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2013-03-14

Ahasverus e o gênio - Castro Alves (no Dia Nacional da Poesia, no Brasil)


     Sabes quem foi Ahasverus?...— o precito,
     O mísero Judeu, que tinha escrito
             Na fronte o selo atroz! 
     
     Eterno viajor de eterna senda...
     Espantado a fugir de tenda em tenda,
     Fugindo embalde à vingadora voz!

     Misérrimo!  Correu o mundo inteiro,
     E no mundo tão grande... o forasteiro
             Não teve onde... pousar.
      
     Co'a mão vazia — viu a terra cheia.
     O deserto negou-lhe — o grão de areia,
     A gota d'água — rejeitou-lhe o mar.

     D'Ásia as florestas — lhe negaram sombra
     A savana sem fim — negou-lhe alfombra.
            O chão negou-lhe o pó!...
      
     Tabas, serralhos, tendas e solares...
     Ninguém lhe abriu a porta de seus lares
            E o triste seguiu só.

     Viu povos de mil climas, viu mil raças,
     E não pôde entre tantas populaças
            Beijar uma só mão ...
      
     Desde a virgem do Norte à de Sevilhas,
     Desde a inglesa à crioula das Antilhas
            Não teve um coração! ...

     E caminhou!... E as tribos se afastavam
     E as mulheres tremendo murmuravam
            Com respeito e pavor.
      
     Ai! Fazia tremer do vale à serra...
     Ele que só pedia sobre a terra
           — Silêncio, paz e amor! —

     No entanto à noite, se o Hebreu passava,
     Um murmúrio de inveja se elevava,
     Desde a flor da campina ao colibri.
      
     "Ele não morre", a multidão dizia...
     E o precito consigo respondia:
            — "Ai! mas nunca vivi!" —

       ................................
     O Gênio é como Ahasverus... solitário
     A marchar, a marchar no itinerário
            Sem termo do existir.

     Invejado! a invejar os invejosos.
     Vendo a sombra dos álamos frondosos...
     E sempre a caminhar... sempre a seguir...

     Pede u'a mão de amigo — dão-lhe palmas:
     Pede um beijo de amor — e as outras almas
           Fogem pasmas de si. 
                                               
      E o mísero de glória em glória corre...
      Mas quando a terra diz: — "Ele não morre"
      Responde o desgraçado: — "Eu não vivi!..."

in Rosa do Mundo, 2001 Poemas Para o Futuro, Porto Editora

António Frederico de CASTRO ALVES nasceu em Muritiba (BA) a 14 de Março de 1847 e morreu, em São Salvador (BA) a 6 de Julho de 1871

De Castro Alves já divulgámos aqui neste blog Boa Noite, O Adeus de Teresa; Adormecida
Beijo Eterno; Mocidade e Morte; Horas de Saudade

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