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2011-02-04

Os Meus Desejos - Almeida Garrett

Id arbitror
Adprime in vila esse utile, ne quid nimis.
Terent.

  Se entre os diversos dons da natureza
Me fora dada escolha,
Não me atraíra o fasto das riquezas,
Nem a pompa da glória.
Brilhante engenho, divinais talentos,
Quanto folgara tê-los!
Mas ai! tantos no mundo os possuíram,
E foram desgraçados!
D'Aquiles o cantor de terra em terra
Foragido esmolava;
O primeiro brasão da nossa glória,
Vate de Inês divino
Entre as garras da esquálida penúria
Desamparado expira;
Ao sublime cantor da maga Armida,
De Hermínia, de Clorinda
Sobre o cume do erguido Capitólio
Já o esperava o louro,
Do cisne de Vauclusa a sombra arguta
Já revoava em torno,
Quer ser-lhe guia, dirigir-lhe os passos
Na difícil vereda...
Eis após longa teia de infortúnios
A morte... E a morte é tudo!
E a ti, britano bardo, não bastavam
As trevas e a cegueira?
Tu que da miseranda humanidade
Na harpa de Sião choraste
Primeira perda, tudo enfim perdeste:
Tudo!... Restou-te a filha,
Sobejou-te a razão: que importa ao sábio
O resto do universo?
Empunhando a cicuta é grande ainda
O modelo dos sábios,
Consolando os amigos que o pranteiam
É venturoso ainda.
Guardai os vossos dons, glória e fortuna,
Vossas mercês levai-as;
Deixai-me um coração puro e sensível,
Um peito generoso,
Dai-me a ventura num fiel amigo,
Na razão dai-me um guia.
Extraído de Poemas Portugueses, Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, Porto Editora

João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett (n. no Porto a 4 de Fev. 1799; m. em Lisboa 9 Dez. 1854)

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