Enquanto pasta alegre o manso gado,
minha bela Marília, nos sentemos
à sombra deste cedro levantado.
Um pouco meditemos
na regular beleza,
que em tudo quanto vive, nos descobre
a sábia natureza.
Atende, como aquela vaca preta
o novelhinho seu dos mais separa,
e o lambe, enquanto chupa a lisa teta.
Atende mais, ó cara,
como a ruiva cadela
suporta que lhe morda o filho o corpo,
e salte em cima dela.
Repara, como cheia de ternura
entre as asas ao filho essa ave aquenta,
como aquela esgravata a terra dura,
e os seus assim sustenta;
como se encoleriza,
e salta sem receio a todo o vulto,
que junto deles pisa.
Que gosto não terá a esposa amante,
quando der ao filhinho o peito brando,
e reflectir então no seu semblante!
Quando, Marília, quando
disser consigo: É esta
de teu querido pai a mesma barba,
a mesma boca, e testa.
Que gosto não terá a mãe, que toca,
quando o tem nos seus braços, c'o dedinho
nas faces graciosas e na boca
do inocente filhinho!
Quando, Marília bela,
o tenro infante já com risos mudos
começa a conhecê-la!
Que prazer não terão os pais, ao verem
com as mães um dos filhos abraçados;
jogar outros a luta, outros correrem
nos cordeiros montados!
Que estado de ventura:
que até naquilo, que de peso serve,
inspira amor doçura!
in Poemas Portugueses Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, Porto Editora
Tomás Antônio Gonzaga (Miragaia, Porto, 11 de agosto de 1744 — Ilha de Moçambique, 1810)
Marília de Dirceu, Segunda Parte, Lira XV
Não sei, Marília, que tenho
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