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2013-07-31

Musical suggestion of the day: O melhor dia para casar - Quim Barreiros

Qual é o melhor dia p'ra casar
Sem sofrer nenhum desgosto
O trinta e um de Julho,  
Porque depois entra Agosto.

 
Seja viúva ou solteira
Ou até divorciado  
Casar é palavra de ordem
Quando se encontra o bem amado.
 
Seja velho seja novo
Não há idade p'ra amar  
E quando isso acontece
Todos pensam em casar
 
Qual é o melhor dia p'ra casar
Sem sofrer nenhum desgosto  
O 31 de Julho,  
Porque depois entra Agosto.
 
 
Contra a vontade dos Pais  
Ou com o seu consentimento
Os noivos sonham com o dia,
O dia do casamento.
 
Um pormenor importante  
Que é preciso respeitar  
Combinar com a família  
O melhor dia p'ra casar.
 
Qual é o melhor dia p'ra casar  
Sem sofrer nenhum desgosto
O 31 de Julho,  
Porque depois entra Agosto






Unidade métrica do sonho

Quis inventar
a unidade métrica do sonho
e cruzei-a com o tempo
para obter a máxima intensidade do sonho por segundo
Em resumo, soletrei o teu nome!


Fernando Semana

2013-07-30

Do amoroso esquecimento - Mário Quintana

Eu agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?


Mário Quintana (n. in Alegrete, Rio Grande do Sul a 30 Jul 1906; m. em Porto Alegre, Rio Grande do Sul a 5 de Maio de 1994).

Ler do mesmo autor, neste blog:
Envelhecer
Bilhete
O Poema
Inscrição Para Uma Lareira
Ah! Os Relógios
Das Utopias
Os Parceiros
Mário Quintana por si próprio: Texto auto-biográfico
Canção de junto do berço
A Canção da Vida
Recordo ainda

2013-07-29

SONETO - Beatriz Brandão

Que tens, meu coração? Porque ansioso
Te sinto palpitar continuamente?
Ora te abrasas em desejo ardente,
Outra hora gelas triste e duvidoso?

Uma vez te abalanças valeroso
A suportar da ausência o mal veemente;
Mas logo esmorecido, descontente,
Abandonas o passo perigoso?

Meu terno coração, ela, resiste,
Não desmaies, não tremas; pode um dia
Inda o Fado mudar o tempo triste.

Suporta da saudade a tirania,
Que ainda verás feliz, como já viste,
Raiar a linda face da alegria.


Beatriz Francisca de Assis Brandão nasceu na cidade de Vila Rica, então capital da província de Minas Gerais, atual Ouro Preto, a 29 de julho de 1779, faleceu no Rio de Janeiro a 5 de fevereiro de 1868.

2013-07-28

Amanhã - Sidónio Muralha

Na hora que vem de longe,
cresce e vem, cresce e vem,

- os que tiverem frio hão-de lançar os meus versos ao lume,
e a chama há-de subir…
- os que tiverem fome hão-de lançar os meus versos à terra,
como se fossem estrume,
e a terra há-de florir…

Os meus poemas de tragédia são degraus

da hora que vem,
- cresce e vem,
- cresce e vem… -
Nos meus poemas cresceu, e sofreu, e aprendeu
nos meus poemas revoltos,
por isso vem de longe, nua, nua,
e traz os cabelos soltos…

Hora que vens de longe,
de longe vens, de rua em rua:
- hás-de passar e hás-de parar por toda a parte,
nua, formosamente, nua,

- para que já não possam desnudar-te.


Sidónio Muralha (nasceu na Madragoa, Lisboa a 28 de Julho de 1920; m. a 8 de Dez.1982 em Curitiba, Paraná, Brasil).

 Ler do mesmo autor, neste blog:
Soneto da Infância Breve
Romance
Dois Poemas da Praia da Areia Branca
Poemas de Sidónio Muralha
Os Olhos das Crianças 
Natal - Sidónio Muralha

2013-07-26

Montado Velho - Francisco Bugalho

Meu triste montado velho
Que paz tem quem te procura
E, em ti, vem achar o espelho
De uma vida sem doçura,
Mas livre de enganos vãos!…

Troncos rugosos, mas sãos,
Ásperos, sim, mas generosos,
Todos, na desgraça, irmãos,
Dos maus Invernos ventosos

Montado, além, mais pra além,
Há céus azuis e há searas.
E brandas águas que têm
O brilho de pedras raras,
E não há só solidão!…

Mas essa tua canção
- solução d’alma que anseia –
Também a meu coração,
Furtivamente se enleia.
E aqui me fico contigo.

Sem ternura, nem doçura;
Mas longe do mundo vão,
- Meu velho montado amigo!…
E dos verões, sem pinga d’água.

Montado, que estranha mágua
Te confrange e te redime!
A tua visão afago-a.
És bom cenário pra um crime…
E pra milagres também.


Francisco Bugalho nasceu a 26 de julho de 1905, no Porto, e faleceu a 29 de janeiro de 1949, em Castelo de Vide.

Ler do mesmo autor: Carícias

2013-07-25

Epitaph - Samuel T. Coleridge

Stop, Christian passer-by! - Stop, child of God,
And read with gentle breast. Beneath this sod
A poet lies, or that which once seem'd he. -
O, lift one thought in prayer for S. T. C.;
That he who many a year with toil of breath
Found death in life, may here find life in death!
Mercy for praise - to be forgiven for fame
He ask'd, and hoped, through Christ.
Do thou the same!


9th November 1833

Samuel Taylor Coleridge (Ottery St. Mary, Devonshire, England 21 October 1772 – Highgate, England, 25 July 1834)

Néon - Fernando Semana


A iluminação
Fere o silêncio…
Interroga-se a essência
E deseja-se o nada.

2013-07-24

Essa que eu hei de amar... - Guilherme de Almeida

Essa que eu hei de amar perdidamente um dia
será tão loura, e clara, e vagarosa, e bela,
que eu pensarei que é o sol que vem, pela janela,
trazer luz e calor a essa alma escura e fria.

E quando ela passar, tudo o que eu não sentia
da vida há de acordar no coração, que vela…
E ela irá como o sol, e eu irei atrás dela
como sombra feliz… — Tudo isso eu me dizia,

quando alguém me chamou. Olhei: um vulto louro,
e claro, e vagaroso, e belo, na luz de ouro
do poente, me dizia adeus, como um sol triste…

E falou-me de longe: "Eu passei a teu lado,
mas ias tão perdido em teu sonho dourado,
meu pobre sonhador, que nem sequer me viste!"


Guilherme de Almeida  (G. de Andrade e A.) n. Campinas SP, 24 Jul 1890 - m. São Paulo, 11 de Jul de 1969).

Ler do mesmo autor:
Metempsicose
A Carta Que Sei de Cor
Romance
Harmonia Vermelha
O Idílio Suave
Nós IV: Quando as folhas cairem nos caminhos
Nós I: Fico deixas-me velho
Romance
Indiferença

2013-07-23

Amália, Carlos Paredes, Serge Reggiani e Maria João Pires todos têm a ver com música e com 23 de julho

Foto de Amália Rodrigues

Não bastava tratar-se de duas das maiores figuras da música portuguesa e particularmente do fado ainda um pormenor adicional iria ligar temporalmente estas duas personalidades: 23 de Julho. Em 1920 nascia em Lisboa Amália Rodrigues e também em Lisboa em 23 de Julho mas de 2004 desaparecia Carlos Paredes. Curiosamente no mesmo dia desaparecia também um grande nome da música francesa Serge Reggiani. Nothingandall deixa aqui a lembrança neste dia que é também o do aniversário da pianista portuguesa Maria João Pires.



E aqui porque o som do vídeo não é o melhor fica um registo muito claro da inesquecível voz de Amália. Arrepiante!

Cheia de penas
Cheia de penas me deito
E com mais penas
Com mais penas me levanto
No meu peito
Já me ficou no meu peito
Este jeito
O jeito de te querer tanto

Desespero
Tenho por meu desespero
Dentro de mim
Dentro de mim o castigo
Não te quero
Eu digo que não te quero
E de noite
De noite sonho contigo

Se considero
Que um dia hei-de morrer
No desespero
Que tenho de te não ver
Estendo o meu xaile
Estendo o meu xaile no chão
E deixo-me adormecer

Se eu soubesse
Se eu soubesse que morrendo
Tu me havias
Tu me havias de chorar
Uma lágrima
Por uma lágrima tua
Que alegria
Me deixaria matar

in Versos de Amália Rodrigues (n. 23 Jul 1920*em Lisboa, m. a 6 Out 1999 em Lisboa) *Data que consta dos documentos oficiais. Amália sempre defendeu que nascera em 1 de Julho de 1920.
Ouça mais música de Amália:


foto de Carlos Paredes em actuação
Cantiga de Maio

Carlos Paredes (n. em Coimbra a 16 de Fev. de 1925; m. em Lisboa a 23 de Jul de 2004)
E para recordar Serge Reggiani deixamos também aqui uma sua interpretação "La femme qui est dans mon lit"

Serge Reggiani (May 2, 1922 – July 23, 2004)

Por sua vez, Maria João Alexandre Barbosa Pires nasceu em Lisboa, na freguesia da Pena a 23 de Julho de 1944. É uma conceituada pianista portuguesa a viver atualmente no Brasil.

2013-07-22

Já Marília cruel... - Basílio da Gama

Já Marília cruel, me não maltrata
saber que usas comigo de cautelas,
qu'inda te espero ver por causa delas,
arrependida de ter sido ingrata.

Com o tempo, que tudo desbarata,
teus olhos deixarão de ser estrelas;
verás murchar no rosto as faces belas
e as tranças d´oiro converter-se em prata.

Pois se sabes que a tua formosura
por força há de sofrer da idade os danos,
por que me negas hoje esta ventura?

Guarda para seu tempo os desenganos;
gozemo-nos agora, enquanto dura,
já que dura tão pouco a flor dos anos.


José Basílio da Gama (nasceu em São José do Rio das Mortes [depois São José del Rei, hoje Tiradentes], Minas Gerais, em 22 de julho de 1740; m. em Lisboa, em 31 de julho de 1795).

2013-07-20

Dedicatória

Sílvia e Andress:

Pudera eu ter inspiração e talento
Para, tecendo loas a este casamento,
Recitar-vos os melhores versos do mundo
e desejar que o vosso amor seja eterno e profundo,
Que a felicidade do momento perdure no tempo
e a união e a harmonia sejam vossa comunhão e alimento.

Saibais que o caminho nem sempre é iluminado e por vezes é sinuoso
Mas se o mundo pode ser ignóbil, ele é maravilhoso...
Faço votos que: encontreis sempre o rumo e os passos certos,
Os sons que os pássaros trinem componham maviosos concertos,
e mais do que as angústias apertem, a liberdade oprima ou as mágoas doam,
Para vós o sol brilhe, a lua encante e os jardins floresçam...

O importante
É que a cada dia (e a todo o instante)
um ao outro possais dizer:
«Duvida da luz dos astros,
De que o sol tenha calor,
Duvida até da verdade,
Mas confia em meu amor».

Esse amor semeai-o na Terra e que dele brotem viçosas e perfumadas violetas
E já que não cuido ter mais filhos... que não muito tardem... as netas!

Termino com voz clamante:

Que no percurso pela vida adiante
Não vos esqueçais jamais
Dos vossos velhos pais...

Muitas felicidades...

Fernando Semana




2013-07-19

Arrojos - Cesário Verde

Se a minha amada um longo olhar me desse
Dos seus olhos que ferem como espadas,
Eu domaria o mar que se enfurece
E escalaria as nuvens rendilhadas.

Se ela deixasse, extático e suspenso
Tomar-lhe as mãos mignonnes e aquecê-las,
Eu com um sopro enorme, um sopro imenso
Apagaria o lume das estrelas.

Se aquela que amo mais que a luz do dia,
Me aniquilasse os males taciturnos,
O brilho dos meus olhos venceria
O clarão dos relâmpagos nocturnos.

Se ela quisesse amar, no azul do espaço,
Casando as suas penas com as minhas,
Eu desfaria o Sol como desfaço
As bolas de sabão das criancinhas.

Se a Laura dos meus loucos desvarios
Fosse menos soberba e menos fria,
Eu pararia o curso aos grandes rios
E a terra sob os pés abalaria.

Se aquela por quem já não tenho risos
Me concedesse apenas dois abraços,
Eu subiria aos róseos paraísos
E a Lua afogaria nos meus braços.

Se ela ouvisse os meus cantos moribundos
E os lamentos das cítaras estranhas,
Eu ergueria os vales mais profundos
E abateria as sólidas montanhas.

E se aquela visão da fantasia
Me estreitasse ao peito alvo como arminho,
Eu nunca, nunca mais me sentaria
Às mesas espelhentas do Martinho.


Diário de Notícias
1874
Lisboa

Extraído de O LIvro de Cesário Verde, Texto integral e estudo da obra
Estante Editora

José Joaquim Cesário Verde (n. em Lisboa a 25 Feb 1855, m. a 19 Jul 1886)

Ler ainda do mesmo autor, neste blog:
De Tarde
O Sentimento Dum Ocidental - I Ave Marias -
Cristalizações
Eu e Ela
Noite Fechada
Cobertos de folhagem na verdura...
Lúbrica
CONTRARIEDADES
Nós III
Vaidosa

2013-07-18

Não é do Poeta o Silêncio - Cândido da Velha (na passagem do 80º aniversário)


1

Não é do Poeta o silêncio
quando as palavras entoam
ecos nas dobras dos ventos

Não é do Poeta calar
que das margens do silêncio
seus passos se ouvem no tempo

2

Sai a frase por dentro
do sofrimento. À superfície
edifica a descoberta
de coisas por dizer

Sai a frase de quem morre
de tanto por se falar

Sai o morto entra a frase
quem a poderá herdar?

3

Sempre o homem se habitua
à paisagem dos seus olhos
sua área de cansaço
quando a semente do sonho
vertical perfura o espaço

Os anos passam. Menor a sujeição
Abre-se a terra: pão e sepultura
— Hão-de os desertos dar fruto

Por cada sonho enterrado
mais desejado é o luto.

(in “Cântico em honra de Miguel Torga”, Ed. Fora do Texto, Coimbra, 1996)

Cândido Manuel de Oliveira da Velha nasceu a 18 de Julho de 1933, em Ílhavo, no distrito de Aveiro,

Tarde - João José Cochofel



Teus olhos húmidos eram lagos
em que nosso desejo se mirava.
Tua boca entreaberta era a mensagem
do teu corpo moço que se dava.

Teu hálito quente
embrulhado de desejo
vinha de não sei lá que profundezas
em que de amor tuas entranhas se abrasavam.

E havia, amor, a envolver-nos,
essa solidão enorme
entre pinheiros, céu e terra quente
da tarde que dorme ...


João José de Melo Cochofel Aires de Campos (n. Coimbra, 17 jul 1919, m. Lisboa a 14 mar 1982
Ler do mesmo autor:
O Verão Estala Por Todos os Poros
Sensibilidade
Os Dias Íntimos
Breve
Ânsia
Sensibilidade

2013-07-16

COMPLICAÇÃO - Mário Dionísio

As ondas indo, as ondas vindo — as ondas indo e vindo sem
parar um momento.
As horas atrás das horas, por mais iguais sempre outras.
E ter de subir a encosta para a poder descer.
E ter de vencer o vento.
E ter de lutar.
Um obstáculo para cada novo passo depois de cada passo.
As complicações, os atritos para as coisas mais simples.
E o fim sempre longe, mais longe, eternamente longe.

Ah mas antes isso!

Ainda bem que o mar não cessa de ir e vir constantemente.
Ainda bem que tudo é infinitamente difícil.
Ainda bem que temos de escalar montanhas e que elas vão
sendo cada vez mais altas. Ainda bem que o vento nos oferece resistência
e o fim é infinito.

Ainda bem.
Antes isso.
50 000 vezes isso à igualdade fútil da planície.


Mário Dionísio (Lisboa, 16 de julho de 1916 - Lisboa, 17 de novembro de 1993)

Do mesmo autor: Para Ser Lido Mais Tarde

2013-07-15

Em sobressalto - Henriqueta Lisboa

As notícias me sobressaltam. Dia a dia
cada vez mais terríveis.
Brotam da terra pelos poros
entram pela janela em silvos ásperos
fazem pilha no chão em letras tortas
caem das nuvens em mortalhas.
E já são outras realidades apostas
ao retoque dos memorandos
às interpretações da ribalta
ao sortilégio da casa dos contos
ao ruminar dos bois — fuga e refúgio.
Em confronto são dúbias
precipitam-se acotovelam-se
em contramarcha se repelem.
Na deturpação do humano
anunciam com alvoroço
através de pinças de fogo
em cartazes de gelo
— o suicídio da multidão em nome de Deus
— o império do vício em nome da Arte
— o sequestro do juiz em prol da Justiça
— o arremesso de touros em via pública
para a alegria dos que se salvam.

Recuso-me a acreditar nas notícias
mas elas se impõem de cátedra
com implacável desfaçatez
talvez para convencer-nos
de que somos todos culpados.
Agem assim como tóxicos
impunemente sorvidos
nas delongas do tédio.
A busca de notícias é um mórbido
caminhar para a cruz
Sem embargo as procuro com empenho
na expectativa tantas vezes vã
de que à noite se mudem
na reparação no contraveneno
das notícias colhidas pela manhã.


in Pousada do Ser (1982)

Henriqueta Lisboa (nasceu em Lambari, Minas Gerais, em 15 de julho de 1901; faleceu em Belo Horizonte, no dia 9 de outubro de 1985).

Ler da mesma autoria, neste blog:
Do Supérfluo
Horizonte

2013-07-13

Não passes com ela à minha rua - Carlos Conde (na voz de Fernanda Maria)

Ao fim de tantos anos de ser tua
Amaste outra, casaste, foste ingrato;
Vi-te passar com ela à minha rua
Abracei-me a chorar ao teu retrato

Podia insultar-te quando te vi
Ferida neste amor supremo e farto
Mas vinguei-me a chorar, chorei por ti
Por entre as persianas do meu quarto

Casaste! sê feliz, Deus te proteja
Não te desejo mal, e tanto assim
Que não tenho ciúmes nem inveja
Como a tua mulher teve de mim

Mas olha, meu amor, eu não me importa,
Antes que fosses dela eu já fui tua
Podes sempre bater à minha porta
Mas não passes com ela à minha rua



Carlos Conde nasceu na Murtosa em 22 de novembro de 1901 e faleceu em Lisboa a 13 de julho de 1981)

2013-07-12

A ÚLTIMA CONFISSÃO DE EUGÊNIA CÂMARA - Lobo da Costa (pela passagem do 160º aniversário)

O padre era um tipo venerando,
Mais pálido que o mármore de Carrara;
Ela a seus pés — de uma beleza rara,
Tinha os olhos no chão — o seio arfando.

Deserto estava o templo, mas quando
A voz do sacerdote se escutara,
Abriu-se a porta da secreta ara
E um arcanjo de luz passou chorando.

— Crê em Deus, minha filha? — Eu o idolatro.
— De que se acusa? Que pecado há feito?
— Meu padre, perdoai-me... eu tenho quatro.

— Credo em cruz! — brada o velho, a mão no peito.
— Amo a glória, o prazer... amo o teatro,
E Castro Alves morreu por meu respeito.

in Obra Poética, Lobo da Costa; pesquisa, introdução, notas e glossário de Alice Campos Moreira - Edição crítica. - Porto Alegre: EDIPUCRS; IEL; FAPERGS, 1991

Francisco Lobo da Costa (n. Pelotas, Rio Grande do Sul, 12 de julho de 1853 — m. Pelotas, 19 de junho de 1888)

2013-07-11

METEMPSICOSE - Guilherme de Almeida

Morrer… Pelos caminhos
ir branco, ir muito frio, ir de roupinha nova,
as mãos em cruz, o olhar de vidro os pés juntinhos:
ir assim para a cova!
Ir e não ver… Bizarro!
E tudo tão luxuoso, e tudo rico, tudo!
Os amigos de preto, as coroas, o carro,
o caixão de veludo…
Bizarro! Que vida, esta!
Ser festejado assim, com tanto rebuliço,
com tanta pompa assim: e o anfitrião da festa
nada a ver de tudo isso!
Depois, a sepultura:
sair de um leito pobre e de colchões macios,
para um de pedra, rico… Ah! mas que cama dura
e que lençóis tão frios!
E desfazer-se aos poucos…
Não ter o que comer e dar comida a tantos
inimigos! Meu Deus, que terra esta de loucos!
De loucos ou de santos?
Ficar assim, agora,
escutando o silêncio e olhando a treva… E, inteira,
completamente só, voltar ao que era outrora:
ser poeira de outra poeira!
Mas, na terra selvagem,
achar uma semente: adubá-la, um minuto,
e ser raiz, e ser arbusto, e ser folhagem,
e ser flor, e ser fruto!
Flor que um Sol Poente banha
e que vai perfumar, enfeitar com ternura
- ó flor de morte, flor paradoxal e estranha! -
a própria sepultura!
Fruto que vai dar vida
aos pássaros do céu! Galho que vai dar sombra
aos homens do caminho! Ou erva apetecida
de apetecida alfombra!
Ah! morrer na certeza
de, assim multiplicado, invisível e mudo,
viver eternamente em toda natureza
e na vida de tudo!


Guilherme de Almeida (G. de Andrade e A.), nasceu em Campinas, SP, em 24 de julho de 1890, e faleceu em São Paulo, SP, em 11 de julho de 1969

Ler do mesmo autor:
A Carta Que Sei de Cor
Romance
Harmonia Vermelha
O Idílio Suave
Nós IV: Quando as folhas cairem nos caminhos
Nós I: Fico deixas-me velho
Romance
Indiferença
Esssa Que Hei-de Amar

2013-07-10

Já que todos se empertigam em complicar as coisas porque não também Cavaco?

O discurso do PR em recusar eleições agora mas a marcá-las para meados do próximo ano surpreendeu toda a gente. O casamento PSD-CDS mantém-se (o primeiro) mas com duração limitada...

Cavaco, afinal, quer um casamento a três ou seja uma tríade... a que chamou de compromisso de salvação nacional que resolva todos os problemas...e que prepare o período pós-troika.

Complicar mais era capaz de ser difícil...

Ler comunicado aqui



Um Poema de Amor - Nicolás Guillén

Não sei. Ignoro-o.
Desconheço todo o tempo que andei
sem encontrá-la novamente.
Quem sabe um século? Talvez.
Talvez um pouco menos: noventa e nove anos.
Ou um mês. Poderia ser. De qualquer forma
um tempo enorme, enorme, enorme.
Ao fim como uma rosa súbita,
repentina campânula tremendo,
a notícia.
Saber de pronto
que ia voltar a vê-lá, que a teria
perto, tangível, real, como nos sonhos.
Que troar surdo
Rodando-me nas veias,
estalando lá em cima
sob meu sangue, em uma
noturna tempestade!
E o achado, em seguida? E a maneira
como ninguém compreenderia
que essa é nossa própria maneira?
Um roçar apenas, um contato elétrico,
um apertão conspiratório, uma olhada,
um palpitar do coração
gritando, ululando com silenciosa voz.
Depois
(já o sabeis desde os quinze anos)
esse ruflar das palavras presas,
palavras de olhos baixos,
penitenciais,
entre testemunhas inimigas,
ainda
um amor de “o amo”
de “você”, de “bem gostaria,
mas é impossível…” De “não podemos,
não, você deve pensar melhor…”
É um amor assim,
é um amor de abismo na primavera,
cortês, cordial, feliz, fatal.
A despedida, logo,
genérica,
no turbilhão dos amigos.
Vê-la partir e amá-la como nunca;
e já sem olhos seguir a vê-la ao longe,
lá longe, e ainda segui-la
ainda mais longe,
feita de noite,
de mordida, beijo, insônia,
veneno, êxtase, convulsão,
suspiro, sangue, morte…
Feita
dessa substância conhecida
com que amassamos uma estrela.

Trad. Pedro Gonzaga
Versão Original aqui

Nicolás Cristóbal Guillén Batista (10 de Julho de 1902 - La Habana 16 de Julho de 1989)

2013-07-09

Outrora - (Relembrando Sousândrade no 180º aniversário do nascimento)

Não vos fadigarei mais os ouvidos
Co'os meus cantos américos. Os dias
Gratos correr já sinto às harmonias
Dos climas tropicais. Os suspendidos
Rubros frutos desprendem-se do ramo
Nos quietos dias, ao gentil reclamo
Das formosas lembranças, nos ouvidos.

De um peito tão mavioso, onde encravada
Luzindo paz a estrela d'esperança,
O tempo, que em ruinar cansa e mais cansa,
Desvanecem o amor: a tão amada
Puros cabelos no ombro desparzia,
Cheios de gozo os braços estendia –
Qual não o pode fazer esta coitada.

Oh, que atração que há'i no abismo negro!
Roda-se à borda hiante, qual se fora
A algum destino oculto eterno – embora
Pressintas morte, a uns sons vagos de allegro
Desconhecido e sedutor, vais de hoje
Levado qual quem de ontem passa e foge
Em derrota: porém leal e íntegro.

Às carregadas sombras da espessura
Ledamente lá vão durante a sesta
Os grupos amorosos da floresta,
Ou descansam: que importa a formosura,
Quando este sol que educa-a dês que nasce
Não cessa de dar cor a cada face,
Tarde áurea agora, agora manhã pura?

Quando as tintas de luz, forte-animadas
Em tórrido fulgor, ou brandos raios,
Fixam-se em flor-abril, em frutos-maios?
– Das setas luminosas cintiladas
A fuga mais veloz, a alma resplande
Do universo, e na glória de Deus grande
Saem da noite as róseas alvoradas.

Joaquim de Sousa Andrade, que usou o pseudónimo literário de Sousândrade, nasceu em Guimarães, Maranhão a 9 de julho de 1833 e faleceu em 20 de abril de 1902 em São Luís, Maranhão, Brasil


2013-07-08

A Filosofia do Amor - Percey Shelley

Correm as fontes ao rio
os rios correm ao mar;
num enlace fugidio
prendem-se as brisas no ar...
Nada no mundo é sozinho:
por sublime lei do Céu,
tudo frui noutro carinho...
Não hei-de alcançá-lo eu?

Olha os montes adorando
o vasto azul, olha as vagas
uma a outra se osculando
todas abraçando as fragas...
Vivos rútilos desejos,
no sol ardente os verás:
- Que me fazem tantos beijos,
se tu a mim mos não dás?


Trad. de Luis Cardim

Percy Bysshe Shelley (Field Place, Horsham, 4 de agosto de 1792 — Mar Lígure, Golfo de Spezia, 8 de julho de 1822)

2013-07-07

Adoração - Guerra Junqueiro (na passagem dos 90 anos sobre o seu desaparecimento)

Ao luarimagem daqui

Eu não te tenho amor simplesmente. A paixão
Em mim não é amor; filha, é adoração!
Nem se fala em voz baixa à imagem que se adora.
Quando da minha noite eu te contemplo, aurora,
E, estrela da manhã, um beijo teu perpassa
Em meus lábios, oh! quando essa infinita graça
do teu piedoso olhar me inunda, nesse instante
Eu sinto ? virgem linda, inefável, radiante,
Envolta num clarão balsâmico da lua,
A minh'alma ajoelha, trémula, aos pés da tua!
Adoro-te!... Não és só graciosa, és bondosa:
Além de bela és santa; além de estrela és rosa.
Bendito seja o deus, bendita a Providência
Que deu o lírio ao monte e à tua alma a inocência,
O deus que te criou, anjo, para eu te amar,
E fez do mesmo azul o céu e o teu olhar!...

extraído de Os dias do Amor, Um poema para cada dia do ano, Recolha, selecção e organização de Inês Ramos, Prefácio de Henrique Manuel Bento Fialho, Ministério dos Livros Editores.


Guerra Junqueiro (n. Freixo de Espada à Cinta 17 de Setembro de 1850 ; m. Lisboa a 7 de Julho de 1923).
Ler do mesmo autor:
Adoração
Regresso ao Lar
A Moleirinha
Morena
Canção Perdida
Os Pobrezinhos
Memória de minha mãe
A Árvore do Mal

Nos 90 anos da morte de Guerra Junqueiro: FIEL

Quando a luz se apaga é que a consciência se ilumina.
As almas são como os morcegos: vêm melhor às escuras.

     
Na luz do seu olhar tão lânguido, tão doce,
        Havia o que quer que fosse
        D’um íntimo desgosto:
Era um cão ordinário, um pobre cão vadio
Que não tinha coleira e não pagava imposto.
Acostumado ao vento e acostumado ao frio,
Percorria de noite os bairros da miséria
        Á busca dum jantar. 
E ao ver surgir da lua a palidez etérea,
O velho cão uivava uma canção funérea,
Triste como a tristeza ossiânica do mar.
Quando a chuva era grande e o frio inclemente,
Ele ia-se abrigar às vezes nos portais;
E mandando-o partir, partia humildemente,
Com a resignação nos olhos virginais.
Era tranquilo e bom como as pombinhas mansas; 
Nunca ladrou dum pobre à capa esfarrapada:
E, como não mordia as tímidas crianças,
As crianças então corriam-no a pedrada.

Uma vez casualmente, um mísero pintor
        Um boémio, um sonhador,
Encontrara na rua o solitário cão;
O artista era uma alma heróica e desgraçada,
Vivendo num escura e pobre água furtada,
Onde sobrava o génio e onde faltava o pão.
Era desses que tem o rubro amor da glória, 
        O grande amor fatal,
Que umas vezes conduz às pompas da vitória,
E que outras vezes leva ao quarto do hospital.
E ao ver por sobre o lodo o magro cão plebeu,
Disse-lhe: - “O teu destino é quase igual ao meu:
Eu sou como tu és, um proletário roto,
Sem família, sem mãe, sem casa, sem abrigo;
E quem sabe se em ti, ó velho cão de esgoto,
Eu não irei achar o meu primeiro amigo!...”
No céu azul brilhava a lua etérea e calma;
E do rafeiro vil no misterioso olhar
Via-se o desespero e ânsia d’uma alma,
Que está encarcerada, e sem poder falar.
O artista soube ler naquele olhar em brasa
A eloquente mudez dum grande coração;
E disse-lhe: - “Fiel, partamos para casa:
Tu és o meu amigo, e eu sou o teu irmão.–“

E viveram depois assim por longos anos,
Companheiros leais, heróicos puritanos,
Dividindo igualmente as privações e as dores.
Quando o artista infeliz, exausto e miserável,
Sentia esmorecer o génio inquebrantável
            Dos fortes lutadores;
Quando até lhe acudiu às vezes a lembrança
Partir com uma bala a derradeira esp’rança,
Por um ponto final no seu destino atroz;
Nesse instante do cão os olhos bons, serenos,
Murmura-lhe: - Eu sofro, e a gente sofre menos,
Quando se vê sofrer também alguém por nós. –

Mas um dia a Fortuna, a deusa milionária,
Entrou-lhe pelo quarto, e disse alegremente:
“Um génio como tu, vivendo como um pária,
Agrilhoado da fome à lúgubre corrente!
Eu devia fazer-te há muito esta surpresa,
Eu devia ter vindo aqui p’ra te buscar;
Mas moravas tão alto! E digo-o com franqueza
Custava-me subir até ao sexto andar.
Acompanha-me; a glória há de ajoelhar-te aos pés!...”
E foi; e ao outro dia as bocas das Frinés
Abriram para ele um riso encantador;
A glória deslumbrante iluminou-lhe a vida
Como bela alvorada esplêndida, nascida
A toques de clarim e a rufos de tambor!

            Era feliz. O cão
Dormia na alcatifa à borda do seu leito,
E logo de manhã vinha beijar-lhe a mão,
Ganindo com um ar alegre e satisfeito.
Mas aí! O dono ingrato, o ingrato companheiro,
Mergulhado em paixões, em gozos, em delícias,
Já pouco tolerava as festivas carícias
            Do seu leal rafeiro.

Passou-se mais um tempo; o cão, o desgraçado,
        Já velho e no abandono,
Muitas vezes se viu batido e castigado
Pela simples razão de acompanhar seu dono.
Como andava nojento e lhe caíra o pelo,
Por fim o dono até sentia nojo ao vê-lo,
E mandava fechar-lhe a porta do salão.
Meteram-no depois num frio quarto escuro,
E davam-lhe a jantar um osso branco e duro,
Cuja carne servira aos dentes d’outro cão.

E ele era como um roto, ignóbil assassino,
Condenado à enxovia, aos ferros, às galés:
Se se punha a ganir, chorando o seu destino,
Os exibia ao sol as podridões obscenas,
Poisava-lhe no dorso o causticante enxame
criados brutais davam-lhe pontapés.
Corroera-lhe o corpo a negra lepra infame.
Quando exibia ao sol as podridões obscenas,
Poisava-lhe no dorso o causticante enxame
            Das moscas das gangrenas.

Até que um dia, enfim, sentindo-se morrer,
Disse ”Não morrerei ainda sem o ver;
A seus pés quero dar meu último gemido...”
Meteu-se-lhe no quarto, assim como um bandido.
E o artista ao entrar viu o rafeiro imundo,
            E bradou com violência:
“Ainda por aqui o sórdido animal!
É preciso acabar com tanta impertinência,
Que esta besta está podre, e vai cheirando mal!”
E, pousando-lhe a mão cariciosamente,
Disse-lhe com um ar de muito bom amigo:
“Ó meu pobre Fiel, tão velho e tão doente,
Ainda que te custe anda daí comigo.”

E partiram os dois. Tudo estava deserto.
A noite era sombria; o cais ficava perto;
E o velho condenado, o pobre lazarento,
            Cheio de imensas mágoas
Sentiu junto de si um pressentimento
O fundo soluçar monótono das águas.

Compreendeu enfim! Tinha chegado à beira
            Da corrente. E o pintor,
Agarrando uma pedra atou-lh’a na coleira,
Friamente cantando uma canção d’amor.

E o rafeiro sublime, impassível, sereno,
Lançava o grande olhar às negras trevas mudas
Com aquela amargura ideal do Nazareno
Recebendo na face o ósculo de Judas.
Dizia para si: “È o mesmo, pouco importa.
Cumprir o seu desejo é esse o meu dever:
Foi ele que me abriu um dia a sua porta:
Morrerei, se lhe dou com isso algum prazer.”

            Depois, subitamente
O artista arremessou o cão na água fria.
E ao dar-lhe o pontapé caiu-lhe na corrente
            O gorro que trazia
Era uma saudosa, adorada lembrança
            Outrora concedida
Pela mais caprichosa e mais gentil criança,
Que amara, como se ama uma só vez na vida.

E ao recolher à casa ele exclamava irado:
“E por causa do cão perdi o meu tesouro!
Andava bem melhor se o tenho envenenado!
Maldito seja o cão! Dava montanhas d’oiro,
Dava a riqueza, a glória, a existência, o futuro,
Para tornar a ver o precioso objecto,
Doce recordação daquele amor tão puro.”
E deitou-se nervoso, alucinado, inquieto.
            Não podia dormir.
Até nascer da manhã o vivido clarão,
Sentiu bater à porta! Ergueu-se e foi abrir.
Recuou cheio de espanto: era o Fiel, o cão,
Que voltava arquejante, exânime, encharcado,
A tremer e a uivar no último estertor,

Caindo-lhe da boca, ao tombar fulminado,
            O gorro do pintor!

in A Musa em Férias (Idílios e Sátiras)

Abilio Manuel Guerra Junqueiro nasceu em Freixo de Espada à Cinta em  - faleceu em Lisboa a 7 de Julho de 1923

2013-07-05

Pergunta-me - Mia Couto

Pergunta-me
se ainda és o meu fogo
se acendes ainda
o minuto de cinza
se despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore do meu sangue

Pergunta-me
se o vento não traz nada
se o vento tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fúria
e o tropel de mil cavalos

Pergunta-me
se te voltei a encontrar
de todas as vezes que me detive
junto das pontes enevoadas
e se eras tu
quem eu via
na infinita dispersão do meu ser
se eras tu
que reunias pedaços do meu poema
reconstruindo
a folha rasgada
na minha mão descrente

Qualquer coisa
pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que te quero dizer 


In Raiz de Orvalho e Outros Poemas

Mia Couto é o pseudónimo de António Emílio Leite Couto nascido a 5 de julho de 1950 na cidade da Beira, em Moçambique

Do mesmo autor ler:
A demora
Números


2013-07-04

PERMANÊNCIA - Adolfo Casais Monteiro


         Não peçam aos poetas um caminho. O poeta
         não sabe nada de geografia celestial.
         Anda aos encontrões da realidade
         sem acertar o tempo com o espaço.
         Os relógios e as fronteiras não tem
         tradução na sua língua. Falta-lhe
         o amor da convenção em que nas outras
         as palavras fingem de certezas.
         O poeta lê apenas os sinais
         da terra. Seus passos cobrem
         apenas distâncias de amor e
         de presença. Sabe
         apenas inúteis palavras de consolo
         e mágoa pelo inútil. Conhece
         apenas do tempo o já perdido; do amor
         a câmara escura sem revelações; do espaço
         o silêncio de um vôo pairando
         em toda a parte.
         Cego entre as veredas obscuras é ninguém e nada          sabe
         — morto redivivo.

         Tudo é simples para quem
         adia sempre o momento
         de olhar de frente a ameaça
         de quanto não tem resposta.
         Tudo é nada para quem
         descreu de si e do mundo
         e de olhos cegos vai dizendo:
         Não há o que não entendo.

Adolfo Casais Monteiro (nasceu no Porto a 4 de Julho de 1918 e faleceu em São Paulo a 23 de Julho de de 1972)

Ler do mesmo autor, neste blog:
Paz aos Mortos
FADO
Eu falo das casas e dos homens

2013-07-03

Os governantes que (não) temos...

Já há muito sabíamos que estávamos entregues à “bicharada” mas os acontecimentos dos últimos dois dias são inacreditáveis.

O Ministro Gaspar demitiu-se e tornou-se pública a carta de demissão em que ele próprio “confessa” que o caminho seguido deu mau resultado (recessão, desemprego...) apesar de ter conseguido que o país tenha readquirido a confiança dos credores. Não se percebe é como o Passos já sabendo que o Ministro pedira a demissão em Outubro do ano passado e que se manteve a prazo até à 7ª avaliação da troika não tenha feito o seu trabalho na preparação da substituição. Afinal, foi a chefe da secretaria que foi promovida a CFO! Seria uma espécie de «Gaspar» de saias mas foi seguramente uma errada swapoption. Depois o Portas que sempre gosta de ser o fiel da balança mas enquanto tal tem de ser ouvido nas decisões e quer dividendos tal qual o “queijo limiano”. Ora Passos não quer saber, é ele o primeiro-ministro (afinal o PSD é o FCP da política enquanto o CDS não passa de uma espécie de Moreirense). Assim Portas achou que era tempo de sair do barco (com rumo incerto) ao mesmo tempo que provocava o seu afundamento.

Depois à noite o discurso do PM! Que dizer? Tive de esfregar bem os olhos e ir buscar um cotonete para ver se tinha cera nos ouvidos… para me certificar que aquilo era verdade. Nem quando o Kelvin marcou o golo do título contra o Benfica tivera tantas dúvidas sobra a realidade...

Um homem (quanto mais um primeiro ministro) com este défice de avaliação e de diagnóstico político como pode ser comandante de um governo?

E que dizer do Presidente da República? Não mexe uma palha… a Assembleia da Republica que trate do assunto… Façam uma moção de desconfiança para o Governo cair que isso não é assunto meu… (ainda estou a perceber quais são os assuntos dele...)

Depois admiram-se que lhes chamem fedelhos (Passos e Portas) e palhaço (Cavaco). Até os tribunais já perceberam que nomes desses para as personalidades em causa não constituem insultos nem ofensas à honra. Nós, a generalidade dos portugueses, que pagamos o IRS numa elevada alíquota dos nossos rendimentos para que essa “gente” desperdice com guerrinhas de crianças mimadas é que devíamos pôr essa gente toda em tribunal.

O Poder das Lágrimas - Luís Murat



Com que saudade para o céu não olhas,
vendo de nuvens todo o céu coberto
e engastadas de pérolas as folhas
e o coração das árvores deserto!

Como uma grande rosa, a alma desfolhas
dentro do seio, inteiramente aberto,
e esses restos de flor passando molhas
n’água do arroio, que coleia perto.

Molha-as, sim, nessa linfa algente e casta!
Que uma só gota cristalina basta
para o calor em chuva ir transformando.

Hás de ficar com olhos rasos d’água,
a dor há de acalmar, que a própria mágoa
tem dó de ver uma mulher chorando.


Luís Norton Barreto Murat nasceu em Itaguaí (RJ) a 4 de Maio de 1861 e morreu hemiplégico no Rio de Janeiro a 3 de Julho de 1929. Formado pela Faculdade de Direito de São Paulo em 1885, foi republicano e abolicionista. Participante do movimento revolucionário de 1893, andou refugiado e exilou-se em Buenos Aires mas, depois de julgado, foi absolvido. Indiferente ao parnasianismo, então vigente, estabeleceu a ponte entre o Romantismo e o Simbolismo. Influenciado a princípio por Victor Hugo, acabou dominado pela ideologia do místico sueco Swedenborg. Ninguém diria, ao ler «O Poder das Lágrimas», que transcrevemos, que o seu autor detestava os sonetos.

Soneto e nota biobliográfica extraídos de «A Circulatura do Quadrado - Alguns dos Mais Belos Sonetos de Poetas cuja Mátria é a Língua Portuguesa. Introdução, coordenação e notas de António Ruivo Mouzinho. Edições Unicepe - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, 2004.

Ler do mesmo autor neste blog:
Além Ainda
Penas Perdidas
Em Meio do Caminho
Ironia do Coração

Quotation of the day - Franz Kafka (on his 130th birthday)

Youth is happy because it has the ability to see beauty. Anyone who keeps the ability to see beauty never grows old.

Franz Kafka (b. 3 July 1883, in Prague, Austria-Hungary; d. 3 July 1883 in Kierling near Vienna, First Republic of Austria)



2013-07-02

As rosas - Sophia de Mello Breyner Andresen

imagem daqui

Quando à noite desfolho e trinco as rosas
É como se prendesse entre os meus dentes
Todo o luar das noites transparentes,
Todo o fulgor das tardes luminosas,
O vento bailador das Primaveras,
A doçura amarga dos poentes,
E a exaltação de todas as esperas.

in Dia do Mar, 1947

Sophia de Mello Breyner Andresen nasceu no Porto a 6 de Novembro de 1919; m. Lisboa, 2 de Jul 2004.
Ler da mesma autora, neste blog:
Pátria
Partida
Espera
Soneto
A Forma Justa
Apolo Musageta
Eis-me
Mar Sonoro
Porque
Promessa
Liberdade
Pudesse eu

2013-07-01

O Ministro Gaspar - 1ª figura do Governo - afinal desistiu...

 


Os corredores da maratona não desistem ao 27º Km! - afirmação célebre do ministro Vítor Gaspar.

Pois... afinal, Vítor Gaspar não passa de um corredor de 400 metros.

Depois das constantes falhas de previsão... de justificar a falta de investimento com as condições climatéricas... de ter posto o país com a maior taxa de desemprego de que há memória... de aumentar os impostos como nunca se viu... deixou o déficite orçamental em 10,6% do PIB! ... e desiste....

A culpa deve ter sido do Tribunal Constitucional...

Quis-se autotitular de corredor da maratona... talvez tenha feito os portugueses correr  27 Km... mas tirando-lhes a água e... com itinerário errado.

Agora confessa e confessa-se... Afinal, depois de termos percorrido os tais 27 Km... com tanto esforço... concluímos que estamos a mais de 42 Km da meta!...

Venha outro agora para a fase de investimento... diz ele. E quem Passos escolhe? Uma «Gaspar» dos swaps... Parece-me que a prova que temos pela frente mais se assemelha a um triatlo... para poder satisfazer a troika...; correr lá vamos correndo... andar de bicicleta também já há quem a foi repristinar à velha garagem ... agora o problema é para quem não sabe nadar.. e aí... vamo-nos afogar de certeza... (basta ver as notícias dos últimos dias)...



Carta a Ângela - Carlos de Oliveira (na voz de Luís Cília)







Para ti, meu amor, é cada sonho
de todas as palavras que escrever,
cada imagem de luz e de futuro,
cada dia dos dias que viver.

Os abismos das coisas, quem os nega,
se em nós abertos inda em nós persistem?
Quantas vezes os versos que te dou
na água dos teus olhos é que existem!

Quantas vezes chorando te alcancei
e em lágrimas de sombra nos perdemos!
As mesmas que contigo regressei
ao ritmo da vida que escolhemos!

Mais humana da terra dos caminhos
e mais certa, dos erros cometidos,
foste de novo, e sempre, a mão da esperança
nos meus versos errantes e perdidos.

Transpondo os versos vieste à minha vida
e um rio abriu-se onde era areia e dor.
Porque chegaste à hora prometida
aqui te deixo tudo, meu amor!


in "Poesias"

Carlos Alberto Serra de Oliveira (n. em Belém do Pará, a 10 de Agosto de 1921 e morreu em Lisboa a 1 de Julho de 1981)

Ler do mesmo autor, neste blog:
Coração (composição 4)
Chave;
Soneto; Sonnet (English version);
Canto
Insónia
Bilhete Postal