétima vez
com um rapaz forasteiro
tocador de violão
boémio e aventureiro
esse casou-se em dezembro
e faleceu em janeiro.

5
Certo dia ela contou
aquele segredo dela
a uma sua amiguinha
lhe dizendo: Maristela
Já me casei 7 vezes,
mas ainda estou donzela.

E logo pediu a ela
para guardar o segredo
porém a amiga falsa
no outro dia bem cedo
saiu pela vizinhança
espalhando aquele segredo.

O povo pra criticar
lhe chamavam na surdina
de viuva mata sete
ou viuvinha assassina
assim a pobbre vivia,
lastimando a sua sina

Os homens todos diziam
o fato não é comum
já se casou 7 vezes
e ainda está em jejum,
porque é que seus maridos
não fica vivo nenhum?

Assim a pobre vivia
neste dilema sofrido
por onde passava ouvia
do povo o "estampido"
- lá vai a viuva virgem
matadora de marido.

6
Ela vendo que ali,
rapaz nenhum lhe queria
por está muito manjada,
decidiu certo dia
viajou pra outro estado
que ninguem lhe conhecia.

Salomé saiu dizendo,
aqui eu não volto mais
partindo se despediu,
de seus extremosos pais
foi parar no Amazonas
a terra dos seringais.

Casou-se no Amazonas
comn um velho serinbgueirp
com 59 anos
mas ainda era solteiro
em pouco tempo tambem,
deu serviço ao coveiro.

Para encurtar a história,
Salomé foi se casando,
até inteirar quatorze
e viuva ia ficando
por fim se desenganou
sua sorte praguejando

Naquilo havia um misterio
que ninguem não connhecia,
que Salomé se casava,
õ seu marido morria
o porquê desse mistério,
nem mesmo ela sabia.

7
Foi um bruxo que queria
se casar com Salomé
e apaixonou-se por ela,
um dia num condomblé
mas ela lhe deu um fora
mandou o chupar picolé

Por isso o bruxo maldito
fez pra ela um malefício
que a pobre Salomé
vivia neste suplício
levando todos os maridos
a borda do precipicio

Toda vez qu'ela casava
o feitiço acontecia
porque na noite de núpcia
seu marido adoecia
sem conhecer a doença,
pelo desgosto morria.

Porque na primeira noite,
na hora do tererê
que o marido encostava
o seu corpo em Salomé
a sua moral caís
nunca mais ficava em pé.

Porem o seu ultimo esposo
por ser esperto e matreiro
correu logo e procurou
um famoso feiticeiro
pra desmanchar o feitiço
do bruxo catimbozeiro.

8
Perguntaram a Salom´e
se ela se lembraria
o nome daquele bruxo
de tamanha covardia
que fizera para ela
essa horrenda bruxaria.

Ela disse que sabia
o nome do infiel
então o segundo bruxo
logo pegou num papel,
escreveu em cruz o nome,
do feiticeiro cruel.

Disse para Ezequiel
vou desmanchar o feitiço
porem só por 2 milhões
posso fazer o serviço
e você pode assumir
sua esposa. sem enguiço

Ezequiel conseguiu
findou-se todo o mistério
Salomé ficou feliz
desfrutando aquele império
após enterrarem o nome
do bruxo no cemitério.

Ainda teve dois filhos
A moça de Jequié,
Livrou-se da bruxaria,
vivendo cheia de fé
Ezequiel adorava,
Sia esposa Salomé. - FIM

Apolônio Alves dos Santos nasceu em 20 de setembro de 1926, em Guarabira, Paraíba; motrreu em 1998 em Campina Grande, Paraíba


2013-09-19

Como ficou ontem demonstrado há portugueses com competência e capacidade para expulsar alemães...


Demarcando-me de todo e qualquer radicalismo, sectarismo ou nacionalismo bacoco, não consigo fugir à necessidade de expressar que fiquei contente com uma decisão tomada ontem pelo Sr. Pedro Proença (quem diria? eu dizer bem, uma vez que seja, deste sujeito...) ao expulsar o treinador do Borussia de Dortmund, Jürgen Klopp. Este homem estava em estado absoluto de cólera e irritação, a investir contra o árbitro assistente - Venãncio Tomé - da equipa de arbitragem portuguesa, logo após a equipa da casa - os napolitanos - ter inaugurado o marcador no jogo da Champions League, que viria a acabar com o triunfo dos italianos por 2-1!

Também o guarda-redes alemão acabaria por ser expulso por defender a bola com a mão fora da área numa jogada de perigo do Nápoles.

Afinal, há portugueses com competência para mandarem os alemães "baixarem a bolinha" e até porque o não fizeram, ir darem uma curva... Pena não termos o mesmo poder para fazer isso com a «troika»...

Vem sentar-te comigo - Ricardo Reis

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer nao gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento —
Este momento em que sossegadamente nao cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-as de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim — à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.


Ricardo Reis (um dos heterónimos de Fernando Pessoa) nasceu, em ficção, no Porto, a 19 de Setembro de 1887. Educado num colégio jesuíta (latinista por educação alheia e semi-helenista por educação própria), formou-se em Medicina. Por ser monárquico, partiu para o Brasil em 1919...

in Odes de Ricardo Reis

Da mesma autoria:
Dia após Dia
Aguardo
Não quero recordar nem conhecer-me
Para ser grande sê inteiro

2013-09-18

Musical suggestion of the day: Mom Says - Luisa Sobral



Luísa Maria Vilar Braamcamp Sobral nasceu em Lisboa a 18 de Setembro de 1987

Perfil do candidato mentiroso - Marciano Medeiros (literatura de cordel)

E porque as eleições autárquicas estão à porta...


Existem muitos políticos
Repletos de malandragem
Que no tempo das campanhas
Esbanjam camaradagem
Dizendo pras multidões
Escutem minha mensagem

– Eu quero ser candidato
Por me sentir preparado
O meu plano de governo
Logo mais tem resultado,
Essa é a fala padrão
Do candidato safado

Assim prossegue o barulho
Combate o adversário
No seu discurso inflamado
Promete dar mais salário
Vem pregar na praça pública
O tal conto do vigário

Vemos muita agitação
Nos comícios populares
Candidato esculhambando
Falando coisas vulgares
E até amigos de infância
Brigam nas portas dos bares
1
É preciso ter cuidado
Com teses escandalosas
Não se deixando levar
Por falas audaciosas
Rejeitando as pilantragens
Das mentes maliciosas

Na campanha eleitoral
Nós vemos grandes mentiras
Onde falsos democratas
Falam repletos de iras
E a reputação dos outros
É rasgada em feias tiras

A promessa sendo feita
Pra toda população
O candidato farsante
Melhora a entonação
Dizendo que cumpre tudo
Se ganhar a eleição

O povo logo animado
Acredita na mudança
Achando que vale a pena
Conservar toda esperança
Memoriza o tal discurso
Guarda tudo na lembrança
2
O político mentiroso
Tem enorme plataforma
Afirma que seu partido
A legislação transforma
E quem quiser votar nele
Sentirá boa reforma

Diz ser bastante capaz,
O favorito do povo
Todos precisam dar chance
A um candidato novo
Que entrando na prefeitura
Trará bastante renovo

Esse político farsante
Tem profissão de enganar
Diz que terá o emprego
Pra seu compadre ajudar
Mas logo assumindo o cargo
Só lembra de humilhar

Bota uma trava eletrônica
Na porta da prefeitura
Criando falso governo
Com muita descompostura
Vai mentir na capital
Essa maldosa figura
3
Você vai pedir trabalho
Ele dar pobre gorjeta
Desejando que o povo
Sempre viva na sarjeta
O eleitor sofre tanto
Que sai fazendo careta

Todo cidadão conhece
O assunto profundamente
Enrolação de político
Dum safado incompetente
Que vive para enganar
Iludindo a nossa gente

Ligeiro faz seu teatro
No horário eleitoral
Numa campanha nanica
E até mesmo federal
Obedece ao marqueteiro
Pra derrotar o rival

Assistimos as conversas
Todas elas prepararadas
Nos truques das eleições
As cenas são formuladas
E nos programas gratuitos
Elas são apresentadas
4
Mesmo sendo analfabeto
O cara fica falante
Usando terno bonito
Passando por elegante
E quando anda na rua
Faz a pose de importante

Abraça o povo sorrindo
Chamando de companheiro
Visita toda favela,
Boteco de cachaceiro
Mas voltando para casa
Vai se lavar no chuveiro

Discursando é envolvente
Faz extensa analogia
Dizendo representar
A tal da democracia
Mas quem for inteligente
Percebe a demagogia

Candidato mentiroso
Chama o povo de querido
Sem que ninguém fale nisso
Proclama-se o preferido
Afirma que vencerá
Tendo o pleito garantido
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E vive fazendo intrigas
Sendo muito temerário
Só leva sua bandeira
Quem ele pagar salário
Pois tem mais de dez processos
No poder judiciário

Não respeita o concorrente
Só quer desmoralizar
Falando das baixarias
Na hora de improvisar
As propostas do partido
Termina por não contar

Declara pra toda gente
Que só confia em dinheiro
Tenta comprar o seu voto
O político aventureiro
Quando vence a eleição
Viaja pro estrangeiro

Comemora na Espanha
Ou na América do Norte
Não agradecendo os votos
Pensa apenas que foi sorte
Compra o poder com dinheiro
Imaginado ser forte
6
Ao terminar a viagem
Regressa pra governar
Tendo cargo de prefeito
Muda logo o celular
Depois que passa três meses
O seu carro vai trocar

Se não teve maioria
Compra “bons” parlamentares
Que das suas roubalheiras
Passam a ser os pilares
Mas nos comícios da vida
Dizem que são exemplares

É claro que não são todos
No Brasil temos valores
Os políticos verdadeiros
Não gostam dos impostores
Deixando muitos exemplos
Nos gestos renovadores

Nunca aprovam safadeza
Dos festins e das orgias
E quando assumem funções
Batalham por melhorias
Vamos votar nos corretos
Para vermos novos dias
7
Tenha bastante cuidado
Preserve a cidadania
Pois quando a gente se omite
Ajuda a patifaria
Um candidato correto
Só defende a melhoria

Quem gasta muito dinheiro
Na campanha eleitoral
Seja em cidade pequena
Ou mesmo na capital
Vai tirar o prejuízo
De maneira desleal

Na força deste folheto
Preguei a democracia
Dizendo muitas verdades
Com pouca diplomacia
Então que evitemos sempre
Toda prática que vicia

Viva o povo brasileiro
Abaixo a corrupção
Preservando honestidade
Faremos na votação
Dessa Pátria do cruzeiro
A mais gigante nação.

Extraído daqui

Marciano Batista de Medeiros nasceu em Santo Antônio/RN aos 18 de setembro de 1973

2013-09-17

Musical suggestion of the day: E Tu Gostava De Mim - Ana Moura



Ana Cristina Moura nasceu a 17 de setembro de 1979 em Santarém

Aviões no céu a mil
Banda larga em Arganil
Argonautas, foguetões
Fogos fátuos e neutrões
Nitro super combustão
Consta em Santa Comba Dão
Dão-se destas situações
Milagres e aparições
Dava-se outro caso assim
E tu gostavas de mim

Pode um rebento em Belém
Ser filho mas só da mãe
Multiplicação do pão
O Boavista campeão
Automóveis sem motor
Motociclos a vapor
Se não tem divina mão
E acontece tudo em vão
Dava-se outro acaso assim
E tu gostavas de mim

Lei e ordem no Brasil
Ciberespaço em Contumil
Cães em naves espaciais
Microchips em cães normais
Microsondas em Plutão
Dentro da televisão
Situações paranormais
Para nós mais que banais
Não era pedir de mais
E tu gostavas de mim

Não me peças sorrisos - Agostinho Neto

Não me exijas glórias
que ainda transpiro
os ais
dos feridos nas batalhas

Não me exijas glórias
que sou eu o soldado desconhecido
da humanidade

As honras cabem aos generais

A minha glória
é tudo o que padeço
e que sofri
Os meus sorrisos
tudo o que chorei

Nem sorrisos nem glória

Apenas um rosto duro
de quem constrói a estrada
pedra após pedra
em terreno difícil

Um rosto triste
pelo tanto esforço perdido
- o esforço dos tenazes que se cansam
á tarde
depois do trabalho

Uma cabeça sem louros
porque não me encontro por ora
no catálogo das glórias humanas

Não me descobri na vida
e selvas desbravadas
escondem os caminhos
por que hei-de passar

Mas hei-de encontrá-los
e segui-los
seja qual for o preço

Então
num novo catálogo
mostrar-te-ei o meu rosto
coroado de ramos de palmeira

E terei para ti
os sorrisos que me pedes.


António Agostinho Neto, nasceu a 17 de setembro de 1922, em Catete, Ícolo e Bengo, Angola e faleceu a 10 de setembro de 1979, na Rússia.

2013-09-16

Desnuda e Exposta aos Vendavais Sem Pejo - Enrique de Resende (na passagem dos 40 anos do desaparecimento do poeta)

Árvore abandonada no caminho;
desnuda e exposta aos vendavais sem pejo,
não tenho sombras para o teu carinho,
não tenho frutos para o teu desejo.

Destroçou-me o infortúnio... Malfazejo
foi-me o destino, e pérfido, e mesquinho.
Guardei no seio o teu primeiro beijo:
tudo o mais se perdeu pelo caminho.

Por que buscas agora o amor desfeito?
— És sonho na minha alma, e sonho morto.
— Sou rosa em tuas mãos, e desfolhada.

Depois de tantos anos, no teu leito
tens apenas sobejos do meu corpo,
da minha alma, talvez, não tenhas nada...


Poema extraído daqui

Enrique de Resende, (Henrique Vieira de Rezende, nasceu no dia 13 de agosto de 1899, na fazenda do Rochedo, em Cataguases; morreu em 16 de setembro de 1973 no Rio de Janeiro).

Ler do mesmo autor, neste blog: Da Felicidade; Retrato de Minha Mãe

2013-09-15

O autor aos seus versos - Barbosa du Bocage

Chorosos versos meus desentoados,
Sem arte, sem beleza e sem brandura,
Urdidos pela mão da Desventura,
Pela baça Tristeza envenenados:

Vede a luz, não busqueis, desesperados,
No mudo esquecimento a sepultura;
Se os ditosos vos lerem sem ternura,
Ler-vos-ão com ternura os desgraçados:

Não vos inspire, ó versos, cobardia
Da sátira mordaz o furor louco,
Da maldizente voz e tirania:

Desculpa tendes, se valeis tão pouco,
Que não pode cantar com melodia
Um peito de gemer cansado e rouco.


Manuel Maria Ledoux de Barbosa du Bocage (n. 15 Set 1765 em Setúbal; m. Lisboa, 21 Dez 1805)

Ler do mesmo autor, neste blog:
Tudo acaba...
Proposição das rimas do poeta
Ó retrato da Morte! Ó Noite amiga
Já Bocage não sou! ...À Cova escura
Nascemos para amar
Ó tranças de que Amor prisão me tece
Liberdade, onde estás quem te demora...

2013-09-14

A Ponte / El Puente - Mario Benedetti

Para cruzá-la ou não cruzá-la
eis a ponte

na outra margem alguém me espera
com um pêssego e um país

trago comigo oferendas desusadas
entre elas um guarda-chuva de umbigo de madeira
um livro com os pânicos em branco
e um violão que não sei abraçar

venho com as faces da insônia
os lenços do mar e das pazes
os tímidos cartazes da dor
as liturgias do beijo e da sombra

nunca trouxe tanta coisa
nunca vim com tão pouco

eis a ponte
para cruzá-la ou não cruzá-la
e eu vou cruzar
sem prevenções

na outra margem alguém me espera
com um pêssego e um país

in MÁRIO BENEDETTI ANTOLOGIA POÉTICA
Tradução de Julio Luís Gehlen.
Rio de Janeiro: Record, 1988

Original

EL PUENTE

Para cruzalo o para no cruzarlo
ahí está el puente

en la otra orilla alguien me espera
con un durazno y un país

traigo conmigo ofrendas desusadas
entre ellas un paraguas de ombligo de madera
un libro con los pánicos en blanco
y una guitarra que no sé abrazar

vengo con las mejillas del insomnio
los pañuelos del mar y de las paces
Ias tímidas pancartas del dolor
las liturgias del beso y de la sombra

nunca he traído tantas cosas
nunca he venido con tan poco

ahí esta el puente
para cruzarlo o para no cruzarlo
yolIo voy a cruzar
sin prevenciones

en la otra orilla alguien me espera
con un durazno y un país

in Preguntas al azar – 1984-1985

Mario Orlando Hardy Hamlet Brenno Benedetti Farrugia (Paso de los Toros, Tacuarembó, Uruguai 14 set. 1920 – Montevideu, 17 maio 2009)



2013-09-13

Mãe Ilha IV - Natália Correia (na passagem dos 90 anos do seu nascimento)

Por lentas alamedas musicais
Chegam-lhe as tuas mãos ledas e leves
Trazem-me a valsa que enchia de cristais
A casa e eras de louça mãe de Sévres.

Lá nas fajãs partiu-te um sopro a mais
Que a morte é cio de belezas breves,
Mas, ó mistério de dedos siderais!,
Um triz de música e uma azália escreves.

Mãos que me levam lácteas pelos cabelos
(Lembras-te? eram anéis dos teus anelos)
Para a ilha. No teu seio o mar arfava.

Mãos doceiras das flores com que cobrias
O meu sono. Mais música! Para os dias
De opala, mãe de mel, falta uma oitava.


Extraído de Cem Poemas Portugueses do Adeus e da Saudade
Selecção, organização e introdução de José Fanha e José Jorge Letria
Terramar

Natália de Oliveira Correia (n. na Ilha de S. Miguel, Açores a 13 Set 1923; m. em Lisboa a 16 Mar 1993)

Ler da mesma autora:
A recusa das imagens evidentes
O Espírito
Queixa das almas jovens censuradas
Poema destinado a haver domingo
O Sol nas noites e o Luar nos dias
Retrato Talvez Saudoso da Menina Insular
Boletim Meteorológico
Nictofagia
Na Câmara de Reflexão IV
A luz meridional que, rigorosa
Fiz um conto para me embalar
Poema dirigido ao deputado João Morgado

2013-09-12

Ao Luar - Auta de Souza

A Maria Fausta e a Mercês Coelho

Astros celestes, docemente louros,
Giram no espaço, em luminoso bando;
Ouve-se ao longe um violão plangente
E, mais além, n’um soluçar dolente,
Canções serenas, ao luar voando.

Quanta tristeza pela noite clara!
Quanta saudade pelo azul boiando!
Cuida-se ouvir, n’um dolorido choro,
As preces tristes de um magoado coro
De almas penadas ao luar rezando.

O céu parece uma igrejinha antiga
Que a lua branca vai alumiando...
E essas estrelas, muito além dispersas,
São rosas brancas no Infinito imersas,
Monjas benditas, ao luar chorando.

Os pirilampos, pelas moitas tristes,
Voam, calados e sutis, brilhando...
Lembram descrenças, a bailar sombrias,
Ilusões mortas de esquecidos dias,
Almas de loucos, ao luar passando.

Flocos de nuvens pela Esfera adejam,
Barcos de neve pelo Azul formando...
Semelham preces que se vão da terra,
Almas mimosas, que este mundo encerra,
De criancinhas, ao luar sonhando.

Eles parecem também velas brancas
Soltas, à toa pelo mar vogando...
Leves e tênues, a correr imensas,
Folhas de lírios pelo Ar suspensas,
Aves saudosas, ao luar chorando.

Ai! quem me dera ser também criança!
Ai! quem me dera andar também voando!
Fazer dos astros um barquinho amado,
N’ele vagar por todo o Céu dourado,
As minhas dores ao luar cantando!


Auta de Sousa nasceu em Macaíba, RN, no dia 12 de setembro de 1876; f. Natal, 7 de fevereiro de 1901

Ao Pé do Túmulo
Caminho do Sertão
Elegia número 16

2013-09-11

Despondency - Antero de Quental

Deixá-la ir, a ave, a quem roubaram
Ninho e filhos e tudo, sem piedade…
Que a leve o ar sem fim da soledade
Onde as asas partidas a levaram…

Deixá-la ir, a vela, que arrojaram
Os tufões pelo mar, na escuridade,
Quando a noite surgiu da imensidade,
Quando os ventos do Sul se levantaram…

Deixá-la ir, a alma lastimosa,
Que perdeu fé e paz e confiança,
À morte queda, à morte silenciosa…

Deixá-la ir, a nota desprendida
D’um canto extremo… e a última esperança…
E a vida… e o amor… Deixá-la ir, a vida!


in Cem Poemas Portugueses do Adeus e da Saudade
Selecção, organização e intriodução de José Fanha e José Jorge Letria
Terramar

Antero Tarquínio de Quental (n. Ponta Delgada, S.Miguel, Açores a 18 Abr. 1842; m. em Ponta Delgada a 11 Set. 1891)

Ler do mesmo autor, neste blog:
Visita
Idílio
Consulta
O Que Diz a Morte
Ideal
Versos escritos num exemplar das «Flores do Mal»
Velut Umbra
Pepa (excerto)
Palácio da Ventura
Mors-Amor

2013-09-10

Neste leito de ausência em que me esqueço - Ferreira Gullar

Rio - foto daqui

Neste leito de ausência em que me esqueço,
desperta um longo rio solitário:
se ele cresce de mim, se dele cresço,
mal sabe o coração desnecessário.

O rio corre e vai sem ter começo
nem foz e o curso, que é constante, é vário.
Vai nas águas levando, involuntário,
luas onde me acordo e me adormeço.

Sobre o leito de sal, sou luz e gesso:
duplo espelho – o precário no precário.
Flore um lado de mim? No outro, ao contrário,

de silêncio e silêncio me apodreço.
Entre o que é rosa e lodo necessário,
passa um rio sem foz e sem começo.


José Ribamar FERREIRA GULLAR nasceu em São Luís do Maranhão a 10 de Setembro de 1930, mas, a partir de 1951, fixou-se no Rio de Janeiro. Aí, publicou um poema de vanguarda, «A Luta Corporal» (1954), que está na origem do movimento concretista, e participou, em São Paulo, na Exposição de Poesia Concreta (1956). Mais tarde, tornou-se dissidente do concretismo, dando origem ao neo-concretismo (1957/58) e insurgiu-se contra a Ditadura Militar (1964), pelo que foi processado, preso e exilado na Argentina, só regressando à Pátria em 1977. Entretanto, publicara o «Poema Sujo» (1975). Poeta, dramaturgo e ensaísta, a sua poesia é rica de substância e densa de sentido político.

Soneto e Nota biobliográfica extraídos de «A Circulatura do Quadrado - Alguns dos Mais Belos Sonetos de Poetas cuja Mátria é a Língua Portuguesa. Introdução, coordenação e notas de António Ruivo Mouzinho. Edições Unicepe - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, 2004.

Nota: A Ferreira Gullar foi atribuído o Prémio Camões 2010. O soneto que hoje se revisita no Nothingandall, relembrando a data do nascimento do poeta, e que, como se vê acima, faz parte de uma extraordinária colectânea de sonetos da língua portuguesa da editora Unicepe, fora divulgado aqui no blog em 10 de setembro de 2008 ou seja anteriormente à atribuição ao autor do maior galardão literário da língua portuguesa.

Ler do mesmo autor, no Nothingandall:
No Corpo
Cantiga para não morrer
Um Instante
Traduzir-se

2013-09-09

Paradoxo - Guimarães Passos

Se encontrares alguém no teu caminho,
Que do teu pranto menoscabe, rindo,
Que te ouvindo gemer, teus ais ouvindo,
Quebre na face o rictus do escarninho;

Se encontrares alguém que, descobrindo
No recesso da tua alma íntimo espinho,
Em vez de dar-te fraternal carinho,
Aprofunde-te a dor que estás sentindo;

Não te zangues com ele, não te zangue
O desgraçado riso que lhe vires;
Toca-lhe o peito - poreja sangue;

Toca-o: verás que fementidos modos!
Sonda-o: verás, por tudo que lhe ouvires
Que ele é mais desgraçado que nós todos.


Sebastião Cícero dos Guimarães Passos nasceu em Maceió, Alagoas, no dia 22 de março de 1867, e faleceu em Paris, no dia 9 de setembro de 1909.

Ler do mesmo autor, neste blog:
Mea Culpa
...Depois
Pubescência
XLI - Crianças fomos, como tal, tu, louca...

2013-09-08

Soneto XXXIV - Natividade Saldanha

Saudosos bosque, rústica espessura,
Que ouvis os meus lamentos dolorosos
Negros ciprestes, montes escabrosos
Não me negueis amiga sepultura.

Em feia cova, habitação escura,
Onde encontram prazer os desditosos,
Meus dias findarão,  dias penosos,
Bafejados da baça desventura.

Neste medonho abrigo sepultado,
Tendo por sócios mochos conspiradores,
Serei com minha morte afortunado.

Sobre a campa se leia: "Aqui pastores,
Josino está, pastor desventurado,
Morreu de ingratidão, morreu de amores".

 
José da NATIVIDADE SALDANHA nasceu em Santo Amaro do Jaboatão (PE) a 8 de Setembro de 1795 e morreu exilado em Bogotá, capital da Colômbia, em 30 de Março de 1830.

Ler do mesmo autor:
Soneto: Se no seio da pátria carinhosa
Nárcia! Márcia! ai de mim!
À Sombra Deste Cedro Venerando;
Os teus olhos gentis encantadores...

2013-09-06

Bailado - Pedro Homem de Mello




Quebrada pela cintura
Abre em dois frutos o peito.
E o seu calcanhar procura
A ponta do pé direito.

O vento dá-lhe na cara,
Escondida pelo lenço.
E o luar, que a decepara,
Deixa-lhe o busto suspenso...

Os olhos, como hei-de vê-los,
Se os desejos, menos vãos,
Morrem só por que os cabelos
Nos deixam sombras nas mãos?

Indizível, mas perfeito
Indício de formusura!
Abre em dois frutos o peito,
Quebrada pela cintura...


Pedro da Cunha Pimentel Homem de Mello, nasceu no Porto, a 6 de Setembro de 1904 — f. Porto, 5 de Março de 1984)
 
Ler do mesmo autor, neste blog:
Miragaia
O Bailador de Fandango
Solidão
Biografia
Oásis
Véspera
Berço
Obrigado
Uma Ânsia de Nudez
Povo que lavas no rio
Não choreis os mortos
Revelação

2013-09-05

Quotation of the Day - The Blessed Teresa of Calcutta


I have found the paradox, that if you love until it hurts, there can be no more hurt, only more love.

Anjezë Gonxhe Bojaxhiu known as The Blessed Teresa of Calcutta, born: August 26, 1910, Skopje, Republic of Macedonia
Died: September 5, 1997, Kolkata, India

Musa Inspiradora - Fernando Semana

Toda a poesia ao teu olhar se curva
Não há obra de arte que ouse sonhar-te
Todo o escultor ao ver-te se perturba
Eu vivo para, no sonho, encontrar-te...


2013-09-04

Explicação da Eternidade - José Luís Peixoto

devagar, o tempo transforma tudo em tempo.
o ódio transforma-se em tempo, o amor
transforma-se em tempo, a dor transforma-se
em tempo.

os assuntos que julgámos mais profundos,
mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis,
transformam-se devagar em tempo.

por si só, o tempo não é nada.
a idade de nada é nada.
a eternidade não existe.
no entanto, a eternidade existe.

os instantes dos teus olhos parados sobre mim eram eternos.
os instantes do teu sorriso eram eternos.
os instantes do teu corpo de luz eram eternos.

foste eterna até ao fim.


in "A Casa, A Escuridão"

José Luís Peixoto, nasceu em Galveias, Ponte de Sor, em 4 Setembro de 1974.

2013-09-03

Mesa da Solidão - Raul de Carvalho

Ao prato sequioso de frutas e de sumo
que ponho sempre na mesa aonde estou
fugazes são as mãos que para mim
se estendem e trocam
laranjas por rosas
oferta por oferta
Fugazes são as mãos! pois ninguém vê
o brilho inextinguível que as precede
e que só pede um pouco
de amor ou gratidão

Se me levanto e me despeço
fica deserta a mesa
fica um homem de pé olhando a mesa
ficamn na mesa os frutos que sorriem!

As quatro paredes do meu quarto
que são as quatro ondas que circundam
que são as quatro velas que balouçam
o navio da minha vida

Dedico o pensamernto e o olhar.

O meu destino foi
o de abandoinbar-me sem refúgio.

Como é possível que ninguém veja
teus olhos de criança doida
que pedem a toda a gente
que os não deixe
voar
ou cair?

Ah! a um poeta ninguém pode
segurá-lo pela aba
do casaco
porque ele dá um pinote
e - quando menos se espera
está no céu!

Nuvens e rosas
te tocam! lisas
no chão que olhas
no céu que pisas.

Para quê tanta pressa no andar?
Para quê tanta esperança incendiada?
A solidão está à tua espera
ainda levantada.

Porque o desejo cansa quando é tanto
que não pode parar
feliz do que deseja e a seguir
deixa de desejar.

Sou como tu
ó meu secreto amigo René Guy Cadou

Sinto-me bem com Deus quando estou só.


(Mesa da Solidão, 1955)
 in Poemas Portugueses Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, Porto Editora

Raul Maria Penedo de Carvalho (n. em Alvito, Baixo Alentejo, a 4 de Setembro de 1920; m. no Porto a 3 de Setembro de 1984).

Ler do mesmo autor, neste blog:
Guio-me
Amíude
Quando eu nasci, minha Mãe
Coração Sem Imagens;
Serenidade És Minha

2013-09-02

Fui al río - Juan L. Ortiz

Fui al río, y lo sentía
cerca de mí, enfrente de mí.
Las ramas tenían voces
que no llegaban hasta mí.
La corriente decía
cosas que no entendía.
Me angustiaba casi.
Quería comprenderlo,
sentir qué decía el cielo vago y pálido en él
con sus primeras sílabas alargadas,
pero no podía.
Regresaba
-¿Era yo el que regresaba?-
en la angustia vaga
de sentirme solo entre las cosas últimas y secretas.
De pronto sentí el río en mí,
corría en mí
con sus orillas trémulas de señas,
con sus hondos reflejos apenas estrellados.
Corría el río en mí con sus ramajes.
Era yo un río en el anochecer,
y suspiraban en mí los árboles,
y el sendero y las hierbas se apagaban en mí.
Me atravesaba un río, me atravesaba un río!


Juan Laurentino Ortiz (n. Puerto Ruiz, Entre Ríos, Argentina 11 jun 1896 - m. 2 Set 1978 em Paraná, Entre Ríos)