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2014-04-30

O JATOBÁ - Maurilia de Freitas (na passagem do 75º aniversário)

Quantas saudades que tenho
Do meu querido sertão,
Da minha casa de barro
E o assoalho de chão.

Da saracura brejeira,
Do canto do sabiá,
Do inhambu gritando
Debaixo do jatobá.

(...)

As crianças de hoje em dia
Têm tudo em suas mãos,
Mas não são tão felizes
Como éramos no sertão.


Extraído daqui

Maurília de Freitas nasceu em Santo Amaro da Imperatriz, SC, em 30 de abril de 1939.

UM SONHO - Maciel Monteiro

Ao embarque e partida de uma Senhora.

Ela foi-se! E com ela foi minh’alma
n’asa veloz da brisa sussurrante,
que ufana do tesouro que levava,
ia... corria... e como vai distante!

Voava a brisa e no atrevido rapto
frisava do Oceano a face lisa:
eu que a brisa acalmar tentava insano,
com meus suspiros alentava a brisa!

No horizonte esconder-se anuviado
eu a vi; e dois pontos luminosos
apenas onde ela ia me mostravam:
eram eles seus olhos lacrimosos!

Pouco e pouco empanou-se a luz confusa,
que me sorria lá dos olhos seus;
e dalém ondulando uma aura amiga
aos meus ouvidos repetiu adeus!

Nada mais via eu, nem mesmo um raio
fulgir a furto a esperança bela;
mas meus olhos ilusos descobriram
numa amável visão a imagem dela.

Esvaiu-se a visão, qual nuvem áurea
ao bafejar da vespertina aragem;
se aos olhos eu perdia a imagem sua,
no meu peito eu achava a sua imagem.

Ela foi-se! ... E com ela foi minh’alma
na asa veloz da brisa sussurrante,
que ufana do tesouro que levava,
ia... corria... e como vai distante!

António Peregrino Maciel Monteiro, barão de Itamaracá, nasceu no Recife (PE) a 30 de Abril de 1804 e morreu em Lisboa a 5 de Junho de 1868.

Do mesmo autor:
Soneto: Formosa, qual pincel em tela fina
Soneto: Era já posto o sol. A natureza

2014-04-29

MEDO - Ovídio Martins

Ah sempre este sonho ingrato de reduzir a distância! Meus gestos perdi-os no aceno do mar Meus olhos cansei-os no afago das ondas E agora este medo desesperado de ter o sonho na palma da mão e sem gestos para o acariciar e sem olhos para o deslumbramento!

Ovídio Martins (n. São Vicente, Cabo Verde, a 17.9.1928, m. 29 abril 1999)

Esquecimento - Osório Duque-Estrada

Se queres inda ver como escondida
Guardo no peito a tua imagem pura,
— Imagem que no céu da minha vida
É como um sol ardente que fulgura;

Convida o coração na sepultura
A viver e pulsar por ti; convida
Minh'alma para amar de novo; cura
A, que lhe abriste, cáustica ferida...

Só pedira a paixão com que me iludo
Que um raio apenas d'essa luz me desses,
E uma palavra do teu lábio mudo;

Mas nem ouves, sequer, as minhas preces;
E enquanto, para amar-te, esqueço tudo,
Tu, por um nada, o meu amor esqueces.


Joaquim Osório Duque-Estrada (Vassouras, RJ, 29 de abril de 1870 — Rio de
Janeiro, 5 de fevereiro de 1927

A Taça da Liga e os atrasos


Hoje ouvi com humor alguém comentar que o FCP vai chegar atrasado - pelo menos um ano - à final da Taça da Liga!

Há quem ainda - mesmo perante as adversidades do quotidiano - tenha um sentido de humor (um tanto sarcástico, convenhamos para quem for adepto do Porto) bem incisivo e acutilante...

2014-04-28

Terceiro Canto - Alberto de Oliveira

Cajás! Não é que lembra à Laura um dia
(Que dia claro! esplende o mato e cheira!)
Chamar-me para em sua companhia
Saboreá-los sob a cajazeira!

- Vamos sós? perguntei-lhe. E a feiticeira:
- Então! tens medo de ir comigo? - E ria.
Compõe as tranças, salta-me ligeira
Ao braço, o braço no meu braço enfia.

- Uma carreira! - Uma carreira! - Aposto!
A um sinal breve dado de partida,
Corremos. Zune o vento em nosso rosto.

Mas eu me deixo atrás ficar, correndo,
Pois mais vale que a aposta da corrida
Ver-lhe as saias a voar, como vou vendo.


Antônio Mariano Alberto de Oliveira (n. em Palmital de Saquarema (RJ) a 28 de Abril de 1857; m. em Niterói (RJ) em 19 de Janeiro de 1937).

Ler do mesmo autor, neste blog:
A Alma Dos Vinte Anos
Vaso Chinês
Beijos do Céu
Aspiração
A Vingança da Porta
Horas Mortas

2014-04-27

Quotation of the day (from Red Corner script)

When I was a child, I would come to this park and play.
My grandmother told me why the bamboo is here.
She said, "It is waiting for the wind to touch it. "
"It is filled with emotions. "
"Listen to the sound and you can feel them".

From Red Corner (Justiça Vermelha)

Eneida de Moraes

O sino da Sé
pousado, lento,
sonolento,
de cabelos brancos,
- velhinho vestido de tradições -
elle que vio tantas gerações,
curvado, e enrugado
canta devagarinho:
"Be-lem... Be-lem.."

O sino de Sant'Anna
mais moderno, mais leve, mais esguio,
Ainda tem cabelos pretos.
- Não é velho nem é moço -
Sorri ainda, e ainda espera
Sino que canta numa voz sincera
"Belem... Belem..."

O sino de Nazareth
moderno, elegante, perfumado, rico,
risonho, feliz, contente
põe arrepios na alegria da gente!
É o sino da mocidade e da alegria:
"Belém... em... em... em..."

Sinos festivos da minha cidade
onde tudo canta!

Terra Verde (1930)

Eneida de Villas Boas Costa de Moraes (Belém, Pará, 23 de Outubro de 1904 — Rio de Janeiro, 27 de abril de 1971)

2014-04-26

Último Soneto - Mário de Sá-Carneiro

Imagem daqui

Que rosas fugitivas foste ali:
Requeriam-te os tapetes — e vieste...
— Se me dói hoje o bem que me fizeste,
É justo, porque muito te devi.

Em que seda de afagos me envolvi
Quando entraste, nas tardes que apareceste ­
Como fui de perca! quando me deste
Tua boca a beijar, que remordi...

Pensei que fosse o meu o teu cansaço
­Que seria entre nós um longo abraço
O tédio que, tão esbelta, te curvava ...

E fugiste ... Que importa? Se deixaste
A lembrança violeta que animaste,
Onde a minha saudade a Cor se trava? ...


Extraído de «Poemas Completos, Mário Sá-Carneiro, edição Fernando Cabral Martins, Assírio & Alvim»

Mário de Sá-Carneiro nasceu em Lisboa em 19 de Maio de 1890 e m. em Paris, 26 de Abril de 1916 - suicídio).
Ler do mesmo autor neste blog:
O Recreio
Fim
Crise Lamentável
A Queda
IX-Como eu não possuo
A Inegualável
Escavação
Ápice
Além-Tédio
Quasi
Dispersão
I lost myself within myself... (tradução parcial do poema Dispersão)

2014-04-25

Terza Rima - Álvares de Azevedo

imagem daqui


É belo dentre a cinza ver ardendo
Nas mãos do fumador um bom cigarro,
Sentir o fumo em névoas recendendo...

Do cachimbo alemão no louro barro
Ver a chama vermelha estremecendo
E até... perdoem... respirar-lhe o sarro!

Porém o que há mais doce nesta vida,
O que das mágoas desvanece o luto
E dá som a uma alma empobrecida,
Palavra d´honra, és tu, Ó meu charuto!

Manuel Antônio Álvares de Azevedo (São Paulo, 12 de Setembro de 1831 — Rio de Janeiro, 25 de Abril de 1852).

Ler do mesmo autor, neste blog:
Cismar
Meu Desejo
Anjos do Céu
Por que mentias
Soneto
Ai Jesus
A Lagartixa

2014-04-24

A ausência de um poema ou o poema da ausência - Fernando Semana

Faltava um poema para hoje
Surgiu o mesmo de sempre
Não te vejo desde então
E a distância vai longe
Parou-se-me o coração
Morreu, já não sente
Mas não venhas ao funeral
juntar ao mar sal
que a razão às vezes mente


Fernando Semana

Conta-mo Outra Vez - Amalia Bautista

Conta-mo outra vez, é tão bonito
que não me canso nunca de escutá-lo.
Repete-me outra vez que o par
do conto foi feliz até à morte.
Que ela não lhe foi infiel, que a ele nem sequer
lhe vocorreu enganá-la. E não te esqueças,
de que, apesar do tempo e dos problemas,
continuaram beijando-se cada noite.
Conta-me mil vezes, por favor:
é a história mais bela que conheço.


In "Qual é a minha ou a tua língua - Cem poemas de amor de outras línguas"
Organização de Jorge Sousa Braga, Assírio & Alvim

2014-04-23

Soneto 28 de William Shakespeare, versão de Carlos de Oliveira

Como voltar feliz ao meu trabalho
se a noite não me deu nenhum sossego?
A noite, o dia, cartas dum baralho
sempre trocadas neste jogo cego.

Eles dois, inimigos de mãos dadas,
me torturam, envolvem no seu cerco
de fadiga, de dúbias madrugadas:
e tu, quanto mais sofro mais te perco.

Digo ao dia que brilhas para ele,
Que desfazes as nuvens do seu rosto;
digo à noite sem estrelas que és o mel

na sua pele escura: o oiro, o gosto.
Mas dia a dia alonga-se a jornada
e cada noite a noite é mais fechada.

Transcrito de Obras de Carlos de Oliveira, Editorial Caminho, Lisboa, 1992.


SONNET 28

How can I then return in happy plight,
That am debarred the benefit of rest?
When day’s oppression is not eased by night,
But day by night and night by day oppressed?
And each (though enemies to either’s reign)
Do in consent shake hands to torture me,
The one by toil, the other to complain
How far I toil, still farther off from thee.
I tell the day to please him thou art bright,
And dost him grace when clouds do blot the heaven;
So flatter I the swart-complexioned night,
When sparkling stars twire not thou gild’st the even.
But day doth daily draw my sorrows longer,
And night doth nightly make grief’s length seem stronger.

in Complete Sonnets and Poems, edited by Colin Burrow, Oxford University Press, 2002.

William Shakespeare (b. Stratford-upon-Avon, Warwickshire, England, born probably on 23 April 1564 - baptised 26 April 1564; died Stratford-upon-Avon, Warwickshire, England, 23 April 1616)

De ti me separei na Primavera
Sonnet XVIII / Soneto XVIII
Music to Hear (Sonnet VIII)


2014-04-22

A Um Caçador - Augusto de Lima

Olha esta plumagem linda,
íris formoso e suave:
não sentes remorso ainda?
que mal te fez a pobre ave?

O projétil avicida
quebrando-lhe as asas, deu
um jorro desta ferida
de sangue da cor do teu ....

Há uma só lei da Existência
sob a esfera luminosa:
partilham da mesma essência
homem, ave, estrela e rosa.

Ela cantando vivia,
Correndo, voando no ar.
Será delito – a harmonia,
Um atentado – voar?

Vivia tecendo ninhos
Para os filhotes, apenas;
Pobres menores mesquinhos,
Sem mãe e ainda sem penas!

As normas da natureza,
fiel, não quebrou jamais;
nunca invadiu da pobreza
os minguados cereais.

Vê bem que fizeste, dando
a morte a este mártir ente.
És réu de um crime nefando,
verteste o sangue inocente.

Ai! prole da primavera,
que será dela amanhã?
Pela mãe espera, espera ....
porém, esperança vã.

De tudo o que canta e voa
e fulgura és odiado:
a aurora não te perdoa,
condena-te o sol dourado.


in “Poesias”, Augusto de Lima, Editora H. Garnier, Rio de Janeiro / Paris, 1909

Antônio Augusto de Lima (n. Nova Lima, então Congonhas de Sabará, a 5 de Abril de 1859; m. Rio de Janeiro, 22 de Abril de 1934)
Sonâmbula
Volta ao Passsado
Esperança e Saudade
Serenata
A Um Otimista

2014-04-21

Ao Luar - Augusto dos Anjos




Quando, à noite, o Infinito se levanta
A luz do luar, pelos caminhos quedos
Minha tactil intensidade é tanta
Que eu sinto a alma do Cosmos nos meus dedos!

Quebro a custódia dos sentidos tredos
E a minha mão, dona, por fim, de quanta
Grandeza o Orbe estrangula em seus segredos,
Todas as coisas íntimas suplanta!

Penetro, agarro, ausculto, apreendo, invado,
Nos paroxismos da hiperestesia,
O Infinitésimo e o Indeterminado...

Transponho ousadamente o átomo rude
E, transmudado em rutilância fria,
Encho o Espaço com a minha plenitude!


Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos (n. no Engenho Pau d'Arco, Paraíba, no dia 20 de abril de 1884; m. em Leopoldina em 12 de novembro de 1914).

Ler do mesmo autor:
Debaixo do Tamarindo
A Ideia;
Tempos Idos;
Versos Intimos;
Soneto (canta teu riso...)
Contrastes
Psicologia de um Vencido
A Minha Estrela
O sonho, a crença e o amor
Budismo Moderno

2014-04-19

Soneto - E. M. de Melo e Castro

há uma linha subtil que tu partiste
no medo desmedido mas contente
uma causa cruel que não se sente
mas é a vida a terra que tu viste

se logo o vento vário não resiste
e a história ferida se desmente
não aqueças a dor da tua mente
nem a luz que nos olhos te subsiste

e se rires do pó o dissolver-te
em tanta coisa a cor que se mudou
na água tédio médio de só ver-te

corta as linhas maiores do que ficou
na sede de partir e de perder-te
no chão como uma fonte que secou


Extraído de «Cem Sonetos Portugueses, selecção, organização e introdução de José Fanha e José Jorge Letria, Terramar

Ernesto Manuel Geraldes de Melo e Castro nasceu na Covilhã em 19 de abril de 1932

2014-04-18

Beatrice - Antero de Quental

Depois que dia a dia, aos poucos desmaiando,
Se foi a nuvem de ouro ideal que eu vira erguida;
Depois que vi descer, baixar do céu da vida
Cada estrela e fiquei nas trevas laborando:

Depois que sobre o peito os braços apertando
Achei o vácuo só, e tive a luz sumida
Sem ver já onde olhar, e em todo vi perdida
A flor do meu jardim, que eu mais andei regando:

Retirei os meus pés da senda dos abrolhos,
Virei-me a outro céu, nem ergo já meus olhos
Senão à estrela ideal, que a luz do amor contém...

Não temas pois - Oh vem! o Céu é puro, e calma
E silenciosa a terra, e doce o mar, e a alma...
A alma! não a vês tu? mulher, mulher! oh vem!

Antero Tarquínio de Quental (n. Ponta Delgada, S.Miguel, Açores a 18 Abr. 1842; m. em Ponta Delgada a 11 Set. 1891)

in Os dias do Amor, um poema para cada dia do ano
recolha, seleção e organização de Inês Ramos
Prefácio de Henrique Manuel Bento Fialho
Ministério dos Livros, 1ª. edição, 2009

Ler do mesmo autor, neste blog:
Visita
Despondency
Idílio
Consulta
O Que Diz a Morte
Ideal
Velut Umbra
Pepa (excerto)
Palácio da Ventura
Versos escritos num exemplar das «Flores do Mal»
Mors-Amor

2014-04-17

Era uma vez... - Adolfo Simões Müller (na passagem dos 25 anos sobre o seu desaparecimento)

Contando históriasContando histórias - imagem daqui

Quando eu era pequenino,
gostava de ouvir contar
histórias de princesinhas
encantadas ao luar.

Havia então lá em casa
uma criada velhinha,
a Sérgia contava histórias
– e que graça que ela tinha!

Lendas de reis e de fadas,
inda me incheis a lembrança!
Que saudades de vós tenho,
ó meus contos de criança!

"Era uma vez…" As histórias
começavam sempre assim;
e eu, então, sem me mexer,
ouvia-as até ao fim.

Lembro-me ainda tão bem!
Os irmãos à minha beira,
calados! E a boa Sérgia
contava desta maneira:

"Era uma vez…" E depois,
olhos fitos nos seus lábios,
ouvia contos sem conta
de gigantes e de sábios…

"Era uma vez…" E, por fim,
a voz da Sérgia parava…
E assim como eu te contei
era como ela contava.

Ai! que saudade, que pena,
que nos meus olhos tu vês!
Eu sentava-me e ela, então,
começava: - "Era uma vez…"

In "O Príncipe Imaginário e Outros Contos Tradicionais Portugueses"

Adolfo Simões Müller (n. em Lisboa, 18 de Agosto de 1909; m. em 17 de Abril de 1989)

Ver do mesmo autor, neste blog:

2014-04-16

Passei Toda a Noite - Alberto Caeiro

Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela,
E vendo-a sempre de maneiras diferentes do que a encontro a ela.
Faço pensamentos com a recordação do que ela é quando me fala,
E em cada pensamento ela varia de acordo com a sua semelhança.
Amar é pensar.
E eu quase que me esqueço de sentir só de pensar nela.
Não sei bem o que quero, mesmo dela, e eu não penso senão nela.
Tenho uma grande distração animada.
Quando desejo encontrá-la
Quase que prefiro não a encontrar,
Para não ter que a deixar depois.
Não sei bem o que quero, nem quero saber o que quero.
Quero só Pensar nela.
Não peço nada a ninguém, nem a ela, senão pensar.


in O Pastor Amoroso


Alberto Caeiro* (nasceu em 16 de Abril de 1889, em Lisboa. Órfão de pai e mãe, não exerceu qualquer profissão e estudou apenas até à 4ª classe. Viveu grande parte da sua vida pobre e frágil no Ribatejo, na quinta da sua tia-avó idosa, e aí escreveu O Guardador de Rebanhos e depois O Pastor Amoroso. Voltou no final da sua curta vida para Lisboa, onde escreveu Os Poemas Inconjuntos, antes de morrer de tuberculose, em 1915, quando contava apenas vinte e seis anos) biografia daqui
* um dos heterónimos de Fernando Pessoa

Ler de Alberto Caeiro, neste blog:
Li hoje quase duas páginas
Quando Vier a Primavera
O Guardador de Rebanhos- Poema II - O Meu Olhar
O Quê? Valho Mais Que Uma Flor
Para Além da Curva da Estrada
O Guardador de Rebanhos - Poema X
O Tejo é Mais Belo ...

2014-04-15

Balada de Sempre - Fernando Namora



Espero a tua vinda
a tua vinda,
em dia de lua cheia.

Debruço-me sobre a noite
a ver a lua a crescer, a crescer...

Espero o momento da chegada
com os cansaços e os ardores de todas as chegadas...

Rasgarás nuvens de ruas densas,
Alagarás vielas de bêbados transformadores.
Saltarás ribeiros, mares, relevos...
- A tua alma não morre
aos medos e às sombras!-

Mas...,
Enquanto deixo a janela aberta
para entrares,
o mar,
aí além,
sempre duvidoso,
desenha interrogações na areia molhada...


in "Relevos"

Fernando Namora (n. em Condeixa a 15 de Abril de 1919; m. em Lisboa a 31 Jan. 1989)

Ler do mesmo autor, neste blog:
Poema 8: Vem Cassilda olhar a madrugada que rompe
Intimidade
Poema Cansado de Certos Momentos
Poema da Utopia
Coisas, Pequenas Coisas
Noite

2014-04-14

A Esperança - Vladimir Maiakóvski

Injecta sangue
        no meu coração,
        enche-me até o bordo das veias!
Mete-me no crânio pensamentos!
Não vivi até o fim o meu bocado terrestre,
sobre a terra
        não vivi o meu bocado de amor.
Eu era gigante de porte,
        mas para que este tamanho?
Para tal trabalho basta uma polegada.
Com um toco de pena, eu rabiscava papel,
num canto do quarto, encolhido,
como um par de óculos dobrado dentro do estojo.
Mas tudo que quiserdes eu farei de graça:
esfregar,
       lavar,
       escovar,
       flanar,
       montar guarda.
Posso, se vos agradar,
       servir-vos de porteiro.
Há, entre vós, bastante porteiros?
Eu era um tipo alegre,
       mas que fazer da alegria,
quando a dor é um rio sem vau?
Em nossos dias,
       se os dentes vos mostrarem
não é senão para vos morder
       ou dilacerar.
O que quer que aconteça,
       nas aflições,
       pesar...
Chamai-me!
       Um sujeito engraçado pode ser útil.
Eu vos proporei charadas, hipérboles
       e alegorias,
malabares dar-vos-ei
       em versos.
Eu amei...
       mas é melhor não mexer nisso.
Te sentes mal?

(Tradução de Haroldo de Campos)

Vladimir Vladimirovitch Mayakovsky (em russo: Влади́мир Влади́мирович Маяко́вский) Bagdadi, Georgia, 19 de julho de 1893 – Moscovo, 14 de abril de 1930)

2014-04-11

BAIRRO LIVRE - Jacques Prévert

Meti o bivaque na gaiola
e saí com um pássaro na cabeça
Então não se faz continência
perguntou o comandante
Não
não se faz continência
respondeu o pássaro
Ah bom
desculpe julgava que se fazia continência
Ora essa toda a gente se pode enganar
disse o pássaro.


Trad. Eugénio de Andrade

Jacques Prévert(n. Neuilly-sur-Seine, França 4 Fevereiro 1900; m. Omonville-la-Petite, 11 Abril 1977).

Do mesmo autor: Café da manhã

2014-04-10

Presagio - Domitilla de Carvalho

Vai pelo ar um sopro de agonia
No silencio da tarde que esmorece
E julgo ouvir soluços numa prece
A abençoar a Extrema unção do dia

Cada nuvem que passa fugidia
Aos meus olhos medrosos aparece
Monstruoso fantasma que enegrece
A tristeza das coisas, doentia.

Em vão se perde o pensamento quando
Penso em achar uma razão de ser
Da vida que me vai mortificando

Em vão procura io m eu olhar dorido
As sombras infindáveis do Não-ser
Nesse país do Além desconhecido.


in Occidente Revista Illustrada de Portugal e do Estrangeiro
Editor e Director-proprietário Caetano Alberto da Silva
37º Ano, Volume nº. 1262, 20 de Janeiro de 1914

in Jornal das Moças, Revista Quinzenal Illustrada, Anno I, número 1
Rio de Janeiro, 21 de maio de 1914

Domitilla Hormizinda Miranda de Carvalho (Travanca da Feira, 10 de Abril de 1871 — Lisboa, 11 de Novembro de 1966)

2014-04-09

Tuas Antigas Falas, Onde Havia... - Júlio Brandão

Tuas antigas falas, onde havia
a cadência de música magoada,
tuas antigas falas, que eu ouvia
como um murmúrio de água namorada,

nunca mais as ouvi! E nasce o dia
e o dia morre, minha bem amada,
e eu vou mirrando de melancolia,
e a vida é água que se vai levada...

Volve a dizer-me o que disseste, quando
te vi partir, mais pálida que a lua,
que nos encheu de sonho e de piedade,

enquanto eu vivo, meu amor, penando,
e a minha vida corre para a tua
nesta língua de lume da saudade...


Júlio Sousa Brandão nasceu em Famalicão a 9 de Agosto de 1869 e morreu a 9 de Abril de 1947 no Porto, onde a família se fixara em 1874. Jornalista, arqueólogo e professor, foi amigo e colaborador de Raul Brandão. Além de poeta neo-romântico e decadentista, foi contista («Farmácia Pires», 1896), novelista («Maria do Céu», 1902), memorialista e crítico literário.

Soneto e Nota biobliográfica extraídos de «A Circulatura do Quadrado - Alguns dos Mais Belos Sonetos de Poetas cuja Mátria é a Língua Portuguesa. Introdução, coordenação e notas de António Ruivo Mouzinho. Edições Unicepe - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, 2004.

2014-04-08

Notícias do Bloqueio - Egito Gonçalves


Aproveito a tua neutralidade,
o teu rosto oval, a tua beleza clara,
para enviar notícias do bloqueio
aos que no continente esperam ansiosos.

Tu lhes dirás do coração o que sofremos
nos dias que embranquecem os cabelos...
tu lhes dirás a comoção e as palavras
que prendemos – contrabando – aos teus cabelos.

Tu lhes dirás o nosso ódio construído,
sustentando a defesa à nossa volta
- único acolchoado para a noite
florescida de fome e de tristezas.

Tua neutralidade passará
por sobre a barreira alfandegária
e a tua mala levará fotografias,
um mapa, duas cartas, uma lágrima...

Dirás como trabalhamos em silêncio,
como comemos silêncio, bebemos
silêncio, nadamos e morremos
feridos de silêncio duro e violento.

Vai pois e noticia com um archote
aos que encontrares de fora das muralhas
o mundo em que nos vemos, poesia
massacrada e medos à ilharga.

Vai pois e conta nos jornais diários
ou escreve com ácido nas paredes
o que viste, o que sabes, o que eu disse
entre dois bombardeamentos já esperados.

Mas diz-lhes que se mantém indevassável
o segredo das torres que nos erguem,
e suspensa delas uma flor em lume
grita o seu nome incandescente e puro.

Diz-lhes que se resiste na cidade
desfigurada por feridas de granadas
e enquanto a água e os víveres escasseiam
aumenta a raiva
e a esperança reproduz-se


1952

O Pêndulo Afectivo - Antologia Poética, 1950-1990
Porto, Afrontamento, 1991

José Egito de Oliveira Gonçalves (nasceu em Matosinhos, 8 de Abril de 1922 - m. Porto, 29 de Janeiro de 2001)

Ler do mesmo autor, neste blog:
A Primavera
Convite
O Teu Ombro Sabe
A Aventura É Ficar
Com palavras

2014-04-07

Encontro - Almada Negreiros

A Carlos Queiroz

Que vens contar-me
se não sei ouvir senão o silêncio?
Estou parado no mundo.
Só sei escutar de longe
antigamente ou lá para o futuro.
É bem certo que existo:
chegou-me a vez de escutar.

Que queres que te diga
se não sei nada e desaprendo?
A minha paz é ignorar.
Aprendo a não saber:
que a ciência aprenda comigo
já que não soube ensinar.

O meu alimento é o silêncio do mundo
que fica no alto das montanhas
e não desce à cidade
e sobe às nuvens que andam à procura de forma
antes de desaparecer.

Para que queres que te apareça
se me agrada não ter horas a toda a hora?
A preguiça do céu entrou comigo
e prescindo da realidade como ela prescinde de mim.

Para que me lastimas
se este é o meu auge?!
Eu tive a dita de me terem roubado tudo
menos a minha torre de marfim.
Jamais os invasores levaram consigo as nossas torres de marfim.

Levaram-me o orgulho todo
deixaram-me a memória envenenada
e intacta a torre de marfim.
Só não sei que faça da porta da torre
que dá para donde vim.

José Sobral de Almada Negreiros (n. em S. Tomé e Príncipe a 7 Abr 1893; m. 15 de Junho de 1970 em Lisboa)

Ler do mesmo autor, neste blog:

2014-04-06

XLII OS PALHAÇOS - Guilherme de Azevedo

Heróis da gargalhada, ó nobres saltimbancos,
eu gosto de vocês,
porque amo as expansões dos grandes risos francos
e os gestos de entremez,

e prezo, sobretudo, as grandes ironias
das farsas joviais.
que em visagens cruéis, imperturbáveis, frias.
à turba arremessais!

Alegres histriões dos circos e das praças,
ah, sim, gosto de vos ver
nas grandes contorções, a rir, a dizer graças
de o povo enlouquecer,

ungidos pela luta heróica, descambada,
de giz e de carmim,
nas mímicas sem par, heróis da bofetada,
titãs do trampolim!

Correi, subi, voai num turbilhão fantástico
por entre as saudações
da turba que festeja o semideus elástico
nas grandes ascensões,

e no curso veloz, vertiginoso, aéreo,
fazei por disparar
na face trivial do mundo egoísta e sério
a gargalhada alvar!

Depois, mais perto ainda, a voltear no espaço,
pregai-lhe, se podeis,
um pontapé furtivo, ó lívidos palhaços,
luzentes como reis!

Eu rio sempre, ao ver aquela majestade,
os trágicos desdéns
com que nos divertis, cobertos de alvaiade,
a troco duns vinténs!

Mas rio ainda mais dos histriões burgueses,
cobertos de ouropéis,
que tomam neste mundo, em longos entremezes,
a sério os seus papéis.

São eles, almas vãs, consciências rebocadas,
que enfim merecem mais
o comentário atroz das rijas gargalhadas
que às vezes disparais!

Portanto, é rir, é rir, hirsutos, grandes, lestos,
nas cómicas funções,
até fazer morrer, em desmanchados gestos,
de riso as multidões!

E eu, que amo as expansões dos grandes risos francos
e os gestos de entremez,
deixai-me dizer isto, ó nobres saltimbancos:
eu gosto de vocês!

Guilherme Avelino de Azevedo Chaves nasceu em Santarém a 30 de Novembro de 1840 e morreu em Paris a 6 de Abril de 1882.

Do mesmo autor, ler neste blog:

2014-04-04

Nos 150 anos do nascimento de Roque Gameiro

Rua do Arco do Marquês do Alegrete (aguarela)

Alfredo Roque Gameiro nasceu em Minde, município de Alcanena a 4 de abril de 1864, faleceu em Lisboa a 5 de agosto de 1935

2014-04-03

Camões e a Pátria - Augusto Emilio Zaluar

Peregrino, sê bem vindo!
Quem teus passos encaminha?
    A saudada, linda virgem,
    Saudades da pátria minha!

Donde vens? - De longes terras.
    Tua família? - Morreu,
E uma lágrima ao romeiro
Dos olhos se desprendeu.

Triste sorte a do proscrito
A vagar em terra estranha!
E dentro d'alma a saudade!
E que saudade tamanha!

Mas diz-me, qual é teu nome?
    Sou Camões! - disse a gemer.
E que procuras agora?
    Um abrigo para morrer!

Achaste-o pois, bardo luso!
Vem abraçar-te comigo!
Vem, que juntos morreremos,
Que a Pátria morre contigo!

Augusto Emílio Zaluar (Lisboa, 14 de fevereiro de 1826 – Rio de Janeiro, 3 de abril de 1882)

No futebol todos os dias são "Dia das Mentiras" ?

Um antigo árbitro disse certo dia que depois de ter visto um porco andar de bicicleta... já nada o surpreendia.

Depois de assistirmos a notícias como estas:

«Foi dado provimento parcial ao recurso porque foi provado que o atraso foi intencional mas não com a intenção de causar prejuízo a terceiros...» - a propósito da decisão do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol e o caso do atraso do Porto no jogo da Taça da Liga.

Absolutamente inenarrável numa decisão de Justiça! O atraso foi intencional mas não com a intenção de causar danos a terceiros. Conclusão (minha, é óbvio) foi intencional mas para causar danos... a si próprio... Caso de masoquismo, certamente...

(É claro que, matematicamente ainda há a possibilidade de ter sido intencional para causar benefício a terceiros porque o benefício próprio já corresponderia a dano de outrém... ou intencional mas sem intenção de resultado... ou seja, afinal, intencional sem intenção!)...

Ontem ouvi na Rádio que Filipe Vieira foi castigado com dois meses de suspensão e uma (pequena) multa pecuniária porque após o jogo com o Belenenses para a 6ª Jornada (no próximo fim de semana já se disputa a 26ª.!) disse que o árbitro ou era cego ou incompetente. Pensei que era uma das mentiras de 1 de Abril mas depois ouvi a notícia noutra fonte. Afinal, era verdade. Não foi mal, Filipe Vieira ... ainda deu alternativas. Deveria ter se calhar adicionado ainda outras hipóteses para além de ser cego ou incompetente, talvez a hipótese de ser corrupto... mas não o fez. CASTIGO DE DOIS MESES?!

Certamente a campanha do Basta F.C. implementada pelo Presidente do Sporting e que durou dias a fio, com comunicados oficiais do clube, ameaças de processos na Justiça Civil..., conferências de imprensa, etc. vai dar um castigo, a manter a proporcionalidade, de TRÊS ANOS ou aproximadamente. Não duvido... mas apenas quando ele já não for Presidente do Sporting...

E que dizer do que disse o Presidente do Braga «Fomos roubados...» depois do jogo da Taça da Liga com o Rio Ave? Neste caso o árbitro não foi cego ou incompetente. Foi o autor do roubo, sendo assim, classifiquem-no... e antecipem o castigo. Ou esse por ser Presidente do Braga está isento?

E que dizer do comportamento de Quaresma no final do jogo com o Nacional e ... saiu com uma advertência? Nem sequer um jogo de castigo?

Certamente, em termos futebolísticos não só o que se diz é mentira, como todas estas decisões são mentiras!

Este ano espero que o Benfica seja campeão nacional. Leva sete pontos de avanço e faltam apenas cinco jogos. Mas com o Proença a voltar a arbitrar jogos do Benfica - felizmente para o clube de Lisboa o Braga estava muito fragilizado com muitos jogadores habitualmente titulares indisponíveis-, vem agora o Senhor Cosme Machado para o jogo com o Rio Ave... Muito cuidado!

Espero que o Benfica campeão na época desportiva 2013/2014 não seja mentira...

2014-04-02

Cristo Hoje - Francisco Costa

Mendigo

Todos os dias bate à minha porta
e aceita a esmola que lhe dou - que é nada!
E lá se vai, rojando na calçada
o passo vacilante, a sombra torta.

É a miséria mesma que o conforta.
Com o sol a prumo ou a chuva regelada,
mendiga sempre, palmilhando a estrada,
vergado ao peso da existência morta.

Hoje, aquecia as minhas mãos ao lume
quando ele veio, como de costume,
fitar em mim o seu olhar vazio.

E ao dar-lhe a esmola que ele não reclama,
mais uma vez senti a face em chama
e as labaredas me fizeram frio.


Francisco José Lopes da Costa (n. em Sintra a 12 de Agosto de 1900; m. em Sintra a 2 de Abril de 1988).

Ler do mesmo autor, neste blog:
Esfinge
Pedra Alta

2014-04-01

Autorretrato - Oleg Almeida

Não quero ser político
nem empresário, nem executivo;
ainda menos, líder da maioria vitoriosa.
Não me atrai a perspectiva
de viver preso ao telefone,
de dar entrevistas a torto e a direito,
de prestar contas ou, Deus me livre, depoimentos
no fim da jornada.
Não é que pregue a modéstia
que, aliás, não faz parte do meu caráter,
mas, vendo o ápice do Olimpo coberto de nuvens,
duvido que valha mesmo a pena atingi-lo.
De modo nenhum me seduz a glória,
sobretudo a póstuma,
bem como a opulência exagerada,
pois, com o tempo, esta perece nas baixas da bolsa
ou passa a juntar as baratas,
enquanto aquela cede lugar a outros louvores
falsos ou verdadeiros.
Não é que me curve perante a realidade,
mas, certo de que nas pontas da básica equação
ficam o tombo e o coqueiro igualmente concretos,
acho mais razoável manter-me na defensiva,
distante dos cargos de alto nível.
Não gosto, enfim, de vestir-me de preto e branco,
tampouco de integrar os esquemas
montados pela vontade alheia:
temo as cores monótonas,
e deixa-me trêmulo a simetria que se alinha à morte.
Não é que seja covarde por natureza,
mas, apegado a tradições seculares,
prefiro a lancha ao navio
e ao trombone, a flauta.
O íntimo sonho que tenho
consiste apenas em acordar cedinho –
toda manhã, de domingo a sábado – ,
abrir os olhos nessa penumbra cinzenta,
pela qual se costuma julgar de como será o dia recém-nascido,
ao lado da mulher amada,
que dorme de bruços, nua e confiante,
beijar os ombros aveludados dela
e, dando-me conta de que estou vivo,
agradecer, humilde, a quem criou a vida
por tê-la criado tão simples e cheia de bagatelas maravilhosas.
Numa palavra, evito acrescentar ao que foi concebido pequeno,
e, dada a mínima diferença entre vencido e vencedor,
não quero ser Davi nem Golias...
Quero ser Eu.


Oleg Andréev Almeida, poeta lusófono de procedência eslava, nasceu em 1 de abril de 1971 na Bielo-Rússia, então uma das repúblicas da extinta URSS.