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2010-03-16

Um Homem Passa Com Um Pão Ao Ombro - César Vallejo

Um homem passa com um pão ao ombro
- Vou escrever, depois, sobre o meu duplo?

Outro senta-se, coça-se, tira um piolho do sovaco, mata-o
- Com que desplante falar da Psicanálise?

Outro entrou em meu peito com um pau na mão
- Falar, em seguida, de Sócrates ao médico?

Um coxo passa dando o braço a um menino
- Vou, depois, ler André Breton?

Outro treme de frio, tosse, cospe sangue
- Convirá não aludir jamais ao Eu profundo?

Outro busca no lodo ossos e cascas
- Como escrever, depois, sobre o infinito?

Um pereiro cai de um telhado, morre, já não almoça
- Inovar, em seguida, a metáfora, o tropo?

Um comerciante rouba um grama no peso a um freguês
- Falar, depois, da quarta dimensão?

Um banqueiro falsifica o seu balanço
- Com que cara chorar no teatro?

Um pária dorme com um pé às costas
- Falar, depois, a ninguém de Picasso?

Alguém vai num enterro a soluçar
- Como em seguida ingressar na Academia?

Alguém limpa uma espingarda na cozinha
- Com que desplante falar do mais além?

Alguém passa a contar pelos dedos
- Como falar do não-eu sem dar um grito?


Trad. de José Bento, in Rosa do Mundo, 2001 Poemas para o Futuro, Assírio & Alvim

César Abraham Vallejo Mendoza (n. Santiago de Chuco, La Libertad, Perú, em 16 Mar. 1892 – m. 15 Abr. 1938 em Paris)

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