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2012-07-31

Pára-me de repente o pensamento - Ângelo de Lima

Pára-me de repente o pensamento
Como que de repente refreado
Na doida correria em que levado
Ia em busca da paz do esquecimento.

Pára surpreso, escrutador, atento,
Como pára um cavalo alucinado
Ante um abismo súbito rasgado.
Pára e fica, e demora-se um momento.

Pára e fica, na doida correria.
Pára à beira do abismo, se demora.
E mergulha na noite escura e fria.

Um olhar de aço, que essa noite explora.
Mas a espora da dor seu flanco estria,
E ele galga e prossegue sob a espora...


in Rosa do Mundo - 2001 Poemas para o Futuro, Assírio & Alvim

Ângelo Vaz Pinto Azevedo Coutinho de Lima nasceu no Porto a 31 de Julho de 1872 e morreu louco em Lisboa a 14 de Agosto de 1921

Nota: algumas fontes dão como data de nascimento 30 de Julho de 1872 em vez de 31 de Julho do mesmo ano. Se algum leitor tiver informações adicionais sobre esta questão agradecemos o contacto ou comentário.

Pode ler do mesmo autor, neste blog:
O Mar
Eu Ontem Vi-te
Não Tinha
Estes Versos Antigos

2012-07-30

Envelhecer - Mário Quintana

imagem daqui

Antes, todos os caminhos iam,
Agora todos os caminhos vêm,
A casa é acolhedora, os livros poucos
E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas.


in Poesia Brasileira do Século XX, dos Modernistas à Actualidade. Direcção, Introdução e Notas de Jorge Henrique Basto, Edições Antígona, Lisboa

Mário Quintana (n. in Alegrete, Rio Grande do Sul a 30 Jul 1906; m. em Porto Alegre, Rio Grande do Sul a 5 de Maio de 1994).

Ler do mesmo autor, neste blog:
Bilhete
O Poema
Inscrição Para Uma Lareira
Ah! Os Relógios
Das Utopias
Os Parceiros
Mário Quintana por si próprio : Texto auto-biográfico
Do Amoroso Esquecimento
Canção de junto do berço
A Canção da Vida
Recordo ainda

2012-07-29

Se Houver Próxima Vez - Rosa Maria Anselmo

Se houver próxima vez
procura-me,
estarei algures
entre um sorriso
ou uma lágrima,
na companhia
de um vento macio
como a tua pele.
Na próxima vez
serei eu a pedir perdão
por não te ter encontrado
nesta imensidão
das luzes da ribalta

- espero,
enquanto não vou,
não me perder de ti -

Porque
da próxima vez,
te prometo
vou encontrar-te.

Poema extraído do sítio da autora aqui
Rosa Maria Anselmo nasceu no dia 29 de Julho de 1958, na cidade do Porto.

2012-07-28

Soneto da Infância Breve - Sidónio Muralha

Muito cedo deixei de ser criança
e só guardei, à guisa de brinquedo,
encharcada de lua essa lembrança
de não ser mais criança muito cedo.

É esse cheiro de terra e a brisa mansa
ondulante de verde e de arvoredo
e o folguedo doirado dessa trança
que um dia me contou o seu segredo.

O menino que eu fui ainda corre
no meu país distante. O dia morre,
as sombras vão descendo, o sono vence-o.

E ele dorme, de mim desencontrado,
o menino que eu fui dorme embalado
na surdez em surdina do silêncio.

extraído de "Cem Poemas Portuguesas sobre a Infância", selecção, organização e introdução de José Fanha e José Jorge Letria, Terramar

Sidónio Muralha (nasceu na Madragoa, Lisboa a 28 de Julho de 1920; m. a 8 de Dez.1982 em Curitiba, Paraná, Brasil).

 Ler do mesmo autor, neste blog:
Romance
Dois Poemas da Praia da Areia Branca
Poemas de Sidónio Muralha
Os Olhos das Crianças

2012-07-27

Cruz de Ferro - Cesídio Ambrogi

No mais alto da serra, junto à estrada,
no ermo sertão, na paz silenciosa,
por crentes mãos, um dia ali plantada,
a Cruz de Ferro se ergue majestosa.

E cansado de longa caminhada,
ante a cruz solitária e misteriosa,
o viandante, ao passar, susta a jornada,
orando aos céus, em prece fervorosa.

E a grande Cruz de Ferro,
negra e muda, insensível aos tempos,
a ação ruda, serena,
sempre a mesma olhando o mar...

E - milagre! - em abril, contam viajores,
se lhe enroscam nos braços rubras flores,
como se fossem rosas a sangrar...


Cesídio Ambrogi (Natividade da Serra, 22 de maio de 1893 — Taubaté, 27 de julho de 1974)

2012-07-26

Carícias - Francisco Bugalho

Carícias sábias minhas mãos buscaram
Por teu corpo em botão, alvorescente;
E meus lábios sonâmbulos pisaram
Branduras de veludo alvo e dormente.

Triunfos nos meus olhos despontaram,
E gritos de clarim e de trombeta
Em meus ouvidos sôfregos soaram,
Como cantos de amor dalgum poeta.

Ritmos de doçuras e quebrantos,
Corpos vergados, como dois acantos,
Gritaram alto que era doce a vida.

Apertei-te na ânsia de perder-te.
E quando regressei, voltei a ver-te:
Vi-te ainda mais longe e mais perdida.


Francisco Bugalho nasceu a 26 de julho de 1905, no Porto, e faleceu a 29 de janeiro de 1949, em Castelo de Vide.

2012-07-25

O Meu Riso Vai Alto - Joyce Mansour

O meu riso vai alto,
Mais alto que os chapéus dos cardeais
Mais alto que a esperança
Os meus seios riem quando o sol brilha,
Apesar dos meus fatos apesar do meu noivo.
Feia que sou, sou feliz.
Deus e os vampiros
Amam-me.

Trad. Mário Cesariny

in Rosa do Mundo 2001 Poemas Para o Futuro,Assírio & Alvim, 2001

Joyce Patricia Adès [Joyce Mansour] nasceu em Bowden, Inglaterra, no dia 25 de julho de 1928 e faleceu em Paris em 27 de agosto de 1986.

2012-07-24

CHAMADA - de Solano Trindade

No dia 24 de Julho do ano de 1870 nascia em Ouro Preto, do estado de Minas Gerais, Afonso Henriques da Costa Guimarães, conhecido literariamente por Alphonsus de Guimaraens. Vinte anos mais tarde nasceria Guilherme de Almeida, em Campinas, São Paulo. Estes poetas estão já razoavelmente representados no Nothingandall pelo que a homenagem de hoje vai para mais um poeta a adicionar à lista já grande enumerada neste blog: Solano Trindade nascido também a 24 de Julho há 104 anos atrás (1908), no Recife. Além de poeta, foi pintor, teatrólogo, ator e folclorista. Legitimamente considerado um poeta da resistência negra por excelência deixamos esta CHAMADA, um poema de índole diferente em jeito de apelo aos poetas e que volvido mais de um século mantém toda a atualidade...

Poetas despertai enquanto é tempo
antes que a poesia do mundo
vá-se embora
antes que caia sobre o homem
um peso insuportável

Vinde correndo
cantar o vosso canto de Amor
para que as crianças
não sucumbam

Vinde com a vossa poesia
socorrer as mulheres
para que elas não caiam em desespero

Vinde poetas
pois vós
conheceis o segredo da vida...


Solano Trindade (Recife, 24 de julho de 1908 — Rio de Janeiro, 19 de fevereiro de 1974)

2012-07-23

Ai Minha Doce Loucura - Amália Rodrigues


Ai minha doce loucura
Ai minha loucura doce
Meu amor se assim não fosse
Seria a noite mais escura
Meu amor se assim não fosse

Se eu dantes tinha fome
Meu amor anda faminto
Com os beijos que te dei
O que sinto eu já não sei
Eu já nem sei o que sinto

Seria a noite mais noite
Meu amor se assim não fosse
Seria a noite mais escura
Ai minha doce loucura
Ai minha loucura doce

Ai minha loucura doce
Ai minha doce loucura
Ai minha loucura louca
Eu hei-de achar a tua boca
Mesmo na noite mais escura

Se minha alma não ousa
Meu coração que se afoite
Eu hei-de achar tua boca
Ai minha loucura louca
Mesmo na noite mais noite

Meu amor se assim não fosse
Seria a noite mais escura
Ai minha loucura doce
Ai minha loucura louca
Ai minha doce loucura

Amália Rodrigues nasceu em Lisboa a 23 Jul 1920*, m. a 6 Out 1999 em Lisboa-

*Data que consta dos registos oficiais. Amália sempre defendeu que nascera em 1 de Julho de 1920.

2012-07-22

Epitáfio Para Um Banqueiro - José Paulo Paes



negócio
  ego
      ócio
        cio
          0

in Poesia Brasileira do Século XX, dos Modernistas à Actualidade
Selecção, introdução e notas de Jorge Henrique Bastos, Antígona

José Paulo Paes nasceu em Taquaritinga - SP, em 22 de julho de 1926; m. 9 de outubro de 1998)

Canção do Exílio

2012-07-21

Aniversário - Luiz Edmundo Alves


cada momento vivido
é um pedacinho que
se perde.
como sentir o tempo?
cada momento vivido
é um pedacinho que
se ganha.
como fixar o tempo?

as articulações
rígidas do tempo
rugas na face

as reinvenções
diminutas do tempo
infância na memória

Luiz Edmundo Alves nasceu em Vitória da Conquista, Bahia, em 21 de julho de 1959.

Do mesmo autor: Sombras; Poética

2012-07-20

Depois - Gastão Cruz

Quando volta num sonho o amor atemoriza
é uma lança escura
que trespassa a exígua espessura da vida


Gastão Cruz nasceu em Faro a 20 de Julho de 1941

2012-07-19

O Sentimento Dum Ocidental - I Ave Marias - Cesário Verde


A Guerra Junqueiro

Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.

O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-me, perturba-me;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba
Toldam-se duma cor monótona e londrina.

Batem os carros de aluguer, ao fundo,
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista, exposições, países:
Madrid, Paris, Berlim, Sampetersburgo, o mundo!

Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Saltam de viga em viga, os mestres carpinteiros.

Voltam os calafates, aos magotes,
De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos,
Embrenho-me a cismar, por boqueirões, por becos,
Ou erro pelos cais a que se atracam botes.

E evoco, então, as crónicas navais:
Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado
Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!
Singram soberbas naus que eu não verei jamais!

E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!
De um couraçado inglês vogam os escaleres;
E em terra num tinido de louças e talheres
Flamejam, ao jantar, alguns hotéis da moda.

Num trem de praça arengam dois dentistas;
Um trôpego arlequim braceja numas andas;
Os querubins do lar flutuam nas varandas;
Às portas, em cabelo, enfadam-se os lojistas!

Vazam-se os arsenais e as oficinas;
Reluz, viscoso, o rio, apressam-se as obreiras;
E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,
Correndo com firmeza, assomam as varinas.

Vêm sacudindo as ancas opulentas!
Seus troncos varonis recordam-me pilastras;
E algumas, à cabeça, embalam nas canastras
Os filhos que depois naufragam nas tormentas.

Descalças! Nas descargas de carvão,
Desde manhã à noite, a bordo das fragatas;
E apinham-se num bairro aonde miam gatas,
E o peixe podre gera os focos de infecção!


in Poemas Portugueses - Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, Selecção, organização, introdução e notas Jorge Reis-Sá e Rui Lage, Porto Editora

José Joaquim Cesário Verde (n. em Lisboa a 25 de Fev 1855; m. Lisboa, 19 Jul 1886).

Ler ainda do mesmo autor, neste blog:
Cristalizações
Eu e Ela
Noite Fechada
Cobertos de folhagem na verdura...
Arrojos
Lúbrica
CONTRARIEDADES
Nós III
Vaidosa
De Tarde

2012-07-18

Moças de Bencatel - Conde de Monsaraz

Ao arrumar uns livros antigos deparo-me com um - uma preciosidade, infelizmente em mau estado de conservação - autografado pelo autor com dedicatória: "Ao Costa Barreto, com admiração e estima" Urbano Tavares Rodrigues Out. 58". Dele transcrevo este poema do Conde de Monsaraz (falecido faz hoje 99 anos) sobre as Moças de Bencatel:

Ó moças de Bencatel,
não vos zangueis se vos ralho:
muito amor, pouco trabalho;
pouco trigo,muito mel;
- fiai-vos no que vos digo
e não fiqueis mal comigo,
ó moças de Bencatel -
para vós, para a lavoura,
tomai tento, melhor fora
muito trigo, pouco mel.

Vejo terras de pousio,
que andaram sempre lavradas,
todas cobertas de flores;
mais quando chegar o frio
e passarem os calores,
e as chaminés apagadas
e as camas sem cobertores,
mal irá às namoradas
e pior aos lavradores.

Funçanatas e derriços.
cantigas e pasmaceiras,
fazem fugir aos serviços
e faltar às sementeiras:
eis porque estão os cortiços
abarrotados de mel
e estão desertas as eiras,
ó moças de Bencatel.

Como abelhas, as cantigas,
por entre moitas e brejos,
fabricam favos de beijos
nas bocas das raparigas,
e os mocetões das aldeias,
sem canseiras nem cuidados,
largam ancinhos e arados
para crestar as colmeias...

Ó moças de Bencatel,vós tendes as bocas cheias...
Acautelai-vos , senão
haveis de ficar sem mel,
sem maridos e sem pão!

(De «Musa Alentejana» , Conde de Monsaraz (1852-1913))

in Antologia da Terra Portuguesa - Alto e Baixo Alentejo.
Introdução, selecção e notas por Urbano Tavares Rodrigues
Livraria Bertrand

António de Macedo Papança, Conde de Monsaraz (nasceu em Reguengos de Monsaraz a 18 de Julho de 1852 — m. em Lisboa a 17 de Julho de 1913)

Ler do mesmo autor:
Os Bêbados
Salada Primitiva
Tristezas mortais
Os Bois
No Monte

2012-07-17

Pórtico - João José Cochofel

Outros serão
os poetas da força e da ousadia.
Para mim
— ficará a delicadeza dos instantes que fogem
a inutilidade das lágrimas que rolam
a alegria sem motivo duma manhã de sol
o encantamento das tardes mornas
a calma dos beijos longos.
Um ócio grande. Morre tudo
dum morrer suave e brando...

Que os outros fiquem com o seu fel
as suas imprecações
o seu sarcasmo.
Para mim
será esta melancolia mansa
que me é dada pela certeza de saber
que a culpa é sempre minha
se as lágrimas correm...

João José de Melo Cochofel Aires de Campos (n. Coimbra, 17 Jul 1919 -  m. Lisboa a 14 Mar 1982)

Ler do mesmo autor, neste blog:
O Verão Estala Por Todos os Poros
Breve
Ânsia
Sensibilidade
Os Dias Íntimos
Tarde

2012-07-16

Para Ser Lido Mais Tarde - Mário Dionísio

Um dia
quando já não vieres dizer-me Vem
jantar

quando já não tiveres dificuldade
em chegar ao puxador
da porta quando

já não vieres dizer-me Pai
vem ver os meus deveres

quando esta luz que trazes nos cabelos
já não escorrer nos papéis em que trabalho

para ti será o começo de tudo

Um outro dia haverá talvez para os teus sonhos
um outro mundo acolherá talvez enfim a tua oferenda

Hás-de ter alguma impaciência enquanto falo
Ouvirás com encanto alguém que não conheço
nem talvez ainda exista neste instante

Mas para mim será já tão frio e já tão tarde

E nem mesmo uma lembrança amarga
ou doce ficará
desta hora redonda
em que ninguém repara

1953
(O Silêncio Voluntário - 1966)

Voz de Luís Gaspar (daqui)

Mário Dionísio (Lisboa, 16 de Julho de 1916 - Lisboa, 17 de Novembro de 1993)

2012-07-15

Como Se Moço e Não Bem Velho Eu Fosse - Alphonsus de Guimaraens

Como se moço e não bem velho eu fosse,
Uma nova ilusão veio animar-me,
Na minh`alma floriu um novo carme,
O meu ser para o céu alcandorou-se.

Ouvi gritos em mim como um alarme.
E o meu olhar, outrora suave e doce,
Nas ânsias de escalar o azul, tornou-se
Todo em raios, que vinham desolar-me.

Vi-me no cimo eterno da montanha
Tentando unir ao peito a luz dos círios
Que brilhavam na paz da noite estranha.

Acordei do áureo sonho em sobressalto;
Do céu tombei ao caos dos meus martírios,
Sem saber para que subi tão alto...

Afonso Henriques da Costa Guimarães, literariamente Alphonsus de Guimaraens, nasceu em Ouro Preto MG em 24 de julho de 1870; morreu em Mariana MG em 15 de julho de 1921.

Ler do mesmo autor, neste blog:
O pesar de não tê-la encontrado mais cedo
Ismália
Quando eu disse Adeus
Soneto da Defunta Formosa
Soneto: Encontrei-te. Era o mês... Que importa o mês? Agosto

2012-07-14

Poética Contraditória - António Quadros

Não digas o que sabes nos teus versos,
Deixa para trás a ciência e a consciência;
Tudo aquilo que em ti não for ausência
São ideais perdidos, ou submersos.

Abandona-te às vozes que não ouves,
E liberta os teus deuses nos teus dedos;
Não busques os sorrisos, mas os medos,
E o que não for ignoto e só, não louves.

Ser misterioso e triste, é ser poeta:
Mesmo a luz que palpita nos teus cantos.
É uma imagem heróica dos teus prantos.

Percorre o teu caminho até ao fundo,
E com os versos que achaste, aumenta o mundo.
Não sejas um escritor, mas um profeta.

António Gabriel de Quadros Ferro (nasceu em Lisboa, 14 de Julho de 1923 — m. Lisboa, 21 de março de 1993)

2012-07-13

Coisas que vou fazer durante as férias, este Verão !

Coisas que vou fazer durante as minhas férias, este Verão:

- Licenciatura em Educação Física e Desporto. Na realidade sou sócio do Benfica há mais de trinta anos, leio todas as edições de A Bola, desde pequenino; conheço de cor todos os erros do PP* contra o meu Benfica, sei mais do que aqueles «paineleiros» que aparecem na TV a comentar o fim de semana futebolístico e começam por dizer que «não vi o jogo porque estava num Congresso», etc., etc.

* Para quem não sabe PP são as iniciais de Pedro Proença.

- Licenciatura em Engenharia Civil. Na realidade trabalho há cerca de 20 anos num grupo económico que tem o seu «core business» a construção, engenharia civil e obras públicas. É uma das empresas mais internacionais do sector. Já visitei dezenas de obras (pontes, viadutos, aeroportos, hotéis, edifícios de mais de trinta andares, etc.) em vários países, em vários continentes e em contextos sócio-económicos, legislativos, etc., o mais diversificados possíveis. Sei quase tudo sobre contabilidade e impostos sobre o sector.

- Licenciatura em Medicina. Em míudo (diz-me a minha mãezinha) estive a bater a bota e foram os meus conhecimentos intrínsecos e endógenos milagrosos que, em «joint-venture» com o médico, me permitiram sobreviver. Desde criança que sempre leio os folhetos informativos dos medicamentos. Há alguns anos achava que sofria de doença rara e li todas as enciclopédias médicas que me apareciam. Há alguns anos tiraram-me o coração fora (ou fui eu que o pus nas mãos de alguém?) e levaram-no... - às vezes ainda ando à procura dele -. O ano passado por doença grave de familiar fiz o meu internato hospitalar: visitas diárias, por várias horas, durante vários meses -.

É claro que vou tirar estes cursos (em simultâneo) todos na Universidade Lusófona!!!

PS: Em notícia de última hora dizem-me que tal não vai ser possível por falta de um requisito essencial: não integro nenhum partido político. Ainda assim e porque já tinha o «post» escrito vou mantê-lo. Aliás, estou a ponderar seriamente se vou colocar um processo no Tribunal Constitucional por violação do princípio da equidade...




Esboço - Fausto Guedes Teixeira

Negro o cabelo, a fronte iluminada,
O nariz curvo, a boca pequenina,
Nos olhos escuríssimos cravada
Uma estrela no fundo da retina;

Nas faces uma rosa desmaiada
E outra rosa nos lábios purpurina,
Seus pequeninos pés os duma fada
E o seu corpo um corpinho de menina;

Todos os traços cheios de expressão,
Nas mãos um fogo estranho que lhas beija,
Porque eu lhe pus nas mãos o coração:

Eis o esboço rápido de aquela
Que, sempre que na vida alguém a veja,
Nunca mais vê ninguém senão a ela!

Fausto Guedes Teixeira (n. Lamego 11 de Outubro de 1871 — Lamego 13 de Julho 1940)

Ler do mesmo autor, neste blog
Horas Amargas
Amar ou Odiar
Todas São Belas

2012-07-12

Poema 1 de Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada: Corpo de Mulher - Pablo Neruda


Corpo de mulher, brancas colinas, coxas brancas,
assemelhas-te ao mundo no teu jeito de entrega.
O meu corpo de lavrador selvagem escava em ti
e faz saltar o filho do fundo da terra.

Fui só como um túnel. De mim fugiam os pássaros
e em mim a noite forçava a sua invasão poderosa.
Para sobreviver forjei-te como uma arma,
como uma flecha no meu arco, como uma pedra na minha funda.

Mas desce a hora da vingança, e eu amo-te.
Corpo de pele e de musgo, de leite ávido e firme.
Ah os vasos do peito! Ah os olhos de ausência!
Ah as rosas do púbis! Ah a tua voz lenta e triste!

Corpo de mulher minha, persistirei na tua graça.
Minha sede, minha ânsia sem limite, meu caminho indeciso!
Escuros regos onde a sede eterna continua,
e a fadiga continua, e a dor infinita.

Extraído de Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada, tradução de Fernando Assis Pacheco, Publicações Dom Quixote

Versão Original: Cuerpo de Mujer

Pablo Neruda [Ricardo Eliecer Neftalí Reyes Basoalto] (n. 12 Jul 1904, Parral, Chile; m. 23 Set 1973 em Santiago, Chile)



2012-07-11

A Carta Que Sei de Cor - Guilherme de Almeida

E tu me escreves: - "Meu amor, minha saudade!
Há tanto tempo não te vejo: há quasi um dia;
estou tão longe: do outro lado da cidade...
Tive sonhos tão bons esta noite! Vem vê-los:
ainda estão nos meus olhos loucos de alegria.
Sabes? esta manhã cortei os meus cabelos.
Denunciavam-me tanto! E a ti também, meu poeta...
Que alívio! Tenho a sensação de haver cortado
relações com alguma amiguinha indiscreta.
Agora estamos mais a nosso gosto. Agora
o meu gosto será bem menos complicado
Para pôr o chapéu, quando me for embora...
Sinto-me tão feliz! Tive um riso sincero
ao meu espelho: e esse sorriso revelou-me
que o meu único mal é este bem que eu te quero..."
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
E quando chego ao fim da carta, sinto, vejo
que a minha boca toma a forma do teu nome:
a forma que ela tem quando vai dar um beijo...

Guilherme de Almeida (G. de Andrade e A.), nasceu em Campinas, SP, em 24 de julho de 1890, e faleceu em São Paulo, SP, em 11 de julho de 1969

Ler do mesmo autor:
Romance
Harmonia Vermelha
O Idílio Suave
Soneto: Quando as folhas cairem nos caminhos
Fico deixas-me velho
Indiferença
Esssa Que Hei-de Amar

2012-07-10

Amar - Laureano Silveira

Nunca aprenderemos a concentrar
o amor
que circula na corrente
da vida.

Lograremos, porventura, reparti-lo
pelos anos, solúvel
no adormecer e no acordar,
até não ser mais do que um resíduo
de insónia a
avinagrar os sonhos
da velhice.

Mas, à maneira de bactéria,
o amor infecta a alma
desde que alguém reconhece
a própria imagem e surpreende nela
o ser escondido.

É essa intelecção que nos
liberta da responsabilidade
de sentir o peso da existência
e o próprio tempo.

in Os dias do amor, um poema para cada dia do ano, recolha, selecção e organização de Inês Ramos, prefácio de Henrique Manuel Bento Fialho

Laureano Manuel Fernandes da Silveira, nasceu no Porto em 10 de julho de 1957, faleceu no Porto em 5 de junho de 2008

Apólogo: O Carro e o Burro - Gonçalves de Magalhães

Um touro, não amestrado
No exercício de carreiro,
Num falso passo que deu
Pôs o carro no lameiro.

Conhecendo esse embaraço,
Procurou sair de modo,
Que ao menos salvasse a vida,
Visto o carro estar no lodo.

Alguns animais, passando
No desastroso lugar,
Tentaram, mas não puderam
Do charco o carro tirar.

Até que um burro já velho,
Cheio de louca vaidade,
Cuidou ser esse o momento
De ganhar celebridade.

— A que vás lá? — Disse um desses
Que pastavam por aí:
Deixa vir quem disso entenda;
Que isso não é para ti. —

"Tu falas antes de tempo;
Disse o burro ao que o arguia:
Vou mostrar-te o quanto posso;
Muito alcança quem porfia."

Vejam só o que é ser burro
Por instinto e natureza!
Não mediu as suas forças,
Nem viu do carro a grandeza.

Zurrando, e dando patadas,
Foi meter-se no atoleiro;
Entre os varais colocou-se,
E o pescoço pôs no apeiro.

Mas para fazer tais cousas
Foi necessário agachar-se;
Atolou-se até o ventre
Quando tentou levantar-se.

Como o terreno era fofo,
Tendo já mil voltas dado,
Tentou safar-se do jugo,
E o carro deitou de lado.

O pobre burro entre as varas
Virou de pernas para o ar;
Todo de lama coberto
Começou a espernear.

Isto aos burros acontece,
Que se esquecem do que são
E se não por nós responda
A geral opinião.

Quantos o carro do Estado
Querem guiar mui lampeiros,
E por trancos e barrancos,
Dão com ele em atoleiros?

Domingos José Gonçalves de Magalhães (nasceu no Rio de Janeiro em 13 de agosto de 1811. Faleceu em Roma (Itália) no dia 10 de julho de 1882).

2012-07-09

ADEUS - Sousândrade (na passagem dos 180 anos sobre o nascimento do poeta)

Escreveste-me ainda; mas, diferem
Os tons de agora, desses do passado
Hinos de um coração apaixonado
Que ao meu vinham ecoar.
Os que viam-nos, hoje se nos verem,
Verão em mim do desespero o espectro,
Do reino das ficções quebrando o cetro,
Fixo no mundo o olhar.

Desiludido estou, co'a sombra n'alma,
Que um astro fora, a sombra desta morte
Que vem de ti pela mundana sorte
Que apagou-te o esplendor;
Apagar-se bem vês da glória a palma
Que eu criei-te. Oh, amei-te muito! E havias
De vir tu desfazer as harmonias
Do nosso eterno amor!

Ainda eu te amo – e t'imagino morta
Da paixão nossa e então, amo-te muito!
Evito da estrangeira o olhar e escuto
Em mim somente a ti.
Se eu esqueço a verdade: vem, transporta
Nossa alma às ilusões: o que passou-se
De meiguices de amor era tão doce,
Qual eu nunca mais vi.

Encadeando os fatos de memória,
Vejo a razão dos dias da ventura;
– Mas, ao porque se depravou natura,
Eu sinto-me infeliz;
Ao porque desfizeste tanta glória
Fazendo-te cadáver – da beleza
Descendo. Oh, sobe e volta à natureza
Coroada de luz!

Joaquim de Sousa Andrade, mais conhecido por Sousândrade (Guimarães, Maranhão, 9 de julho de 1832 — São Luís, 21 de abril de 1902)

2012-07-08

Sucessiva - Gerardo Diego

Deixa-me acariciar-te lentamente,
deixa-me lentamente comprovar-te,
ver que és de verdade, um continuar-te
de ti mesma a ti mesma extensamente.

De tua fonte irradiam mansamente
ondas e ondas, quase sem ondear-te,
rompem suas dez espumas ao beijar-te
de teus pés na praia adolescente.

Assim te quero, fluida e sucessiva,
manancial tu de ti, água furtiva,
música para o tacto preguiçosa.

Para limites pequenos te componho,
aqui e ali, fragmentos, lírio, rosa,
e depois tua unidade, luz de sonho.

in Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea, selecção e tradução de José Bento, Assírio & Alvim

Gerardo Diego (n. Santander 3 Oct 1896; m. Madrid 8 Jul 1987)

2012-07-07

O amor - Vladimir Maiakovski

Um dia, quem sabe,
ela, que também gostava de bichos,
apareça
          numa alameda do zoo,
sorridente,
         tal como agora está
         no retrato sobre a mesa.
Ela é tão bela,
         que, por certo, hão de ressuscitá-la.
Vosso Trigésimo Século
ultrapassará o exame
de mil nadas,
          que dilaceravam o coração.
Então,
         de todo amor não terminado
seremos pago
         sem enumeráveis noites de estrelas.
Ressuscita-me,
nem que seja só porque te esperava
        como um poeta,
repelindo o absurdo quotidiano!
Ressuscita-me, 
        nem que seja só por isso!
Ressuscita-me!
        Quero viver até o fim o que me cabe!
Para que o amor não seja mais escravo
De casamentos, 
concupiscência,
        salários.
Para que, maldizendo os leitos,
        saltando dos coxins,
o amor se vá pelo universo inteiro.
Para que o dia,
        que o sofrimento degrada, 
não vos seja chorado, mendigado.
E que, ao primeiro apelo:
        - Camaradas!
Atenta se volte a terra inteira.
Para viver
        livre dos nichos das casa.
Para que
        doravante
a família
        seja
o pai,
       pelo menos o Universo;
a mãe,
      pelo menos a Terra.

(1923)

Tradução de Haroldo de Campos

Vladimir Vladimirovitch Mayakovsky (em russo: Влади́мир Влади́мирович Маяко́вский) Bagdadi, Georgia, 7 de julho (calendário juliano) / 19 de julho (calendário gregoriano) de 1893 – Moscovo, 14 de abril de 1930)

2012-07-06

Centenário do nascimento de Tomaz de Figueiredo

Ó portuguesa Língua, adeus te digo.
Ardes em chama de oiro em minha dor.
Anos cinquenta, eu te dei de amor:
tão grande amor hei-de levar comigo.

Quantos segredos tens que não consigo
já com viveza dar, em luz e cor!
Morreu, morre por ti o escritor
que sobre todos era teu amigo.

Ouvia-me o Aquilino com aceite,
recolhendo mentais apontamentos...
Aí tens! Mais te sabia que ninguém.

Abrindo o peito, o meu sangue dei-te
teus hão-de sempre ser meus pensamentos.
Meu lancinante amor te digo, Mãe!

Tomaz Xavier de Azevedo Cardoso de Figueiredo (nasceu em Braga, 6 de Julho de 1902 — faleceu em Lisboa, 29 de Abril de 1970).

2012-07-05

Do Livro das Soledades - Fernandes Costa

Se bem olhas os meus olhos
Quando eu olho para os teus,
Não sei como não entendes
O que te digo nos meus.

É que não sentes amor
Apesar dos teus dizeres,
Quando não bastava olhá-los
Para logo me entenderes.

Um sopro, um nada, uma nuvem,
Tolda a pureza do céu;
- Brilha a beleza um momento,
E num momento morreu.

É que os destinos das coisas
Lembram destinos humanos:
Duram as rosas um dia,
Mas os ciprestes cem anos.

in Antologia de Poemas Portugueses Modernos por Fernando Pessoa e António Botto. Ática Editores

José Fernandes Costa nasceu em Lisboa a 5 de Julho de 1848 e aí faleceu a 30 de Julho de 1920

Ler do mesmo autor, neste blog:
Um soneto não custa a arquitectar
Amo o soneto, o engaste florentino

NÚMEROS - Mia Couto

Desiguais as contas:
para cada anjo, dois demónios.

Para um só Sol, quatro Luas.

Para a tua boca, todas as vidas.

Dar vida aos mortos
é obra para infinitos deuses.

Ressuscitar um vivo:
um só amor cumpre o milagre.


in Tradutor de Chuvas, Caminho, 2011

António Emílio Leite Couto [Mia Couto] nasceu na cidade da Beira, em Moçamique, em 5 de Julho de 1955.

2012-07-04

Paz Aos Mortos - Adolfo Casais Monteiro

Detestei sempre os arquitectos de infinito:
como é feio fugir quando nos espera a vida!
Nunca tive saudades do futuro
e o passado… o passado vivi-o, que fazer?!
- e não gosto que me ordenem venerá-los
se eu todo não basto a encher este presente.

Não tenho remorsos do passado. O que vivi, vivi
Tenho, talvez, desprezo
por esta débil haste que raramente soube
merecer os dons da vida,
e se ficava hesitante
na hora de passar da imaginação à vida.

As pazadas de terra cobrindo o que já fui
sabem mal, às vezes; noutros dias
deliro quando lanço à vala um desses seres tristonhos
que outrora fui, sem querer.


(Sempre e Sem Fim, 1937)
Extraído de Poemas Portugueses Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, Porto Editora

Adolfo Casais Monteiro (nasceu no Porto a 4 de Julho de 1918 e faleceu em São Paulo a 23 de Julho de de 1972)

Ler do mesmo autor, neste blog:
FADO
Eu falo das casas e dos homens

2012-07-03

Mário Chamie faleceu há um ano: Pedregosa Rosa

A mão sorridente
sobre a boca
vertiginosa
põe os dedos efusivos
sobre a pétala
desta rosa pedregosa.

Não é a faca florida
a faca que mais corta
a cauda dessa rosa
rancorosa.

O não indecente
da hora
suspira e se afoga
no fofo dessa toca,
a cálida areia rósea
desta porosa pedra
vaporosa.

Por obra da hora
a mão insolvente
da pétala
floresce e afaga
a boca rochosa
de arestas na pedra
desta pétrea raivosa
rosa.

Extraído de Poesia Brasileira do  Século XX Dos Modernistas À Actualidade - Selecção, Introdução e Notas de Jorge Henrique Bastos, Antígona

Mário Chamie (nasceu em Cajobi, São Paulo a 1 de abril de 1933; faleceu em 3 de Julho de 2011 em São Paulo)

2012-07-02

Partida - Sophia de Mello Breyner Andresen

I
Como uma flor incerta entre os teus dedos
Há a harmonia dum bailar sem fim,
E tens o silêncio indizível dum jardim
Invadido de luar e de segredos.
II
Nas tuas mãos trazias o meu mundo.
Para mim dos teus gestos escorriam
Estrelas infinitas, mar sem fundo
E nos teus olhos os mitos principiam.

Em ti eu conheci jardins distantes
E disseste-me a vida dos rochedos
E juntos penetrámos nos segredos
Das vozes dos silêncios dos instantes.

III
Os teus olhos são lagos e são fontes,
E em todo o teu ser existe
O sonho grave, nítido e triste
De uma paisagem de pinhais e montes.

Na tua voz as palavras são nocturnas
E todas as coisas graves, grandes, taciturnas
A ti são semelhantes.

in Sophia de Mello Breiner Andresen, Obra Poética, DIA DO MAR, Caminho

Sophia de Mello Breyner Andresen nasceu no Porto a 6 de Novembro de 1919; m. Lisboa, 2 de Jul 2004. Recebeu entre outros o Prémio Camões 1999, o Prémio de Poesia Max Jakob 2001 e o Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana 2003.

Ler da mesma autora, neste blog:
Espera
Apolo Musageta
Eis-me
Mar Sonoro
Porque
Promessa
Liberdade
Soneto
Pudesse eu
A Forma Justa