A minha casa é concha. Como os bichos,
segreguei-a de mim com paciência:
fachada de marés, a sonho e lixos,
o horto e os muros só areia e ausência.
Minha casa sou eu e os meus caprichos.
O orgulho, carregado de inocência,
se, às vezes, dá uma varanda, vence-a
o sal, que os santos esboroou nos nichos.
E telhados de vidro, e escadarias
frágeis, cobertas de hera, ó bronze falso!
Lareira aberta ao vento, as salas frias.
A minha casa… Mas é outra história:
sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço,
sentado numa pedra da memória.
VITORINO NEMÉSIO Mendes Pinheiro da Silva nasceu na ilha Terceira (Açores) a 19 de Dezembro de 1901 e morreu em Lisboa a 20 de Fevereiro de 1978. Em 1922, matriculou-se em Direito na universidade de Coimbra, daí transitou para Letras (Ciências Histórico-Geográficas), mas acabou por se licenciar em Filologia Românica na Faculdade de Letras de Lisboa (1931), onde faria o doutoramento, em 1939, apresentando como tese «A Mocidade de Herculano até à Volta do Exílio». Entretanto, fora bolseiro em França (universidade de Montpellier), conferencista em Paris, Toulouse e Bordéus e professor agregado da universidade de Bruxelas (1937/38). Em 1937, fundara a «Revista de Portugal», que só durou até 1940. A sua obra poética iniciou-se com «La Voyelle Promise» (1935) e prosseguiria com «O Bicho Harmonioso» (1939), «Eu, comovido a Oeste» (1940), «Festa Redonda» (1950), etc., etc. É uma poesia surrealizante, que precede de longe o serôdio surrealismo à portuguesa. Foi também notável ficcionista, sendo a sua obra-prima o romance «Mau Tempo no Canal» (1944). Viajou infatigavelmente pelo Brasil (1952), Espanha. França, Inglaterra, Alemanha, Holanda, Suíça, Angola e Moçambique. Era doutor «honoris causa» pelas universidades de Montpellier e do Ceará e foi-lhe atribuído o prémio Montaigne em 1974. Acusado de dispersividade, a sua acção docente deslumbrou gerações de alunos durante décadas e atingiu o grande público, a partir de 1969, com um programa televisivo intitulado «Se Bem Me Lembro...».
segreguei-a de mim com paciência:
fachada de marés, a sonho e lixos,
o horto e os muros só areia e ausência.
Minha casa sou eu e os meus caprichos.
O orgulho, carregado de inocência,
se, às vezes, dá uma varanda, vence-a
o sal, que os santos esboroou nos nichos.
E telhados de vidro, e escadarias
frágeis, cobertas de hera, ó bronze falso!
Lareira aberta ao vento, as salas frias.
A minha casa… Mas é outra história:
sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço,
sentado numa pedra da memória.
VITORINO NEMÉSIO Mendes Pinheiro da Silva nasceu na ilha Terceira (Açores) a 19 de Dezembro de 1901 e morreu em Lisboa a 20 de Fevereiro de 1978. Em 1922, matriculou-se em Direito na universidade de Coimbra, daí transitou para Letras (Ciências Histórico-Geográficas), mas acabou por se licenciar em Filologia Românica na Faculdade de Letras de Lisboa (1931), onde faria o doutoramento, em 1939, apresentando como tese «A Mocidade de Herculano até à Volta do Exílio». Entretanto, fora bolseiro em França (universidade de Montpellier), conferencista em Paris, Toulouse e Bordéus e professor agregado da universidade de Bruxelas (1937/38). Em 1937, fundara a «Revista de Portugal», que só durou até 1940. A sua obra poética iniciou-se com «La Voyelle Promise» (1935) e prosseguiria com «O Bicho Harmonioso» (1939), «Eu, comovido a Oeste» (1940), «Festa Redonda» (1950), etc., etc. É uma poesia surrealizante, que precede de longe o serôdio surrealismo à portuguesa. Foi também notável ficcionista, sendo a sua obra-prima o romance «Mau Tempo no Canal» (1944). Viajou infatigavelmente pelo Brasil (1952), Espanha. França, Inglaterra, Alemanha, Holanda, Suíça, Angola e Moçambique. Era doutor «honoris causa» pelas universidades de Montpellier e do Ceará e foi-lhe atribuído o prémio Montaigne em 1974. Acusado de dispersividade, a sua acção docente deslumbrou gerações de alunos durante décadas e atingiu o grande público, a partir de 1969, com um programa televisivo intitulado «Se Bem Me Lembro...».
Quer o poema quer a síntese biográfica foram retirados de «A Circulatura do Quadrado - Alguns dos Mais Belos Sonetos de Poetas cuja Mátria É a Língua Portuguesa. Introdução, coordenação e notas de António Ruivo Mouzinho. Edições Unicepe - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, 2004.
Ler ainda de Vitorino Nemésio neste blog:
Sem comentários:
Enviar um comentário