Eu pecador, artista do pecado,
comido pela ânsia até aos ossos,
eu, tropel de esperanças e fracassos,
escultura de dor, firma do vento.
Eu, pecador, enfim, desesperado
de sombras e de sonhos: eu confesso
que sou um homem em modo de falar-vos
da vida. Pequei. Não me arrependo.
Nasci para contar com estes lábios
que a morte varrerá um dia destes
as descidas mais esplêndidas a pique
daquele belo avião de carne e osso.
De asas para cima, arremessou ou braços
fazendo alarde de tão alto invento;
penas de níquel; lentas, escrevei,
Ei-las aqui, fincadas neste solo.
Este é meu sítio. Meu terreno. Campo
de aterrar de minha ânsia. Céu
do avesso. Meu sítio e não o troco
por nenhum. Caí. Não me arrependo.
Ímpetos novos nascerâo, mais altos.
Chegarei por meus pés - para que os quero? -
a pátria do homem: ao céu limpo
dessas sombras e dessas esperanças.
in Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea, selecção e tradução de José Bento; Assírio & Alvim
Blas de Otero Muñoz (n. Bilbao, 15 de Mar. de 1916 - m. Madrid, 29 de Jun de 1979)
Ler do mesmo autor: Campo de Amor (Canção)
A Ponto de Cair
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