Do céu as estrelas
Acaso no brilho
São todas iguais?
São umas mais belas,
E outras parecem
Funéreos fanais.
Assim são os fados
Dos tristes mortais.
Cada qual tem sua sorte;
Um foi para a dor gerado,
E outro pela ventura
Ao nascer foi embalado.
Quanto mais penso, mais creio
Neste mistério profundo;
E a mim mesmo então pergunto:
Para que vim eu ao mundo?
Como resposta esperando,
Escuto silencioso;
No coração, que palpita,
Murmura um som lutuoso.
Soa essa voz em meu peito
Como em caverna profunda,
Como um suspiro exalado
Pela vaga gemebunda.
Para a dor, me diz, nasceste;
Para a dor, para o tormento;
Teus males só terão termo
Co'o teu último momento.
Sofrer, tal é meu fado! — Eu me resigno.
E que hei de fazer? Curta é a vida...
E quem me tolhe qu'eu de todo a encurte?
Não serei livre de lançar por terra
Um fardo que me acurva, um fardo inútil?
É a vida para uns néctar suave,
Tóxico é para mim;... devo tragá-lo?
Acaso Deus me disse
A ti toca sofrer por mil que gozam.
Mas eu blasfemo, oh céus! Que voz me grita:
"Mortal, olha o que fazes! Contra a vida
Não ouses atentar. Quem vida deu-te
Só quando lhe aprouver tirar-ta pode."
Oh meu Deus! compaixão; minha alma humilde
Graça implora da sua insana idéia.
Rir, ou chorar, eis só o que o homem sabe;
Se não canta, blasfema!
A sorte choremos,
Que avessa nos é;
Mas não blasfememos,
Vivamos co'a Fé.
Qual a esponja de líquido embebida,
De perpétua, letal melancolia
Pejado tenho o peito;
Minha alma amortecida,
E como que em seu túmulo encerrada,
Só pela dor à vida é revocada.
Oh minha alma, tu és como a lanterna
Do cemitério,
Que ante o altar, sobre um esquife solta
Palor funéreo.
A sorte choremos,
Que avessa nos é;
Mas não blasfememos,
Vivamos co'a Fé.
Oh prazer! Oh doçura da existência!
Meta tão desejada
De todos os mortais, para quem inda
Brilha no céu a estrela da esperança.
Oh benigno sol, que a vida aqueces,
Para mim te eclipsaste!
E se às vezes fosfórico lampejas,
Quando eu, afeito à dor, não te desejo,
É para exacerbar meu sofrimento.
Ah! nem me afaga da esperança o riso,
Nem me consola amor; tudo me foge.
A sorte choremos,
Que avessa nos é;
Mas não blasfememos,
Vivamos co'a Fé.
Domingos José Gonçalves de Magalhães (Rio de Janeiro, RJ, 13 de agosto de 1811 — Roma, Itália, 10 de julho de 1882)
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