Páginas

2015-05-29

LA ROSA AZUL Juan Ramón Jiménez



¡Que goce triste este de hacer todas las cosas como ella las hacía!
Se me torna celeste la mano, me contagio de otra poesía
Y las rosas de olor, que pongo como ella las ponía, exaltan su color;
y los bellos cojínes, que pongo como ella los ponía, florecen sus jardines;
Y si pongo mi mano -como ella la ponía- en el negro piano,
surge como en un piano muy lejano, mas honda la diaria melodía.

¡Que goce triste este de hacer todas las cosas como ella las hacía!
me inclino a los cristales del balcón, con un gesto de ella
y parece que el pobre corazón no está solo.
Miro al jardín de la tarde, como ella,
y el suspiro y la estrella se funden en romántica armonía.

¡Que goce triste este de hacer todas las cosas como ella las hacía!
Dolorido y con flores, voy, como un héroe de poesía mía.
Por los desiertos corredores que despertaba ella con su blanco paso,
y mis pies son de raso -¡oh! Ausencia hueca y fría!-
y mis pisadas dejan resplandores.

Juan Ramón Jiménez nasceu em Moguer, no sul da Andaluzia, em 23 de dezembro de 1881, morreu a 29 de maio de 1958 (Foi Prémio Nobel da Literatura em 1956).

2015-05-28

De profundis - José Craveirinha

Extenso dia taciturno de nuvens.
Nas ramadas passarinhos de mágoa
Lacrimejando chilros. Um braçado
Policromo de flores
Perfumado
De profundis
De coroas.

Tão duro
Assim lacónico
Nosso adeus de rosas, Maria.


José João Craveirinha (Lourenço Marques, atual Maputo, 28 de Maio de 1922 — Maputo, 6 de Fevereiro de 2003)

Ler do mesmo autor neste blog:
A Nossa Casa
Gumes de Névoa
Karingana ua Karingana
Um Homem Não Chora
Aforismo
Eu Quero Ser Tambor

2015-05-27

Palavras Palavra ou o Mito de Midas - I - Luís Veiga Leitão


De rosto vário
a alma é uma sílaba
a arder no inferno
e o corpo - peso interno
do vocabulário

De cada palavra um poeta nasce
- fio de saliva a corda da cítara
e o poema faz-se

in Dispersas,1964

Luís Maria Leitão mais conhecido pelo pseudónimo de Luís Veiga Leitão (n. em Moimenta da Beira, 27 de Maio de 1912 — m. Niterói, 9 de Outubro de 1987)

Do mesmo autor:
Homem
Filho do povo criado nas alturas
Dois epigramas

2015-05-26

A Árvore - Fábio Montenegro

Hirta, negra, espectral, chora talvez. Responde
Seu próprio choro, à voz do vento que a fustiga,
Ela que ao sol floriu, floriu às chuvas, onde
A paz é santa, o campo é doce, a noite é amiga ...

Essa que esconde a chaga, essa que a história esconde,
Que conhece a bonança e a borrasca inimiga,
já foi flor, foi semente, e, sendo arbusto, a fronde
Ergueu para a amplidão às aves e à cantiga.

Que infinita tristeza o fim da vida encerra
A quem já pompeou do Sol na própria luz.
As flores para o céu e a sombra para a terra!

Foi semente, brotou... Árvore transformada,
Sorriu em cada flor; e hoje, de galhos nus,
Velha, aguarda a tortura estúpida do nada!


Fábio Montenegro nasceu em Santos, SP a 26 de maio de 1891 e faleceu a 21 de agosto de 1920.

Do mesmo autor: Abstração

2015-05-25

D. Quixote - Maria Virgínia Monteiro

Don Quijote de La Mancha and Sancho Panza,
1863 Gustave Doré

Nunca serás dos escolhidos, dos primeiros
(dos bem amados senhores do Absoluto!).
Vestido chegas de saudade, por janeiros,
e arrastas longos teus farrapos e o teu luto.

Mas não te apontem os caminhos verdadeiros
os que possuem da Verdade o usufruto,
os que mantêm, esforçados cavaleiros,
as torres altas da Mudança por reduto!

Cavaleiro apenas és, de esporas rotas,
sem vitórias conseguidas, de armas botas,
pelos caminhos esgrimindo vacilante,

como bálsamo o choro das derrotas
nas feridas, trespassados elmo e cotas,
D. Quixote sem cavalo Rocinante.

Mª VIRGÍNIA Santos Teles Guerra MONTEIRO nasceu em Espinho a 25 de Maio de 1931. Filha do poeta Oliveira Guerra, licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas pela Faculdade de Letras do Porto e exerceu o magistério no ensino secundário. Poetisa bilingue, publicou: «Mulher de Loth» (1992), «...Ribeiro, teu indício» (1995), «O Silêncio Todo» (2000), «Ces Quelques Lettres Portugaises» e «As Cinzas e as Brisas» (2002), e «Precário Registo» (2003).

Soneto e Nota biobliográfica extraídos de «A Circulatura do Quadrado - Alguns dos Mais Belos Sonetos de Poetas cuja Mátria é a Língua Portuguesa. Introdução, coordenação e notas de António Ruivo Mouzinho. Edições Unicepe - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, 2004.

A Triste Flor - Victor Hugo


À linda borboleta ali brilhante
A flor dizia assim:
Que diferentes somos! Vês que eu fico
E tu foges de mim!

Nós vivemos contudo sem os homens
Sem eles nos amamos
E ambas formosas, ambas flores, dizem
Que nós nos semelhamos

Mas o ar te conduz! ... e eu fico presa!
Que triste o fado meu!
Com meu perfume antes soprar quisera
No céu o vôo teu.

Mas não, que longe vais! Por entre as flores
Me vais fugindo
E eu fico a ver-me a sombra que na terra
Se está bolindo...

Vais e voltas e foges para longe
Mais caprichosa!
Assim me encontras sempre a cada aurora
Toda chorosa.

Ah! Porque doravante não soframos
Mágoas tão cruas
Como eu, cria raiz, - ou presta-me asas
Como essas tuas.

Ou rosa ou borboleta, - a morte cedo
Nos vem buscar;
Não a esperemos não; vivamos juntas
Num só lugar

Num só lugar, ou sejam mansos ares
Se ali te exaltas;
Ou sejam campos, se é ali que a relva
De pranto esmaltas!

Não importa o lugar! - o que que sejas,
Alento ou côr
Ou corola orvalhada, ou borboleta.
ou asa ou flor,

Vivamos juntas, onde mais te agrade;
Pouco importa o lugar:
Que ou seja terra ou céu, estando juntas
Nos havemos de amar.

Trad. Gonçalves Dias

in Hugonianas: poesias de Victor Hugo traduzidas por poetas brasileiros. Teixeira, Múcio 1857-1926

La Fleur et le Papillon

La pauvre fleur disait au papillon céleste:
"Ne fuis pas !
Vois comme nos destins sont différents. Je reste,
Tu t'en vas!

Pourtant nous nous aimons, nous vivons sans les hommes,
Et loin d'eux,
Et nous nous ressemblons, et l'on dit que nous sommes
Fleurs tous deux!

Mais, hélas! L'air t'emporte, et la terre m'enchaîne.
Sort cruel!
Je voudrais embaumer ton vol de mon haleine,
Dans le ciel!

Mais non! tu vas trop loin! Parmi des fleurs sans nombre
vous fuyez,
Et moi je reste seule à voir tourner mon ombre.
A mes pieds !

Tu fuis, puis tu reviens, puis tu t'en va encore
Luire ailleurs.
Aussi me trouves tu toujours à chaque aurore,
toute en pleurs !

Oh! pour que notre amour coule des jours fidèle,
O mon roi,
Prends comme moi racine, ou donnes moi des ailes,
Comme à toi !

Victor-Marie Hugo (Besançon, 26 de fevereiro de 1802 — Paris, 22 de maio de 1885)










2015-05-21

Consumo - Olga Savary

Onda há mar e toda a água havia
a insubmissa dona do meu dono
é mais que amor.

Trazes na língua o fulgor do dia
e anoiteço.

Desço até onde o amor te baste
e me farde
e amanheço.


Olga Savary (Belém, Pará, 21 de maio de 1933)

2015-05-20

Conjugação - Carlos Felipe Moisés

Eu me arquipélago
tu te maravilhas
ele se istma
nós nos montanhamos
vós vos espraiais
eles se eclipsam


in Lição de casa & poemas anteriores, São Paulo: Nankin Editorial

Carlos Felipe Moisés nasceu a 20 de maio de 1942 em São Paulo (SP), Brasil

2015-05-19

Estátua Falsa - Mário de Sá-Carneiro

Só de ouro falso os meus olhos se douram;
Sou esfinge sem mistério no poente.
A tristeza das coisas que não foram
Na minha'alma desceu veladamente.

Na minha dor quebram-se espadas de ânsia,
Gomos de luz em treva se misturam.
As sombras que eu dimano não perduram,
Como Ontem, para mim, Hoje é distância.

Já não estremeço em face do segredo;
Nada me aloira já, nada me aterra:
A vida corre sobre mim em guerra,
E nem sequer um arrepio de medo!

Sou estrela ébria que perdeu os céus,
Sereia louca que deixou o mar;
Sou templo prestes a ruir sem deus,
Estátua falsa ainda erguida ao ar...


Mário de Sá-Carneiro (n. Lisboa, 19 de maio de 1890; m. em Paris, 26 de abril de 1916 -suicídio).

Ler do mesmo autor neste blog:
A Inegualável
O Recreio
Caranguejola
Fim
Crise Lamentável
Escavação
Ápice
Além-Tédio
Quasi
Dispersão
I lost myself within myself... (tradução parcial do poema Dispersão)
Último Soneto
A Queda
IX - Como eu não possuo

2015-05-18

O MUNDO NOVO - Aires Torres


O mundo que aí vem...
É o que a gente imagina! E o que se espera!
E a pena que se tem
De já não sermos nós a ver a nova era!
Afinal, sem razão, pensando bem:
Se o mundo é sempre novo em cada hora,
E se, nos anos todos que se contem,
Não deve haver dois dias iguais,
Bem podemos, sem pena ir embora...
Que, amanhã, como hoje, como ontem,
Sempre se há-de nascer cedo de mais.

 in Jornal de Felgueiras, n.º 2450, 8 de Agosto de 1959.

 José Augusto Aires Torres nasceu a 18 de Maio de 1893*, em Parada do Pinhão e faleceu no dia 10 de Fevereiro de 1979, no Porto.

* Fonte daqui

2015-05-16

Mãe - Alfredo Brochado


I

Dantes, quando a deixava,
As férias já no fim,
Ela vinha à janela
Despedir-se de mim.

Depois, quando na estrada,
Olhava para trás,
Deitava-me ainda a benção
Para que eu fosse em paz.

Dali não se movia,
À vidraça encostada,
Até que eu me perdia
Já na curva da estrada.

Hoje, se olho, calo-me
E baixo os olhos meus!
Já não vem à janela
Para dizer-me adeus!

II

Chove, e a chuva é fria.
Noite! Nos montes distantes
O Inverno principia.
Um Inverno como dantes.

Ao redor do lume aceso
Todos ficamos a olhar...
Todos não, não somos todos,
Porque há vazio um lugar.

Esse lugar era o dela,
Que ninguém mais preencheu.
Mesmo com vida, na terra,
Era uma estrela no céu.

in "Bosque Sagrado"

Extraído de Obra Poética de Alfredo Brochado, Edição de José Carlos Seabra Pereira, Lello Editores

Alfredo Monteiro Brochado (n. em Amarante a 3 de fevereiro de 1897 e suicidou-se em Lisboa a 16 de maio de 1949).

Ler do mesmo autor neste blog:
Fantasia
Tríptico
Misticismo
Miniaturas
Desvio
Na Atitude Saudosa de Quem Chora
Súplica
Confissão
Silêncio

2015-05-15

Oferta especial - Fernando Semana


Hoje queria oferecer-te uma coisa especial
Sem as banalidades do costume
O aroma é peculiar mas não passa de um perfume
Uma rosa! Sempre é mais natural!…
Quantos milhões de rosas não foram oferecidas
E, efémeras, depois no lixo perdidas?!
Tenho antes de inventar um Teorema,
Uma nova unidade de medida,
Uma nova descoberta da ciência:
Quem sabe, criar a infinita paciência…

Querida queria - nisso estou apostado -
Reter para sempre este brilho fugidio,
Preservar este momento, este silêncio
E deles fazer um extracto concentrado
(Sem corantes nem conservantes)
Para que se mantenha para sempre
Assim, natural, e ternamente…

2015-05-13

A Cavalgada - Raimundo Correia


A lua banha a solitária estrada...
Silêncio!... mas além, confuso e brando,
O som longínquo vem se aproximando
Do galopar de estranha cavalgada.

São fidalgos que voltam da caçada;
Vêm alegres, vêm rindo, vêm cantando,
E as trompas a soar vão agitando
O remanso da noite embalsamada...

E o bosque estala, move-se, estremece...
Da cavalgada o estrépito que aumenta
Perde-se após no centro da montanha...

E o silêncio outra vez soturno desce,
E límpida, sem mácula, alvacenta
A lua a estrada solitária banha...

Raimundo da Mota de Azevedo Correia (nasceu a bordo do vapor São Luiz, na baía de Mogunca, nas costas do Maranhão, a 13 de Maio de 1859 e faleceu em Paris a 13 de Setembro de 1911)

Ler do mesmo autor neste blog:
Mal Secreto
Saudade
Mal Secreto

As Pombas;
Plena Nudez;
Anoitecer

2015-05-12

Debaixo das Oliveiras - Manuel Alegre


Este foi o mês em que cantei
dentro de minha casa
debaixo
das oliveiras.

O mês em que a brisa me pôs nas mãos
uma harpa de folhas
e a terra me emprestou
sua flauta e sua lua.
Maré viva. Meu sangue atravessado
por um cometa visível a olho nu
tangido por satélites e aves de arribação
navegado por peixes desconhecidos.

Este foi o mês em que cantei
como quem morre e ressuscita
no terceiro dia
de cada sílaba.

O mês em que subi a uma colina
dentro de minha casa
olhei a terra e o mar
depois cantei
como quem faz com duas pedras
o primeiro lume. Palavras
e pedras. Palavras e lume
de uma vida.

Este foi o mês em que fui a um lugar santo
dentro de minha casa.
O mês em que saí dos campos
e me banhei no rio como quem se baptiza
e cantei debaixo das oliveiras
as mãos cheias de terra. Palavras
e terra
de uma vida.

Este foi o mês em que cantei
como quem espelha ao vento suas cinzas
e cresce de seu próprio adubo
carregado de folhas. Palavras
e folhas
de uma vida.

O mês em que a mulher
tocou meus ombros com sua graça
e me deu a beber
a água pura do seu poço.
Este foi o mês em que o filho
derramou dentro de mim
o orvalho e o sol
de sua manhã.

O mês em que cantei
como quem de si se perde e reencontra
nas coisas novamente nomeadas.

Este foi o mês em que atravessei montanhas
e cheguei a um lugar onde as palavras
escorriam leite e mel.
MILAGRE MILAGRE gritaram dentro de mim
as aves todas da floresta.

Então reparei que era o lugar do poema
o lugar santo onde cantei
entre mulher e o filho
como quem dá graças.

Este foi o mês em que cantei
dentro de minha casa
debaixo
das oliveiras.

in Manuel Alegre, 30 Anos de Poesia, Círculo de Leitores

Manuel Alegre de Melo Duarte nasceu a 12 de maio de 1936 em Águeda.

Ler do mesmo autor, neste blog:
As Mãos
Grega
E alegre se fez triste
Coisa Amar
Uma Flor de Verde Pinho
Trova do Vento que Passa
As facas
Coração Polar
Trova do Amor Lusíada

2015-05-11

Do Primeiro Regresso - Augusto Casimiro

Escuta meu Amor, quando eu voltar
De tão longe, e avistar de novo o Tejo,
O meu Restelo que em saudades vejo
Como outra Índia a conquistar

Quando a minha alma inquirida sossegar
Este voo indomável, num adejo,
E o amor e o céu e Deus, vivos num beijo,
Iluminarem todo o nosso lar:

Quando, meu Santo Amor, voltar o dia
Do primeiro regresso, e a aleluia
Madrugar tua alma anoitecida...

Hás-de embalar-me sobre o teu regaço
Arrolar, encantar o meu cansaço...
E então será o meu regresso à Vida!

in Poemas Portugueses Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, selecção, organização introdução e notas de Jorge Reis-Sá, prefácio de Vasco da Graça Moura. Porto Editora.

Augusto Casimiro dos Santos (n. em Amarante a 11 Maio de 1889; m. em Lisboa a 23 Set. 1967)

Ler do mesmo autor, neste blog:
I A Hora da Prece
Voz das Lágrimas
Joconda
O Pooeta e a Nau
Sangue de Inês
Velando

2015-05-10

Lopetegui ou discurso do patego ?

Este é que é o manto protector!!!

O treinador do FC do Porto de jornada para jornada baixa mais de nível... Depois de nada ter feito no Estádio da Luz para procurar a vitória quando era à sua equipa que competia ganhar para eliminar a diferença pontual... protagonizou no final do jogo um episódio lamentável com o treinador rival Jorge de Jesus, enquanto alguns dos seus jogadores demonstravam um fair-play digno de registo.

A cada jornada que passa estrebucham as parcas esperanças de conquistar o título uma vez que o Benfica vai fazendo o que lhe compete e ganha os jogos que disputa estando agora a uma só vitória de conquistar o bicampeonato. Depois do ataque à nomeação do árbitro do Gil Vicente-Benfica, em que o Benfica triunfou por 5-0 !! e não houve casos de arbitragem, vem o treinador espanhol demonstrar ao mais alto nível o seu discurso «patego» no final do Porto-Gil Vicente, falando num manto protector. Sr. Lopetegui! não fosse o manto protector do seu Presidente, por parte dos adeptos do seu clube já havia sido corrido há muito ou já se esqueceu de ter sido eliminado em casa com o Sporting para a Taça de Portugal, ter perdido com o Benfica em casa para o campeonato, ter empatado em casa com o Boavista, ter sido eliminado da Taça da Liga com o Marítimo e ainda continuar a ser o treinador do Porto? E aquele jogo na Madeira com o Nacional depois do Benfica haver perdido antes com o Rio Ave? Foi o manto protector que funcionou ao contrário ou foi a incompetência do treinador?

Diverte-me este estrebuchar de Lopetegui mas o Benfica que não se distraia porque ainda tem de ganhar pelo menos mais um jogo e o Benfica tem dois jogos difíceis (ainda pode aparecer um Proença2 a querer dar o campeonato ao Porto), a não ser que a incompetência de Lopetegui se faça sentir e o Porto não ganhe no Restelo, o que não me admiraria nada...


Poema Inicial - Luís Miguel Nava (vinte anos após o seu trágico desaparecimento)

Poder-me-ão entender todos aqueles
de quem o coração for a roldana
do poço que lhes desce na memória.

Se alguma coisa vi foi com o sangue.
De alguém a quem o sangue serviu de olhos poderá
falar quem o fizer de mim.


in Rebentação, &Etc., 1984

Luís Miguel Nava (nasceu em Viseu, no dia 29 de setembro de 1957, m. Bruxelas, aos 10 dias do mês de maio de 1995)

2015-05-09

OCASO MARINHO - Lucian Blaga



Se esvai no jogo de luzes
o salto crepuscular do delfim.

A onda apara os nomes
escritos na areia e os rastros.

O sol, lágrima do Senhor,
cai nos mares do sono.

O dia se extingue, e as notícias.
A sombra faz crescerem os sinais.

Ah, para quem existem os longos
tempos? Para quem os mastros?

Oh, a aventura, e as águas!
Coração, cerra as pálpebras.

Trad. Luciano Maia

Lucian Blaga nasceu a 9 de maio de 1895, em Lancrăm, lângă Sebeș, comitatul Sibiu faleceu a 6 de maio de 1961, em Cluj-Napoca, Roménia

2015-05-08

HISTÓRIA DA MENINA LOUCA - Ana Hatherly

Procuraram toda a casa, toda a terra,
Ninguém a achava.
Ela estava no telhado atrás da chaminé,
Olhava as estrelas e cantava.
Estava tão feliz e sossegada!
Olhava as estrelas e cantava.

Meu Deus, está louca!
Vamos levá-la.

Estava tão feliz!
Olhava as estrelas e cantava...


Extraído de Cem Poemas Portugueses sobre a Infância - selecção, organização e introdução de José Fanha e José Jorge Letria, Terramar

Ana Hatherly naceu no Porto a 8 de maio de 1929

Longe - Luís Ferreira



Longe,
Tão longe e ninguém...
Esvaziando o espaço
Onde as lágrimas
Deslizam até à foz.
Há muito...
Que os pássaros já não voam,
Nada existe,
Nem os nomes,
Secando palavras
Quando os dias acabam.
Sem alma,
Equívoca sombra,
Que fecha as pálpebras,
Esperando que os relógios,
Despertem...

in "O céu também tem degraus"

Luís Ferreira nasceu no Barreiro a 8 de maio de 1970

2015-05-07

CORO DE ESCARNINHO E LAMENTAÇÃO DOS CORNUDOS EM VOLTA DE SÃO PEDRO - Luiz Pacheco






Coplas dedicadas às fogosas e vampirescas mulheres da Beira, de quem já Abel Botelho disse o que disse

Monólogo do 1º Cornudo

I

Acordei num triste dia
Com uns cornos bem bonitos.
E perguntei à Maria
Por que me pôs os palitos.

II

Jurou por alma da mãe
Com mil tretas de mulher
Que era mentira. Também
Inda me custava a crer...

III

Fiquei de olho espevitado
Que o calado é o melhor
E para não re-ser enganado,
Redobrei gozos de amor.

IV

Tais canseiras dei ao físico,
Tal ardor puz nos abraços
Que caí morto de tísico
Como o sexo em pedaços!

V

Esperava por isto a magana?
Já previa o que se deu?...
Do Além vi-a na cama
Com um tipo pior que eu!

VI

Vi-o dar ao rabo a valer
Fornicando a preceito...
Sabia daquele mister
Que puxa muito do peito.

VII

Foi a hora de me eu rir
Que a vingança tem seus quês:
«O mais certo é pràqui vir,
Inda antes que passe um mês».

VIII

Arranjei-lhe um bom lugar
Na pensão de Mestre Pedro
(Onde todos vão parar
Embora com muito medo...)

IX

Passava duma semana
O meu dito estava escrito
Vítima daquela magana
Pobre tísico, tadito!

Dueto dos 2 Cornudos

X

Agora já somos dois
A espreitar de cá de cima
Calados como dois bois
Vendo o que fez a ladina

XI

Meteu na cama mais gente
Um, dois, três... logo a seguir!
Não há piça que a contente
É tudo o que tiver de vir!

São Pedro, indignado, pragueja

XII

É demais,arre diabo
- berra S.Pedro, sandeu.
E mortos por dar ao rabo,
lá vêm eles pró Céu!

Coro, pianíssimo,lirismo nas vozes

XIII

Quem morre como um anjinho...
Quem morre por muito amar!

Coro, agora narrativo ou explicativo

Já formamos um ranchinho,
de cá de cima a espreitar.

XIV

Passam meses, passa tempo
e a bela não se consola...
Já somos um regimento
como esses que vão prà Ingola!

(Aparte do autor das coplas: «Coitadinhos!»)

XV

Fazemos apostas lindas
sempre que vem cara nova
Cálculos, medidas infindas,
como ela terá a cova.

XVI

Há quem diga que por si
já não lhe tocou o fundo...
Outros juram que era assi
do tamanho deste Mundo!

XVII

- Parecia uma piscina! -
diz um do lado, espantado.
- Nunca vi uma menina
num estado tão desgraçado!

Aparte do autor,
antigo militante das esquerdas (baixas)


XVIII

(Um estado tão desgraçado?!...
Parece-me ouvir o Povo
chorando seu triste fado
nas garras do Estado Novo!)

XIX

O último que chegou cá
morreu que nem um patego:
afogado, ieramá,
nos abismos daquele pego.

O coro dos cornudos,
acompanhado por São Pedro em surdina,
entoa a moralidade,após ter limpado as últimas lagrimetas
e suspirado como só os cornudos sabem


XX

Mulher não queiras sabida
Nem com vício desusado
Que podes perder a vida
Na estafa de dar ao rabo

XXI

Escolhe donzela discreta
Com os três no seu lugar
Examina-lhe bem a greta,
Não te vá ela enganar...

XXII

E depois de lhe veres o bicho
E as maneiras que tem
A funcionar a capricho,
Já sabes se te convém.

XXIII

Mulher calma, é estimá-la
Como a santa no altar
Cabra douda, é rifá-la...
- Que não venhas cá parar.

XXIV

Este conselho te dão
E não te levam dinheiro...
Os cornudos que aqui estão
Com São Pedro hospitaleiro.

XXV

Invejosos, quase todos
Dos conos que o mundo guarda.

Fazem mais um bocado de lamentação
(Nota do autor: «Quase»,
porque, entretanto alguns brincavam uns com os outros.
«Rabolices!»)


Mas se fornicas a rodos
tua vinda aqui não tarda!

Recomeça a moralidade,
estilo estão verdes,não prestam. Alguns bêbados,
cornudos despeitados ou amargurados,
vozes pastosas. Deve ler-se viiinho...velhiiinho...


XXVI

Melhor que a mulher é o vinho
Que faz esquecer a mulher
Que faz do amor já velhinho
Ressurgir de novo o prazer.

Finale muito católico

XXVII

Assim termina o lamento
Pois recordar é sofrer.
Ama e fode. É bom sustento!
E por nós reza um pater.


Luiz Pacheco
num dia em que se achou
mais pachorrento.

Luiz José Gomes Machado Guerreiro Pacheco (n. Lisboa, 7 de maio de 1925, Montijo, 5 de janeiro de 2008)

2015-05-06

A LUA DE LONDRES - João de Lemos



É noite. O astro saudoso
rompe a custo um plúmbeo céu,
tolda-lhe o rosto formoso
alvacento, húmido véu,
traz perdida a cor de prata,
nas águas não se retrata,
não beija no campo a flor,
não traz cortejo de estrelas,
não fala de amor às belas,
não fala aos homens de amor.

Meiga Lua! Os teus segredos
onde os deixaste ficar?
Deixaste-os nos arvoredos
das praias de além do mar?
Foi na terra tua amada,
nessa terra tão banhada
por teu límpido clarão?
Foi na terra dos verdores,
na pátria dos meus amores,
pátria do meu coração!

Oh! que foi!... Deixaste o brilho
nos montes de Portugal,
lá onde nasce o tomilho,
onde há fontes de cristal;
lá onde viceja a rosa,
onde a leve mariposa
se espaneja à luz do Sol;
lá onde Deus concedera
que em noite de Primavera
se escutasse o rouxinol.

Tu vens, ó Lua, tu deixas
talvez há pouco o país
onde do bosque as madeixas
já têm um flóreo matiz;
amaste do ar a doçura,
do azul e formosura,
das águas o suspirar.
Como hás-de agora entre gelos
dardejar teus raios belos,
fumo e névoa aqui amar?

Quem viu as margens do Lima,
do Mondego os salgueirais;
quem andou por Tejo acima,
por cima dos seus cristais;
quem foi ao meu pátrio Douro
sobre fina areia de ouro
raios de prata esparzir
não pode amar outra terra
nem sob o céu de Inglaterra
doces sorrisos sorrir.

Das cidades a princesa
tens aqui; mas Deus igual
não quis dar-lhe essa lindeza
do teu e meu Portugal.
Aqui, a indústria e as artes;
além, de todas as partes,
a natureza sem véu;
aqui, ouro e pedrarias,
ruas mil, mil arcarias;
além, a terra e o céu!

Vastas serras de tijolo,
estátuas, praças sem fim
retalham, cobrem o solo,
mas não me encantam a mim.
Na minha pátria, uma aldeia,
por noites de lua cheia,
é tão bela e tão feliz!...
Amo as casinhas da serra
coa Lua da minha terra,
nas terras do meu país.

Eu e tu, casta deidade,
padecemos igual dor;
temos a mesma saudade,
sentimos o mesmo amor.
Em Portugal, o teu rosto
de riso e luz é composto;
aqui, triste e sem clarão.
Eu, lá, sinto-me contente;
aqui, lembrança pungente
faz-me negro o coração.

Eia, pois, ó astro amigo,
voltemos aos puros céus.
Leva-me, ó Lua, contigo,
preso num raio dos teus.
Voltemos ambos, voltemos,
que nem eu nem tu podemos
aqui ser quais Deus nos fez;
terás brilho, eu terei vida,
eu já livre e tu despida
das nuvens do céu inglês.

João de Lemos de Seixas Castelo Branco, nasceu em 6 de maio de 1819, no Peso da Régua e faleceu em 16 de janeiro de 1890 em Maiorca, na Figueira da Foz.

Canção dos tristes amores - Manuel da Silva Gaio

Salgueiros do salgueiral
Por toda a noite espalharam
Vozes de agoiro mortal:

- «Não vos vades vós, Senhor,
Por longe tão confiado,
Pois onde deixais amor
Vireis achar só cuidado.»

Puros lábios de coral
Por toda a noite rogaram
A seu amante real:

- «Não partas Pedro - é de morte,
O agoiro daqueles ais.
Que vêem das bandas do norte,
Da rama dos sinceirais.»

Coração forte e leal,
Que os rogos não abalaram
Respondeu, para seu mal:

- «Agoiros dos arvoredos
São rabanadas do vento
Só, Inês, no pensamento
Da fraca gente erguem medos.»

Salgueiros do salgueiral
Pela abalada soltaram
Vozes de agoiro mortal:

-«Peitos são fontes de amor
Que devem ter-se guardadas
Tornai-vos atrás Senhor
Andam com sede as espadas.»

Lindos lábios de coral
Pela abalada rogaram
A seu amante real:

-«Não partas; a minha sorte
Agoiram-na aqueles ais
Que vêem das bandas do norte,
Da rama dos sinceirais.»

Canção forte e leal,
Que os rogos não abalaram
Repetiu, para seu mal:

- «Agoiros dos arvoredos
São rabanadas do vento
Só, Inês, no pensamento
Da fraca gente erguem medos.»

Salgueiros do salgueiral
Inda de longe agoiraram
Dias de mágoa mortal:

-«Dizem, Senhor, os agoiros
Que haveis de chorar em vão;
Que finos cabelos loiros
De sangue se tingirão.»

Salgueiros do salgueiral
Crua verdade agoiraram
A quem partiu, por seu mal.

Salgueiros ouviram ais
De brancos seios varados.
Salgueiros dos Salgueirais
Inda, de dor, soltam brados.

Coimbra, 16 de janeiro de 1899

in Revista Ave-Azul nº. 2, 15 de fevereiro de 1899

Manuel da Silva Gaio nasce em Coimbra a 6 de maio de 1860 e faleceu na mesma cidade a 11 de fevereiro de 1934

2015-05-05

Era uma vez um náufrago... - Jaime Salazar Sampaio (na passagem do 90º aniversário do seu nascimento)



era uma vez um náufrago, muito náufrago.
viu ao longe uma tábua, muito ao longe.
e nadou para lá.
nadou e nadou.
quando já estava perto, muito perto, ia na última
braçada, deram-lhe com uma tábua na cabeça.
atordoado e cada vez mais náufrago.
encontrou ainda forças para um meio-sorriso.
«ao menos desta vez, desta vez ao menos.
tenho a certeza: não era uma miragem».
disse e afundou-se quase alegremente.

Jaime Salazar Sampaio - (Lisboa, 5 de maio de 1925 – 13 de abril de 2010)

2015-05-04

Castanheiros, Irmãos... - Branquinho da Fonseca

Ó castanheiros de folhas de ouro,
Carregados de ouriços que são ninhos
Onde as castanhas dormem como noivos!

Troncos abertos,

Casas abertas,
Ao vosso abrigo
Dormem os pobres,
Pegam no sono,
Passam as noites
Quando cai neve!

Peitos vazios,
Escancarados,
Sem nada dentro,
Nem coração!
Dais lume, calor
E dais sustento para a mesa,
E dais o mais que eu não sei!...

Ó castanheiros de folhas de ouro,
Apenas sou vosso irmão
Em que a terra vos criou
E criou-me a mim também;
Em que vós ergueis os braços
Suplicantes para os céus
E eu também levanto os meus...

Ah! Castanheiros, mas eu
Grito e vós ficais calados!
Seremos, por isto só,
Irmãos? Seremos? Não sei:
Vós tendes roupas de rei,
Eu tenho roupas de Job;
Vós só gritais quando o vento
Vos abre a boca e fustiga:
Então ergueis um clamor...
— Não calo nunca no peito
A dor do meu sofrimento
E nunca chego a dizê-la,
Nem há ninguém que me diga.

Ó castanheiros de folha de ouro,
Não,
Eu não sou vosso irmão!...

António José Branquinho da Fonseca (Mortágua, 4 de maio de 1905 – Cascais, 7 de maio de 1974)

2015-05-01

Musical suggestion of the day: Send in the clowns - Juddy Collins




Send in the clowns

Isn't it rich? Aren't we a pair?
Me here at last on the ground and you in mid-air
Send in the clowns.

Isn't it bliss? Don't you approve?
One who keeps tearing around,and one who can't move.
But where are the clowns?
Send in the clowns.

Just when I stopped opening doors,
Finally knowing the one that I wanted was yours,
Making my entrance again with my usual flair,
Sure of my lines - no one is there.

Don't you love farce? My fault, I fear.
I thought that you'd want what I want - Sorry, my dear.
But where are the clowns? Quick, send in the clowns.
Don't bother, they're here.

Isn't it rich? Isn't it queer?
Losing my timing this late In my career?
But where are the clowns? There ought to be clowns.
Well, maybe next year.

Words & Music by Stephen Sondheim
Recorded by Judy Collins, 1975
From the musical "A Little Night Music"

Judith Marjorie "Judy" Collins (born May 1, 1939, Seattle, Washington)