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2008-02-24

Na passagem do 81º aniversário de David Mourão-Ferreira

Soneto do Cativo

Se é sem dúvida Amor esta explosão
de tantas sensações contraditórias;
a sórdida mistura das memórias,
tão longe da verdade e da invenção;

o espelho deformante, a profusão
de frases insensatas, incensórias;
a cúmplice partilha nas histórias
do que os outros dirão ou não dirão;

se é sem dúvida Amor a cobardia
de buscar nos lençóis a mais sombria
razão de encantamento e de desprezo;

não há dúvida, Amor, que te não fujo
e que, por ti, tão cego, surdo e sujo,
tenho vivido eternamente preso!

David de Jesus Mourão-Ferreira (n. em Lisboa a 24 Fev. 1927; m. Lisboa a 16 Jun 1996)

David Mourão Ferreira foi o autor de muitos fados para Amália Rodrigues e que outros fadistas têm interpretado. Ouçamos aqui Mariza no fado Primavera

Primavera

Todo o amor que nos prendera,
como se fôra de cera
Se quebrava e desfazia.
:Ai funesta primavera
quem me dera quem nos dera
ter morrido nesse dia.:

E condenaram-me a tanto
viver comigo o meu pranto
viver, viver e sem ti
:Vivendo sem no entanto
eu me equecer desse encanto
que nesse dia perdi.:

Pão duro da solidão
é somente o que nos dão,
o que nos dão a comer.
Que importa que o coração
diga que sim ou que não,
se continua a viver.

Todo o amor que nos prendera
se quebrara e desifzera
em pavor se convertia
Ninguem fale em primavera
quem me dera quem nos dera
ter morrido nesse dia.



Ler do mesmo autor:
Equinócio
Nocturno
Paraíso
Presídio
Penélope
Ternura
Labirinto
E por vezes
Penelope

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