Dentro de um secular sossego
nós somos
a escultura de amanhã
(trilhos de formigas
descem no cabelo
patinado de pó o coração)
Tu e eu
só estátuas de amanhã
Não temos na mão a flor
um livro uma espingarda
uma cadeira gasta onde morrer
E sem o monstro gótico apunhalado aos pés
(Todos os sonhos são de pedra ou bronze
não os meus de palha ou de papel)
Tu e eu
baixo-relevo
vendidos tocados expostos em vida
perseguidos pelos milionários
e pelos mortos talvez que invadiram já
o pedestal das estátuas
Tu e eu
elípticos de sexo
ontem gritada no teu peito
hoje secreto no meu ventre
deserdados da sombra
já sem gesto
escultura de amanhã
Maria Luiza Neto Jorge nasceu a 10 de Maio de 1939 em Lisboa, onde faleceu a 23 de Fevereiro de 1989. Frequentou Filologia Românica na Faculdade de Letras da sua cidade natal, mas não concluiu o curso. Pertenceu ao grupo Poesia ‘61 e viveu em Paris de 1962 a 1970. A sua poesia é tendencialmente surrealista: «Noite Vertebrada» (1960), «4.ª Dimensão» (1961), «Terra Imóvel» (1964), «O Seu a Seu Tempo» (1966), «19 Recantos» (1969), «O Ciclópico Acto» (1972), «Os Sítios Sitiados» (1973), «Onze Poemas» (1983), «A Lume» (1989) e, postumamente, «Poesia 1960/89» (1993). Adaptou para o teatro «O Fatalista» de Diderot e escreveu os diálogos dos filmes «Brandos Costumes» de Seixas Santos e «A Ilha dos Amores» de Paulo Rocha. Distinguiu-se também como tradutora literária.
Poema extraído de Poemas de Amor, Antologia de poesia portuguesa, Organização e Prefácio de Inês Pedrosa, Publicações Dom QuixoteNota biobliográfica extraída de A Circulatura do Quadrado - Alguns dos Mais Belos Sonetos de Poetas cuja Mátria é a Língua Portuguesa. Introdução, coordenação e notas de António Ruivo Mouzinho. Edições Unicepe - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto
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As casas vieram de noite
O poema ensina a cair
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