Música sempre, acima de tudo
E para tanto elege o Ímpar,
Mais vago e mais solúvel no ar,
Livre de peso e à pose mudo.
Abstém-te ainda de no teu inciso
Escolher o verbo sem um desacerto:
Nada mais alto que o canto incerto
Onde se juntam Preciso e Impreciso.
São belos olhos por detrás de um véu,
O amplo dia estremecendo ao estio,
E num luzir de Outono macio,
A turba azul de estrelas no céu!
Porque também a Nuance falta,
Não queremos Cor, apenas Nuance,
Oh! a Nuance permite que dance
Sonho com sonho, e com trompa flauta!
Mantém ao longe Farpa assassina
Riso impuro, Espírito cruel,
Que entristecem o doce Mantel,
Pobres manjares de tão fraca sina!
À Eloquência, torcer o pescoço!
Bem usarias o propício clima
Para amainar um pouco essa Rima
Pois senão onde findará o poço?
Oh! Quem dirá os males da Rima?
Que surda infância ou que preto louco
Terá forjado esse adorno oco
Que soa a falso sob a nossa lima?
Música ainda, sem nenhuns temores!
Seja o teu verso a coisa enlevada
Fugindo assim da alma puxada
Para outros céus e outros amores.
Seja o teu verso a boa aventura
Dispersa ao vento mordaz da manhã,
Embalsamada em menta, hortelã...
E tudo o resto é literatura.
Trad. Filipe Jarro,
in Rosa do Mundo, 2001 Poemas para o Futuro, Assírio & Alvim
Paul Marie Verlaine (n. Metz, 30 de Março de 1844, – m. Paris, 8 de Janeiro de 1896)
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