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2021-03-18

Carta ao Oceano - António Nobre

Ó Grande Alma trágica e sombria!
Quando hás-de enfim, na campa repousar?
Após a luta persistente e fria,
Ah, quanto é bom morrer... dormir... sonhar...

Estrebuchas nas ânsias da agonia,
Há mil e tantos séculos, ó Mar!
E nunca cessas de lutar, um dia,
E nunca morres, Alma singular!

Mas, ao chegar teu último momento, 
Quando zurzir nos ares a metralha
Da tua alma desfraldada ao vento:

Envolto nessa líquida mortalha,
Tu cairás prostrado, sem alento,
Como um guerreiro ao fim d'uma batalha!


António Nobre  (n. 16 agosto de 1867, Porto ; m. 18  de mar 1900 Porto (Foz do Douro))
Poesia Completa, 1867-1900
Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2000

2021-03-04

TUA FRIEZA AUMENTA O MEU DESEJO - Eugénio de Castro

Tua frieza aumenta o meu desejo:
Fecho os meus olhos para te esquecer,
Mas quanto mais procuro não te ver,
Quanto mais fecho os olhos mais te vejo.

Humildemente, atrás de ti rastejo,
Humildemente, sem te convencer,
Enquanto sinto para mim crescer
Dos teus desdéns o frígido cortejo.

Sei que jamais hei de possuir-te, sei
Que outro, feliz, ditoso como um rei,
Enlaçará teu virgem corpo em flor.

Meu coração no entanto não se cansa:
Amam metade os que amam com esp'rança,
Amar sem esp'rança é o verdadeiro amor.

Eugénio de Castro (n. em Coimbra a 4 Março de 1869; m. em Coimbra, a 17 de Agosto de 1944)

2021-03-03

Chuva de Estrelas - Marcelo Gama

 

Li uma vez em páginas antigas
que, se uma estrela cai do céu clemente,
concede tudo o que lhe pede a gente.
Como as estrelas são nossas amigas!

Por isso agora, insone e sem fadigas,
fito os céus toda a noite atentamente.
Chovem estrelas... E eu: – Astro fulgente,
quero que eterno o nosso amor predigas!

– Faze-me bom! Conserva-lhe a doçura!
– Estrela, dá-nos paz, serenidade!
– Que a nossa filha seja linda e pura!

Doiradas ambições! Como dizê-las,
se elas são tantas? Deus, por piedade,
manda que caiam todas as estrelas!


Marcelo Gama (n. a 3 de março de 1878 em Mostardas, Rio Grande do Sul, Brasil; m. a 7 de março de 1915 no Rio de Janeiro)

MARCELO GAMA foi o pseudónimo de Possidónio Cezimbra Machado, que nasceu em Mostardas (RS) a 3 de Março de 1878 e morreu no Rio de Janeiro a 7 de Março de 1915. Teve uma morte insólita: caiu do eléctrico em que viajava, dormindo, alta madrugada, sobre os trilhos. Foi um epígono do simbolismo: poeta, teatrólogo, crítico, jornalista, empregado do comércio e boémio. Hipersensível, com uma imaginação plástica de grande originalidade, professava um socialismo utópico e sentia, a um tempo, ódio e amor à vida. Os seus versos, por vezes, másculos e cortantes, revelam influência de Cesário Verde.


Soneto e Nota biobliográfica extraídos de «A Circulatura do Quadrado - Alguns dos Mais Belos Sonetos de Poetas cuja Mátria É a Língua Portuguesa. Introdução, coordenação e notas de António Ruivo Mouzinho. Edições Unicepe - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, 2004).

Confissão - Fernando Semana

Custa admitir tristeza assim

Mas não há mais rosas no jardim

Agora os temas dos meus sonhos

São cardos e fardos medonhos

Não há medronhos, não há jasmim