«Lá vai meu pobre espirito ansioso,
Atraves dos espaços confundidos,
De estrelas hesitantes, brancas nuvens
E nocturnos desertos esquecidos...
Ando em procura de mim próprio; eu ando
Ao longo da infinita solidão
E de forças ocultas, que se cruzam
Num sítio, que é meu triste coração!
Eis que me perco, em grande labirinto!
E, perturbado e doido, apenas vejo
Onda fatal de comovido instinto,
Que me impele, violento, para um negro,
Misterioso abismo...
Como a espuma,
Foilha das águas, com as águas vai,
Na cerração fantástica da bruma,
Enlouquecido, vou levado, à tona
Dum alteroso mar de sentimento!
Qual o destino meu? Quem me responde?
Que diz a noite às lástimas do vento?
Que dizes tu, meu coração aflito?
E lá vais, e lá vais, arrebatado
No dorso dum dilúvio! E fico, a sós
Comigo, esse misérrimo punhado
De arrefecida cinza e vã tristeza!
Desconheço, meu corpo, a tua essência
Sombra animada de íntimo luar.
És feito de invisíveis elementos,
Embora te descubra o nosso olhar...
Miraculoso peso, assim composto
De imponderáveis cousas! Forma viva,
Contendo a indefenida morte escura,
A vaga Identidade primitiva...
Alma e corpo, que sois? E quem és tu,
Ó voz que os interrogas? Quem sou eu?
Sombra da terra, fala! Ó tu, que és feita
Talvez de toda a luz que tem o céu!»
Estas palavras, loucas, sem sentido,
Que os seus lábios proféticos disseram,
De eco em eco, arrastadas pelos vales,
Numa poeira de som se desfizeram...
Poeira que sobe, e é névoa de silêncio;
Névoa que arrepiada e fria aragem,
Perpassando, condensa, e é humano canto,
Doce marulho de água ou de folhagem.
(excerto do poema V Chegada de Marânus à Montanha, de Marânus)
Teixeira de Pascoaes pseudónimo de Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos, nascido no dia 2 de novembro de 1877 em Gatão, Amarante e falecido no dia 14 de dezembro de 1952 em Amarante.
Ler também do mesmo autor neste blog:
À Minha Musa
A Sombra da Vida (excerto)
Elegia do Amor;
A sombra do Tâmega;
Canção da Névoa;
O Poeta;
Quem és tu? De onde vens?...
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