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2014-05-30

Monólogo da noite - Ribeiro Couto

Esta noite estou triste e não sei a razão.
Vou, para espairecer minha melancolia,
Ouvir o mar, que o mar é uma consolação.
Paro junto do cais olhando a água sombria.
Intermitente, sob o véu da cerração,
Vejo uma luz vermelha a acenar-me... "Confia!"
Obrigado, farol que és como um coração...

A água negra, noturna, a bater contra o cais,
Ilude a minha dor fútil de vagabundo.
E o farol a acenar de longe... "Espera mais!"
Recordo... "Antônio, que o paquete fosse ao fundo!"
Depois, fico a pensar nos que foram leais,
Nos que tiveram a coragem de ir do mundo
E numa noite assim se atiraram do cais.

Água eterna... água terrível... água imortal...
Apavora-me a sua aparência sombria.
Se eu pudesse acabar de uma vez o meu mal!
Mas tenho medo. "Não... A água está muito fria.
Além de fria é funda e tem gosto de sal."
E surpreendo-me, a chorar de covardia,
Dizendo ao vento esse monólogo banal.

Publicado no livro Poemetos de Ternura e de Melancolia, 1920/1922 (1924).


Ruy Lopes Esteves Ribeiro de Almeida Couto nasceu em Santos (SP) a 12 de Março de 1898 e faleceu em Paris a 30 de Maio de 1963.

Ler do mesmo autor: Noite de Tormenta; Santos; O Longe e o Perto; Elegia; Fado de Maria Serrana; 

No Jardim da Penumbra

2014-05-29

I will ... - Fernando Semana

Que interessa se querem que eu faça ou desfaça
Se tenho, intemporal, a táctil memória da tua graça
Não sei, confesso, se era tua ou de alguém de quem perdi o nome,
Se alguma vez exististe ou quem seja de quem sinta fome
Na antologia dos momentos, às vezes há poemas sem autor...

Que importa a fachada ou se a porta está fechada
Se eu tenho a visão de todas as coisas interiores escondidas
Para além da realidade está o sonho sem medidas.
Não há teste de imparidade para este goodwill…
Se quero, prometo que terei, eu sei, I will…

2014-05-28

De profundis - José Craveirinha

Extenso dia taciturno de nuvens.
Nas ramadas passarinhos de mágoa
Lacrimejando chilros. Um braçado
Policromo de flores
Perfumado
De profundis
De coroas.

Tão duro
Assim lacónico
Nosso adeus de rosas, Maria.


José João Craveirinha (Lourenço Marques, atual Maputo, 28 de Maio de 1922 — Maputo, 6 de Fevereiro de 2003)

Ler do mesmo autor neste blog:
Gumes de Névoa
Karingana ua Karingana
Um Homem Não Chora
Aforismo
Eu Quero Ser Tambor

2014-05-27

Uma longa despedida - José Carlos González

Abro as varandas altas da manhã:
o teu rosto é essa estrela sobre o mar.
Oh meu amor eu vivo a desenhar
o teu rosto de sal na praia vã.

De ti conheço um sopro, o naufragar
de um barco altivo por marés desfeito
e ando de porto em porto a recordar
a costa de ouro e fogo do teu leito.

Já te perdi de bússola e de norte
no caminho magnético dos astros
por tanto navegar contra a corrente.

Mas ao saber a cor da minha morte
eu vivo em ti, na curva dos teus braços
com um deserto de fogo à minha frente.


in Cem Sonetos Portugueses, selecção, organização e introdução de José Fanha e José Jorge Letria, Terramar

José Carlos González Rodríguez (Lisboa, 27 de Maio de 1937 - 2000)

2014-05-26

SONHOS DE SOL - Antônio Tavernard

Nesta manhã tão clara é sacrilégio
o se pensar na morte. No entanto
é no que penso úmidos de pranto
os meus olhos cansados.

Sortilégio
de luz pela cidade... As casas todas,
humildes e branquinhas
lembram gráceis e tímidas mocinhas
no dia de suas bodas.

Morrer assim numa manhã tão linda,
risonha, rosicler,
não é morrer... é adormecer ainda
na doce tepidez de um seio de mulher!
Não é morrer... é só fechar os olhos
Para melhor sentir o cheiro do jasmim
Escondido da renda nos refolhos!...
Ah! Quem me dera que eu morresse assim.


Antônio de Nazaré Frazão Tavernard nasceu na Vila São João de Pinheiro, atual Icoaraci, em Belém, Pará, a 10 de outubro de 1908 — m. Belém a 26 de maio de 1936


Do mesmo autor:
Duplicidade
Última Carta
Pórtico

2014-05-23

ESTRELLAS FIJAS - José Asunción Silva

Cuando ya de la vida
el alma tenga, con el cuerpo, rota,
y duerma en el sepulcro
esa noche, más larga que las otras,
mis ojos, que en recuerdo
del infinito eterno de las cosas,
guardaron sólo, como de un ensueño,
la tibia luz de tus miradas hondas,
al ir descomponiéndose
entre la oscura fosa,
verán, en lo ignorado de la muerte,
tus ojos, ... destacándose en las sombras.


José Asunción Silva (n. Bogotá, Colombia 27 Nov. 1865; n. 23 May 1896, Bogotá)

2014-05-22

Prazer - Lúcia Serra

Tanto
se
nutriu
de
ostras!
especializou-se
pescador
de
pérolas!

Lúcia Serra nasceu em 22 de maio de 1955, em Lavras, Minas Gerais.

Da mesma autoria ler no Nothingandall: semeadura

2014-05-21

CASA ABANDONADA - Filgueiras Lima

Leio o letreiro: - Aluga-se esta casa.
E ela viveu, aqui, risonha e bela,
como num quadro antigo de aquarela,
a cuja evocação meu ser se abrasa,

No deserto jardim, nem mais uma asa
de borboleta o roseiral constela.
E, ante o letreiro triste da janela,
de meus olhos o pranto se extravasa.

Recordo os nossos tímidos segredos...
Morrem lírios, em torno da calçada,
à míngua da carícia de seus dedos.

Tudo passou: o encanto, o amor, a glória...
A história desta casa abandonada
ainda é mais triste do que a minha história!


in Filgueiras Lima, Antologia Poética

Antônio Filgueiras Lima (Lavras da Mangabeira, Ceará, 21 de maio de 1909 - Fortaleza, 28 de Setembro de 1965)

2014-05-20

Os Teus Olhos - Maria Teresa Horta

Direi verde
do verde dos teus olhos

de um rugoso mais verde
e mais sedento

Daquele não só íntimo
ou só verde

daquele mais macio    mais ave
ou vento

Direi vácuo
           volume
direi vidro

Direi dos olhos verdes
os teus olhos
e do verde dos teus olhos direi vício

Voragem mais veloz
mais verde
           ou vinco
voragem mais crispada
ou precipício


in Candelabro (1964)

Maria Teresa Horta (nasceu em Lisboa a 20 de Maio de 1937)

Ler da mesma autora, neste blog:
Perdimento
Segredo
Poema sobre a recusa
Morrer de Amor
Joelho

2014-05-19

...Quand on ne s'aime plus - Julio Dantas

Ponto final. Adeus. Tinha previsto o fim.
Quiz muito, quiz demais... O culpado fui eu.
Se é que póde morrer o que nunca viveu,
Sinto que morreu hoje o teu amor por mim.

Fiz mal em vir? Talvez. Quizeste vêr-me: vim.
Que placidez a tua e que sorriso o teu!
Amor que raciocina é amor que morreu.
Pode lá nunca amar quem se domina assim!

Tinha de ser. Adeus. Deixas-me triste e doente.
Depois, qual é o amor que vive eternamente?
Tudo envelhece, e passa, e morre como tu.

Nunca mais me verás. É a vida, afinal.
Dá-me o ultimo beijo e não me queiras mal...
Il faut rompre en pleurant quand cn ne s'aime plus.


manteve-se a grafia constante da publicação
in Revista ATLANTIDA, Nº. 1, 15 de Novembro de 1915, Lisboa

Júlio Dantas (Lagos, 19 de Maio de 1876 — Lisboa, 25 de Maio de 1962)

2014-05-17

NO HORTO - José Emílio-Nelson


Não há morte que não dedilhe
nesta pedra
de seco arbusto
de nós.
Lassidão, temor, rosas pregadas.
(E eu disse entretanto:)
Rosas esmaecidas
diante das lágrimas do Filho e
desde sempre a sofrer.

in Mosaico

José Emílio de Oliveira Marmelo e Silva, que usa o pseudónimo de José Emílio-Nélson, nasceu em Espinho, em 17 de maio de 1948

Ler do mesmo autor, neste blog:
Canção Punitiva
Mahler
Arte Poética


2014-05-16

Fantasia - Alfredo Brochado

Há uma mulher em toda a minha vida,
Que não se chega bem a precisar.
Uma mulher que eu trago em mim perdida,
Sem a poder beijar.

Há uma mulher na minha vida inquieta.
Uma mulher? Há duas, muitas mais,
Que não são vagos sonhos de poeta,
Nem formas irreais.

Mulheres que existem, corpos, realidade,
Têm passado por mim, humanamente,
Deixando, quando partem, a saudade
Que deixa toda a gente.

Mas coisa singular, essa que eu não beijei,
É quem me ilude, é quem me prende e quer.
Com ela sonho e sofro... Só não sei
Quem é essa mulher.


in "Bosque Sagrado"
Extraído de Obra Poética de Alfredo Brochado, Edição de José Carlos Seabra Pereira, Lello Editores

Alfredo Monteiro Brochado (n. em Amarante a 3 de fevereiro de 1897 e suicidou-se em Lisboa a 16 de maio de 1949).

Ler do mesmo autor neste blog:
Tríptico
Misticismo
Miniaturas
Desvio
Na Atitude Saudosa de Quem Chora
Súplica
Confissão
Silêncio

2014-05-14

Há vinte anos foi assim... E hoje?



O dia 14 de maio tem deixado boas memórias para o Benfica. No ano de 1994 venceu o Sporting em Alvalade por 6-3 (com uma exibição fabulosa de João Pinto) e desbloqueou o caminho para o título de campeão nacional com que veio a consagrar-se. Neste mesmo dia 14 de maio mas do ano de 2005 voltou o Benfica a ganhar em Alvalade por 1-0 (golo de Luisão) e festejou na semana seguinte o título de campeão no Estádio do Bessa (eu estive lá) com um empate na era Trapattoni.

Hoje... é a segunda final consecutiva na Liga Europa... e espero que a equipa não seja afectada pela maldição de Guttman ou de qualquer «doença» de Raquitic (ou outra qualquer...) apesar de jogar desfalcada de alguns titulares. Afinal, só quero que ganhe a equipa favorita como aconteceu o ano passado. Já basta ter perdido as últimas sete finais em que o Benfica esteve presente!

Força SLB. Campeão voltou!

PS: O Sevilha acabou por arrebatar a Taça na decisão por grandes penalidades após um jogo sem golos mesmo após prolongamento. A menor capacidade do Benfica determinada pela suspensão e lesão de alguns jogadores chave acabou por influenciar, em particular após mais uma lesão - esta de Sulejman, durante o jogo, em razão da entrada bárbara de adversários - a confiança de Jesus e da sua equipa para à medida que o jogo avançava e a capacidade de pressão e agressividade dos espanhóis diminuía, para assumir de vez a superioridade e partir para o ataque que determinasse a vitória da melhor equipa. Também os árbitros - mais uma vez a Alemanha a determinar o destino dos povos dos países do Sul - tiveram grande influência, prejudicando seriamente a equipa portuguesa quer pela admissibilidade da agrsesividade que os espanhóis colocaram em jogo, quer por perdoar inequivocamente uma grande penalidade sobre Lima (isto para não falar em mais dois lances na área espanhola que também poderiam ter conduzido à marcação de penalty, dependendo de alguma subjectividade de avaliação. Finalmente quando as equiipas partiram para a decisão dos penalties os adeptos espanhóis faziam a festa e enquanto os jogadores espanhóis se reuniam em roda de mãos dadas e entrelaçadas numa união de vontade,  os jogadores (e adeptos..) do Benfica apareciam cabisbaixos como tivessem levado uma tareia e já tivessem perdido o jogo por goleada o que não era verdade... Mais uma vez, o árbitro deixou o guarda-redes português da equipa espanhola avançar três e dois passos bem à frente para defender os penalties de Cardozo (esteve apático quando entrou já no prolongamento mesmo depois de todos os outros já terem corrido mais de 90 minutos...) e de Rodrigo, respetivamente, e assim a equipa (inferior) levou a Taça. O Benfica sem perder nenhum jogo na Liga Europa (seis vitórias e trêsempates) acabou derrotada...

Agora, no próximo domingo há mais uma final. E se o Benfica não conseguiu a "quadratura do círculo" espero que consiga o "triplete" isto é a vitória no Campeonato (já conseguida), a Taça de Portugal (o que falta ganhar) e a Taça da Liga (também já ganha) sem deixar de dar uma palavra para o Sportting - 2º classificado no Campeonato - e para o Rio Ave (finalista das Taças). E para o FCP? Bem, sobra-lhes ter saboreado a derrota do Benfica na Liga Europa...

The Layers - Stanley Kunitz

I have walked through many lives,
some of them my own,
and I am not who I was,
though some principle of being
abides, from which I struggle
not to stray.
When I look behind,
as I am compelled to look
before I can gather strength
to proceed on my journey,
I see the milestones dwindling
toward the horizon
and the slow fires trailing
from the abandoned camp-sites,
over which scavenger angels
wheel on heavy wings.
Oh, I have made myself a tribe
out of my true affections,
and my tribe is scattered!
How shall the heart be reconciled
to its feast of losses?
In a rising wind
the manic dust of my friends,
those who fell along the way,
bitterly stings my face.
Yet I turn, I turn,
exulting somewhat,
with my will intact to go
wherever I need to go,
and every stone on the road
precious to me.
In my darkest night,
when the moon was covered
and I roamed through wreckage,
a nimbus-clouded voice
directed me:
“Live in the layers,
not on the litter.”
Though I lack the art
to decipher it,
no doubt the next chapter
in my book of transformations
is already written.
I am not done with my changes.


from The Collected Poems of Stanley Kunitz (W. W. Norton and Company, Inc., 2002)

Stanley Jasspon Kunitz (b. 29 July 1905 in Worcester, Massachusetts, USA Died 14 May 2006 in New York City, New York, USA)

Read also Passing Through

2014-05-13

Mal Secreto - Raimundo Correia

Se a cólera que espuma, a dor que mora
Na alma, e destrói cada ilusão que nasce,
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;

Se se pudesse o espírito que chora
Ver através da máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!

Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo,
Como invisível chaga cancerosa!

Quanta gente que ri, talvez existe,
Cuja a ventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa!


Raimundo da Mota de Azevedo Correia (nasceu a bordo, no litoral do Maranhão, a 13 de Maio de 1859 e faleceu em Paris a 13 de Setembro de 1911)

Ler do mesmo autor neste blog:
Saudade
Mal Secreto

As Pombas;
Plena Nudez;
Anoitecer

2014-05-12

AS MÃOS - Manuel Alegre


Com mãos se faz a paz se faz a guerra
Com mãos tudo se faz e se desfaz
Com mãos se faz o poema ─ e são de terra.
Com mãos se faz a guerra ─ e são a paz.

Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedra estas casas mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.

E cravam-se no Tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.

De mãos é cada flor cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.

in Manuel Alegre, 30 Anos de Poesia, Círculo de Leitores

Manuel Alegre de Melo Duarte nasceu a 12 de Maio de 1936 em Águeda.

Ler do mesmo autor, neste blog:
Grega
E alegre se fez triste
Coisa Amar
Uma Flor de Verde Pinho
Trova do Vento que Passa
As facas
Coração Polar
Trova do Amor Lusíada

2014-05-11

O Fumo - António Fogaça

Do meu quarto, que dá sobre uns quintais,
Descubro todo o bairro; e, muita vez,
Vejo, evolar-se o fumo em espirais
Das negras chaminés.

Quando vou à janela, ao Sol poente,
Horas em Junho de acender os lares,
Meus olhos vão seguindo longamente
O fumo pelos ares.

E penso ver formarem-se na vasta
Imensidade, esplêndidas imagens;
Até que o fumo pelo Azul se gasta
Nas mais altas viagens.

Todo este quadro é tão banal, que então
Chego a rir-me de mim, do que resumo
Na minha eterna e doce aspiração...
Que se assemelha ao fumo.

2014-05-10

Venho de dentro, abriu-se a porta... - Luiza Neto Jorge

Venho de dentro, abriu-se a porta:
nem todas as horas do dia e da noite
me darão para olhar de nascente
a poente e pelo meio as ilhas.

Há um jogo de relâmpagos sobre o mundo
de só imaginá-la a luz fulmina-me,
na outra face ainda é sombra

Banhos de sol
nas primeiras areias da manhã
Mansidões na pele e do labirinto só
a convulsa circunvolução do corpo.

in A Lume Poesia
organização e prefácio de Fernando Cabral Martins, Assírio & Alvim, 2ª edição, 2001

Maria Luiza Neto Jorge (n. em Lisboa a 10 Mai 1939; m. em Lisboa a 23 Fev 1989)

Ler da mesma autora, neste blog:
Poemas para a noite invariável - IV
Anos Quarenta, os Meus
Nas Cidades do Sul
Baixo-Relevo
Desinferno II
Minibiografia
As casas vieram de noite
O poema ensina a cair
A Magnólia
Ritual
Acordar na Rua do Mundo

2014-05-09

Desde lejos - Carlos Bousoño

Pasa la juventud, pasa la vida,
pasa el amor, la muerte también pasa,
el viento, la amargura que transpasa
la patria densa, inmóvil y dormida.

Dormida, en sueño para siempre, olvida.
Muertos y vivos en la misma masa
duermen común destino y dicha escasa.
Patria, profundidad, piedra perdida.

Piedra perdida, hundida, vivos, muertos.
España entera duerme ya su historia.
Los campos tristes y los cielos yertos.

Sobre el papel escrita está su gloria:
querer edificar en los desiertos;
aspirar a la luz más ilusoria.


Carlos Bousoño Prieto (Boal, Asturias, 9 de maio de 1923)

2014-05-08

À Espera - Batista Cepelos

photo: Waiting at the pier - Stephen Rosenfeld

Com sua voz assustadinha e doce,
doce como um trinar de passarinho,
ela me disse que esperá-la fosse,
fosse esperá-la à beira do caminho.

Mas o tempo da espera prolongou-se,
prolongou-se demais! E, então, sozinho,
passei o dia. Veio a tarde e trouxe,
trouxe arrulhos de amor, de ninho em ninho.

Desespero. O silêncio me tortura.
Mas, de repente, alvoroçado, escuto
um farfalhar de folhas na espessura.

Ela chega e tão linda, de maneira
que só para gozar este minuto
eu a esperaria a minha vida inteira.


Manuel Batista Cepelos nasceu em Cotia (SP) a 10 de Dezembro de 1872 e morreu no Rio de Janeiro a 8 de Maio de 1915. Alistou-se no Corpo Policial Permanente de São Paulo e foi promovido a alferes em 1891, ano em que a corporação foi extinta, ingressando no Exército como tenente e tomando parte na campanha do Paraná, em 1894. Promovido a capitão no ano seguinte, participou na campanha de Canudos (BA), em 1896. Concluída a formatura pela faculdade de Direito (SP) em 1902, obteve a reforma militar, tentando a advocacia e a magistratura e chegando a promotor de Justiça. Jornalista e poeta simbolista, se a sua vida fora ensombrada por uma tragédia (a sua noiva foi assassinada pelo próprio pai, que de seguida se suicidou), rematou com outra: encontrado morto numa pedreira do Rio, nunca se conseguiu apurar a causa da morte (suicídio ou crime?).

Nota biobliográfica extraída de «A Circulatura do Quadrado - Alguns dos Mais Belos Sonetos de Poetas cuja Mátria é a Língua Portuguesa. Introdução, coordenação e notas de António Ruivo Mouzinho. Edições Unicepe - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, 2004.

2014-05-07

Se é assim que desejas - Rabindranath Tagore

Se é assim que desejas,
se for assim do teu gosto,
cessarei de cantar!
Se com isso agitar
teu coração,
do meu olhar o triste brilho
desviarei do teu rosto...
e se eu, de súbito te assustar
no teu passeio despreocupado,
afastar-me-ei do teu lado
e tomarei outro brilho...

Se eu te embaraçar – ai de mim –
quando teceres as tuas flores,
flor encantada,
esquivar-me-ei do teu
solitário jardim
e da tua doce imagem...
E se eu tornar a água turva
e agitada,
jamais remarei a minha barca
para a tua margem...

Trad. Victor de Sá Coelho
in Rosa do Mundo 2001 Poemas para o Futuro, Assírio & Alvim

Versão em inglês If you have would have it so

Ler do mesmo autor, neste blog:
Canção
A Mulher Inspiradora
Cãntico da Esperança


Rabindranath Tagore (n. 7 maio 1861 em Calcuta, India; m. 7 agosto 1941 em Calcuta,  India)

2014-05-06

MEDENINE - Amadeu Baptista

Deito a cabeça na terra ocre sem fim
e sou um gigante,
troglodita.

Para que lhos compremos, as crianças atiram-nos aos pés
pequenos colares feitos de miolo de pão
– os passos da civilização jamais reconheceram os pequenos troféus.

Entre as embalagens de película fotográfica
e o par de camaleões que a rapariga patenteia
passamos nós, como cordeiros degolados.

Nem para a turista alemã
a fascinação cessa
– contém o palmar a floresta negra.

Trinta dinares pediu Mohammed
à turista inglesa
– e ninguém regateou.

São ainda mais vastos
os grandes perigos do deserto
sem a tua presença.

Em nenhuma medina vi à venda
o azul
dos teus olhos.

in Fragmentos Tunisinos, Volta d’Mar. Nazaré, 2014

Amadeu Baptista nasceu no Porto a 6 de Maio de 1953.
Blog do autor aqui

Do mesmo autor no Nothingandall:
Uma Simples Troca de Mãos Para Que a Melodia Vingue
Arte do Regresso 17
O Centro do mundo: 16

2014-05-04

Penas perdidas - Luís Murat

Perguntas porque meus versos
Choram, em vez de sorrir...
É que eles são universos
Que estão quase a se extinguir.

Tristes deles, minha filha,
Tristes deles, minha irmã,
Raro é aquele que brilha,
Quando desponta a manhã.

São pequeninos fragmentos,
Pedaços da minha cruz,
Errando ao sabor dos ventos,
Como planetas sem luz.

As lágrimas que vieram
Umedecer este chão,
Num coração estiveram
Que já foi meu coração.

Pobre estrela desgarrada
Foi essa estrela de amor,
Hoje de todo apagada
No seu fumeiro de dor.

Irrompa, embora, no Oriente,
Qualquer aurora, qualquer,
Quem tem o Ocaso, somente,
Não vê a aurora nascer.

Houve uma dama formosa
Que meu coração colheu,
Como se colhe uma rosa
Mal o dia amanheceu.

Que quadra feliz foi essa!
Que meninice ideal!
O sonho que assim começa,
Quase sempre acaba mal!...

Um dia, a dama querida
Para outro país partiu...
Não cicatriza a ferida
Que uma ingratidão abriu.

Ela sumiu-se entre os astros,
Sem que a pudesse alcançar...
Quem é que, andando de rastros,
Pode um pássaro apanhar?

...............................

O que hoje faço, portanto,
É fazer o que não fiz:
Enxugar, a furto, o pranto,
E fingir que sou feliz.


(Poesias escolhidas, 1917)

Luís Murat (L. Morton Barreto M.) nasceu em Itaguaí, RJ, em 4 de maio de 1861, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 3 de julho de 1929.

 Ler do mesmo autor neste blog: O Poder das Lágrimas; Além Ainda; Ironia do Coração; Em Meio do Caminho

2014-05-02

Viva o Benfica ! Turn! Turn! Turn! To Everything There Is a Season

There is a season (turn, turn, turn)
And a time for every purpose, under heaven

A time to gain, a time to lose
...


É verdade. Depois das derrotas do ano passado, este ano será de glória!

Eusébio e Coluna partiram para o Céu e certamente estão lá a mexer os cordelinhos para que Jesus aqui na Terra seja ajudado... depois dos desgostos da época passada.

O Benfica já joga à vontade só com dez... a próxima etapa é treinar a jogar com nove.

Os «mafiosos» perderam! Tinham muito «gogo» quando foi o sorteio. Começaram a desconfiar depois do jogo da Luz...mas continuavam confiantes nos jogos de bastidores a pedir a exclusão do Enzo Perez...

Na verdade Enzo acabou expulso durante o jogo em Turim... e na gestão da disciplina o Benfica até teve razão de queixa do árbitro... mas também não podia ser este a marcar um golo na baliza do Benfica...qolo que a Juventus mesmo só contra nove (nos últimos oito minutos de desconto!...) não soube nunca marcar...

Depois foi ouvir o treinador italiano queixar-se dos árbitros...
Bem, nem os «mafiosos» nos conseguiram derrotar...

Viva o Benfica! SLB. SLB, SLB, Glorioso SLB.

This time is to gain!!!

Beatriz - Adelino Fontoura

Beatriz, Beatriz, sombra querida,
Branca visão que em toda a parte vejo,
És a ventura única que almejo,
Que outra igual me não fora concedida.

Meu amor, minha crença e minha vida,
Todo o bem que com que sonho e qu antevejo,
Tudo o que aspiro e tudo que desejo,
A ti te devo, ó alma comovida!

Do meu amor não saibas, todavia;
Pois se igual amor te não mereço,
Antes quero cuidar que o merecia.

Sucumbirei à dor de que padeço
Se tal fraqueza chamam cobardia,
Eu serei um cobarde por tal preço!


Extraído de O Verso e o Silêncio de Adelino Fontoura,
José Neres, Jheisse Lima Coelho e Viviane Ferreira. São Luís JNEdições, 2011

Adelino da Fontoura Chaves (n. em Axixá, Maranhão, Brasil a 30 Mar. 1859* – m. em Lisboa, Portugal a 02 Maio 1884)
* algumas fontes indicam como data de nascimento a de 30 de março de 1855.

Ler do mesmo autor:
Atração e Repulsa
Celeste
Fruto Proibido
Página Desconhecida
Jornada

2014-05-01

Esquecimento - Mário Beirão

Vai alta a minha dor! As horas passam...
E nesta ausência, que te evoca e aviva,
Sinto a tua alma adentro em mim cativa;
Teus sonhos, Anjo, no meu sono esvoaçam...

As minhas mãos as tuas mãos enlaçam,
Dum eco extinto a nossa voz deriva;
Na tua fronte de oiro, pensativa,
Convulsas linhas meu destino traçam...

Virgem, que eu hei sagrado em meu Desejo,
Meu olhar em teus olhos, reflectido,
Chama por mim... ceguei e ainda o vejo!

Ó visão de um tão fúnebre recorte,
Se vivi, não me lembres ter vivido,
Porque eu descanso em ti e sou a Morte!


in «Poesias Completas», (Ausente - 1915)
Ed. Org. por António Cândido Franco e Luís Amaro
e prefaciada por José Carlos Seabra Pereira
Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1996

Mário Gomes Pires Beirão nasceu a 1 de maio de 1890, em Beja, e faleceu em Lisboa a 19 de fevereiro de 1965

Ler do mesmo autor e neste blog:
O Vago
Ausência
Cintra
Adeus

Musical suggestion of the day: Send in the clowns - Judy Collins




Send in the clowns

Isn't it rich? Aren't we a pair?
Me here at last on the ground and you in mid-air
Send in the clowns.

Isn't it bliss? Don't you approve?
One who keeps tearing around,and one who can't move.
But where are the clowns?
Send in the clowns.

Just when I stopped opening doors,
Finally knowing the one that I wanted was yours,
Making my entrance again with my usual flair,
Sure of my lines - no one is there.

Don't you love farce? My fault, I fear.
I thought that you'd want what I want - Sorry, my dear.
But where are the clowns? Quick, send in the clowns.
Don't bother, they're here.

Isn't it rich? Isn't it queer?
Losing my timing this late In my career?
But where are the clowns? There ought to be clowns.
Well, maybe next year.

Words & Music by Stephen Sondheim
Recorded by Judy Collins, 1975
From the musical "A Little Night Music"

Judith Marjorie "Judy" Collins (born May 1, 1939, Seattle, Washington)