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2016-02-28

Soneto XX - Camillo de Jesus Lima

À memória de Laudionor Brasil

Nas horas de desânimo e desgosto,
Sinto essa mão macia, carinhosa,
Maternal, que me afoga as mãos e o rosto,
Perfumada de sândalo e de rosa.

Se me ponha a cismar, o sol já posto,
Exausto dessa via dolorosa,
À cabeça cansada dá-me encosto
E o suor me enxuga a doce mão piedosa.

Tanto falei das mãos nos meus poemas!
Agora, esta me vem mostrar estrelas,
- No manto azul do céu doiradas gemas, -

Num gesto de carinho e de piedade,
Pura entre as puras, bela entre as mais belas,
A MÃO NEVADA E FRIA DA SAUDADE...

Camillo de Jesus Lima (Caetité, Bahia, 8 de setembro de 1912 — Itapetinga, Bahia, 28 de fevereiro de 1975)

2016-02-26

«Vae ser pedida. Casa qualquer dia» - Augusto Gil

Noiva imagem daqui

Tive noticias hoje a teu respeito:
«Vae ser pedida. Casa qualquer dia».
E o coração tranquillo no meu peito
- Continuou a bater como batia...

Surpreso duma tal serenidade,
Todo eu, intimamente, me sondava:
Pois nem ciumes? Nem sequer saudade?!
- E nem ciumes, nem saudade achava...

Saudades, não; que o teu amor antigo
Guardam-no as cinzas (neste coração)
Como em Pompeia aquelles grãos de trigo
Que após centenas d'annos deram pão...

Saudades! Mas de quê?! Pois não sei eu
A lei antiga como o próprio mundo
De que o prazer mal chega, já morreu,
E só a dôr nas almas cava fundo?

Causei-te longas horas d'amargura,
Não consegues voltar a ser feliz;
A chaga que te abri não terá cura,
E se curar--lá fica a cicatriz.

Á luz dum juramento que trahiste
Tu has de vêr-me toda a vida pois.
Ergueste-o a Deus num dia amargo e triste
E Deus casou-nos esse dia, aos dois...

Ciumes também não, por te venderes.
Desgraçadinha! Antes te houvesses dado;
Não descerias tanto entre as mulheres,
Seria mais humano o teu peccado.

Porém, embora a tua falta aponte,
P'ra mim és a que foste (ou que eu suppuz);
O sol desapparece no horisonte
- E a gente vê-o ainda a dar-nos luz...

Póde a desgraça erguer em frente a mim
Altas montanhas d'elevados cumes.
O sol do amôr doiral-as-ha, e assim,
Vendo-o tão alto, não terei ciumes.

Ciumes! Elle é que hade tel-os, quando,
Em claras noites de luar silente,
Ouvir vibrar alguma voz, cantando
Os versos que te fiz devotamente.

Versos para te ungirem os ouvidos
E os labios d'anemica e de santa,
Tão pobres, tão ingenuos, tão sentidos,
Que o povo humilde os acolheu e os canta.

Então, se te olhar bem, logo adivinha...
Logo sombriamente se convence
De que a tua alma se fundiu na minha
--E apenas o teu corpo lhe pertence.

in Luar de Janeiro

Augusto César Ferreira Gil (nasceu em Lordelodo Ouro, Porto, 31 de Julho de 1873, faleceu em Lisboa a 26 de Fevereiro de 1929)

2016-02-25

Lúbrica - Cesário Verde (com texto introdutório de Bernardo Soares referindo-se ao poeta)

“Vivemos pela acção, isto é, pela vontade. Aos que não sabemos querer — sejamos génios ou mendigos — irmana-nos a impotência. De que me serve citar-me génio se resulto ajudante de guarda-livros? Quando Cesário Verde fez dizer ao médico que era, não o Sr. Verde empregado no comércio, mas o poeta Cesário Verde, usou de um daqueles verbalismos do orgulho inútil que suam o cheiro da vaidade. O que ele foi sempre, coitado, foi o Sr. Verde empregado no comércio. O poeta nasceu depois de ele morrer, porque foi depois de ele morrer que nasceu a apreciação do poeta.

Agir, eis a inteligência verdadeira. Serei o que quiser. Mas tenho que querer o que for. O êxito está em ter êxito, e não em ter condições de êxito. Condições de palácio tem qualquer terra larga, mas onde estará o palácio se o não fizerem ali?"

Bernardo Soares, Livro do Desassossego

Mandaste-me dizer,
No teu bilhete ardente,
Que hás-de por mim morrer,
Morrer muito contente.

Lançaste no papel
As mais lascivas frases;
A carta era um painel
De cenas de rapazes!

Ó cálida mulher,
Teus dedos delicados
Traçaram do prazer
Os quadros depravados!

Contudo, um teu olhar
É muito mais fogoso,
Que a febre epistolar
Do teu bilhete ansioso:

Do teu rostinho oval
Os olhos tão nefandos
Traduzem menos mal
Os vícios execrandos.

Teus olhos sensuais
Libidinosa Marta,
Teus olhos dizem mais
Que a tua própria carta.

As grandes comoções
Tu, neles, sempre espelhas;
São lúbricas paixões
As vívidas centelhas...

Teus olhos imorais,
Mulher, que me dissecas,
Teus olhos dizem mais,
Que muitas bibliotecas!

Extraído de O Livro de Cesário Verde, Texto integral e estudo da obra
Estante Editora

José Joaquim Cesário Verde (n. em Lisboa a 25 de fevereiro de 1855, m. Lisboa, 19 de julho de 1886)

Ler ainda do mesmo autor, neste blog:
De Tarde
Arrojos
O Sentimento Dum Ocidental - I Ave Marias -
Cristalizações
Eu e Ela
Noite Fechada
Cobertos de folhagem na verdura...
Arrojos
Contrariedades
Nós III
Vaidosa

2016-02-24

Penumbra - David Mourão-Ferreira


Na penumbra dos ombros é que tudo começa

quando subitamente só a noite nos vê
E nos abre uma porta nos aponta uma seta

para sermos de novo quem deixámos de ser

in Obra Poética (1948-1988), Presença

David de Jesus Mourão-Ferreira (n. em Lisboa a 24 de fevereiro de 1927; m. Lisboa a 16 de junho de 1996)

Ler do mesmo autor:
Casa
E Por Vezes
Ilha
Nocturno
Paraíso
Ternura
Labirinto
Penelope
Primavera
Equinócio
Soneto do Cativo

2016-02-23

As gaivotas - Fernando Semana


Grasnam as gaivotas no ar, pipilantes,
Sobre árvores desnudas na cidade fria
São como gritos de agonia revoltantes
Longe da costa… de moela vazia
Alto grasnas… e ainda alto voas
Já tão longe do mar, povoas
- Ó Charadriiformes Lari, Laridae!-
Os céus cinzentos da cidade…
Eu já não voo, não tenho vontade
Eu já não grito, lamentos por ti, Mãe!

Cantando al mundo - Jesús Lizano



En amor se transforma cuanto hacemos
todo lo que tocamos y sentimos,
lo que soñamos y lo que vivimos,
cuando nos vemos, cuando no nos vemos.

Ebrios de amor las alas y los remos
sólo para esas horas existimos,
abrazando los ramos, los racimos,
lo que tenemos, lo que no tenemos.

Saltan las olas, bañan las espumas
y se funden los oros con los plomos
y en la tierra final nos encontramos.

Y así unidas las luces y las brumas,
héroes por lo que somos y no somos,
cantando al mundo por el mundo vamos.

Jesús Lizano (Barcelona, 23 de febrero de 1931 - Barcelona, 25 de mayo de 2015)

2016-02-22

Nos Teus Gestos - Joaquim Pessoa


Nos teus gestos há animais em liberdade
e o brilho doce que só têm as cerejas.
É neles que adormeço, e dos teus dedos
retiro a luz azul dos arquipélagos.

Os teus gestos são letras, sílabas, poemas.
Os teus gestos são páginas inteiras. São
a tua boca a namorar na minha boca,
o cio dos séculos a saudar o tempo.

São os teus gestos que me acordam. Gestos
que vestem o silêncio fundo das ravinas
e assinalam a água dos desertos.

Os teus gestos são música. São lume.
São a respiração do teu olhar. A seara
de espigas que ondula no meu corpo.

in 'Guardar o Fogo'

Joaquim Maria Pessoa (Barreiro, 22 de fevereiro de 1948)

2016-02-20

TODO O TEMPO... - António Salvado (na passagem do 80º aniversário)

Todo o tempo é sagrado:
embora no verão
o sol requeime tanto
que o corpo esquece a alma;
embora no outono
do rosto a palidez
augure e urda sombras
dum súbito sofrer;
embora no inverno
a neve a tempestade
até aos ossos gelem
desígnios ou vontades;

na calma primavera:
tudo em cores germina
e solícita a terra
o porvir adivinha.


in Auras do Egeu. Folio Exemplar, Lisboa, 2011

António Forte Salvado (Castelo Branco, 20 de fevereiro de 1936)

2016-02-19

A um ti que eu inventei - António Gedeão


Pensar em ti é coisa delicada.
É um diluir de tinta espessa e farta
e o passá-lo em finíssima aguada
com um pincel de marta.

Um pesar de grãos de nada em mínima balança,
um armar de arames cauteloso e atento,
um proteger a chama contra o vento,
pentear cabelinhos de criança.

Um desembaraçar de linhas de costura,
um correr sobre lã que ninguém saiba e oiça,
um planar de gaivota como um lábio a sorrir.

Penso em ti com tamanha ternura
como se fosses vidro ou película de loiça
que apenas com o pensar te pudesses partir.


António Gedeão, Máquina de Fogo, 1961

in Poesia Completa , António Gedeão,
Edições João Sá da Costa, Lda.

Rómulo Vasco da Gama de Carvalho, que utilizou o pseudónimo literário de António Gedeão, nasceu a 24 de novembro de 1906 em Lisboa; m. em Lisboa, 19 de fevereiro de 1997)

2016-02-17

INSTRUÇÕES DUM BARÃO NOVO, A UM CRIADO VELHO - Xavier de Novais


Ó João!... anda cá, quero falar-te,
Pra ensinar-te a viver d’hoje em diante;
E nada tens depois pra desculpar-te,
Se um dia eu te chamar tolo ou tratante!
Ora olha se escutas bem!
Hein?...

No modo de tratar é mister que andes
Com mais delicadeza, e com cuidado:
Olha que já não sou Sê Zé Fernandes,
Como sempre até’qui me tens chamado!
Se não és homem capaz...
Zás!...

E não te queixes! – graças aos sob’ranos,
Sou hoje Sê Barão de cascas d’alhos:
Já servi, como tu – e há poucos anos
Que pra sempre deixei esses trabalhos! –
Inda tu serás barão,
João!

E não te rias! – olha que o dinheiro
É capaz de fazer virar-se o mundo!
Não hás de ser barão ou conselheiro,
Só porque outrora foi carreiro imundo
Teu pai ou teu avô?...
Bô!...


Não chames a tua ama – Sêra Aninhas,
Que ela agora é também – Sê Baronesa;
Se vier a Maria das Soquinhas,
Ou outra minha irmã, Ana Teresa,
“’Stá cá o meu irmão?”
– Não! –

Que não saiba ninguém que essas mulheres
São irmãs dum fidalgo tão distinto;
E previne-as tu lá, como puderes,
Que ouvir delas um – tu – já não consinto!
Que elas o não saibam já,
Vá!

Carreiros todos são os meus parentes,
E não sabem tratar com gente nobre;
Mas quando traga algum roupas decentes,
E tu vejas que à porta se descobre,
E – “O sê Barão ‘stá cá?”
– ‘Stá! –

Sempre à porta estarás – e tem paciência,
Que para outros serviços te não chamo:
Darás a toda a gente uma excelência,
Pra que saibam, assim, que a tem teu amo;
E se algum se rir de mau,
Pau!...

E quando no portal juntos estejam
À espera de teu amo, alguns sujeitos;
Embora malcriados eles sejam,
E conversem, notando-me defeitos,
Tu, como quem não ouviu,
Siu!...

Inda mesmo que algum mais atrevido
Diga que rico sou por ser tratante,
Que sou por grande parvo conhecido,
E, por minha conduta degradante,
Na nobreza um labéu,
Chéu!...

Não te esqueças, João, do que te digo,
Nem faltes ao programa um só momento;
Bem vês que hoje um Barão é grande amigo!
E atende a que o teu regulamento,
Sem falta começará
Já!

Se um vosmecê me dás, ou à tua ama,
Tomando contra ti, por mariola,
Vingança que esse crime atroz reclama,
Fecho-te... lanço mão duma pistola,
E sem ter pesar algum,

Pum!...

Faustino Xavier de Novais nasceu a 17 de fevereiro de 1820, no Porto, e faleceu a 16 de agosto de 1869, no Rio de Janeiro, Brasil.


Nota do Webmaster: Afinal, como se vê, o mundo não muda muito. Aplica-se com toda a propriedade a episódios atuais!...

2016-02-16

Vem Primavera - Luiz Carlos Amorim

imagem daqui

Vai embora inverno
leva contigo o frio,
a solidão, a saudade
e deixa vir a primavera
vestir a terra de flores,
de verde, vida e cores.

Vem, primavera:
contigo renasce a vida,
brota de novo a poesia,
renova-se a esperança.

Vem, primavera:
lança sobre nós o sol,
raio de luz, força e cor,
essência de vida de nós,
pequenos filhos da terra.

Vem, primavera:
abra sorrisos, corações,
botões e céu.
A festa da vida recomeça
e eu te festejo, primavera.


Luiz Carlos Amorim, nasceu em Corupá, Santa Catarina a 16 de fevereiro de 1953

2016-02-15

Sabedoria - Ronald de Carvalho



Enquanto disputam os doutores gravemente
sobre a natureza
do bem e do mal, do erro e da verdade,
do consciente e do inconsciente;
enquanto disputam os doutores sutilíssimos,
aproveita o momento!

Faze da tua realidade
uma obra de beleza

Só uma vez amadurece,
efêmero imprudente,
o cacho de uvas que o acaso te oferece...


Ronald de Carvalho (n. Rio de Janeiro, 16 de Maio de 1893 — m. Rio de Janeiro, 15 de Fevereiro de 1935).

Ler do mesmo autor neste blog:
Anoitece
Filosofia

2016-02-14

Girassol - Corsino Fortes


Girassol
Rasga a tua indecisão
E liberta-te.

Vem colar
O teu destino
Ao suspiro
Deste hirto jasmim
Que foge ao vento
Como
Pensamento perdido.

Aderido
Aos teus flancos
Singram navios.

Navios sem mares
Sem rumos
De velas rotas.

Amanheceu!

Orça o teu leme
E entra em mim
Antes que o Sol
Te desoriente
Girassol!

Corsino António Fortes (Mindelo, Cabo Verde, 14 de fevereiro de 1933 - Mindelo, 24 de julho de 2015)

2016-02-12

VISÃO - Oscar Rosas




Tanto brilhava a luz da Lua clara,
Que para ti me fui encaminhando.
Murmurava o arvoredo, gotejando
Água fresca da chuva que estancara.

Longe de prata semeava a seara...
O teu castelo, a Lua crepitando,
Como um solar de vidros formidando,
Vi-o como ardentíssima coivara.

Cantigas de cigarra na devesa...
E, pela noite muda, parecia
Cantar o coração da natureza.

Foi então que te vi, formosa imagem,
Surgir entre roseiras, fria, fria,
Como um clarão da Lua na folhagem.

Oscar Rosas Ribeiro (nasceu em Florianópolis, em 12 de fevereiro de 1862, faleceu no Rio de Janeiro, no dia 27 de Janeiro de 1925).


2016-02-11

Poem for a birthday - Sylvia Plath



1. Who

The month of flowering’s finished. The fruit’s in,
Eaten or rotten. I am all mouth.
October’s the month for storage.

The shed’s fusty as a mummy’s stomach:
Old tools, handles and rusty tusks.
I am at home here among the dead heads.

Let me sit in a flowerpot,
The spiders won’t notice.
My heart is a stopped geranium.

If only the wind would leave my lungs alone.
Dogsbody noses the petals. They bloom upside down.
They rattle like hydrangea bushes.

Mouldering heads console me,
Nailed to the rafters yesterday:
Inmates who don’t hibernate.

Cabbageheads: wormy purple, silver-glaze,
A dressing of mule ears, mothy pelts, but green-hearted,
Their veins white as porkfat.

O the beauty of usage!
The orange pumpkins have no eyes.
These halls are full of women who think they are birds.

This is a dull school.
I am a root, a stone, an owl pellet,
Without dreams of any sort.

Mother, you are the one mouth
I would be a tongue to. Mother of otherness
Eat me. Wastebasket gaper, shadow of doorways.

I said: I must remember this, being small.
There were such enormous flowers,
Purple and red mouths, utterly lovely.

The hoops of blackberry stems made me cry.
Now they light me up like an electric bulb.
For weeks I can remember nothing at all.

2. Dark House

This is a dark house, very big.
I made it myself,
Cell by cell from a quiet corner,
Chewing at the grey paper,
Oozing the glue drops,
Whistling, wiggling my ears,
Thinking of something else.

It has so many cellars,
Such eelish delvings!
U an round as an owl,
I see by my own light.
Any day I may litter puppies
Or mother a horse. My belly moves.
I must make more maps.

These marrowy tunnels!
Moley-handed, I eat my way.
All-mouth licks up the bushes
And the pots of meat.
He lives in an old well,
A stoney hole. He’s to blame.
He’s a fat sort.

Pebble smells, turnipy chambers.
Small nostrils are breathing.
Little humble loves!
Footlings, boneless as noses,
It is warm and tolerable
In the bowel of the root.
Here’s a cuddly mother.

3. Maenad

Once I was ordinary:
Sat by my father’s bean tree
Eating the fingers of wisdom.
The birds made milk.
When it thundered I hid under a flat stone.

The mother of mouths didn’t love me.
The old man shrank to a doll.
O I am too big to go backward:
Birdmilk is feathers,
The bean leaves are dumb as hands.

This month is fit for little.
The dead ripen in the grapeleaves.
A red tongue is among us.
Mother, keep out of my barnyard,
I am becoming another.

Dog-head, devourer:
Feed me the berries of dark.
The lids won’t shut. Time
Unwinds from the great umbilicus of the sun
Its endless glitter.

I must swallow it all.

Lady, who are these others in the moon’s vat —
Sleepdrunk, their limbs at odds?
In this light the blood is black.
Tell me my name.

4. The Beast

He was the bullman earlierm
King of the dish, my lucky animal.
Breathing was easy in his airy holding.
The sun sat in his armpit.
Nothing went moldy. The little invisibles
Waited on him hand and foot.
The blue sisters sent me to another school.
Monkey lived under the dunce cap.
He kept blowing me kisses.
I hardly knew him.

He won’t be got rid of:
Memblepaws, teary and sorry,
Fido Littlesoul, the bowel’s unfamiliar.
A dustbin’s enough for him.
The dark’s his bone.
Call him any name, he’ll come to it.

Mud-sump, happy sty face.
I’ve married a cupboard of rubbish.
I bed in a fish puddle.
Down here the sky is always falling.
Hogwallow’s at the window.
The star bugs won’t save me this mouth.
I housekeep in Time’s gut-end
Among emmets and mollusks,
Duchess of Nothing,
Hairtusk’s bride.

5. Flute Notes From A Reedy Pond

Now coldness comes sifting down, layer after layer,
To our bower at the lily root.
Overhead the old umbrellas of summer
Wither like pithless hands. There is little shelter.

Hourly the eye of the sky enlarges its blank
Dominion. The stars are no nearer.
Already frog-mouth and fish-mouth drink
The liquor of indolence, and all thing sink

Into a soft caul of forgetfulness.
The fugitive colors die.
Caddis worms drowse in their silk cases,
The lamp-headed nymphs are nodding to sleep like statues.

Puppets, loosed from the strings of the puppetmaster
Wear masks of horn to bed.
This is not death, it is something safer.
The wingy myths won’t tug at us anymore:

The molts are tongueless that sang from above the water
Of golgotha at the tip of a reed,
And how a god flimsy as a baby’s finger
Shall unhusk himself and steer into the air.

6. Witch Burning

In the marketplace they are piling the dry sticks.
A thicket of shadows is a poor coat. I inhabit
The wax image of myself, a doll’s body.
Sickness begins here: I am the dartboard for witches.
Only the devil can eat teh devil out.
In the month of red leaves I climb to a bed of fire.

It is easy to blame the dark: the mouth of a door,
The cellar’s belly. They’ve blown my sparkler out.
A black-sharded lady keeps me in parrot cage.
What large eyes the dead have!
I am intimate with a hairy spirit.
Smoke wheels from the beak of this empty jar.

If I am a little one, I can do no harm.
If I don’t move about, I’ll knock nothing over. So I said,
Sitting under a potlid, tiny and inert as a rice grain.
They are turning the burners up, ring after ring.
We are full of starch, my small white fellows. We grow.
It hurts at first. The red tongues will teach the truth.

Mother of beetles, only unclench your hand:
I’ll fly through the candles’ mouth like a singeless moth.
Give me back my shape. I am ready to construe the days
I coupled with dust in the shadow of a stone.
My ankles brighten. Brightness ascends my thighs.
I am lost, I am lost, in the roves of all this light.

7.The Stones

This is the city where men are mended.
I lie on a great anvil.
The flat blue sky-circle

Flew off like the hat of a doll
When I fell out of the light. I entered
The stomach of indifference, the wordless cupboard.

The mother of pestles diminished me.
I became a still pebble.
The stones of de belly were peaceable,

The head-stone quiet, jostled by nothing.
Only the mouth-hole piped out,
Importunate cricket

In a quarry of silences.
The people of the city heard it.
They hunted the stones, taciturn and separate,

The mouth-hole crying their locations.
Drunk as a foetus
I suck the paps of darkness.

The food tubes embrace me. Sponges kiss my lichens away.
The jewelmaster drives his chisel to pry
Open one stone eye.

This is the after-hell: I see the light.
A wind unstoppers the chamber
Of the ear, old worrier.

Sylvia Plath (n. Boston, Massachusetts, 27 de outubro de 1932; m. Londres 11 de fevereiro de 1963)

2016-02-08

Entrei no café com um rio na algibeira - José Gomes Ferreira

Entrei no café com um rio na algibeira
e pu-lo no chão,
a vê-lo correr
da imaginação...

A seguir, tirei do bolso do colete
nuvens e estrelas
e estendi um tapete
de flores
a concebê-las.

Depois, encostado à mesa,
tirei da boca um pássaro a cantar
e enfeitei com ele a Natureza
das árvores em torno
a cheirarem ao luar
que eu imagino.

E agora aqui estou a ouvir
A melodia sem contorno
Deste acaso de existir
-onde só procuro a Beleza
para me iludir
dum destino.

José Gomes Ferreira(n. Porto, 9 de junho de 1900; m. Lisboa, 8 de fevereiro de 1985)

2016-02-07

Poesia Depois da Chuva - Sebastião da Gama

A Maria Guiomar


Depois da chuva o Sol - a graça.
Oh! a terra molhada iluminada!
E os regos de água atravessando a praça
- luz a fluir, num fluir imperceptível quase.

Canta, contente, um pássaro qualquer.
Logo a seguir, nos ramos nus, esvoaça.
O fundo é branco - cal fresquinha no casario da praça.

Guizos, rodas rodando, vozes claras no ar.

Tão alegre este Sol! Há Deus. (Tivera-O eu negado
antes do Sol, não duvidava agora.)
Ó Tarde virgem, Senhora Aparecida! Ó Tarde igual
às manhãs do princípio!

E tu passaste, flor dos olhos pretos que eu admiro.
Grácil, tão grácil!... Pura imagem da Tarde...
Flor levada nas águas, mansamente...

(Fluía a luz, num fluir imperceptível quase...)

in 'Pelo Sonho é que Vamos'

Sebastião Artur Cardoso da Gama (n. em Vila Nogueira de Azeitão, Setúbal, a 10 de abril de 1924; m. em Lisboa a 7 de fevereiro de 1952).

Do mesmo autor ler, neste blog, os belíssimos poemas:
Louvor da Poesia
Crepuscular
Largo do Espírito Santo, 2 - 2º
Nasci Para Ser Ignorante
Pequeno Poema
O Sonho
Madrigal
Poema da Minha Esperança
Anunciação
Crepuscular
Meu País Desgraçado

2016-02-06

GRITO NEGRO - José Craveirinha



Eu sou carvão!
E tu arrancas-me brutalmente do chão
e fazes-me tua mina, patrão.
Eu sou carvão!
E tu acendes-me, patrão,
para te servir eternamente como força motriz
mas eternamente não, patrão.
Eu sou carvão
e tenho que arder sim;
queimar tudo com a força da minha combustão.
Eu sou carvão;
tenho que arder na exploração
arder até às cinzas da maldição
arder vivo como alcatrão, meu irmão,
até não ser mais a tua mina, patrão.
Eu sou carvão.
Tenho que arder
Queimar tudo com o fogo da minha combustão.
Sim!
Eu sou o teu carvão, patrão.

in Karingana Ua Karingana [Era uma vez] (1974)


José João Craveirinha (Lourenço Marques, atual Maputo, 28 de maio de 1922 — Maputo, 6 de fevereiro de 2003)

Ler do mesmo autor neste blog:
A Nossa Casa
Gumes de Névoa
Karingana ua Karingana
Um Homem Não Chora
Aforismo
Eu Quero Ser Tambor

2016-02-05

A Tua Roca - Simões Dias



Quando te vejo, à noitinha,
Nessa cadeira sentada,
O xaile posto nos ombros,
Na cinta a roca enfeitada,

Os olhos postos na estriga,
Volvendo o fuso nos dedos,
Os lábios contando ao fio
Da tua boca os segredos,

Eu digo sempre baixinho
Pondo os olhos na tua roca:
«Se eu pudesse ser estriga,
Beijaria aquela boca!»

Eu nunca te vi fiando
Sem invejar os desvelos
Com que desfias do linho
Os brancos, finos cabelos.

E aquela fita de seda
Que se enleia no fiado?
Eu nunca vejo essa fita
Que me não sinta enleado

Parece aquilo um abraço
Dum amor que é todo nosso,
A trança do teu cabelo
Em volta do meu pescoço.

Eu digo sempre baixinho
Vendo a fita que se enreda:
«Quem me dera ser a estriga,
E ela a fitinha de seda!»

Eu por mim não sei que
sinto,
De tristeza, se ventura,
Mal que suspendes a roca
Da tua breve. cintura.

Penso que fias nos dedos
Os dias da minha vida:
Ao pé de ti sempre curta,
Ao longe sempre comprida.

Pareces-me um ramilhete
Sentada nessa cadeira,
E a fita da tua roca
A silva duma roseira.

Meu amor, quando acabares
De espiar a tua estriga,
E ouvires por alta noite
Em voz baixa uma cantiga,

Sou eu que estou a lembrar-me
Dos beijos da tua boca,
E penso que em mim são dados
Os beijos que dás na roca.

José Simões Dias nasceu na Benfeita, Arganil,a 5 de fevereiro de 1844 e morreu em Lisboa a 3 de março de 1899.

2016-02-04

Aflição de ser eu e não ser outra - Hilda Hilst


Aflição de ser eu e não ser outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha

Objeto de amor, atenta e bela.

Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha)

Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel

Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra.

Hilda Hilst, nasceu na cidade de Jaú, interior do Estado de São Paulo, em 21 de abril de 1930 e faleceu no dia 04 de fevereiro de 2004, na cidade de Campinas (SP).

Ler da mesma autora, neste blog:
Poemas aos homens do nosso tempo
O Poeta Inventa Viagem, Retorno e Morre de Saudade
Do Desejo III

2016-02-03

Élis (3.ª versão) - Georg Trakl

Carvalho em dia dourado imagem daqui

1.
Perfeito é o silêncio deste dia dourado.
Sob velhos carvalhos
Apareces. Élis, imagem de paz com olhos redondos.

O seu azul espelha o sono dos amantes.
Na tua boca
Emudeceram os seus suspiros rosados.

À noitinha, o pescador puxou as pesadas redes .Um bom pastor
Leva o rebanho pela orla da floresta.
Oh, que justos são, Élis todos os teus dias!

Leve, desce
Por muros desolados o silêncio azul da oliveira,
Morre o sombrio canto de um ancião.
Uma barca de ouro
Baloiça, Élis o teu coração na solidão do céu.

2.
Um suave toque de sinos ecoa no peito de Élis
À noitinha,
Quando a sua cabeça se afunda na almofada negra.

Um veado azul
Sangra baixinho no mato de espinhos.

Uma árvore castanha ergue-se solitária;
Caíram dela os seus frutos azuis.

Sinais e estrelas
Afundam-se de mansinho no lago da tarde.

Para lá da colina chegou o inverno.

Pombas azuis
Bebem de noite o suor gelado
Que corre na fonte cristalina de Élis.

Eternamente, ressoa
Nos muros negros o vento solitário de Deus.

Trad. João Barrento
in Rosa do Mundo, 2001 Poemas para o Futuro, Assírio & Alvim

Georg Trakl (nasceu em Salzburgo, Áustria, 3 de Fevereiro de 1887 - morreu na Cracóvia, Áustria, 3 de Novembro de 1914

2016-02-02

Monocromia - Fernando Semana


Um improvisado sofrer resulta
Desta soturna luz cinza invernal
Que se espraia pela cidade estulta
Como sombria tinta de jornal

Mas é a monótona cor do tempo
Que na realidade me transtorna
Ou constitui apenas fundamento
Para adornar a dor que já vigora?

Quem sabe se é do tempo, se é do tempo
Que já não vejo a cor dos seus olhos...
Seja qual for a razão do lamento

Que permanece em mim e se demora
Já é tempo desta cor se ir embora
E de vendo-a ver cores aos molhos.


A Esse Papo Indo-lente - Elisa Lucinda




Quando me perguntam depois de
"Ó que lindos olhos"...
Esses olhos são seus?"
Me sinto como se perguntassem
se o sol é rei mesmo
ou uma espécie de lâmpada de mil
Me sinto constrangida como se tivesse
sido possível a alguém alguma vez
confundir lata de goiabada com fruta de pé.
me sinto velha virada há milênios
Aniversariada por várias civilizações e nada esqueci.
Me sinto madura madeira escaldada
pra lá destas idades do agora.
Sou dos longínquos tempos de goiabeiras
mangueiras, formigas cabeçudas
tanajuras de umidade, baratas cascudas
e canaviais nos quintais
Sou ainda mais
na magia do que havia nesses anais,
sou do tempo em que era bom
nascer com olhos de esmeralda
e a artista a ser cumprimentada
era a mãe-natureza
pela proeza de olhos ser olhos
e lente ser lente.
Sou do tempo em que eu era
toda realeza
e com certeza não se compravam olhos
em shoppings, meus deus.
Sou do tempo em que meus olhos
Só podiam ser meus.

Elisa Lucinda dos Campos Gomes nasceu em Cariacica, Espírito Santo, Brasil a 2 de fevereiro de 1958

2016-02-01

A Lástima - Alvarenga Peixoto

Na masmorra da Ilha das Cobras,
lembrando-se da família


Eu não lastimo o próximo perigo,
Nem a escura prisão estreita e forte;
Lastimo os caros filhos e a consorte,
A perda irreparável de um amigo.

A prisão não lastimo, outra vez digo,
Nem o ver iminente o duro corte;
É ventura também achar a morte
Quando a vida só serve de castigo.

Ah! quão depressa então acabar vira
Este sonho, este enredo, esta quimera,
Que passa por verdade e é mentira.

Se filhos e consorte não tivera,
E do amigo as virtudes possuíra,
Só de vida um momento não quisera.

Inácio José de Alvarenga Peixoto (Rio de Janeiro, 1 de fevereiro 1742/1744 — Ambaca, Angola, 27 de agosto 1792)